
A identificação da “mulher” de Apocalipse 12 tem sido alvo de constante debate. Três linhas de interpretação têm sido propostas na tentativa de resolver a questão. A primeira identifica a mulher como sendo a Igreja (interpretação mais comum entre os amilenistas). A segunda identifica a mulher como sendo Israel (interpretação mais comum entre os dispensacionalistas). E a terceira identifica a mulher como sendo Maria (interpretação oficial da Igreja Romana).
Linha 1 | Linha 2 | Linha 3 |
A mulher é a Igreja | A mulher é Israel | A mulher é Maria |
Dado o caráter altamente alegórico do livro, a terceira linha tem sido considerada a menos provável. Isso porque ela implicaria em uma linguagem de caráter mais literal que não condiz com o teor geral do livro, que trabalha por meio de figuras de linguagem e simbolismos por toda a parte. Embora em sentido literal quem deu à luz a Jesus foi Maria, o Apocalipse não é de modo algum um livro que pretende trazer as coisas no sentido literal. As revelações de João eram altamente alegóricas, o que nos evita pensar que Maria realmente estivesse “gritando de dor” quando deu a luz a Jesus:
“Apareceu no céu um sinal extraordinário: uma mulher vestida do sol, com a lua debaixo dos seus pés e uma coroa de doze estrelas sobre a cabeça. Ela estava grávida e gritava de dor, pois estava para dar à luz” (Apocalipse 12:1-2)
Além disso, nenhum elemento que consta no verso 1 se aplica claramente a Maria. A mãe de Jesus nunca é descrita na Bíblia como sendo vestida do sol. Em parte alguma é dito que ela tem a lua debaixo dos seus pés. E em lugar nenhum é declarado que ela tem doze estrelas na cabeça. Levando em consideração que uma das principais características de João era pegar ilustrações e conceitos presentes no Antigo Testamento e trazê-los para seu livro, seria extremamente estranho se ele trouxesse tantos conceitos inexistentes na literatura bíblica para identificar a mãe de Jesus. Isso no máximo confundiria, não ajudaria. Faria com que as pessoas procurassem por um paralelo bíblico, sem encontrar nada. Ou pior: que chegassem ao local errado.
O verso 6 é outro problema para os que pensam que se trata de Maria:
“A mulher fugiu para o deserto, para um lugar que lhe havia sido preparado por Deus, para que ali a sustentassem durante mil duzentos e sessenta dias”(v. 6)
Mil duzentos e sessenta dias é o equivalente a três anos e meio, que é reconhecidamente a primeira metade da grande tribulação (que no total dura sete anos). Mas não faz sentido algum a pessoa de Maria ser perseguida durante a primeira metade da grande tribulação. Talvez os apologistas católicos interpretem os três anos e meio figurativamente, mas ainda assim não há nenhum relato bíblico de Maria fugindo para o deserto. Nada parece fazer sentido algum se interpretado à maneira “mariana”.
A parte final do capítulo é a que menos faz sentido dentro da perspectiva mariana:
“Quando o dragão viu que havia sido lançado à terra, começou a perseguir a mulher que dera à luz o menino. Foram dadas à mulher as duas asas da grande águia, para que ela pudesse voar para o lugar que lhe havia sido preparado no deserto, onde seria sustentada durante um tempo, tempos e meio tempo, fora do alcance da serpente. Então a serpente fez jorrar da sua boca água como um rio, para alcançar a mulher e arrastá-la com a correnteza. A terra, porém, ajudou a mulher, abrindo a boca e engolindo o rio que o dragão fizera jorrar da sua boca. O dragão irou-se contra a mulher e saiu para guerrear contra o restante da sua descendência, os que obedecem aos mandamentos de Deus e se mantêm fiéis ao testemunho de Jesus” (Apocalipse 12:13-17)
Note que a descendência da mulher não são os que guardam o “testemunho de Maria”, mas os que guardam o testemunho de Jesus. Se a descendência da mulher fossem os devotos de Maria, como alegam os teólogos romanos, seria imprescindível que esses descendentes fossem os “servos de Maria”, como os mariólogos se intitulam. Mas, ao que tudo indica, essa descendência da mulher só guardava os mandamentos de Deus e se mantinham fieis ao testemunho de Jesus. Não tinham nenhuma devoção especial à “mulher” em si.
Por outro lado, a Linha 1 sofre de um problema crônico: se a mulher é a Igreja, como pode a Igreja ter dado a luz a Cristo? Embora Paulo tenha dito que em certo sentido os cristãos “geram” Jesus (Gl.4:19), aqui parece se adequar muito mais a Israel do que à Igreja. E o que torna a Linha 2 ainda mais evidente são todas as descrições específicas que são feitas no verso 1. Leiamos novamente:
“Apareceu no céu um sinal extraordinário: uma mulher vestida do sol, com a lua debaixo dos seus pés e uma coroa de doze estrelas sobre a cabeça” (v. 1)
Onde mais achamos um relato do sol, da lua e de doze estrelas? Já vimos que sobre a pessoa de Maria isso não aparece em lugar nenhum. Sobre a Igreja também não. Mas sobre Israel há uma descrição bem específica – na verdade, é a única parte da Bíblia onde estes três elementos aparecem juntos, no mesmo contexto:
“E teve José outro sonho, e o contou a seus irmãos, e disse: Eis que tive ainda outro sonho; e eis que o sol, e a lua, e onze estrelas se inclinavam a mim” (Gênesis 37:9)
No sonho de José, ele via o sol, a lua e onze estrelas (em Apocalipse 12 estão doze estrelas, porque inclui o próprio José, que era uma das doze tribos de Israel). O sol representava seu pai Jacó (Gn.37:10). Deus deu a Jacó o nome de Israel (Gn.35:10). A lua representava sua mãe Raquel, e as onze estrelas representavam cada um de seus onze irmãos (Gn.37:10), dos quais temos as tribos de Israel. Em outras palavras, toda a simbologia que envolve o sol, a lua e as doze estrelas têm como plano de fundo um mesmo significado: Israel. É por isso que aparecem “doze” estrelas, porque doze eram as tribos de Israel.
