Circula pelas redes sociais uma ridícula caricatura católica repleta de mentiras e distorções grotescas do que vem a ser o protestantismo, com a finalidade óbvia de ridicularizar a fé alheia mediante truques baixos. Talvez você já tenha se deparado com ela (foto acima). O “folheto” propagandista católico diz o seguinte sobre o protestantismo:
“É a doutrina que ensina que devemos crer apenas na Bíblia, mesmo sabendo que até o Século IV dC. Não existia o NT, que foi compilado por uma Igreja mentirosa, desonesta e manipuladora, de nome Católica, que definiu pela inspiração do Espírito Santo os 27 livros do NT, mas que traiu a fé em Cristo se tornando herética, sendo necessário que Deus inspirasse um Profeta, chamado Padre Martinho Lutero, que apenas depois de 1500 anos depois de Cristo ensinaria o Cristianismo verdadeiro, mas que depois apareceu um outro desmentindo este primeiro profeta, ensinando o Cristianismo verdadeiro Chamado Calvino, e depois um outro profeta desmentiu Calvino e fundou finalmente a verdadeira Igreja de Cristo, de nome Universal, e depois outros profetas que... Eu pergunto: Isso faz algum sentido?”
Eu não sei quem foi o jumento que fez um troço tão ridículo e pitoresco como esse, embora tenha fortes suspeitas de que tenha vindo do Paulo Porcão ou de algum de seus correligionários. Nota-se que o autor sequer sabe escrever: logo na primeira frase coloca um ponto depois do “Século IV d.C”, iniciando a outra frase com letra maiúscula quando sequer deveria haver qualquer pausa. Sabendo, portanto, que o sujeito que escreveu esse lixo fugiu da escola ainda no primário, só pode se tratar do rockeiro Paulo Porcão ou do obsceno Cris Macabeus. Façam as suas apostas.
Vamos destruir este texto parte por parte:
“É a doutrina que ensina que devemos crer apenas na Bíblia, mesmo sabendo que até o Século IV dC. Não existia o NT, que foi compilado por uma Igreja mentirosa, desonesta e manipuladora, de nome Católica, que definiu pela inspiração do Espírito Santo os 27 livros do NT...”
Sim, por incrível que pareça, o texto já começa dizendo que NÃO EXISTIA O NOVO TESTAMENTO ATÉ O SÉCULO IV. Eu deveria ter amor próprio e parar de ler esta porcaria aqui mesmo, mas fiz um esforço sobrenatural para não apenas continuar lendo isso, mas também refutar tanta baboseira.
Como todo ser humano decente sabe, o Novo Testamento foi escrito inteiramente ainda no século I. Só quem questiona isso são os neo-ateus (que não crêem nem que Jesus existiu) e alguns teólogos liberais. O último livro a ser escrito foi o Apocalipse, em 95 d.C, sendo que quase todos os outros foram escritos antes mesmo de 70 d.C. As epístolas paulinas foram escritas entre a década de 50 e 60 d.C, e tudo isso é evidente a qualquer um que decida pesquisar um pouco. Recentemente foi achado um fragmento do evangelho de Marcos datando de 80-90 d.C (veja aqui), e já havia fragmentos do evangelho de João e das epístolas de Paulo datando do século II d.C. Tudo isso muito antes do século IV d.C, apontado pelo católico mentiroso.
Outro fato que corrobora com isso são os escritos dos Pais da Igreja mais antigos, que já faziam citações, desde finais do século I e princípios do século II, a quase todos os livros do Novo Testamento:
Vale ressaltar que, como qualquer estudioso de Crítica Textual sabe, quando tratamos de documentos antigos nós nunca possuímos o original em mãos, mas apenas cópias do original. O Novo Testamento é surpreendentemente o documento que, em disparado, possui a maior proximidade entre o original e a cópia mais antiga preservada, quando colocamos lado a lado com outros documentos antigos famosos:
Compare todos esses autores antigos, que tem milênios de distância entre a obra original e a cópia mais antiga preservada, com os livros do Novo Testamento escritos por Mateus, Marcos, Lucas, João, Paulo, Tiago, Pedro e Judas, em que temos 25 mil cópias antigas com uma diferença mínima inferior a 200 anos entre a cópia completamais bem preservada e o original, e décadasentre o original e o fragmento mais antigo.
