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Refutando astronauta católico sobre "Os Pais da Igreja e a Imortalidade da Alma" (I): Introdução

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Introdução

Alguns de vocês já conhecem o Astronauta Católico (se não conhecem, não perderam nada). Depois de apanhar em quatro debates seguidos (aqui, aqui, aquie aqui) e de propor um debate pessoal comigo que depois que eu aceitei ele próprio desmarcou (e mesmo assim ainda mantém o “desafio” no “site” dele, para enganar seus leitores burros), o astronauta católico volta em mais uma de suas viagens astrais, dessa vez tentando pateticamente refutar meu artigo sobre "Os Pais da Igreja e a Imortalidade da Alma", com um aglomerado de distorções, textos isolados e deturpações nunca antes vistas pelo homem. Para se ter uma ideia do quão ruim que é, o artigo dele é quase pior do que o do Itard (não, não chegou a tanto ainda). O amadorismo do sujeito é tão flagrante que basta uma citação patrística com as palavras “fogo eterno” que o indivíduo já conclui triunfantemente que tal Pai da Igreja cria no “tormento eterno”. É por causa de “apologistas” amadores como Rafael que entendo perfeitamente bem Lutero quando disse que “papista e burro é a mesma coisa”[1].

Eu não vou refutar todas as sandices dele neste artigo porque são tantas que se fazem necessários vários artigos para refutar ponto por ponto das pilhérias (diferentemente dele, que “refuta” metade dos textos e finge que não viu a outra metade, eu refutarei os textos por completo). Hoje sairá a refutação apenas à introdução, e já tenho o esboço do próximo artigo, que será a refutação sobre Inácio. Não tenho data definida para a refutação da sequencia, mas tudo sairá a seu devido tempo, e quando terminar postarei aqui o artigo completo.


Refutando a Introdução

O texto amador inicia dizendo que “esta [a imortalidade da alma] é uma das doutrinas mais básicas para qualquer cristão”. Perdoarei este deslize porque sei que o astronauta católico não sabe o que é Cristianismo. Os credos e confissões de fé mais antigos rechaçam totalmente a ideia de que a imortalidade da alma era um “ponto fundamental para qualquer cristão”. O famoso Credo Apostólico (origem antiga) prega a ressurreição dos mortos, mas não nos diz nada sobre imortalidade da alma:

“Creio em Deus Pai, Todo-poderoso, Criador do Céu e da terra. Creio em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, o qual foi concebido por obra do Espírito Santo; nasceu da virgem Maria; padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado; ressurgiu dos mortos ao terceiro dia; subiu ao Céu; está sentado à direita de Deus Pai Todo-poderoso, donde há de vir para julgar os vivos e os mortos. Creio no Espírito Santo; na Santa Igreja de Cristo; na comunhão dos santos; na remissão dos pecados; na ressurreição da carne; na vida eterna”

“Creio na imortalidade da alma” nunca foi e nunca será um ponto de fé. O Didaquê (Doutrina dos Doze Apóstolos), também de origem antiga, que alguns estudiosos afirmam ser do final do primeiro século, também nada fala de “imortalidade da alma”, nem como ponto de fé, nem como sugestão teológica. Mais uma vez, é a doutrina da ressurreição, e não a “imortalidade da alma”, que entra em cena no cenário escatológico e toma a primazia:

“Então aparecerão os sinais da verdade. Primeiro, o sinal da abertura no céu; depois, o sinal do toque da trombeta e, em terceiro lugar, a ressurreição dos mortos. Ressurreição sim, mas não de todos, conforme foi dito: ‘O Senhor virá, e todos os santos estarão com ele’. Então o mundo verá o Senhor vindo sobre as nuvens do céu”[2]

Note ainda que a Didaquê, além de pregar a ressurreição sem fazer nenhuma referência direta ou indireta à imortalidade da alma, ainda é claramente pré-milenista (posição contrária ao amilenismo adotado pela Igreja Católica), pois afirma que na volta de Jesus somente os justos ressuscitarão, o que está em conformidade com a crença cristã pré-milenista de que os ímpios só ressuscitarão mil anos depois (ao final do milênio).

Quem também confirma que a Igreja primitiva adotava a ressurreição como crença principal, também sem fazer nenhuma alusão à imortalidade da alma e também demonstrando ter uma clara escatologia pré-milenista em contraste com a escatologia romana é Papias de Hierápolis (60-155 d.C), que nasceu ainda na era apostólica e chegou a conviver com alguns apóstolos e com seguidores diretos dos apóstolos. Eusébio de Cesareia (265-339), que viveu séculos mais tarde, na época em que a Igreja já tinha tido sua escatologia corrompida, reconheceu isso, dizendo:

“Entre essas coisas, ele [Papias] diz que haverá mil anos após a ressurreição dos mortos e que então o reino de Cristo se estabelecerá fisicamente nesta nossa terra”[3]

Justino (do qual ainda teremos muito a falar) também concorda com o milênio literal na terra (pré-milenismo) e assegura que aqueles que não creem na ressurreição não são cristãos, mas nunca disse que a imortalidade da alma fosse critério para alguém ser considerado cristão ou não:

“Se vós vos deparais com supostos Cristãos que não façam esta confissão, mas ousem também vituperar o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó, e neguem a ressurreição dos mortos, sustentando antes, que no ato de morrer, as suas almas são elevadas ao céu, não os considereis cristãos. Mas eu e os outros, que somos cristãos de bem em todos os pontos, estamos convictos de que haverá uma ressurreição dos mortos, e mil anos em Jerusalém, que será construída, adornada e alargada, como os profetas Ezequiel e Isaías e outros declaram"[4]

Nem mesmo a Igreja dos séculos seguintes, numa época que já cria majoritariamente numa alma imortal, tinha a imortalidade da alma como um ponto fundamental de fé ou necessário para a salvação. O Credo Niceno-Constantinoplano, por exemplo, afirma:

“Creio em um só Deus, Pai Todo-Poderoso, criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis. Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos. Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao Pai. Por ele todas as coisas foram feitas. E por nós, homens, e para nossa salvação, desceu dos céus, e se encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria, e se fez homem. Também por nós foi crucificado sob Pôncio Pilatos, padeceu e foi sepultado. Ressuscitou ao terceiro dia, conforme as escrituras, e subiu aos céus, onde está sentado à direita do Pai. E de novo há de vir, em sua glória, para julgar os vivos e os mortos; e o seu reino não terá fim. Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida, e procede do Pai e do Filho; e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado; Ele que falou pelos profetas. Creio na Igreja, una, santa, católica e apostólica. Professo um só batismo para a remissão dos pecados, e espero a ressurreição dos mortos e a vida do mundo que há de vir. Amém”

Mais uma vez, a imortalidade da alma é esquecida e deixada totalmente de fora dos pontos de fé principais do cristão – e isso numa época em que a Igreja como um todo já cria que a alma era imortal!

Este padrão nem de longe foi mudado com a Reforma. Embora as igrejas reformadas adotassem a imortalidade da alma como ponto de fé, ela nunca foi considerada um “ponto fundamental”, daqueles que se precisa crer para a salvação, e nem mesmo um dos pontos mais importantes. Os famosos 39 artigos da Igreja Anglicana não falam em “imortalidade da alma” em lugar nenhum (esta, aliás, é uma das razões pelas quais ainda hoje há muitos anglicanos mortalistas), mas coloca a ressurreição como crença fundamental. Os 25 artigos de fé da Igreja Metodista também não falam nada de imortalidade da alma. A Confissão de Augsburgo, adotada pela Igreja Luterana e central no processo da Reforma, embora seja bem extensa, ignora completamente a doutrina da imortalidade da alma em seu escopo.

O próprio Martinho Lutero chegou a rechaçar a doutrina da imortalidade da alma com estas palavras:

“Contudo, eu permito ao papa estabelecer artigos de fé para si mesmo e para seus próprios fiéis – tais como: que o pão e o vinho são transubstanciados no sacramento; que a essência de Deus não gera nem é gerada; que a alma é a forma substancial do corpo humano; que ele [o papa] é o imperador do mundo e rei dos céus, e deus terreno; que a alma é imortal; e todas estas monstruosidades sem fim no monte de estrume dos decretos romanos– para que tal qual sua fé é, tal seja seu evangelho, e tal a sua igreja, e que os lábios tenham alface apropriada e a tampa possa ser digna da panela"[5]

Nas Escrituras, que nunca ensinaram imortalidade da alma, também fica claro que ela nunca foi “doutrina fundamental” (e nem pode ser “doutrina fundamental” aquilo que não é nem “doutrina”). Quando o autor de Hebreus elencou as doutrinas fundamentais, ele colocou essas:

“Portanto, deixemos os ensinos elementares a respeito de Cristo e avancemos para a maturidade, sem lançar novamente o fundamento do arrependimento de atos que conduzem à morte, da fé em Deus, da instrução a respeito de batismos, da imposição de mãos, da ressurreição dos mortos e do juízo eterno”(Hebreus 6:1-2)

Para variar, a ressurreição aparece de novo, e essa tal imortalidade da alma... nada. Não apenas o termo “imortalidade da alma” sequer existe na Bíblia, mas as próprias palavras aionios (eterno) ou athanatos (imortal) nunca aparecem nas Escrituras em associação à palavra psiquê (alma). E de todas as vezes que o apóstolo Paulo usou a palavra “esperança” em relação ao porvir, em nenhuma delasestá associado a uma alma imortal, mas sempre à ressurreição (cf. At.23:6; 24:15; 26:6-8; Rm.8:23-24). Em minha opinião, estes são péssimos hábitos para quem crê que a imortalidade da alma é uma “doutrina fundamental”!

Em síntese, a imortalidade da alma nunca foi considerada uma “doutrina fundamental”, nem na igreja primitiva, nem no contexto da Reforma – nem por aqueles que criam na imortalidade da alma, e muito menos por aqueles que a rejeitavam. A sandice de que a imortalidade da alma é uma “crença básica para qualquer cristão” faz parte do “monte de estrume dos decretos romanos”, que precisa colocar a imortalidade da alma no patamar de “crença fundamental” para sustentar suas abominações como adoração às imagens, culto aos defuntos, purgatório, limbo, intercessão dos “santos” e todo o resto de doutrinas satânicas que tem como única finalidade desviar o cristão para longe de Cristo, e para mais perto dos mortos. É claro que para sustentar tantas aberrações e heresias é necessário um fundamento – é daí que surge a ideia de que a imortalidade da alma é uma “doutrina fundamental”, pois é ela que sustenta todas as demais. Mas que fique claro: imortalidade da alma é doutrina fundamental para o romanismo, não para o Cristianismo.

Seguindo com seu amadorismo típico, o astronauta esbraveja com o argumento manjado:

“Partindo do princípio da argumentação deles, poderíamos dizer que a ‘mortalidade da alma’ ou ‘aniquilacionismo’ também foi adotada do paganismo grego, já que Aristóteles, Epicureus e Estóicos também acreditavam que a alma morria e deixava de existir após a morte corporal. Dois pesos, duas medidas”

Antes disso eu já havia respondido a um certo “pastor” Jamierson em qual sentido que a imortalidade da alma é uma “doutrina pagã”. Para que fique claro também ao astronauta católico, uma doutrina pagã não é uma doutrina que um dia já tenha sido ensinada por algum pagão (se fosse assim, até a existência de Deus seria “paganismo”), mas sim uma doutrina que, na contramão do que ensina a Bíblia, passou a entrar no povo de Deus através do contato (sincretismo) com povos pagãos.

Os judeus só passaram a crer na imortalidade da alma após serem influenciados pelo platonismo, e por esta razão é uma crença “pagã”. Ou seja: não é por existir filósofos pagãos ensinando “x”, e sim porque a doutrina “x” veio de filósofos pagãos, e caiu na teologia deles. Entre uma coisa e outra há uma diferença monumental. A evidência histórica unânime é a de que os judeus eram holistas (posição que defende que a alma é o ser humano como um todo, que perece na morte), e só passaram a crer no dualismo a partir da diáspora, quando foram dispersos pelo mundo e influenciados pelo helenismo.

A grandemente respeitada Enciclopédia Judaica, em seu artigo referente à “Imortalidade da Alma”, declara explicitamente:

"A crença de que a alma continua existindo após a decomposição do corpo é uma especulação... que não é ensinada expressamente na Sagrada Escritura... A crença na imortalidade da alma chegou aos judeus quando eles tiveram contato com o pensamento grego e principalmente através da filosofia de Platão (427 - 347 a.C.), seu principal expoente, que chegou a esse entendimento por meio dos mistérios órficos e eleusianos, que na Babilônia e no Egito se encontravam estranhamente misturados"[6]

Enciclopédia Bíblica Padrão Internacional também revela que os israelitas não criam na imortalidade da alma antes de serem tardiamente influenciados por Platão:

"Quase sempre somos mais ou menos influenciados pela ideia grega platônica, que diz que o corpo morre, mas a alma é imortal. Tal ideia é totalmente contrária à consciência israelita e não é encontrada em nenhum lugar do Antigo Testamento"[7]

O Dr. Samuelle Bacchiocchi, PhD pela Pontifícia Universidade Gregoriana (católica) e autor do estudo mais aprofundado sobre a constituição da natureza humana já escrito até hoje, acrescenta:

“Durante esse período inter-testamentário, o povo judeu esteve exposto, tanto em seu lar, na Palestina, quanto na diáspora (dispersão), à cultura e filosofias helenísticas (gregas) de grande influência. O impacto do helenismo sobre o judaísmo é evidente em muitas áreas, inclusive na adoção do dualismo grego por algumas obras literárias judaicas produzidas nessa época”[8]

Como sabemos, essa época da diáspora judaica se deu exatamente no período helenístico, onde os gregos impunham sua cultura aos povos conquistados:

“Designa-se por período helenístico (do grego, hellenizein – ‘falar grego’, ‘viver como os gregos’) o período da história da Grécia e de parte do Oriente Médio compreendido entre a morte de Alexandre o Grande em 323 a.C e a anexação da península grega e ilhas por Roma em 146 a.C. Caracterizou-se pela difusão da civilização grega numa vasta área que se estendia do mar Mediterrâneo oriental à Ásia central. De modo geral, o helenismo foi a concretização de um ideal de Alexandre: o de levar e difundir a cultura grega aos territórios que conquistava”[9]

Durante o período helenista foram fundadas várias cidades de cultura grega, e dentre elas destaca-se Alexandria, que era uma espécie de “centro do helenismo”, com forte concentração da cultura grega. Muitos judeus foram dispersos para essa cidade. Um dos judeus helenizados que começaram a propagar fortemente a imortalidade da alma foi Fílon, sobre quem a Enciclopédia Judaica afirma:

“Não há referências diretas na Bíblia para a origem da alma, sua natureza e sua relação com o corpo, e essas perguntas deram espaço para as especulações da escola judaica de Alexandria, especialmente de Filon, o judeu, que procurou na interpretação alegórica de textos bíblicos a confirmação de seu sistema psicológico. Nos três termos (‘ruach’, ‘nephesh’ e ‘neshamah’) Filon viu a corroboração da visão platônica de que a alma humana é tripartite (τριμεής), tendo uma parte racional, uma segunda mais espiritual, e uma terceira como sendo a sede dos desejos”[10]

O prof. David S. Dockery (Ph.D.) também afirmou:

“O propósito de Fílon era apologético no sentido de unir o judaísmo e a filosofia grega. Para ele, o judaísmo, se propriamente entendido, pouco diferia dos insights mais elevados da revelação grega. Deus revelou-se ao povo de Israel, a nação escolhida por Deus, mas essa revelação não era radicalmente diferente de sua revelação aos gregos”[11]

Essa crença grega foi originalmente rejeitada pelos judeus da palestina, como atesta a Enciclopédia Judaica citando o Talmude:

“Essa crença foi rejeitada pelos estudiosos do Talmude, que ensinaram que o corpo está em um estado de perfeita pureza (Ber. 10a;. Mek 43b), e está destinado herdar sua morada celestial (...) Os rabinos afirmaram que o corpo não é a prisão da alma, mas, ao contrário, o seu meio de desenvolvimento e aperfeiçoamento”[12]

Por isso mesmo, nada é dito na Enciclopédia Judaica sobre os judeus crerem que a alma é um elemento imaterial e imortal antes dessa helenização com as teses gregas. Ao contrário, ela diz claramente:

“Uma vez que a alma é concebida como sendo apenas a respiração (‘nephesh’, ‘neshamah’, comp. ‘anima’), e inseparavelmente ligada, senão identificada, com o sangue da vida (Gn 9:4; 4:11; Lv 17:11), nenhuma substância real pode ser atribuída a ela. Assim, quando o espírito ou sopro de Deus (‘Nishmat’ ou ‘Ruach Hayyim’), que é o que se acredita que mantém corpo e alma juntos, tanto dos homens como dos animais (Gn 2:7; 6:17; 7:22; Jó 27:3), é retirado (Sl 146:4) ou retorna a Deus (Ec 12:7; Jó 34:14), a alma desce ao Sheol ou Hades, para lá ter uma sombria existência, sem vida e consciência (Jó 14:21; Sl 6:5; 115:7; Is 38:19; Ec 9:5; 9:10). A crença em uma vida contínua da alma, que é a base da primitiva adoração aos antepassados e dos ritos de necromancia, praticados também pelo antigo Israel (1Sm 28:13; Is 8:19), foi desencorajada e suprimida pelo profeta como antagônica à crença em YHWH, o Deus da vida, o Governador do Céu e da Terra”[13]

E sobre o significado original de “espírito” entre os judeus da época do Antigo Testamento, ela declara:

“O relato mosaico da criação do homem fala de um espírito ou fôlego com que foi dotado por seu Criador (Gn 2:7), mas esse espírito é concebido como sendo inseparavelmente ligado, senão totalmente identificado, com o sangue da vida (Gn 9:4; 4:11; Lv 17:11). Somente através do contato dos judeus com o pensamento persa e grego surgiu a ideia de uma alma desencarnada, tendo sua própria individualidade[14]

Portanto, ao dizermos que a imortalidade é “uma doutrina pagã”, estamos meramente salientando que foi através da filosofia platônica (pagã) que os judeus passaram a adotar a visão dualista, e que essa visão predominou no mundo todo por meio do helenismo na época da transição do Antigo para o Novo Testamento. Bem ou mal, a filosofia de Aristóteles e de Epicuro sobre a alma não predominou. O que predominou foi a filosofia de Platão, o famoso filósofo grego que espalhou ao mundo todo seus conceitos dualistas, onde o corpo era essa carcaça física e a alma era um elemento imaterial e imortal que habitava dentro dele.

As ideias de Platão rapidamente ganharam uma enorme notoriedade e exerceram uma influência gigantesca sobre os demais povos, porque na época o império que dominava a maior parte do mundo era a Grécia, e os gregos eram muito eficientes em espalhar e divulgar seus conceitos filosóficos sobre o mundo. Foi assim que todos os povos foram, cada um a seu próprio grau, influenciados por esta doutrina estranha à Bíblia, que contrasta corpo e alma e concede imortalidade somente a esta última.

Se o astronauta católico tivesse o costume de estudar, também saberia que a filosofia mortalista de Epicuro e Aristóteles não tinha nada a ver com holismo crido pelos mortalistas bíblicos. Os mortalistas cristãos são holistas, o que significa dizer que cremos que a alma em sentido primário nada mais é senão o ser humano como um todo (segundo a descrição de Gênesis 2:7). Epicuro e Aristóteles jamais definiram “alma” deste jeito. Eles eram muito mais próximos dos dualistas, com a diferença de que achavam que a alma dentro do corpo morre, ao invés de sobreviver e ir para algum outro mundo, vagando por aí. Mas o mais importante é o fato de que a imortalidade da alma é “pagã” em função de ela não ter surgido na Bíblia (entre os hebreus), mas foi uma ideia comprada do paganismo muitos e muitos séculos mais tarde.

Assim sendo, a não ser que o astronauta católico prove com documentos históricos que os judeus eram desde sempre dualistas e que foi a filosofia de Epicuro ou de Aristóteles que tardiamente tornou as pessoas mortalistas, ele não tem qualquer justificativa em dizer que a mortalidade da alma é “pagã”, assim como a imortalidade da alma claramente é.

Continuando o show de desinformação e ignorância, o astronauta católico afirma ainda:

“Dentro do Cristianismo a heresia da ‘mortalidade da alma’ teve suas raízes em Arnóbio de Sica no final do século IV”

Nos próximos artigos eu provarei que os Pais apostólicos e apologistas em suma maioria eram condicionalistas, refutando a baboseira de que Arnóbio de Sica foi o “precursor”, mas como o astronauta católico admite que Arnóbio era mesmo um mortalista, então usemos o testemunho do próprio Arnóbio:

"Não há motivo, portanto, que nos engane, não há motivo que nos faça conceber esperanças infundadas aquele que se diz por alguns pensadores recentese fanáticos pela excessiva estima de si mesmos que, as almas são imortais”[15]

Será que o astronauta católico não se deu conta de que Arnóbio não estava dando apenas uma “opinião pessoal” sobre o tema, mas sim afirmando enfaticamente que a doutrina da imortalidade da alma era uma heresia de “pregadores recentes”? Se a imortalidade incondicional era uma falsa doutrina que havia “recentemente” entrado na Igreja, então é óbvio que Arnóbio jamais foi o “precursor” dela. Se Arnóbio estivesse sozinho contra todo mundo da época, ele jamais teria dito que a imortalidade da alma era uma heresia recente, porque ela supostamente teria raízes históricas e era crida por toda a Igreja. O fato é que Arnóbio reconhecia que a doutrina nefasta da imortalidade incondicional da alma havia entrado recentemente na Igreja, através de “pregadores fanáticos” (tais como o astronauta católico), e isso é mais do que uma evidência de que os Pais da Igreja e demais cristãos de época mais anterior de fato não criam nessa asneira.

A outra possibilidade é que Arnóbio estivesse mentindo em seu testemunho de que a imortalidade natural da alma era uma doutrina que havia entrado recentemente na Igreja da época, mas isso seria completamente inútil naquela circunstância, uma vez que Arnóbio seria facilmente desmascarado por qualquer outro cristão se estivesse mentindo tão descaradamente. Seria como se alguém de hoje dissesse que a terra em forma de globo é uma invenção de “cientistas recentes e fanáticos”. Quem daria crédito a alguém que mentisse de forma tão grosseira? Ninguém. Arnóbio não ganharia nada com essa mentira, e não estava em tal condição. Somos instigados naturalmente a confiar em seu testemunho histórico, de que é a imortalidade natural da alma, e não a mortalidade, uma doutrina que entrou tardiamente na Igreja, no sentido contrário ao que era ensinado originalmente.

Mas espere, porque a coisa ainda vai piorar. O sujeito solta a pérola:

“Passando-se mais de um milênio de condenação, no século XIX, foi ressuscitada pelo protestantismona figura de Edward White, e foi mais desenvolvida por Adventistas e Testemunhas de Jeová”

Este trecho, onde o astronauta católico cita alguém chamado Edward White (que ele nem sequer sabe quem foi), foi descaradamente plagiado deste artigo do blog do Itard (de data mais antiga). Para alguém copiar uma informação vinda de um embusteiro de primeira classe sem nenhuma capacidade teológica, você já deve ter uma ideia do nível. Apenas um verdadeiro poço de ignorância histórica poderia chegar ao cúmulo de sugerir a aberração de que “ninguém por mais de um milênio creu na mortalidade”. Quantos livros este rapaz já leu? Na cabeça (ou melhor, no capacete) do astronauta católico, Calvino devia estar refutando o vento quando escreveu seu tratado contra os aniquilacionistas (enquanto as pessoas com cérebro sabem que ele estava refutando os anabatistas). Mas se Calvino estava refutando os anabatistas, então os anabatistas criam na mortalidade da alma. E se eles criam na mortalidade da alma, lá se vai a tese esdrúxula de que Edward White “ressuscitou” essa doutrina. Para o lixo este argumento.

O próprio Martinho Lutero, que como vimos repudiou pelo menos por algum tempo a doutrina da imortalidade da alma, se correspondeu com um mortalista chamado Nicholas von Amsdorf, que cria no sono da alma. Isso não apenas demonstra a existência de não-imortalistas no século XVI, como também que eles eram relevantes, pois Lutero dizia que não tinha argumentos para refutá-los e que estava inclinado a concordar com a opinião deles sobre a alma:

"A respeito de suas ‘almas’, eu não tenho conhecimento suficiente para te responder. Eu estou inclinado a concordar com sua opinião que as almas simplesmente dormem e que elas não sabem onde estão até o dia do Julgamento. Sou levado a esta opinião pela palavra das Escrituras: ‘Eles dormem com seus pais’. Os mortos que foram levantados por Cristo e pelos apóstolos testificam este fato, já que é como se eles estivessem acabado de ser acordados do sono e não sabem onde eles estiveram. A isto pode ser adicionado as experiências extáticas de muitos santos. Eu não tenho nada com o qual eu poderia derrubar esta opinião (...) Quem sabe como Deus lida com as almas que partem? Não poderia [Deus] da mesma forma simplesmente fazê-las dormir e acordar (ou enquanto ele deseja [que elas durmam]), assim como ele submete ao sono aqueles que vivem na carne?"[16]

Alguns estudiosos que já leram todos os escritos de Lutero chegaram à conclusão de que em seus escritos há mais de300 alusões à psicopaniquia, em que ele rejeita o conceito tradicional de “imortalidade da alma”. Entre outras coisas, ele disse:

“Os mortos estão completamente adormecidos e não sentem absolutamente nada... eles jazem lá sem contar os dias ou anos; mas quando eles forem levantados, parecer-lhes-á que só dormiram por um momento”[17]

E também:

“Salomão conclui que os mortos estão dormindo, e nada sentem, em absoluto. Pois os mortos ali jazem, sem contar os dias nem os anos, mas quando forem despertados, terão a impressão de ter dormido apenas um minuto”[18]

Ele disse isso trezentos anos antes de qualquer pessoa ouvir falar em um “Edward White”.

O erudito Bryan W. Ball, em um estudo aprofundado sobre o mortalismo e suas variantes na história cristã, afirmou:

“Em meados da década de 1520, a psicopaniquia era defendida na Áustria, Suíça, França e Holanda, bem como na Alemanha. Em 1527, o líder anabatista suíço Michael Sattler foi queimado na fogueira, condenado sob várias acusações de heresia, incluindo negar a eficácia da intercessão da Virgem Maria e dos santos que já morreram (visto que, como todos os fiéis, eles estavam dormindo, aguardando a ressurreição e o juízo final). Na Holanda, Anthony Pocquet, ex-padre e doutor em direito canônico, proclamou que a obra redentora de Cristo culminaria na ressurreição dos justos. Os crentes que morreram em antecipação da ressurreição estavam dormindo na sepultura”[19]

Além disso, G. H. Williams demonstrou que a maioria dos líderes da chamada “Reforma Radical” eram mortalistas. Por razões do destino, os reformistas radicais não tiveram voz maior porque não prevaleceram nos lugares onde se instalaram (a Reforma tradicional acabou predominando).

Outro reformador que defendeu enfaticamente o mortalismo bíblico e cristão foi o célebre William Tyndale (1484-1536), o tradutor das Escrituras que foi queimado pela Igreja papal, e, enquanto as chamas devoravam seu corpo, dizia: “Senhor, abre os olhos do rei da Inglaterra”. A posição de Tyndale sobre a alma era a seguinte:

“E vós, colocando-as [as almas que partiram] no céu, no inferno ou no purgatório, destruís os argumentos mediante os quais Cristo e Paulo provam a ressurreição (...) E mais, se as almas estão no céu, dizei-me por que não estão em tão boas condições como os anjos? E então, que motivo existe para a ressurreição?”[20]

O astronauta católico também se esqueceu de Tyndale, porque Tyndale não é citado no texto do embusteiro Itard, de onde ele copiou a informação.

Bryan W. Ball menciona ainda a existência histórica de dezenas de milhares de mortalistas na Inglaterra, por volta dos séculos XVII e XVIII:

“Embora não se possa estabelecer quantos mortalistas havia em toda a Inglaterra na época, esta quantidade deve ter sido considerável. Uma Confissão de Fé Batista, publicada em 1660, com dois mortalistas proeminentes como signatários, afirmava representar 20 mil seguidores só em Kent, Sussex e Londres, e um panfleto publicado em 1701 acusou um dos signatários de propagar heresia em toda a região. Um antigo documento, descoberto apenas em 2007, fornece evidências de que o mortalismo ainda era forte entre os Batistas Gerais em Kent e Sussex em 1745. Parece além de dúvida que a crença mortalista prevaleceu entre os batistas no sudeste da Inglaterra por pelo menos 200 anos”[21]

Estamos falando de vinte mil pessoas em um só lugar, em uma época em que o astronauta católico jura de pés juntos que não existia um só mortalista em todo o planeta, até chegar o tal do Edward White, o “ressuscitador” da doutrina mortalista no século XIX. Que piada.