Israel é retratado alegoricamente inúmeras vezes como uma "mulher" no Antigo Testamento (Jr.3:8; Ez.23:1-22; 16:28; 16:24), e Paulo ilustra Israel como uma "mulher" em Gálatas 4:22-25. Isaías faz ainda uma descrição sobre Israel que é enormemente semelhante a Apocalipse 12:2:
"Como a mulher grávida, quando está próxima a sua hora, tem dores de parto, e dá gritos nas suas dores, assim fomos nós diante de ti, ó Senhor!" (Isaías 26:17)
Israel é retratado alegoricamente inúmeras vezes como uma "mulher" no Antigo Testamento (Jr.3:8; Ez.23:1-22; 16:28; 16:24), e Paulo ilustra Israel como uma "mulher" em Gálatas 4:22-25. Isaías faz ainda uma descrição sobre Israel que é enormemente semelhante a Apocalipse 12:2:
"Como a mulher grávida, quando está próxima a sua hora, tem dores de parto, e dá gritos nas suas dores, assim fomos nós diante de ti, ó Senhor!" (Isaías 26:17)
O verso 2 de Apocalipse 12 diz que a mulher (Israel) estava grávida do Messias (v.5), que de fato provém de Israel, mais especificamente da tribo de Judá (Hb.7:14). Então o dragão persegue a “mulher”, que foge para o deserto. A imagem do deserto também está diretamente relacionada a Israel ao longo de toda a sua trajetória. Foi no deserto que Israel peregrinou por quarenta anos, em busca da terra prometida. Mesmo depois de alcançar a terra de Canaã, os profetas continuavam frequentemente associando Israel à figura do deserto, seja como lembrança ou como advertência (Jr.2:6; 31:2; Ez.20:10; Am.2:10; Sl.136:16; 2Cr.24:9).
A perseguição do dragão contra a mulher se manifesta até hoje. Basta ver a quantidade gigantesca de antissemitas que existe em nosso mundo, mesmo quando este antissemitismo vem mascarado sob a forma de antissionismo. Ninguém foi tão perseguido na história quanto o povo judeu. Eles foram escravos no Egito, prisioneiros na Babilônia, dominados pelo império romano, suas terras foram tomadas por várias vezes, foram perseguidos e massacrados aos milhões por Hitler, e até hoje existe um enorme antissemitismo no mundo inteiro. O dragão nunca deixou de perseguir a “mulher”!
O relato bíblico prossegue dizendo que Deus continua ajudando Israel (Ap.12:14-16), confirmando Paulo quando disse que Deus não rejeitou o seu povo (Israel), em Romanos 11:2. Paulo chama Israel de “povo de Deus” e diz que Ele não o rejeitou, e é somente isso que explica o porquê que Israel ainda não foi tirado do mapa, mesmo com tanta perseguição que já sofreu até hoje, e com tantos inimigos hostis à sua volta. Mas o diabo também tem um outro inimigo além de Israel. Além de guerrear contra a “mulher” (Israel), ele também luta contra “os seus descendentes”:
“O dragão irou-se contra a mulher e saiu para guerrear contra o restante da sua descendência, os que obedecem aos mandamentos de Deus e se mantêm fiéis ao testemunho de Jesus” (Apocalipse 12:17)
Quem são os “descendentes” de Israel? Obviamente, os descendentes de Israel não podem ser o próprio Israel. Tem que ser outra coisa. Biblicamente, a resposta é simples: a Igreja. A Igreja é chamada de o “Israel de Deus” (Gl.6:16), a descendência espiritual de Abraão (Gl.3:7), os filhos da promessa (Gl.4:28). A Igreja surge a partir de um contexto judaico, com um líder judeu que tinha doze discípulos judeus, que se reuniam no templo de Jerusalém (At.2:46) e eram chamados de “seita dos nazarenos” (At.24:5), considerada uma facção do judaísmo.
Sim, a Igreja “descende” de Israel, e é por isso que Paulo diz que a Igreja foi “enxertada” na oliveira de Israel:
“Afinal de contas, se você [cristão] foi cortado de uma oliveira brava por natureza e, de maneira antinatural, foi enxertado numa oliveira cultivada, quanto mais serão enxertados os ramos naturais [israelitas] em sua própria oliveira?”(Romanos 11:24)
E para deixar claro que esta Igreja não é uma instituição religiosa de placa A ou B, João a define como sendo “os que obedecem aos mandamentos de Deus e se mantêm fieis ao testemunho de Jesus” (v.17), ou seja, os verdadeiros cristãos, os devotos de Jesus. Portanto, a lição primordial que temos em Apocalipse 12 é que tanto Israel quanto os verdadeiros cristãos estão na mira do dragão, que os perseguirá implacavelmente na grande tribulação, assim como já persegue até hoje. A razão pela qual israelitas e crentes genuínos permanecem existindo até hoje é somente pela proteção especial de Deus nos momentos mais difíceis:
“Então a serpente fez jorrar da sua boca água como um rio, para alcançar a mulher e arrastá-la com a correnteza. A terra, porém, ajudou a mulher, abrindo a boca e engolindo o rio que o dragão fizera jorrar da sua boca”(Apocalipse 12:15-16)
Se não fosse por isso, os judeus e os cristãos sinceros já teriam sido dizimados há muito, muito tempo.
Paz a todos vocês que estão em Cristo.
Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (www.lucasbanzoli.com)
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