Mas os Pais da Igreja não apenas citavam os livros do Novo Testamento como quem cita uma coisa qualquer. Eles citavam como Escritura, como vemos Policarpo dizendo:
“Creio que sois bem versados nas Sagradas Letras e que não ignorais nada; o que, porém, não me foi concedido. Nessas Escrituras está dito: ‘Encolerizai-vos e não pequeis, e que o sol não se ponha sobre vossa cólera’. Feliz quem se lembrar disso. Acredito que é assim convosco”[1]
Policarpo, o discípulo do apóstolo João, escreveu isso ainda no final do século I, e citou como Escritura Sagrada um trecho que só se encontra no livro de Paulo aos Efésios:
“Irai-vos, e não pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa ira”(Efésios 4:26)
Portanto, muito antes de qualquer concílio no século IV abordar a questão do cânon, Policarpo já sabia que as epístolas de Paulo eram Escritura. Havia alguma discussão sobre alguns livros considerados duvidosos (entre eles 2ª Pedro e o Apocalipse), mas desde o século II o cânon já estava praticamente estabelecido da mesma forma que existe hoje, como se nota no Cânone de Muratori. Na primeira metade do século III, 150 anos antes dos concílios de Hipona e Cartago do século IV, Orígenes já nos dava uma lista completa dos livros do Novo Testamento:
“Assim também nosso Senhor Jesus Cristo (...) enviou seus apóstolos como sacerdotes, levando trombetas bem forjadas. Primeiro Mateus tocou a trombeta sacerdotal no seu Evangelho, Marcos também, e Lucas e João, cada um deu publicamente a força sobre suas trombetas sacerdotais. Pedro além disso soa com as duas trombetas de suas epístolas; Tiago também e Judas. Ainda assim, o número é incompleta, e João dá adiante o som da trombeta através de suas epístolas [e Apocalipse]; e Lucas ao escrever os atos dos apóstolos. Depois de todos, além desses, veio um que disse: ‘Eu acredito que Deus me fez como o último dos apóstolos’ (1 Cor 4:9), e trovejando sobre as catorze trombetas de suas epístolas ele derrubou, mesmo para seus próprios fundamentos, o muro de Jericó, ou seja, todos os instrumentos de idolatria e os dogmas dos filósofos”[2]
Até o próprio termo «Novo Testamento» já era conhecido e considerado muito antes de finais do século IV, a data apontada pelo apologista católico. Eusébio, por exemplo, citando um autor ainda mais antigo, escreve:
“Faz muito e bem longo tempo, querido Avircio Marcelo, que tu me ordenaste escrever algum tratado contra a heresia dos chamados ‘de Milcíades’, mas até agora de certa maneira sentia-me indeciso, não por dificuldade em poder refutar a mentira e dar testemunho da verdade, mas por temor de que, apesar de minhas precauções, parecesse a alguns que de certo modo acrescento ou junto algo novo à doutrina do Novo Testamento, ao qual não pode juntar nem tirar nada quem tenha decidido viver conforme este mesmo Evangelho”[3]
Soma-se a isso o fato de que Irineu e Justino, ainda no século II, já mencionavam os evangelhos como sendo apenas quatro: Mateus, Marcos, Lucas e João. Ou seja: todos os livros do Novo Testamento foram escritos ainda no primeiro século; os primeiros Pais da Igreja desde finais do século I já reconheciam estes livros como “Escritura”, os evangelhos já eram limitados a quatro desde o século II, já existia 27 livros conhecidos como «Novo Testamento» pelo menos desde Orígenes (185-253), e mesmo assim os palhaços da apologética católica dizem que não existia Novo Testamento até o século IV!
É pra rir ou é pra chorar?
Continuando...
“...que foi compilado por uma Igreja mentirosa, desonesta e manipuladora, de nome Católica, que definiu pela inspiração do Espírito Santo os 27 livros do NT”
E quem disse que a Igreja do século IV se resumia em “mentirosa, desonesta e manipuladora”? A igreja que se transformou em mentirosa, desonesta e manipuladora foi a Igreja latina medieval, conhecida pelo nome de “Igreja Católica Apostólica Romana” após o racha de 1054 d.C. Quem “definiu” o cânon do Novo Testamento (que na verdade foi apenas um reconhecimento) no século IV foram dois concílios do norte da África, um em Hipona (393) e outro em Cartago (397). Estes concílios não eram ecumênicos (universais), mas regionais. Em outras palavras, eles valiam apenas para aquelas igrejas do norte da África.
Usar estes concílios como uma “prova” da Igreja Romana é um anacronismo ridículo e totalmente sem fundamento, visto que a Igreja de Roma da época teve zero participação nas definições de Cartago e de Hipona. Tais concílios não foram convocados por um papa, não foram presididos por um papa, e, como se não bastasse, não tiveram sequer a presença do papa e nem mesmo de um legado papal! O único concílio convocado por um papa da época para tratar da questão do cânon foi o de Roma, em 382, só que este concílio deixou de fora o livro de 2ª Coríntios, como já escrevi neste artigo. Em outras palavras, na única vez em que o papa da época se reuniu para tratar a questão do cânon, ele errou. Nem o Concílio de Trento (1546) seguiu a lista do concílio do papa Dâmaso, preferindo adotar a lista de Hipona e Cartago!