Há inúmeros outros nomes de destaque entre os séculos XVI e XIX que adotaram alguma vertente do mortalismo bíblico, rejeitando a imortalidade incondicional da alma e sua consciência pós-morte. Entre eles está John Milton (1608-1674), um dos maiores poetas sacros, que era secretário de Cromwell. Ele disse:

“Visto, pois, que o homem todo, como se diz, consiste uniformemente do corpo e alma (quaisquer que sejam os distintos campos atribuídos a essas divisões), mostrarei que, na morte, primeiro, o homem todo, e depois, cada parte componente sofre a privação da vida (...) A sepultura é a comum custódia de todos, até o dia do juízo”[22]

O astronauta católico conhece John Milton? Não, porque John Milton também não é citado no texto de Itard.

Para não perder muito tempo aqui citando outras dezenas de famosos mortalistas cristãos antes de Edward White, passarei aqui apenas a lista fornecida por Bryan W. Ball em seu estudo histórico supracitado:

• Jeremy Taylor (1613-1667), bispo anglicano e autor e capelão para o rei Charles I.

• John Locke (1632-1704), o filósofo empirista cujas ideias influenciaram o pensamento na Inglaterra nos dois séculos seguintes. Seus escritos ainda são leitura obrigatória para os estudantes de filosofia.

• Henry Layton (1622-1705), advogado, defensor mais prolífico do mortalismo, que produziu 1.500 páginas no total, a maior parte em réplica a defensores do conceito tradicional [isto é, a imortalidade da alma].

• William Coward (1657-1725), médico e membro do Colégio de Cirurgiões, que argumentou que a ideia de a substância imaterial ter existência é autocontraditória e contrária à razão, dizendo: “Eu posso conceber uma brancura negra tão logo elabore esse tipo de ideia em minha mente”.

• Edmund Law (1703-1787), bispo de Carlisle e professor de filosofia moral na Universidade de Cambridge, onde ele defendeu sua tese de doutorado sobre tanatopsiquismo[i.e, aniquilacionismo] em 1749.

• Peter Peckard (1718-1797), vice-reitor da Universidade de Cambridge e deão de Peterborough, um dos mais articulados apologistas do mortalismo.

• Francis Blackburne (1782-1867), outro graduado de Cambridge, discípulo de Locke, amigo de Law, e o primeiro historiador do pensamento mortalista inglês, tendo traçado as origens então conhecidas do mortalismo remontando ao século XV.

• Joseph Priestley (1733-1804), o cientista conhecido por sua “descoberta” do oxigênio, mas imerecidamente não tão conhecido como um erudito bíblico competente, que chegou a conclusões mortalistas por meio de seu próprio estudo do texto.

Quando um astronauta católico embusteiro confia e copia a informação de um pseudo-apologista protestante igualmente embusteiro e fraudulento, só podia dar nisso: um verdadeiro festival de desconhecimento e ignorância histórica, capaz de deixar de queixo caído qualquer principiante na arte da investigação histórica. É de dar nojo ver tanta mentira e desinformação a serviço de uma mentira comprada do paganismo. O astronauta católico poderia pelo menos se dar ao trabalho de buscar ler um livro de história para não se prestar a um papel tão baixo como esse, mas nem isso é capaz. Que lástima.

Calma, porque isso é só a introdução do texto dele. O que vem depois disso é mais um festival ainda mais pitoresco de distorções, manipulações, malabarismos para negar o óbvio e muitas, muitas outras pérolas. Se isso é só o começo, vocês devem imaginar o que vem depois. Comentarei sobre essas outras sandices e devaneios um próximo artigo em breve. Não percam.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (www.lucasbanzoli.com)


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[1] Citado por Döllinger, La Réforme, III, 138.
[2]Didaquê, 16:6-8.
[3]Fragmentos de Papias, 12.
[4]Diálogo com Trifão, c. 80.
[5] Martinho Lutero, Assertio Omnium Articulorum M. Lutheri per Bullam Leonis X. Novissimam Damnatorum.
[6] Enciclopédia Judaica, 1941, vol. 6, A Imortalidade da Alma, pp. 564, 566.
[7] Enciclopédia Bíblica Padrão Internacional, 1960, vol. 2, Morte, p. 812.
[8] BACCHIOCCHI, Samuele. Imortalidade ou Ressurreição: Uma abordagem bíblica sobre a natureza e o destino eterno. Unaspress, 1ª edição, 2007.
[10] Enciclopédia Judaica, 1941, Alma.
[11] DOCKERY, David S. Hermenêutica Contemporânea à luz da igreja primitiva. Editora Vida: 2001, p. 76.
[12] ibid.
[13] Enciclopédia Judaica, 1941, vol. 6, A Imortalidade da Alma, pp. 564, 566.
[14] Enciclopédia Judaica, 1941, Alma.
[15] Contra os Pagãos Livro II, 14-15.
[16] Lutero, em Carta a Nicholas von Amsdorf.
[17]Lutero, “Notes on Ecclesiastes” [“Notas sobre Eclesiastes”], em Luther’s Works [Obras de Lutero], traduzido e editado por J. Pelikan e editado por H. T. Lehmann (St. Louis, MO: Concórdia, 1972), 15:150.
[18]An Exposition of Solomon’s Book, Called Ecclesiastes or the Preacher, 1573, fl. 151 v.
[20]An Answer to Sir Thomas More’s Dialogue, liv. 4, cap. 4, págs. 180 e 181.
[22]Treatise of Christian Doctrine, vol. 1, cap. 13.

Refutando astronauta católico (II): Inácio de Antioquia cria na imortalidade da alma e tormento eterno?

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Introdução

Ontem postei aqui o começo da minha refutação ao texto pobre e supérfluo do nosso amigo astronauta católico (se você não leu, clique aqui e leia). Agora chegou a vez de refutarmos as distorções e manipulações do astronauta em cima de Inácio de Antioquia (35-107), que por sua antiguidade e aproximação com os apóstolos é fundamentalmente importante neste estudo.


Inácio de Antioquia era imortalista?

Para “provar” que Inácio era imortalista, o astronauta faz uso de uma passagem (dentre sete cartas inteiras escritas por ele!), que na cabeça dele “prova” que Inácio cria num suposto estado intermediário inventado pelos imortalistas:

“Meu espírito por vós se empenha, não apenas agora, também quando com Deus me encontrar”[1]

Na imaginação fértil da mente papista, este momento em que Inácio fala que se encontraria com Deus e se empenharia pelos tralianos era no tal do estado intermediário, como uma alma penada voando com os anjinhos no Céu. Quais evidências ele usa para fortalecer essa posição? Nada.

Qualquer um que estude os escritos de Inácio como um todo, ao invés de copiar um trecho minúsculo isolado de uma única carta, percebe o fato óbvio de que Inácio esperava encontrar com Deus e com seus irmãos na fé quando ressuscitasse, e não antes disso (no “estado intermediário”). Vemos isso por toda parte nos escritos de Inácio. Por exemplo, quando ele escreve a seu companheiro Policarpo (80-155) sobre o momento em que se encontraria novamente com ele (usando a mesma palavra “encontrar” que ele usa na carta aos tralianos), ele diz claramente que este encontro ocorreria na ressurreição dos mortos, e não no estado intermediário:

”Uma vez que a Igreja de Antioquia da Síria está em paz, como fui informado, graças à vossa oração, fiquei mais confiante na serenidade de Deus, se com o sofrimento eu o alcançar, para ser encontrado na ressurreição como vosso discípulo”[2]

Este texto o astronauta católico ignorou e fingiu que não leu, é claro.

Inácio, que já estava próximo da morte, escreve ao seu velho amigo Policarpo e mostra a sua esperança de que seria considerado como “vosso discípulo” na ressurreição, porque é lógico que é na ressurreição que ambos se veriam novamente. Isso é o mesmo pensamento que Paulo expressa aos tessalonicenses:

“Pois quem é a nossa esperança, alegria ou coroa em que nos gloriamos perante o Senhor Jesus na sua vinda? Não são vocês?”(1ª Tessalonicenses 2:19)

E também aos coríntios:

“Porque sabemos que aquele que ressuscitou o Senhor Jesus dentre os mortos, também nos ressuscitará com Jesus e nos apresentará com vocês (2ª Coríntios 4:14)

Por que o momento em que Paulo se alegraria do trabalho realizado em favor dos tessalonicenses era somente na vinda de Jesus? Porque é na volta de Jesus que os mortos são ressuscitados e apresentados diante do Senhor (1Ts.4:13-18). Por que Paulo disse que seria apresentado aos coríntios somente na ressurreição? Porque é na ressurreição que todos voltam à existência e são apresentados uns aos outros. O pensamento bíblico é claro: os mortos permanecem mortos até que Jesus os ressuscite na Sua vinda, e então nos veremos novamente. Era nisso que Inácio cria, e isso que ele expressou a Policarpo. Isso também foi o mesmo que ele disse aos efésios:

”Fora dele [Jesus], nada tenha valor para vós. Eu carrego as correntes por causa dele. São as pérolas espirituais com as quais eu gostaria que me fosse dado ressuscitar, graças à vossa oração. Desta desejo sempre participar para me encontrar na herança dos cristãos de Éfeso, que estão sempre unidos aos apóstolos pela força de Jesus Cristo”[3]

Mais uma vez, a linguagem é clara, e o desejo manifesto é de ressuscitar para que então se encontre na herança com os cristãos de Éfeso. Inácio não esperava se encontrar com os efésios em um estado intermediário antes da ressurreição, mas somente na ressurreição.

Diante de tudo isso, como devemos interpretar o verso em que Inácio diz que se empenhava pelos tralianos não somente “agora”, mas também “quando encontrar a Deus”? Como sendo uma referência a um estado intermediário onde Inácio já estaria na sua herança com Deus antes mesmo da ressurreição? É claro que não. Diante das evidências, este encontro com Deus se daria obviamente na ressurreição, e é este o momento em que Inácio se encontraria novamente com os tralianos, demonstrando o mesmo empenho e fervor por eles que demonstrou enquanto vivo. O texto usado pelo astronauta católico itardiano é a mais clara prova de que “texto fora de contexto vira pretexto para heresia”.


Inácio de Antioquia cria no tormento eterno?

Mas o astronauta ainda tem uma carta na manga: o texto em que Inácio fala sobre “fogo inextinguível”. Vejamos:

“Não vos iludais, meus irmãos, os corruptores da família não herdarão o Reino de Deus. Pois, se pereceram os que praticavam tais coisas segundo a carne, quanto mais os que perverterem a fé em Deus, ensinando doutrina má, fé pela qual Jesus Cristo foi crucificado? Um tal, tornando-se impuro, marchará para o fogo inextinguível, como também marchará aquele que o escuta. Por isso, recebeu o Senhor unção sobre a cabeça para exalar em favor da Igreja o perfume da incorrupção. Não vos deixeis ungir pelo mau odor da doutrina do príncipe deste mundo, de forma que vos leve cativos para longe da vida que vos espera. Por que não nos tornamos prudentes, aceitando o conhecimento de Deus, isto é, Jesus Cristo? Por que morrermos tolamente, desconhecendo o dom que o Senhor nos enviou de verdade?”[4]

Na cabeça do astronauta católico, a expressão “fogo inextinguível” é, por si só, suficiente para provar que Inácio cria no “tormento eterno”. O amadorismo aqui é tão gritante que o cidadão ainda não sabe que nos círculos mortalistas também se usa as expressões “fogo eterno”, “fogo inextinguível” ou “que não se apaga”, sem absolutamente nenhuma conotação de “tormento eterno”. A razão pela qual isso é perfeitamente possível é porque a Bíblia está cheia de exemplos onde a mesma linguagem referente a um “fogo eterno” ou “inextinguível” diz respeito aos efeitos causados pelo fogo, e não ao processo de duração do fogo em si. Por exemplo, em Isaías 34:9-10, nós lemos:

“Os ribeiros de Edom se transformarão em piche, e o seu pó, em enxofre; a sua terra se tornará em piche ardente. Nem de noite nem de dia se apagará; subirá para sempre a sua fumaça; de geração em geração será assolada, e para todo o sempre ninguém passará por ela”(Isaías 34:9-10)

Onde é que estão os edomitas? Já desapareceram há muitíssimo tempo e na sua terra o fumo não está subindo nem queimando e muito menos o piche está ardendo até hoje. Mas seria de se esperar que víssemos um fogo literalmente queimando até os dias de hoje como em um processo sem fim na terra de Edom, no caso da linguagem de “fogo eterno” (“nem de noite nem de dia se apagará... subirá para sempre a sua fumaça... de geração em geração será assolada”) implicasse naquilo que os imortalistas afirmam que implica.

Semelhantemente, em Jeremias 17:27 nós lemos:

“Mas, se não me ouvirdes, e, por isso, não santificardes o dia de sábado, e carregardes alguma carga, quando entrardes pelas portas de Jerusalém no dia de sábado, então, acenderei fogo nas suas portas, o qual consumirá os palácios de Jerusalém e não se apagará (Jeremias 17:27)

Aqui vemos que Deus disse que se o povo israelita deixasse de guardar o sábado, ele iria acender fogo nas portas da cidade que “não se apagará”. Lemos em 2ª Crônicas 36:19-21 que esta profecia se cumpriu. A cidade está queimando até hoje? É claro que não! O fogo já se apagou e os palácios antigos da cidade nem existem mais, muito menos estão queimando até hoje.

Deus também disse sobre a floresta do Neguebe:

“Diga à floresta do Neguebe: Ouça palavra do Senhor. Assim diz o Soberano, o Senhor: Estou a ponto de incendiá-la, consumindo assim todas as suas árvores, tanto as verdes quanto as secas. A chama abrasadora não será apagada, e todos os rostos, do Neguebe até o norte, serão ressecados por ela. Todos verão que eu, o Senhor, acendi, e não será apagada (Ezequiel 20:47-48)

Cadê o fogo queimando a floresta do Neguebe até hoje? Não existe. O fogo apagou? Sim.

O caso mais interessante se encontra em Judas 7, que diz:

“De modo semelhante a estes, Sodoma e Gomorra e as cidades ao redor se entregaram a imoralidade e a relações sexuais antinaturais, foram postas como exemplo, sofrendo a pena do fogo eterno (Judas 7)

Judas relembra o episódio em que as cidades de Sodoma e Gomorra foram destruídas pelo fogo divino enviado dos céus, e diz que estas cidades sofreram a pena do “fogo eterno”. Desnecessário seria dizer que o fogo que caiu nestas cidades não está lá até hoje (na região atualmente encontra-se o mar morto!).

Em todos estes casos, embora o fogo ou a fumaça “não se apagaria”, seria “eterno” ou “inextinguível”, houve obviamente um fim temporal à duração do fogo. Mesmo assim ele é chamado de “eterno” ou “inextinguível”. Por quê? Erro bíblico? Não, mas porque o fogo é “eterno” pelos efeitos irreversíveis causados por ele. Em outras palavras, o fogo que caiu consumiu tudo (destruição total), e essa destruição é para sempre. É neste sentido que o fogo é “eterno”.