Portanto, dizer que o papa ou que a Igreja de Roma teve alguma participação na questão do cânon é simplesmente desonestidade intelectual de apologista sem vergonha. Se o papa tivesse tido qualquer papel relevante, teríamos que jogar fora o livro de 2ª Coríntios. Do jeito que ficou, se alguma igreja (comunidade local da época) merece o crédito são as do norte da África supracitadas. Mas elas não estavam sob a jurisdição do bispo de Roma, e ainda atacavam com dureza toda e qualquer tentativa de um bispo de fora querer se impor sobre as decisões deles, como fica bastante evidente em seus concílios locais:
“Igualmente decidimos que os presbíteros, diáconos e outros clérigos inferiores, nas causas que surgirem, se não quiserem se conformar com a sentença dos bispos locais, recorram aos bispos vizinhos, e com eles terminem qualquer questão (...) E que, se ainda não se julgarem satisfeitos e quiserem apelar, não apelem senão para os concílios africanos, ou para os primazes das próprias províncias; e que, se alguém apelar para a Sé Transmarina (de Roma) não seja mais recebido na comunhão”(Concílio de Cartago, ano 418)
“Pois nenhum de nós coloca-se como um bispo de bispos, nem por terror tirânico alguém força seu colega à obediência obrigatória; visto que cada bispo, de acordo com a permissão de sua liberdade e poder, tem seu próprio direito de julgamento, e não pode ser julgado por outro mais do que ele mesmo pode julgar um outro. Mas esperemos todos o julgamento de nosso Senhor Jesus Cristo, que é o único que tem o poder de nos designar no governo de Sua Igreja, e de nos julgar em nossa conduta nela” (Sétimo Concílio de Cartago, ano 256)
O que fica claro ao consultar estes concílios de Cartago? Que os bispos dali tinham a consciência de que eram totalmente submissos ao infalível e todo-poderoso bispo de Roma, que supostamente detinha uma jurisdição universal sobre toda a Igreja, inclusive sobre Cartago? É óbvio que não. O que está evidente é que a Igreja do norte da África era independente, ou seja, fazia parte da Igreja universal (“católica”) assim como as demais igrejas ocidentais e orientais, mas tinha jurisdição própria e autonomia local, não sendo sujeita à igreja de Roma de forma alguma.
Seguindo a lógica papista, devemos nos submeter à igreja que “definiu” o cânon. Essa igreja não foi a Igreja Romana (que surgiu depois do cisma) e nem a comunidade local de Roma já existente na época, mas as igrejas do norte da África, especialmente Cartago e Hipona. Mas elas foram totalmente destruídas pelos muçulmanos nas invasões árabes que tomaram a totalidade da África na Alta Idade Média. Para ser claro: essas igrejas não existem mais.
Colocá-las na conta da Igreja Romana é puro devaneio: ninguém sabe se por ocasião do cisma de 1054 elas decidiriam se aliar à Roma e fazer parte da Igreja Romana, ou se iriam se aliar à ortodoxia grega, ou se iriam permanecer independentes até hoje. O romanista que joga na base do achismo é simplesmente um desonesto intelectual. Querer usar o “argumento do cânon” para fundamentar uma Igreja Romana desenvolvida após um racha que ocorreu séculos depois dos concílios africanos é mais do que jogo sujo: é mau-caratismo mesmo.
Continuando...
“...mas que traiu a fé em Cristo se tornando herética, sendo necessário que Deus inspirasse um Profeta, chamado Padre Martinho Lutero”
Que doente escreveu uma asneira dessas? Desde quando o reformador protestante se chamava “Padre Martinho Lutero”? Eu pensava que ele se chamava apenas “Martinho Lutero”, e que “padre” não fazia parte do nome, mas era seu ofício. E quem disse que Lutero era profeta? E pior, escreveram “Profeta”, com “p” maiúsculo mesmo. Devem achar que nós consideramos Lutero uma espécie de segundo Elias ou um Nostradamus da vida. Nem Lutero se considerava “profeta”, nem os seus seguidores o consideravam assim. Não existe nenhuma visão, sonho, revelação ou profecia de qualquer tipo que Deus tenha dado a Lutero. O próprio Martinho dizia:
“Fiz uma aliança com Deus: que Ele não me mande visões, nem sonhos, nem mesmo anjos. Estou satisfeito com o dom das Escrituras Sagradas que me dão instrução abundante e tudo o que preciso conhecer tanto para esta vida quanto para o que há de vir”
E o palhaço católico não apenas diz que Lutero era um profeta, mas um Profeta! Se o fundo do poço tem um nome, ele se chama apologética católica.