Ao invés de ser uma evidência de tormento eterno em meio ao fogo, é uma evidência de aniquilacionismo completo, com efeitos eternos (irreversíveis). Essa é a razão pela qual os círculos mortalistas ainda hoje não têm qualquer problema em usar a expressão “fogo eterno/inextinguível”, e muito menos os primeiros Pais da Igreja, que viviam numa época em que cristão nenhum da face da terra usava a expressão “fogo eterno” no sentido de “tormento eterno”. Inácio não era uma exceção à regra, pois ele também não fala de tormento eterno em absolutamente lugar nenhum de suas epístolas. No lugar disso, o que vemos são vários indíciosde aniquilacionismo, por exemplo:

• Inácio dizia que Jesus “soprará a imortalidade”[5]sobre a Igreja (os não-salvos, por conseguinte, não terão esse “sopro” para serem “imortais” por toda a eternidade).

• Inácio dizia que a eucaristia era “remédio da imortalidade”[6]para “viver para sempre” (consequentemente, aqueles que não participavam da Ceia não possuiriam a imortalidade).

• Inácio dizia claramente que se Deus nos recompensasse de acordo com nossas obras nosso fim seria de deixar de existir[7](ouketi esmen), e os ímpios serão recompensados segundo as suas obras (Rm.2:6), isto é, sem os méritos de Cristo imputado a eles. Logo, ouketi esmen.

• Inácio dizia que o fim dos ímpios será uma “morte instantânea”[8].

• Inácio também disse milhares e milhares de vezes que o fim dos ímpios é a “morte”, a “destruição” e “perecer” (em contraste a zero citações em que ele afirma o “tormento eterno”).

Diante de tudo isso, é razoável dizer que Inácio cria no tormento eterno? Mil vezes não!

Em breve, a refutação às distorções e manipulações grosseiras em Justino Mártir.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (www.lucasbanzoli.com)


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[1] Inácio aos Tralianos, XIII.
[2] Carta de Inácio a Policarpo, 7:1.
[3] Inácio aos Efésios, 11:2.
[4] Carta aos Efésios, 16-17.
[5]Inácio aos Efésios, 17:1.
[6]Inácio aos Efésios, 20:2.
[7]Inácio aos Magnésios, 10:1.
[8] Inácio aos Tralianos, 11:1.

Refutando astronauta católico (III): Justino cria na imortalidade da alma e tormento eterno?

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Introdução

Chegamos agora à terceira parte da nossa refutação ao astronauta católico, desta vez para refutar os devaneios e delírios do mesmo em torno de Justino Mártir (100-165). Se você ainda não leu as outras duas partes da refutação, clique aquie aquie leia. Antes de iniciarmos a contra-argumentação em si, é necessário explicarmos brevemente quem foi Justino. Para quem não sabe, Justino não nasceu cristão, nem de família cristã. Ele não foi doutrinado desde a infância por professores cristãos. Em vez disso, ele era um filósofo platônico (admirador e seguidor da filosofia grega de Platão), que, como todo mundo sabe, foi a mais forte propulsora da doutrina da imortalidade da alma no mundo antigo, pois a “alma imortal” era o motor por detrás de toda a filosofia de Platão.

Em outras palavras, Justino era um ferrenho defensor da doutrina da imortalidade da alma antes de se converter, e é essa a razão pela qual ainda vemos alguns vestígios desta doutrina em seu primeiro trabalho como cristão (a 1ª Apologia), quando ele ainda não tinha toda a maturidade e conhecimento de todas as doutrinas cristãs, mas ainda conservava alguns dos seus conceitos platônicos que tinha antes. Depois da 1ª Apologia, Justino mostrou uma evolução e compreensão muito maior da doutrina cristã, e dali em diante ele não apenas não ensinou imortalidade da alma em lugar nenhum, como também passou a combatê-la em todas as suas obras. A 2ª Apologia e o Diálogo com Trifão, em especial, estão cheios de citações sobre a dissolução da alma entre a morte e a ressurreição, sobre a vida eterna ser apenas após a ressurreição e sobre o aniquilacionismo final dos ímpios, e é com estas obras que trabalharemos aqui.


Justino cria no tormento eterno?

Assim como fez com Inácio, o astronauta católico copiou e colou uma série de trechos onde Justino usa a terminologia de “fogo eterno”, como se isso por si mesmo já fosse o bastante para sugerir que Justino cria em um “tormento eterno”. Não perderei nem tempo com essa baboseira, porque tal insânia já foi refutada em meu artigo anterior sobre Inácio (clique aqui e leia). Como vimos anteriormente, mortalistas também usam naturalmente a linguagem de “fogo eterno” sem absolutamente conotação nenhuma de “tormento eterno”, e a Bíblia está repleta de citações onde um fogo “eterno” ou “inextinguível” não existe para sempre, mas é somente uma figura de aniquilacionismo com efeitos eternos(irreversíveis). Em outras palavras, significa apenas que o fogo consome a pessoa de uma vez para sempre – uma morte eterna, sem volta.

Há ainda várias evidências nos escritos de Justino de que ele não interpretava o “fogo eterno” da maneira com a qual os imortalistas o interpretam. Em seu Diálogo com Trifão, por exemplo, ele escreveu:

“Mas Deus poderosamente as tirará de nós, quando ressuscitar a todos, tornando uns incorruptíveis, imortais, isentos de dor e colocando-os em seu reino eterno e indestrutível, e enviando outros para o suplício do fogo eterno”[1]

Note que Justine disse que os ímpios irão para o fogo eterno, entretanto:

(a) Isso só ocorrerá depois da ressurreição!

(b) Eles não serão imortais, pois “imortais” Justino diz que somente os justos serão!

Portanto, a visão de Justino do “fogo eterno” não era a visão imortalista, onde os ímpios já estão agora mesmo (antes da ressurreição) queimando no fogo, e onde eles ficarão ali para sempre sem morrer (sendo imortais). Ao contrário: Justino cria que os ímpios seriam lançados no fogo somente depois que ressuscitarem, e esse tormento no fogo não poderia ser eterno, pois tanto a incorruptibilidade quanto a isenção de dor e a imortalidade eram atributos exclusivos dos salvos. É claro que o astronauta católico não observa nada disso, porque na infantilidade e amadorismo dele basta a expressão “fogo eterno” para sair alardeando por aí que Justino era um “imortalista”. Puro amadorismo.

Em sua 2ª Apologia, Justino mostra o mesmo parecer de que os ímpios não estão atualmente no fogo eterno, mas ainda serão (no futuro) lançados nele. Por exemplo, ele diz que o fogo eterno está “preparado” para os ímpios:

“Todavia, logo que conheceu os ensinamentos de Cristo, não só se tornou casta, como procurava também persuadir seu marido à castidade, referindo-lhe os mesmos ensinamentos e anunciando-lhe o castigo do fogo eterno, preparado para os que não vivem castamente e conforme a reta razão”[2]

É óbvio: se o fogo eterno está “preparado” para o momento em que os ímpios serão lançados ali, é porque eles não “estão” ali agora. Qualquer principiante com meia dúzia de aulas de português sabe disso. A punição é algo que os ímpios “devem sofrer”, não algo que eles “estão sofrendo”:

“E não se oponham a que costumam dizer os que se têm por filósofos, que não são mais que apenas ruído e espantalhos o que afirmamos sobre a punição que os ímpios devem sofrer no fogo eterno”[3]

Há apenas um lugar em que Justino fala do “fogo eterno” como algo presente, e mesmo assim o sentido é tão claramente figurado que para ele até os demônios estão neste “fogo eterno”!

“No princípio, Deus criou livres tanto os anjos como o gênero humano e, por isso, receberamcom justiça o castigo de seus pecados no fogo eterno”[4]

Veja que Justino diz “receberam”, no plural, referindo-se tanto aos homens maus quanto também aos anjos maus. Mas até o mais néscio dos cristãos sabe que os demônios não estão queimando agora em algum “fogo eterno”, mas estão soltos, “nos ares” (Ef.6:12), “bramando como um leão, procurando a quem possa tragar” (1Pe.5:8). A citação de Justino pode significar que eles já receberam o castigo divino do fogo eterno no sentido do fogo eterno já ter sido preparado por Deus para eles (ou seja, que Deus já decidiu e definiu a condenação deles). É assim que Justino alude um pouco adiante, ao falar novamente do destino do diabo:

“Eles [os demônios] receberam merecido tormento e castigo, aprisionados no fogo eterno. Se eles agora são vencidos pelos homens em nome de Jesus Cristo, isso é aviso do futuro castigo no fogo eterno que os espera, juntamente com aqueles que os servem. Todos os profetas anunciaram isso de antemão e isso também nos ensinou o nosso mestre Jesus”[5]

Perceba que Justino inicia o verso dizendo que os demônios “receberam” o “merecido tormento” e que já estão no “fogo eterno”, mas logo depois diz que isso é apenas um “aviso do futuro”, do “fogo eterno” que ainda os espera. Será que ele estava se contradizendo tão gritantemente dentro de tão poucas linhas? É claro que não. Na primeira parte, estar no “fogo eterno” sendo “castigado” para Justino era uma alegoria para o fato de que os demônios “são agora vencidos pelos homens em nome de Jesus Cristo”, e o castigo de fato, em sentido literal, ocorreria no futuro, quando os demônios e os homens serão lançados no “fogo eterno”. O astronauta católico, como era de se esperar, também não observou nada disso, porque o desespero dele era somente em correr para catar o máximo de citações possíveis onde o termo “fogo eterno” aparece em Justino, sem nem sequer ler os textos que cita. Amadorismo total.

O destino futuro dos ímpios, para Justino, era claramente a cessação da existência, a destruição completa. Ele primeiro diz que os demônios serão destruídos:

“Sim, com efeito, como já dissemos, o Verbo se fez homem por desígnio de Deus Pai e nasceu para a salvação dos que crêem e destruição dos demônios[6]

Essa destruição é também equiparada à morte:

“Por meio de quem [Cristo] Deus destrói tanto a serpente quanto os anjos e homens que estão com ela, mas liberta da morte aqueles que se arrependem de suas iniquidades e creem nEle”[7]

Depois, Justino é ainda mais claro e enfático ao dizer que Deus porá um “fim” nos ímpios, e para deixar claro que este “fim” é a destruição total e não o tormento eterno, ele complementa dizendo que é “do mesmo modo como não deixou ninguém vivo antes do dilúvio”:

“Assim, Deus também adia pôr um fim à confusão e destruição do universo, por causa da semente dos cristãos, recém-espalhada pelo mundo, que ele sabe ser a causa da conservação da natureza. De fato, se assim não fosse, vós não teríeis poder para fazer nada daquilo que faz eis conosco, nem seríeis manejados pelos demônios, como instrumentos de sua ação; mas descendo o fogo de julgamento, já teria separado tudo sem exceção, do mesmo modo como não deixou vivo ninguém antes do dilúvio, a não ser aquele que nós chamamos Noé, juntamente com os seus, e que vós chamais Deucalião, do qual nasceu de novo numerosa multidão de homens, uns maus, outros bons”[8]

A lógica de Justino era precisa: Deus vai destruir os ímpios dando um fim à existência deles, e só não fez isso ainda por misericórdia dos cristãos. Pedro disse que “Deus não demora em cumprir a sua promessa, como julgam alguns. Pelo contrário, ele é paciente com vocês, não querendo que ninguém pereça, mas que todos cheguem ao arrependimento” (2Pe.3:9). Em outras palavras, o momento da destruição final dos ímpios só não chegou ainda porque Deus quer estender o tempo de oportunidade de arrependimento para cada cristão, dando oportunidade para que o máximo número de pessoas se salve. Então chegará a “destruição do universo” que Justino afirma em conformidade com Hebreus 1:10-12, quando Deus fará “novos céus e nova terra” (Ap.21:1), recomeçando tudo de novo, somente com os salvos.

Que Justino não cria que este “fim” e “destruição” fossem meros símbolos para um “tormento eterno” do qual ele jamais disse, isso fica claro pela comparação que ele faz com o dilúvio: no dilúvio, apenas Noé e sua família se salvaram, e todos os ímpios deixaram de existir. Em outras palavras, quando Deus criar “novas todas as coisas” (Ap.21:5), o destino dos ímpios não será uma existência eterna, mas uma destruição total e cessação de existência, assim como os ímpios que foram completamente destruídos pelo dilúvio e deixaram de viver.  

No Diálogo com Trifão, o velho cristão afirma:

“As almas que se manifestaram dignas de Deus não morrem; as outras são castigadas enquanto Deus quiser que existam e sejam castigadas”[9]

Perceba que é só as almas dos justos que “não morrem”. Se apenas as almas dos justos é que não morrem, então é óbvio que as almas dos ímpios morrem. É por isso que o texto prossegue dizendo que as outras almas [as dos ímpios] são castigadas pelo tempo que Deus quiser que elas existam e sejam castigadas (uma declaração explícita do castigo temporário e proporcional, que os mortalistas sempre afirmaram), ao invés de dizer que elas existirão “para sempre”. Le Roy Edwin Froom comenta que “Justino afirma, por antítese, que os ímpios finalmente deixarão de existir após o castigo, quando Deus determinar”[10].

E para acabar de uma vez com todo e qualquer resquício de probabilidade de Justino ser um imortalista, ele diz com todas as letras que os demônios e os anjos devem deixar de existir:

“Deus atrasou a confusão e destruição de todo o mundo, pelo qual os anjos maus e os demônios e os homens devem deixar de existir[11]

Se existe alguma forma mais clara e evidente de pregar o aniquilacionismo do que a expressão “deixar de existir”, sinceramente, eu não sei qual é. Vou deixar que o astronauta católico me indique. Se nem o termo “deixar de existir” implica em “deixar de existir” (mas sim em um “tormento eterno”), então acho que eu também sou imortalista (risos).

As evidências de que Justino era aniquilacionista são tão esmagadoras que hoje em dia qualquer estudioso patrístico honesto admite isso. Teólogos das mais diferentes religiões têm reconhecido que Justino foi um típico mortalista. Le Roy Edwin Froom, em seu excepcional trabalho intitulado “The Conditionalist faith of Our fathers”, que para quem não sabe são dois volumes gigantes que totalizam 2.500 páginas apenas para provar a mortalidade da alma nos escritos dos primeiros Pais (seria bom que o astronauta os lesse para deixar de ser tão ignorante), cita vários teólogos imortalistas que reconhecem que Justino era aniquilacionista. Entre eles:

• Kitto: “Justino cria que as punições iriam cessar em algum momento”[12].

• Richard Rothe: “Justino Mártir pensava que Deus aniquilaria o perdido”[13].

• K. R. Hagenbach: “Justino afirmou que a alma era mortal, parecida com o corpo, e que a imortalidade era como uma recompensa que teria que ser adquirida”[14].

• Hosea Ballou: “Justino defendia que os ímpios serão, eventualmente, aniquilados”[15].

• Beecher: “Justino mantinha e ensinava o aniquilacionismo final dos ímpios, como a maioria dos eminentes estudiosos admite”[16].

• John C. L. Gieseler: “Justino dizia que as almas dos ímpios seriam, em algum momento, totalmente aniquiladas”[17].

• Alger: “Justino não acreditava em tormento sem fim, mas no aniquilacionismo final dos ímpios”[18].

• Constable: “Justino cria na destruição total da existência no inferno”[19].

Mas embora todos os estudiosos de respeito sejam suficientemente honestos para admitir o óbvio (que Justino era aniquilacionista), o astronauta católico vai continuar ensinando aos seus leitores burros e desinformados que Justino era “um imortalista”, primeiro porque ele não é estudioso de nada, e segundo porque não tem honestidade suficiente para admitir o óbvio, quando esse óbvio é contrário a uma doutrina pagã da igreja pagã a que ele serve.


Justino cria no estado intermediário?

Já vimos que Justino não cria no fantasioso e monstruoso “tormento eterno” da Igreja Católica, mas será que ele cria no tal do “estado intermediário”? É lógico que não. Justino cria que a vida eterna seria herdada somente após a ressurreição, e não antes dela:

“Ele [Josué] não apenas teve o seu nome alterado, como também foi sucessor de Moisés, sendo o único de seus contemporâneos que saiu do Egito, ele levou os sobreviventes para a Terra Santa e foi ele, e não Moisés, que conduziu as pessoas para a Terra Santa, e assim como ela foi distribuída por sorteio para os que entraram junto com ele, assim também Jesus Cristo virá novamente e distribuirá a boa terra para cada um, embora não da mesma maneira. Pois o primeiro [Josué] deu-lhes uma herança temporária, visto que ele não era nem Cristo, que é Deus, nem o Filho de Deus; mas este último [Jesus], após a santa ressurreição, nos dará a posse eterna[20]

Os homens de todas as épocas que creram em Cristo e que viveram de acordo com a Palavra de Deus “estarão” {futuro} naquela terra, e “herdarão” {futuro} o eterno e incorruptível bem:

“E, portanto, todos os homens em todos os lugares, quer escravos ou livres, que creem em Cristo, e reconheceram a verdade em suas próprias palavras e dos Seus profetas, sabemos que eles estarão com ele naquela terra, e herdarão o eterno e incorruptível bem[21]

Se Justino cresse que herdamos a vida eterna antes da ressurreição (no momento em que a alma “voa” para o Céu após a morte), então ele teria dito que os que já morreram já estão naquela terra prometida por Deus, e que já herdaram o eterno e incorruptível bem. O fato de ele colocar tudo no tempo futuro nos mostra mais uma vez que ele não cria que os que morreram já estão no Céu. A posse da vida eterna era vista como um acontecimento depois da ressurreição dos mortos, e não antes:

“E a Palavra, sendo o Seu Filho, veio até nós, tendo sido manifestado em carne, revelando tanto si mesmo como também o Pai, dando-nos a ressurreição dos mortos e, depois, a vida eterna[22]

O Dr. Dustin Smith concluiu que “Justino diz muitas coisas para mostrar que ele não acredita que a alma seja imortal. Ele cita também trechos da Bíblia que mostram que as almas podem morrer e que a verdadeira esperança dum crente está no futuro cumprimento do Reino de Deus”[23].

Nada disso o astronauta católico refutou em seu artigo medíocre. Em vez disso, ele só esboçou uma “refutação” à minha abordagem sobre o diálogo entre Justino e o homem velho. Para o nosso amigo astronauta católico, Justino não contradizia a imortalidade da alma “cristã”, mas apenas a imortalidade da alma “platônica” (como se houvesse muita diferença). Segundo ele, Justino era um imortalista convencional que apenas não cria na pré-existência das almas (ensinada por Platão), ou seja, Justino cria que Deus criou a alma naturalmente imortal, e não que a alma é imortal por si mesma (sem Deus).

Contudo, qualquer principiante que leia o Diálogo com Trifão percebe que Justino não estava contrapondo apenas a imortalidade da alma platônica, pois para ele essa era a única forma lógica da alma ser “imortal” (na concepção de Justino, se alma fosse gerada, então ela não podia ser imortal). Em outras palavras, Justino segue a linha filosófica de que se a alma não é gerada então ela é imortal, e se a alma é gerada então ela não é imortal(não existia “meio termo” para ele!). Essa ideia de alma “gerada e ao mesmo tempo imortal” simplesmente não existia no mundo antigo, nem tampouco nos primeiros Pais da Igreja.

O astronauta católico, com sua desonestidade típica, cita como “prova” que Justino era imortalista a primeira parte da sua conversa com o velho cristão, onde Justino responde:

Velho cristão– Qual é a nossa semelhança com Deus? Será que a alma é divina e imortal, uma partícula daquela soberana inteligência, e como aquela vê a Deus, também é possível para a nossa compreender a divindade e gozar a felicidade que dela provém?

Justino– Sem dúvida nenhuma.

O astronauta tira então do contexto essa primeira parte, para enganar seus leitores néscios e fazê-los pensar que Justino enquanto cristão era um imortalista. O que o malandro esqueceu de mencionar por razões óbvias é que este é um relato de Justino sobre a sua conversão, ou seja, ele ainda era pagão quando começou a conversar com o homem velho. Foi o homem velho quem o convenceu por meio dos argumentos de que Justino estava errado, e no decorrer da conversa isso vai ficando cada vez mais claro, pois o velho vai convencendo Justino de que a alma não é imortal coisa nenhuma. Aí o astronauta espertalhão tira do contexto essa parte inicial em que Justino como pagão respondia que a alma era imortal e tenta aplicar isso para quando Justino já era cristão! A quem esse malandro pensa que engana?

Vamos continuar o relato da conversa de Justino com o velho cristão que o converteu, para vermos se Justino manteve essa posição ou não:

Velho cristão– E todas as almas dos seres vivos têm a mesma capacidade? Ou a alma dos homens é diferente da alma de um cavalo ou de um jumento?

Justino– Não há nenhuma diferença. Elas são as mesmas em todos.

Velho cristão– Logo, os cavalos e os asnos também vêem a Deus ou já o terão visto!

Justino– Não. Nem mesmo muitos homens o vêem. Para isso, é preciso que se viva com retidão, depois de se purificar com a justiça e todas as outras virtudes.

Velho cristão– Então o homem não vê a Deus por causa de sua semelhança com ele, nem porque tem inteligência, mas porque é sensato e justo.

Justino– Exatamente. E porque tem capacidade para entender a Deus.

Velho cristão– Muito bem. Será que as cabras e ovelhas cometem injustiça contra alguém?

Justino– De modo nenhum.

Velho cristão– Então, segundo o teu raciocínio, também esses animais verão a Deus.

Justino– Não. Porque o corpo deles, segundo a sua natureza, os impede.

Velho cristão– Se esses animais recebessem voz, talvez com muito maior razão prorromperiam em injúrias contra o nosso corpo. Todavia, deixemos esse assunto e aceitemos o que dizes. Dize-me apenas uma coisa: a alma vê a Deus enquanto está no corpo ou quando está separada dele?

Justino– É possível para ela, mesmo estando na forma humana, chegar a isso por meio da inteligência. Contudo, desligada do corpo e tornada ela mesma, é aí então que ela alcança tudo aquilo que almejou durante todo o tempo.

Até aqui o velho começa a pressionar Justino. Veja que depois de Justino dizer que a alma era imortal (conforme ele cria até então no platonismo), ele começa a pressioná-lo com perguntas difíceis, como as que vimos (se os animais também tem alma, etc). Justino vai levando o debate até este ponto (ele ainda não abriu mão de suas premissas platônicas), mas o velho o continua encurralando, colocando ele contra a parede:

Velho cristão– E ela se lembra disso quando volta outra vez ao homem?

Justino– Penso que não.

Veja que aqui Justino já começa a fraquejar. Ele já não responde com a mesma convicção do início, mas apenas “acha” que não. Mas o velho continua:

Velho cristão– Então, que proveito ela tira de vê-lo, ou que vantagem tem aquele que viu sobre aquele que não viu, uma vez que disso não permanece nenhuma lembrança?

Justino– Não se o que te responder.

Agora o velho consegue colocar Justino em xeque. Justino já não sabe mais o que responder. Tudo o que ele aprendeu do platonismo (imortalidade da alma) está sendo destruído. E o velho continua:

Velho cristão– E que castigo sofrem aquelas julgadas indignas dessa visão?

Justino– Vivem acorrentadas no corpo de feras, e esse é o castigo delas.

Velho cristão– E elas sabem que vivem nesses corpos por essa causa, como castigo de algum pecado?

Justino– Penso que não.

Velho cristão– Portanto, nem essas tiram proveito algum de seu castigo. E eu diria ainda que nem castigo sofrem, uma vez que não têm consciência do castigo.

Justino– Sim, de fato.

Velho cristão– Portanto, nem essas tiram proveito algum de seu castigo. E eu diria ainda que nem castigo sofrem, uma vez que não têm consciência do castigo.

Justino– Sim, de fato.

Velho cristão– Portanto, nem as almas veem a Deus, nem transmigram para outros corpos, pois dessa forma elas saberiam que esse é o seu castigo e temeriam cometer o mais leve pecado no corpo sucessivo. Contudo, também concordo que elas sejam capazes de entender que Deus existe e que a justiça e a piedade são um bem.

Justino– Falaste corretamente.

Note que nos trechos acima o velho ataca e derruba a outra tese platônica de Justino, a transmigração das almas. Ele vai colocando Justino contra a parede até ele admitir que estava errado, e dissesse: “falaste corretamente”. Então o velho dispara pesado:

Velho cristão– Portanto, esses filósofos nada sabem sobre essas questões, pois não são capazes de dizer sequer o que é a alma.

Justino– Parece que não sabem.

Aqui Justino já começa a abrir mão do seu platonismo. Depois de ser encurralado pelo velho e de ter que admitir que ele estava certo, o velho conclui que esses filósofos platônicos não sabem do que estão falando, e Justino concorda. Pela primeira vez, Justino está deixando de lado a sua filosofia platônica e dando ouvidos para o que aquele velho cristão estava dizendo. E o velho prossegue:

Velho cristão– Tampouco, se pode dizer que ela seja imortal, porque, se é imortal, é claro que deva ser incriada.

Justino– De fato alguns, chamados platônicos, a consideram incriada e imortal.

Velho cristão– Tu também consideras o mundo incriado?

Justino– Alguns dizem isso, mas eu não tenho a mesma opinião.

Esta é a parte em que o velho ataca a doutrina da imortalidade da alma em cheio. Você lembra que quando o diálogo começou, era exatamente este o ponto em que o velho queria chegar. Ele perguntou se Justino cria na imortalidade da alma, e Justino, como filósofo platônico, obviamente respondeu que “sim, sem dúvida nenhuma” (como qualquer filósofo platônico faria). Mas depois que o velho destruiu a filosofia platônica de Justino, ele voltou a fazer a mesma pergunta, e Justino admitiu que embora os platônicos dissessem que a alma era imortal, ele agora já não tinha a mesma opinião!

Velho cristão– Fazes muito bem. Com efeito, por qual motivo um corpo tão sólido, resistente, composto e variável e que a cada dia morre e nasce, procederia de algum princípio? Todavia, se o mundo é criado, forçosamente as almas também o serão e haverá um momento em que elas não existirão. De fato, foram feitas por causa dos homens e dos outros seres vivos, ainda que digas que elas foram criadas completamente separadas e não junto com seus próprios corpos.

Justino– Parece que é exatamente assim.

Velho cristão– Então são imortais?

Justino– Não, uma vez que o mundo se manifesta como criado.

Xeque-mate! O velho cristão o colocou numa cilada: ou o mundo é incriado e as almas são imortais, ou o mundo é criado e as almas são mortais. Justino concorda com a premissa e é obrigado a aceitar a conclusão lógica que se segue: a alma é mortal!

Então vem a parte que o astronauta católico tira do contexto, que é quando o velho diz:

Velho cristão– Contudo, eu não afirmo que todas as almas morram. Isso seria uma verdadeira sorte para os maus. Digo, então, que as almas dos justos permanecem num lugar melhor e as injustas e más ficam em outro lugar, esperando o tempo do julgamento. Desse modo, as que se manifestaram dignas de Deus não morrem; as outras são castigadas enquanto Deus quiser que existam e sejam castigadas.

O velho não estava se contradizendo com o que ele próprio havia dito sobre a alma ser mortal, e nem com aquilo que ele disse um pouco adiante, quando afirmou que a alma deixa de existir quando ocorre a morte corporal. Se ela deixa de existir, então é óbvio que ele não estava falando do estado intermediário aqui, mas do estado final (i.e, depois da ressurreição). A palavra aqui traduzida por “julgamento” no grego é krima, que é a mesma palavra grega usada para “condenação”[24]. Em outras palavras, o velho não estava dizendo que as almas dos bons ficam em um estado intermediário “do bem” e as almas dos maus ficam em um estado intermediário “do mau”, mas sim que depois da ressurreição (que é quando a alma volta à existência) as almas dos justos estarão em um lugar bom e não morrerão, enquanto as almas dos ímpios estarão em um lugar ruim (castigo no geena) e então morrerão (que é a condenação em questão). Isso é exatamente o que os mortalistas afirmam desde sempre.

O velho não estava refutando nada do mortalismo bíblico, mas sim da filosofia estóica, que cria que a morte é a cessação total de existência para sempre (ou seja, que não existe vida após a morte). É claro que os cristãos não creem nisso. Nós cremos que existe vida após a morte (através da ressurreição) e também cremos que haverá castigo para os maus no geena (se não houvesse castigo, seria “uma verdadeira sorte para os maus”). Dito em termos simples, o velho já havia detonado com a imortalidade da alma, mas agora ele faz um adendo, para mostrar a Justino que ele não ia para o outro extremo dos epicureus (que criam que “morreu acabou”), mas que ele cria em vida eterna para os bons e castigo temporário para os maus (antes da morte deles).

É assim também que Paul Vicent Spade, o tradutor para o inglês do texto em grego do Diálogo com Trifão, entende esta passagem. Ele comentou nas notas de rodapé do texto:

“A teoria, então, é que apesar de todas as almas serem naturalmente propensas a serem destruídas, as boas almas são preservadas por Deus, enquanto as más almas são punidas por um tempo, e depois são destruídas”[25]

Portanto, diferente do que o astronauta católico alega, o velho não cria em estado intermediário porcaria nenhuma. Mas continuemos com o Diálogo:

Justino– Por acaso, estás dizendo o mesmo que Platão sugere no Timeu a respeito do mundo, isto é, que em si mesmo, enquanto foi criado, ele também é corruptível, mas não se dissolverá, nem terá parte na morte por vontade de Deus? Pensas o mesmo também a respeito da alma e, em geral, a respeito de todo o resto?