Continuando...
“...que apenas depois de 1500 anos depois de Cristo ensinaria o Cristianismo verdadeiro”
E quem disse que o “Cristianismo verdadeiro” só começou a ser ensinado depois de 1500 anos? O que este papista andou bebendo antes de escrever isso? Qual protestante do planeta terra algum dia já afirmou uma asneira deste tamanho?
Lutero não “criou” coisa alguma. Ele reformou. Só se reforma aquilo que já existe. Em outras palavras, Lutero não criou uma religião paralela, um novo Cristianismo para concorrer com o Cristianismo original. Em vez disso, ele retornou às bases da Escritura que por um bom tempo foram mantidas pela maior parte dos Pais da Igreja e que, posteriormente, foi grosseiramente desvirtuado pela Igreja latina medieval. Não há nada que Lutero tenha pregado que já não tivesse sido explicitamente ensinado antes dele pelos Pais da Igreja, como eu demonstrei neste artigo, de leitura obrigatória a qualquer romanista que queira escrever qualquer baboseira sobre a Reforma Protestante.
Em termos simples, os papistas queriam que a sujeira que entrou na Igreja ao longo dos séculos permanecesse ali, e Lutero queria que ela saísse, para voltar à pureza do Cristianismo original, ou pelo menos para algo bem mais próximo disso do que o que estava em sua época. Não foi Lutero quem criou algo novo: quem inovou foi a Igreja Romana, adicionando dogmas e doutrinas sem nenhum fundamento, que jamais foram ensinadas por apóstolo nenhum e tampouco pelos Pais da Igreja. E ela continua inovando até hoje: em 1854 definiu o dogma da imaculada conceição de Maria, em 1950 proclamou o dogma da assunção mariana, e já há inúmeras petições à Santa Sé de católicos que querem oficializar um novo dogma: a co-redenção de Maria, que parece ser mesmo o próximo passo da seita. É tudo mera questão de tempo para ir surgindo novas inovações.
E, mesmo assim, ele acha que Lutero é o “inovador”...
Continuando...
“...mas que depois apareceu um outro desmentindo este primeiro profeta, ensinando o Cristianismo verdadeiro Chamado Calvino”
O “Cristianismo verdadeiro” chamava-se “Calvino”? Eu li isso mesmo? Eu já sabia que quem escreveu é um analfabeto funcional, mas isso?
E desde quando Calvino “desmentiu o primeiro profeta”? Aliás, desde quando Calvino se considerava “profeta”? Se Calvino tivesse “desmentido” Lutero, ele não teria aderido à Reforma, mas criado uma outra coisa, estilo anabatistas. No entanto, as igrejas luterana e presbiteriana são reformadas, ou seja, fazem parte do mesmo grupo protestante. Calvino não se “opôs” a Lutero, muito pelo contrário. Ele o lia tanto que se converteu à Reforma e o chamava de “pai muito respeitável”.
As poucas divergências doutrinárias entre ambos eram mais superficiais do que ocorre hoje entre uma igreja católica da Renovação Carismática comparada com uma igreja católica tradicionalista. As cinco solas e o fundamento da Reforma eram absolutamente compartilhados. Mas para o autor da panfletagem antiprotestante, vale tudo para enganar os incautos...
Continuando...
“...e depois um outro profeta desmentiu Calvino e fundou finalmente a verdadeira Igreja de Cristo, de nome Universal”
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Essa foi a pior de todas: o apologista católico lunático que escreveu o texto trata todos os protestantes como sendo da Igreja Universal do Edir Macedo!!! O que fazer com um cara desses? Internar em um sanatório? Em um hospício? Em um manicômio? Não sei por que decidir perder tempo respondendo a um troço patético desses...
Para terminar, gostaria de fazê-los sentir um pouquinho do gosto de como é satirizar a religião alheia em um parágrafo – mas desta vez apenas com verdades. Para isso, preparei um pequeno textinho:
Agora já podem dormir com este barulho.
Paz a todos vocês que estão em Cristo.
-Meus livros:
- Veja uma lista de livros meus clicando aqui.
- Confira minha página no facebook clicando aqui.
- Acesse meu canal no YouTube clicando aqui.
-Não deixe de acessar meus outros blogs:
- LucasBanzoli.Com (Um compêndio de todos os artigos já escritos por mim)
- Apologia Cristã (Artigos de apologética cristã sobre doutrina e moral)
- O Cristianismo em Foco (Artigos devocionais e estudos bíblicos)
- Desvendando a Lenda (Refutando a imortalidade da alma)
- Ateísmo Refutado (Evidências da existência de Deus e veracidade da Bíblia)
- Fim da Fraude (Refutando as mentiras dos apologistas católicos)