Velho cristão– Com efeito, além de Deus, tudo o que existe ou há de existir possui natureza corruptível e sujeita a desaparecer e deixar de existir. Apenas Deus é incriado e incorruptível e, por isso, ele é Deus; mas, além dele, todo o resto é criado e corruptível. Por esse motivo, as almas morrem e são castigadas. De fato, se fossem incriadas, elas não pecariam, nem estariam cheias de insensatez, nem seriam covardes ou temerárias, nem passariam voluntariamente para os corpos de porcos, serpentes ou cães, nem seria lícito obrigá-las a isso, caso fossem incriadas. De fato, o incriado é semelhante ao incriado e não apenas semelhante, mas igual e idêntico, sem que seja possível um ultrapassar o outro em poder ou em honra. Daí se conclui que não é possível existir dois seres incriados. De fato, se neles houvesse alguma diferença, jamais poderíamos encontrar a causa dela, por mais que a procurássemos; pelo contrário, remontando com o pensamento até o infinito, teríamos que parar, vencidos, num só incriado, e dizer que ele é a causa de todo o mais.

O astronauta católico tira do contexto apenas a parte que diz que “está sujeita a desaparecer e deixar de existir”, mas o espertalhão embusteiro ignora propositalmente a continuação que diz que por esse motivo, as almas morrem e são castigadas”. Em outras palavras, para o velho cristão as almas não apenas podemmorrer, mas elas morrem efetivamente. O fato de a alma estar “sujeita” à morte era somente uma premissa necessáriapara o fato de ela morrer efetivamente, que era a crença do velho cristão.

E então vem a parte em que o astronauta embusteiro comete a maior pérola de todo o seu lixo de artigo:

Justino– Por acaso, tudo isso passou distraído a Platão e Pitágoras, homens sábios, que se tornaram para nós como a muralha e fortaleza da filosofia?

Velho cristão– Não me importo com Platão ou Pitágoras ou qualquer outra pessoa que tenha sustentado essas opiniões. De fato, a verdade é esta e podes compreendê-la com o seguinte raciocínio: a alma ou é vida ou tem vida. Se ela é vida, terá que fazer viver outra coisa e não a si mesma, da mesma forma que o movimento move outra coisa mais do que a si mesmo. Ninguém poderá contradizer o fato de que a alma viva. Portanto, se ela vive, ela não vive por ser vida, mas porque participa da vida. Uma coisa é aquilo que participa e outra aquilo do qual participa. Se a alma participa da vida é porque Deus quer que ela viva. Portanto, da mesma forma, um dia ela deixará de participar, quando Deus quiser que ela não viva. De fato, o viver não é próprio dela como o é de Deus. Como o homem não subsiste sempre e a alma não está sempre unida ao corpo, mas quando chega o momento de se desfazer essa harmonia, a alma abandona o corpo e o homem deixa de existir. De modo semelhante, chegando o momento em que a alma tenha que deixar de existir, o espírito vivificante se afasta dela e a alma deixa de existir, voltando novamente para o lugar de onde tinha sido tomada.

Aqui o velho diz explicitamente, com todas as letras, sem mais nem menos, que a alma deixa de existir. Como foi que o astronauta bobão respondeu a isso? Morram de rir com este print:

(Clique na imagem para ampliar)

Sim, na cabeça do embusteiro desonesto, a frase é de Trifão!

Depois dessa, eu fecharia aquele site de astronautas e pediria perdão ao público por tanta desonestidade e enganação. A mentira é tão descarada que basta ir ao “New Advent” (site católico que reproduz os escritos dos Pais) para ver de quem é a frase em questão:

(Clique na imagem para ampliar)

Sim, a frase era do Velho Cristão, e não de Trifão, que nem sequer estava conversando com Justino naquele momento! Justino só volta a falar com Trifão no capítulo 8!

A safadeza do cidadão é tão gigante que até mesmo a tradução ao português feita pela Editora Paulus (católica), que ele usa, diz que foi o velho que falou (veja aqui). Então não é por ignorância, é por desonestidade mesmo. Ele pensa que seus leitores católicos tridentinos são tão burros que não vão se dar ao trabalho de conferir na obra (e são mesmo). E para piorar ainda mais as coisas, Trifão não era mortalista (como ele disse), ele era um judeu do grupo dos fariseus, que naquela época criam na imortalidade da alma (veja Josefo, História dos Hebreus, Livro X, c. 2). Não tem escapatória: quem disse que a alma morre foi o velho cristão, que estava convertendo e doutrinando Justino.

Será que esse astronauta embusteiro vai finalmente admitir que só copia bobagens e mente, ou será que vai manter aquele artigo ridículo e mentiroso no site dele? É o que veremos...

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (www.lucasbanzoli.com)


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[1] Diálogo Com Trifão, c. 117.
[2] 2ª Apologia 2:2.
[3] 2ª Apologia 9:1.
[4] 2ª Apologia 6:4.
[5] 2ª Apologia 7:4-5.
[6] 2ª Apologia 5:4.
[7] Diálogo com Trifão, c. 100.
[8] 2ª Apologia 6:1-2.
[9]Diálogo com Trifão, 5:2.
[10]Le Roy Edwin Froom, The Conditionalist faith of Our fathers, vol. 1, p. 828.
[11]Other Fragments From Lost Writings of Justin, No. 11, in ANF, vol. 1, p. 301;
[12] Kitto, Cyclopedia of Biblical Literature, art., “Soul”.
[13] Richard Rothe, Dogmatik, vol. 3, p. 158.
[14] K. R. Hagenbach, Compendium of the History o f Doctrines, vol. 1, pp. 162-164, art. “Immortality”.
[15] Hosea Ballou, 2d, Ancient History of Universalism, p. 58.
[16]Beecher, op. cit., pp. 211, 212. C. F. Hudson (Debt and Grace, p. 315) lista Grotius, Huet, Rössler, Du Pin, Doederlein, Münscher, Munter, Daniel, Hase, Starck, Kern, Otto, Ritter, J. Pye Smith, Bloomfield e Gieseler confirmando o mesmo.
[17]John C. L. Gieseler, A Textbook of Church History, sec. 45.
[18] Alger, The Destiny of the Soul, p. 195.
[19] Constable, Duration and Nature of Future Punishment, p . 178.
[20] Diálogo com Trifão, c. 113.
[21] Diálogo com Trifão, c. 139.
[22] Tratado sobre a Ressurreição, 1.
[23] Dustin Smith, Justin Martyr, p. 9.
[24]De acordo com a Concordância de Strong, 2917.
[25]An Early Christian Philosopher: Justin Martyr’s Dialogue with Trypho, Chapters One to Nine, (“Philosophia patrum,” vol. 1); Leiden: E. J. Brill, 1971.

Astronauta católico Rafael Rodrigues refutado de novo, desta vez sobre a tradição

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Mal se passou um dia desde a minha terceira refutação seguida ao astronauta embusteiro (se você não viu os três artigos, clique aqui, aquie aqui), e Alon Franco lhe deu mais uma bela surra sobre a questão da tradição oral, publicada em nosso blog:


Acho que já chegou a hora de declarar formalmente que, a partir de hoje, o astronauta católico está sendo promovido ao patamar de saco de pancadas oficial do protestantismo (e calma, vem mais por aí nos próximos dias, bem mais).

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (www.lucasbanzoli.com)


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Os Pais da Igreja contra a confissão auricular

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Introdução

Decidi traduzir um trecho de um excelente livro antigo chamado “A las fuentes del Cristianismo” (originalmente em espanhol), escrito por Samuel Vila, que converteu muitos católicos no século passado ao Cristianismo genuíno, levando-os a reconhecer Jesus Cristo como salvador único e suficiente de suas vidas. A parte que eu decidi traduzir é sobre a confissão auricular. Além do que está aqui traduzido, ele escreveu mais coisas sobre o mesmo tema, que eu decidi deixar de fora para que o artigo não ficasse demasiadamente extenso. Se você quiser ler o conteúdo integral, basta clicar aquie ler. Ano passado eu escrevi um artigo sobre o tema, que você pode ler clicando aqui. Este artigo é importante para servir de base para o que será dito em seguida.


Pedro e Simão Mago

Uma prova inegável de que assim entenderam os próprios apóstolos é o caso de Pedro com Simão Mago. Quando este se mostrou arrependido diante da repreensão do grande apóstolo, este lhe disse:

“Arrependa-se dessa maldade e ore ao Senhor. Talvez ele lhe perdoe tal pensamento do seu coração” (Atos 8:22)

Essa sem dúvida é uma clara negação de que o apóstolo se considerava autorizado a exercer o poder das chaves, como a Igreja Católica atribui a ele. Pedro, melhor do que ninguém, podia entender o verdadeiro significado das palavras de Cristo: “A quem reter os pecados, serão retidos” (Jo.20:23), mas sua atitude demonstra que ele não as compreendia senão do modo que acabamos de explicar, ou seja, em nossa forma cristã evangélica.

Mas então – dizem os católicos – por que encontramos nos escritos patrísticos tantas declarações atribuindo aos ministros religiosos a autoridade de perdoar pecados? Mas nós perguntamos: a que classe de perdão se referiam? Vejamos.


O Perdão Eclesiástico

No Novo Testamento temos um interessante exemplo de perdão eclesiástico (que não tem nada a ver com o perdão divino para a salvação da alma), mas nem mesmo este perdão legal é concedido por uma pessoa, e sim por uma comunidade de crentes. Um membro da igreja de Corinto havia caído em pecado, e os cristãos da referida igreja, reunidos em uma sessão especial, o declaram indigno de participar da comunhão e o separam da Igreja. O pecador reconhece sua falta, e o apóstolo recomenda benignidade para com o arrependido, dizendo:

“Àquele que vocês perdoaram, eu também perdôo” (2ª Coríntios 2:10)

Estas palavras “àquele que vocês perdoaram” nos indicam, clara a evidentemente, que a autoridade de conceder o perdão não era um atributo de nenhum indivíduo em particular, mas sim de uma assembleia de crentes. Nem o apóstolo, nem nenhum outro membro da igreja de Corinto, atribuiu a si próprio neste caso uma autoridade pessoal de perdoar, mas foi a Igreja em conjunto que pronunciou a sentença e declarou outra vez que o irmão arrependido era digno da comunhão.

É inegável que, à medida que se consolidou a hierarquia eclesiástica nas igrejas primitivas, se deu mais importância ao perdão eclesiástico, o qual era dado publicamente pelo bispo, em nome da Igreja, aos excomungados por qualquer motivo; e aos «lapsi» que haviam negado a fé durante as perseguições. As palavras de Cristo: “Tudo o que vocês ligarem na terra terá sido ligado no céu” (Mt.18:18) eram citadas frequentemente com referência ao perdão público concedido aos bispos.

Jerônimo (347-420) descreveu o modo como era dada a absolvição em seu tempo. E por esta declaração, que copiamos precisamente do opúsculo Ego te absolvo, publicado por nossos opositores, o leitor poderá ter perfeitamente em conta de que se trata de algo muito diferente da confissão auricular dos nossos tempos. Ele disse:

“O sacerdote impõe a mão no sujeito, invoca a volta do Espírito Santo (a volta do Espírito Santo à alma é sinal de justificação), e assim, havendo-se ordenando fazer uma oração ao povo (se fazia rogar ao povo cristão pelos penitentes), reconcilia com o altar, para que o espírito seja salvo àquele que havia sido entregue a Satanás para a morte da carne”

Estudamos cuidadosamente as declarações citadas por nossos oponentes, de Gregório Magno (540-604), Leão Magno (400-461), Cirilo de Alexandria (375-444), Agostinho (354-430) e Crisóstomo (347-407), mas todas elas, como a de Jerônimo que acabamos de conferir, se referem à confissão pública dos membros disciplinados, alguns deles penitentes voluntários por graves pecados, os quais se submetiam de bom grado às cerimônias de disciplina eclesiástica e conseguinte reconciliação diante de toda a assembleia de fieis, pensando ganhar deste modo o perdão e favor divino.

Nenhuma destas declarações mencionadas tem nada a ver com a confissão auricular moderna feita ao sacerdote. Lamentavelmente não temos espaço para copiar todas com a extensão conveniente, pois elas seriam a melhor evidência para qualquer leitor criterioso de que não existia confissão auricular nas igrejas primitivas, senão um sistema de disciplina eclesiástica muito rigoroso, que levava com frequencia os fieis à confissão pública diante de toda a Igreja; nunca a um sacerdote em particular.


Sem Confissão Auricular

Bom conhecedor da história eclesiástica, o polêmico evangélico Teófilo Gay exclama:

“Todos os Pais da Igreja dos primeiros quatro séculos viveram sem se confessar segundo o sistema católico-romano e sem haver tampouco se confessado a ninguém. Na vida dos santos posteriores a Inocêncio III (1161-1216) frequentemente encontramos menções de que eles se confessavam, mas nas dos santos anteriores àquela época não existe nem a mais mínima menção da confissão”[1]

Com efeito, temos a vida de Paulo de Tebas, do terceiro século. Ainda que se dêem os detalhes mais minuciosos de suas ações, não há uma só palavra que nos fale do costume de ir ao confessório. E toda evidência aponta que ele viveu e morreu sem confissão auricular.

Caso semelhante é o de Maria do Egito. Vemos a triste história de suas desordens e escândalos em sua juventude; temos o relato edificante da sua conversão, de suas orações fervorosas, de seus longos jejuns no deserto, de sua enfermidade e sua morte... mas de confissões a um homem, nem uma só palavra.

O diácono Pôncio escreveu a vida de Cipriano, que viveu no terceiro século. E se alguma coisa era evidente nesta vida, era que jamais o santo bispo se confessou a ninguém. Uma coisa também é evidente na referida biografia, que é o fato de que ele foi excomungado pelo até então bispo de Roma, Estêvão, que o excomungou publicamente, e Cipriano morreu sem ter tido jamais a absolvição. Mas isso não o impediu de ir ao céu, pois os outros papas posteriores o declararam santo.

Gregório de Niceia nos deixou a interessante vida de Gregório de Cesareia, do século III, e de Basílio, o bispo do século IV. E se há alguma coisa provada em ambas, é que esses santos bispos não se confessaram nunca, nem usaram de confissão auricular, nem tampouco se confessaram a homem nenhum.

Teodoreto nos deixou a história da vida, sofrimentos e morte de João Crisóstomo, e nela não há absolutamente nada sobre confissão auricular, que se existisse em seu tempo deveria ter levado a cabo muitíssimas vezes com algum ou alguns de seus presbíteros, ou com outro bispo.

Quem escreveu com mais detalhes e eloquência sobre temas práticos da fé e moral, dos costumes privados e públicos de seu tempo, do que   Jerônimo no século V? Estas cartas, que temos em vista, não mencionam de modo nenhum a confissão auricular. Grande número de suas cartas eram dirigidas aos presbíteros que lhe haviam pedido regras práticas de conduta para desempenhar seu ministério. Como é possível existir tal costume ou regra na Igreja, e se omitissem de falar de seus deveres como confessores?

Ademais, em sua carta ao presbítero Nepociano, ele diz:

“Não esteja nunca sozinho com mulher, sem testemunha ocular. Se você tem alguma coisa particular para falar, que fale a alguma outra pessoa da casa: donzela, viúva ou casada, e não seja tão ignorante das regras de conveniência, para ousar comunicar coisas que aos outros não comunicaria”[2]

O mesmo podemos dizer de Ambrósio, quanto à sua biografia escrita por Paulino. A vida de Martín de Tours, do século IV, escrita por Severo Sulpício, do século V, também é um monumento irrefutável deixado pela antiguidade para nos mostrar que o dogma da confissão auricular é uma invenção moderna, sendo evidente que Martín de Tours viveu sem ter pensado nunca em se confessar a outro que não a Deus.


Os Pais da Igreja ensinaram?

Por isso que, referindo-se à confissão com Deus, essencial para todos os cristãos, e tratando de reprimir a euforia espetacular daqueles que pensavam que seriam melhor perdoados se confessassem seus pecados publicamente diante de toda a Igreja para receber solenemente a absolvição dos lábios do pastor ou bispo, Basílio declara:

“Eu não me ponho em espetáculo diante do mundo para fazer uma confissão com meus lábios, eu fecho meus olhos e faço a confissão no secreto do meu coração. É só diante de Ti, ó meu Deus, onde eu deixo escapar meus suspiros. Só o Senhor é testemunha dos meus pecados. Meu gemido é no secreto da minha alma. Não fazem falta muitas palavras para confessar: os gemidos e os suspiros do coração são a confissão mais aceitável. Sim, Deus meu, as lamentações que partem do fundo da minha alma e que vão até teu trono são a melhor confissão”[3]

Santo Agostinho nos deixou um livro famoso intitulado Confissões, no qual ele nos conta sua vida com todos os detalhes, nos fala de seus antigos pecados e de sua conversão. O seguimos passo a passo em seus atos e ainda em seus mais secretos pensamentos, mas em nenhuma parte ele diz que foi confessar as suasculpas a um sacerdote ou bispo do seu tempo. A razão disso é porque Agostinho nunca apostatou da fé depois da conversão, razão pela qual não teve que ser submetido a nenhuma disciplina ou penitência que requeresse a absolvição sacerdotal. E, em segundo lugar, porque mesmo enquanto pecador perdoado continuou expondo suas debilidades e fraquezas praticando sua confissão a sós com Deus, segundo nos manifesta no livro 10, cap. 2, de suas Confissões, onde diz:

“Assim, pois, minha confissão em Tua presença, Deus meu, é calma e não silenciosa; calma quanto ao ruído (das palavras), clamorosa quanto à fé”[4]

E no capítulo 3:

“Que tenho, pois, eu a ver com os homens, para que ouçam minhas confissões, como se eles fossem sarar todas as minhas enfermidades?”[5]

E em outra de suas obras declara:

“Eu confessarei meus pecados a meu Deus; e ele me perdoará todas as iniquidades do meu coração; não é com a boca, senão unicamente com o coração, como esta confissão há de ser feita. Ainda não abri minha boca para confessar os pecados e já estão perdoados, porque Deus ouviu verdadeiramente a voz do meu coração”[6]

E em outro lugar, ele diz:

“Por que iria eu expor aos homens as chagas da minha alma? É o Espírito Santo que perdoa os pecados; o homem não pode fazer isso porque tem necessidade de médico da mesma maneira que aquele que nele busca remédio. E se me dizes: ‘Como se realiza a promessa que Cristo fez aos apóstolos, que tudo o que desligares na terra será desligado nos céus?’, contesto que o Senhor prometeu enviar seu Espírito, por meio do qual deveriam ser perdoados os pecados. É o Seu Espírito que Ele envia, e nós somos seus servos. Como o Espírito Santo é Deus, então é Deus quem perdoa os pecados, e não vós”[7]

João Crisóstomo, o grande pregador do século IV, chamado com razão de “boca de ouro”, escreveu em um de seus sermões:

“Não é necessário que haja testemunho algum de vossa confissão. Reconhecei vossas iniquidades, e que Deus somente, sem que ninguém o saiba, ouça vossa confissão”[8]

Em outra de suas obras, ele diz:

“Assim, eu vos suplico e os conjuro a confessar seus pecados a Deus constantemente. Eu não os demando, de nenhuma maneira, que confessem seus pecados aos homens: é a Deus a quem vocês devem mostrar as chagas de vossa alma, e somente a Ele vocês devem esperar a cura. Ide a Ele, e Ele não os rechaçará. Ele conhece tudo”[9]

E em outro lugar, declara:

“Confessai vossos pecados todos os dias em vossa oração... o que pode nos fazer duvidar de obras assim? Eu não os mando a ir confessar a um homem pecador como vocês, que poderia desprezá-los se lhes contassem vossas faltas; mas conte elas a Deus, que pode perdoá-las”[10]

E em outro lugar:

“Dize-me: Por que vocês têm vergonha de confessar seus pecados? Por acaso alguém os obriga a revelá-los a um homem, que poderia desprezá-lo? Alguém pede que vocês se confessem a um de vossos semelhantes, que poderia publicá-los e desonrá-los? A única coisa que demandamos é que mostrem vossas chagas a vosso Mestre e Senhor, que é vosso amigo, vosso guardião e vosso médico”[11]


Conclusão

Este processo longo e solene de reconciliação dos pecadores com a igreja local a que pertenciam, no qual o nome de um penitente era citado publicamente para que toda a igreja orasse por ele, é algo muito diferente da moderna confissão auricular, que se realiza em secreto, em alguns minutos e sem nenhuma solenidade especial. Depois isso (e bem ao contrário do que ocorria com aquelas excomunhões severas e reconciliações dos tempos de ouro da Igreja) veio a se tornar o dogma moderno da confissão auricular, uma espécie de passaporte para a prática reiterada dos mesmos pecados.

Por: Samuel Vila.
Tradução: Lucas Banzoli (www.lucasbanzoli.com)


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[1] Diccionario de Controversia, pág. 143.
[2] Epíst. a Nepociano, vol. 2, pág. 203.
[3]Comentário do Salmo 37.
[4]Confissões, Livro X, c. 2.
[5]Confissões, Livro X, c. 3.
[6]Homília sobre o Salmo 31.
[7]Sermão 99, De Verb. Evang. Lucas 7.
[8]Homília sobre o arrependimento, tomo IV, coluna 901.
[9]Homília V, Sobre a natureza incompreensível de Deus. Vol. I, pág. 490.
[10]Homília sobre o Salmo 1.
[11]Homília sobre Lázaro, tomo I, pág. 757.

Refutando astronauta católico (IV): Policarpo cria na imortalidade da alma?

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Continuando a sessão de refutações ao astronauta embusteiro, chegamos agora a Policarpo (80-155), o bispo de Esmirna. Se você chegou até aqui sem ter lido as refutações anteriores, sugiro fortemente que as veja antes de continuar lendo este artigo.


Não temos muita a coisa a refutar sobre Policarpo porque o astronauta passou apenas três textos, sendo dois deles ligados à linguagem de “fogo eterno”, a qual eu já expliquei em meu artigo anterior sobre Inácio (clique aquipara ler). Resta-nos então o terceiro texto, que é o que diz:

“Portanto, eu vos exorto a todos, para que obedeçais à palavra da justiça e sejais constantes em toda a perseverança, que vistes com os próprios olhos, não só nos bem-aventurados Inácio, Zózimo e Rufo, mas ainda em outros que são do vosso meio, no próprio Paulo e nos demais apóstolos. Estejam persuadidos de que nenhum desses correu em vão, mas na fé e na justiça, e que eles estão no lugar que lhes é devido junto ao Senhor, com o qual sofreram. Eles não amaram este mundo, mas aquele que morreu por nós e que Deus ressuscitou para nós”[1]

No entanto, mesmo considerando que este texto seja legítimo e não uma inserção posterior feita por copista (o que não era nada raro), ainda assim não há nada nele que prove de forma definitiva que Policarpo cria na consciência pós-morte em um estado intermediário antes da ressurreição. Ele poderia perfeitamente ser um psicopaniquista, que é uma vertente do mortalismo que ensina os mortos já estão na presença Deus, mas em um estado inconsciente, levando a linguagem bíblica do “dormir” mais literalmente do que os mortalistas clássicos (tal é o caso, por exemplo, do erudito luterano Oscar Cullmann). Poderia também ser algo semelhante à linguagem de Paulo, quando disse que os crentes que morreram “dormem em Cristo” (1Co.15:18), em contraste com os outros mortos (sem Cristo), que somente “dormem”. Estar com Cristo neste sentido não implica em qualquer “imortalidade da alma”.

Há ainda a possibilidade de que ele estivesse falando na perspectiva do tempo kairós e não do chronos, ou seja, que eles estão com Deus na perspectiva de Deus, embora no tempo chronos da nossa perspectiva temporal tal fato só se concretize na ressurreição dos mortos. É sempre importante ressaltar que a ressurreição ocorre em um piscar de olhos na perspectiva de quem já morreu, uma vez que não existe “tempo” entre a morte e a ressurreição, pois o tempo só faz sentido se for aplicado a alguém que está vivo (conceito este que eu explano melhor no “Apêndice 1” deste artigo). De uma forma ou de outra, o texto pode ser entendido sob uma perspectiva mortalista, mesmo que não seja uma inserção de copista feita numa época em que a Igreja já cria em imortalidade da alma.

Há várias evidências que nos mostram que isso não é apenas uma possibilidade (leitura alternativa ao texto), mas de fato algo seguro, ou, no mínimo, bastante provável. Isso porque em todas as correspondências de Policarpo fica muitíssimo claro que ele esperava entrar no Reino e desfrutá-lo de fato apenas depois da ressurreição. A carta de Inácio a Policarpo é uma das maiores evidências disso. Como já vimos, Inácio esperava se encontrar com Policarpo não em um estado intermediário, mas depois da ressurreição:

”Uma vez que a Igreja de Antioquia da Síria está em paz, como fui informado, graças à vossa oração, fiquei mais confiante na serenidade de Deus, se com o sofrimento eu o alcançar, para ser encontrado na ressurreição como vosso discípulo[2]

Na mesma carta, há uma descrição bastante interessante, onde ocorre uma sequencia lógica na qual a posse do Reino só é vinda depois do “despertar” (ressurreição):

“Atendei ao bispo, para que Deus vos atenda. Ofereço minha vida para os que se submetem ao bispo, aos presbíteros e aos diáconos. Possa eu, com eles, ter parte em Deus. Trabalhai uns com os outros e, unidos, combatei, lutai, sofrei, dormi [na morte], despertai [na ressurreição], como administradores, assessores e servidores de Deus[3]

Note que Inácio não estava citando eventos aleatoriamente, e sim seguindo uma ordem lógica, na qual cita primeiro os eventos terrenos (combate, luta e sofrimento na fé), depois a morte apenas com o eufemismo do “dormir” (sem nenhuma conotação maior que isso), depois o despertar da ressurreição e, só então, é que estaremos como “administradores, assessores e servidores de Deus” (na presença dEle). Este texto é mortal para os imortalistas porque mostra que Inácio não cria que na morte (antes da ressurreição) já estaremos na presença de Deus, mas somente depois de “despertar” (um eufemismo bíblico para a ressurreição). A morte é encarada meramente como um estado de “sono”, e a atividade e consciência é somente depois que despertarmos deste sono (i.e, quando ressuscitarmos dos mortos).

Se a correspondência entre Inácio e Policarpo indica que a consciência no pós-morte só se dava através da ressurreição, a própria epístola de Policarpo aos filipenses não fica por menos. Policarpo demonstra uma escatologia claramente pré-milenista (contrária à que é ensinada hoje pela maioria esmagadora dos católicos) ao dizer que apenas os justos ressuscitam quando Jesus voltar:

“Por isso, cingi vossos rins e servi a Deus no temor e na verdade, abandonando as palavras vãs e o erro de muitos, crendo naquele que ressuscitou nosso Senhor Jesus Cristo dos mortos e lhe deu a glória e o trono à sua direita. Tudo o que existe no céu ou na terra lhe está submisso; tudo o que respira o celebra, a ele que vem como juiz dos vivos e dos mortos, e de cujo sangue Deus pedirá contas àqueles que não confiam nele. Aquele que o ressuscitou dos mortos também nos ressuscitará, se fizermos a sua vontade, se caminharmos em seus mandamentos, e se amarmos o que ele amou, abstendo-nos de toda injustiça, ambição, amor ao dinheiro, maledicência, falso testemunho, não retribuindo o mal com o mal, injúria com injúria, golpe com golpe, maldição com maldição”[4]

Note que Policarpo diz que Deus nos ressuscitará na volta de Jesus, se fizermos a vontade dele. Isso mostra que ele não cria que todos os mortos (justos e ímpios) ressuscitarão na volta de Jesus (como ensina a Igreja Romana), mas sim que na volta de Jesus somente os justos ressuscitarão (os demais ressuscitam apenas depois do milênio). Isso refuta a escatologia amilenista que coloca os “santos” no Céu durante o “milênio” que supostamente já estaria acontecendo.

Policarpo diz também que Deus nos dará em troca o “tempo futuro” como retribuição pela nossa perseverança nesta vida. Qualquer católico prosseguiria o texto dizendo que isso ocorre imediatamente após a morte e antes mesmo da ressurreição, mas Policarpo prossegue o texto dizendo que isso acontece na ressurreição dos mortos:

“De igual forma, que os diáconos sejam irrepreensíveis diante da justiça dele. São servidores de Deus e de Cristo, e não dos homens. Que não caluniem, nem sejam dúplices nem amantes do dinheiro. Sejam castos em todas as coisas, misericordiosos, zelosos, andando segundo a verdade do Senhor, que se tornou servidor de todos. Se o aguardarmos neste mundo, ele nos dará em troca o tempo futuro, pois ele nos prometeu ressuscitar-nos dentre os mortos, e, se a nossa conduta for digna dele, também reinaremos com ele, se tivermos fé”[5]

Perceba que a posse deste “tempo futuro” está diretamente relacionada com a ressurreição dos mortos, e não com a suposta separação da alma após a morte. Policarpo não diz que “Deus nos dará em troca o tempo futuro, pois nossa alma se separará do corpo e assim reinaremos com Ele”, mas sim que Deus nos dará o tempo futuro quando ele nos ressuscitar, e então reinaremos com Deus. Mais uma vez, Policarpo segue a ordem lógica e sequencial dos fatos que deixa totalmente de fora qualquer possibilidade teológica da alma ser imortal e habitar conscientemente com Deus antes da ressurreição.

Essa sequencia também é apresentada no seguinte texto da mesma carta:

“Quem não confessa que Jesus Cristo veio na carne, é anticristo; aquele que não confessa o testemunho da cruz, é do diabo; aquele que distorce as palavras do Senhor segundo seus próprios desejos, e diz que não há ressurreição, nem julgamento, esse é primogênito de satanás”[6]

Observe que mais uma vez o julgamento ocorre após a ressurreição na sucessão de eventos (se a alma fosse imortal este julgamento já teria acontecido, no momento em que ela se separa do corpo). Ao lermos os escritos de Policarpo, uma coisa fica bem clara, e esta coisa é a sequencia lógica de eventos que envolvem: (a) vida terrena; (b) morte; (c) ressurreição; (d) julgamento; (e) posse do Reino.         

A obra “O Martírio de Policarpo” (que não foi escrita por ele, mas décadas mais tarde, fazendo menção ao que foi dito por ele instantes antes da morte) preserva a seguinte citação de Policarpo quando este já estava a apenas um passo da morte no estádio:

“Eu te bendigo por me teres julgado digno deste dia e desta hora, de tomar parte entre os mártires, e do cálice de teu Cristo, para a ressurreição da vida eterna da alma e do corpo, na incorruptibilidade do Espírito Santo”[7]

Quatro coisas saltam aos olhos nesta menção. Primeiro, Policarpo cria na ressurreição da alma e do corpo, e não meramente na ressurreição do corpo. Segundo, a “incorruptibilidade” que ele diz (e que no grego é aphthrsia, que também significa “imortalidade”[8]) só viria depois desta ressurreição “da alma e do corpo”, pois é mencionada depois desta. Terceiro, ele esperava que a posse da vida eterna fosse posteriorà ressurreição, pela mesma razão.

Por último, mesmo estando a poucos instantes da morte, Policarpo não nos traz qualquer expectativa de que sua alma saísse do corpo, mas faz menção apenas à ressurreição como o meio pelo qual ele chegaria a Cristo. Fica claro que toda a esperança de Policarpo quanto à realidade da vida futura se dava não em um estado incorpóreo desencarnado, mas na promessa de Jesus relacionada à ressurreição dos mortos no último dia. Ele morria vislumbrando este dia futuro da ressurreição, ainda que bem mais próximo e iminente do que parece, uma vez que não há sensação de passagem de tempo para quem morreu, e assim a ressurreição se dá instantaneamente em seguida na perspectiva do ressuscitado.

Davis Park corretamente assinala:

“De acordo com a oração de Policarpo, ele sabia que iria ser ressuscitado para a vida eterna, e isso significa que, embora ele fosse morrer naquele dia pelo fogo, seu corpo e alma seriam trazidos juntos de volta no retorno de Jesus, e tornados imortais pelo poder do Espírito Santo. Com esta compreensão e conhecimento da derrota da morte como a sua vitória com base na morte de Jesus, ele poderia enfrentar a ameaça de bestas e ser queimado vivo com coragem. Ele seria, assim, coroado com a imortalidade, como uma fiel testemunha de Cristo. Ele sabia que a morte seria apenas temporária”[9]

E, assim, não vemos nenhuma base para fundamentarmos uma doutrina antibíblica em cima de um único verso que, se interpretado isoladamente à maneira imortalista, contraria toda a evidência extraída de Policarpo, que era claramente condicionalista.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (www.lucasbanzoli.com)


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[1]Policarpo aos Filipenses, 9:1.
[2] Carta de Inácio a Policarpo, 7:1.
[3] Inácio a Policarpo, c. 6.
[4] Policarpo aos Filipenses, 2:1-3.
[5] Policarpo aos Filipenses, 5:2.
[6] Policarpo aos Filipenses, 7:1.
[7] O Martírio de Policarpo, 14:2.
[8] De acordo com o léxico da Concordância de Strong, 861.

Vídeos de Elisson Freire destruindo as falácias católicas

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Nos últimos dias, Elisson Freire (do blog Resistência Apologética) decidiu bater em bêbado, ou seja, refutar os apologistas católicos. No dia 04 deste mês ele desafiou um debatedor católico chamado Ekson alguma coisa, um doente tridentino que estava se achando o tal enquanto vomitava asneiras ridiculamente copiadas da internet, além de xingar a tudo e a todos. Então o Elisson o desafiou a um debate por hangout ao vivo. O coitado do Ekson a princípio aceitou o desafio, talvez pensando que o Elisson estaria blefando:


Então o Elisson ficou esperando por mais de meia hora pelo sujeito, que, é claro, fugiu covardemente, como já era esperado, já que os católicos sabem que só passam vergonha em debates cara a cara:


Depois que o palhacinho Ekson colocou o rabo entre as pernas e fugiu do debate que ele mesmo tinha aceitado, o Elisson decidiu gravar mais vídeos refutando os argumentos patéticos da apologética papista, começando por refutar uma página tridentina chamada “Cruzados Católicos”, que para quem não sabe é uma página criada por retardados mentais e vagabundos desocupados que acham que ainda vivemos na época da inquisição, e que jogam tão baixo e sujo que falsificaram um print do Elisson para caluniá-lo chamando-lhe de “adúltero”, além de mais uma série de ataques pessoais contra ele, que ele refutou neste vídeo:


Ele também fez mais dois vídeos refutando as mentiras dos cruzados católicos, no que se refere à história – sobre inquisição católica, “inquisição” protestante, calúnias contra Lutero, papado e vários outros assuntos:



Ele também fez um ótimo vídeo-aula intitulado “Como surgiu a Igreja Católica”:


E o melhor vídeo até o momento, que é uma refutação a um tal de “Menandro” (ou algo do tipo), que aborda temas como sucessão apostólica, primado de Pedro, Pedro em Roma e assuntos relacionados:




Novos vídeos estão sendo postados com frequencia diária, e o canal dele pode ser acessado clicando aqui.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (www.lucasbanzoli.com)


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Refutando astronauta católico (V): Teófilo cria na imortalidade da alma?

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Chegamos agora à quinta parte da nossa refutação ao palhaço embusteiro mais conhecido como astronauta católico, desta vez sobre as distorções grosseiras do mesmo em torno de Teófilo de Antioquia, um bispo e escritor cristão de meados do segundo século. Se você ainda não conferiu as outras quatro refutações, sugiro que as leia antes de prosseguir lendo o presente artigo:


A refutação do astronauta católico nesta parte é tão podre que em todo o seu texto ele só cita uma passagem como a “prova” de que Teófilo cria no “tormento eterno”, que é uma em que ele fala sobre a linguagem do “fogo eterno” (a qual já expliquei exaustivamente neste artigo, na parte correspondente a Inácio, provando que a terminologia de “fogo eterno” não é, nunca foi e nunca será sinônimo de “tormento eterno”).

Se o astronauta católico não fosse apenas papagaio copiador de textos de internet e tivesse realmente lido uma vez na vida os escritos de Teófilo, teria notado que este bispo de Antioquia cria na mesma conflagração do mundo que alguns poetas pagãos também criam. Em seu segundo livro a Autólico, ele disse que esta parte da filosofia dos poetas pagãos estava em conformidade com o ensino dos profetas:

“Que Deus examinará todo juramento injusto e qualquer outro pecado, os poetas quase o disseram, assim como falaram, querendo ou sem querer, coisas concordes com os profetassobre a conflagração do mundo, apesar de serem muito posteriores a estes e de terem tirado tudo isso da lei e dos profetas”[1]

O problema no colo do astronauta católico é que essa conflagração universal que Teófilo dizia que os poetas gregos afirmavam em conformidade com os profetas nunca teve nada a ver com um “tormento eterno”, mas sim com a destruição total do planeta pelo fogo, ocasião na qual as almas morreriam. Essa conflagração universal era crida naquela época pelos estóicos. Eles criam que depois da morte a alma ainda permanecia viva por algum tempo, embora não para sempre. Diógenes Laércio (200-250 d.C), historiador e biógrafo dos antigos filósofos gregos, afirmou:

“A alma... permanece [viva] depois da morte, e é, todavia, corruptível [mortal]”[2]

O famoso filósofo romano Cícero (106-43 a.C) declarou também:

“Os estóicos dizem que as almas durarão por muito tempo, mas não para sempre”[3]

Esses filósofos estóicos criam que o momento em que a alma seria aniquilada depois da morte é na conflagração universal, como disse o filósofo estóico Cleanto (331-232 a.C):

“As almas dos que morreram continuam a viver até a [próxima] conflagração”[4]

Em síntese, esta conflagração universal (momento em que o mundo seria destruído pelo fogo causando aniquilamento) era um ponto em comum entre Teófilo e os poetas pagãos (embora ele tivesse muito mais discordâncias do que concordâncias em geral). Teófilo obviamente não cria que os ímpios seriam atormentados conscientemente para todo o sempre (o que além de irracional e ilógico é também monstruoso), mas sim que eles passariam pela conflagração universal, momento este em que seriam abrasados pelo poder do fogo e deixarão de existir. Este abrasamento e consequente destruição é o que ele se referia no texto que o astronauta católico tirou grosseiramente do contexto (Livro I, c. 14), tentando dizer que ele cria no tormento eterno.

Na continuação do texto do Livro II (c. 37), Teófilo explica com mais detalhes o que é essa conflagração, citando dois textos clássicos do aniquilacionismo:

“Não importa se foram anteriores ou posteriores. O importante é que falaram de acordo com os profetas. Sobre a conflagração, por exemplo, o profeta Malaquias predisse: ‘Eis que chega o dia do Senhor como fornalha ardente e abrasará todos os ímpios’. E Isaías: ‘A ira do Senhor virá como granizo que cai com violência e como água no vale que arrasta tudo’”[5]

Primeiro ele diz que aqueles filósofos estóicos (que criam no aniquilacionismo na conflagração) falaram de acordo com os profetas, e logo em seguida confirma isso citando textos clássicos do aniquilacionismo bíblico, inclusive o de Malaquias, que diz:

“Pois certamente vem o dia, ardente como uma fornalha. Todos os arrogantes e todos os malfeitores serão como palha, e aquele dia, que está chegando, ateará fogo neles, diz o Senhor dos Exércitos. Nem raiz nem ramo algum sobrará (...) Depois esmagarão os ímpios, que serão como pó sob as solas dos seus pés no dia em que eu agir, diz o Senhor dos Exércitos” (Malaquias 4:1,3)

Alguém está vendo algum sinal de “tormento eterno” ali? Eu não! O que eu vejo é toda uma linguagem de aniquilacionismo: os ímpios sendo reduzidos a “palha”, o fogo que os consumiria totalmente até que não lhes sobrasse “nem raiz nem ramo”, até que eles virassem (cessação total de existência). Que belo “imortalista” era esse Teófilo!

Acabando com a mentira de que Teófilo cria no tormento eterno, o astronauta católico que jamais leu os livros de Teófilo ainda cita um último texto em seu favor, que é um em que Teófilo diz que a alma é “chamada” de “imortal”. O que o malandro esconde é a sequencia da obra, que deixa bem claro que essa “imortalidade” é uma imortalidade condicional (exatamente igual aquela aceita pelos mortalistas), e não uma imortalidade incondicional (conforme crida pelos imortalistas). Teófilo mostrou isso dezenas e dezenas de vezes, como nesse texto aqui:

“Ó homem, se compreenderes isso, e viveres de maneira pura, piedosa e justa, poderás ver a Deus. Antes de tudo, porém, entrem em teu coração a fé e o temor de Deus, e então compreenderás isso. Quando depuseres a mortalidade e te revestires da incorruptibilidade, verás a Deus de maneira digna. Com efeito, Deus ressuscitará a tua carne, imortal, juntamente com tua alma. Então, tornado imortal, verás o imortal, contanto que agora tenhas fé nele. Então reconhecerás que falaste injustamente contra ele”[6]

Este é o texto que mais claramente fala da vida póstuma se dar apenas na ressurreição, e não antes. Teófilo diz a Autólico que se ele começar a viver justamente ele poderá ver a Deus. Então ele explica quando que isso ocorreria. Na cabeça de astronautas católicos como Rafael Rodrigues, isso ocorreria logo após a morte, quando a tal alma imortal sairia do corpo em direção ao Céu. Mas antes mesmo que Autólico pudesse pensar nisso, Teófilo o desarma totalmente, dizendo que isso somente ocorreria quando ele se dispusesse da mortalidade e se revestisse da imortalidade. Quando é esse momento em que ele se tornaria imortal para poder ver a Deus? É o que ele responde em seguida:

“...Deus ressuscitará a tua carne, imortal, juntamente com tua alma. Então, tornado imortal, verás o imortal”

Primeiro: Deus não ressuscitaria apenas a carne, mas a alma também. Segundo: o homem não possui a imortalidade no presente momento (na forma de uma “alma imortal” presa dentro do corpo), mas será tornado imortal quando ressuscitar dos mortos. E terceiro: é só então, quando ressuscitarmos, que veremos o imortal (Deus)! Este texto de Teófilo simplesmente fulmina e destrói com todo o amontoado de falácias imortalistas, cuja doutrina faz com que o homem veja a Deus antes mesmo de ressuscitar. Para Teófilo, é somente depois de ressuscitarmos que veremos a Deus (logo, como podemos estar com Ele antes?).

Teófilo também afirma enfaticamente que o homem se tornou naturalmente mortal quando decidiu desobedecer a Deus:

“Como dissemos acima, Deus colocou o homem no jardim, para que o cultivasse e o guardasse, e mandou que ele comesse de todos os frutos, portanto também da árvore da vida, e mandou que só não experimentasse da árvore da ciência. E Deus o transportou da terra da qual fora criado para o jardim, dando-lhe ocasião de progresso, para que crescendo e chegando a ser perfeito e até declarado deus, subisse então até o céu, possuindo a imortalidade, pois o homem foi criado como ser intermédio, nem completamente mortal nem absolutamente imortal, mas capaz de uma e outra coisa, assim como seu lugar, o jardim, se considerarmos a sua beleza, é lugar intermédio entre o mundo e o céu. Quando a Escritura diz ‘trabalhar’, não dá a entender outro trabalho, mas a observância do mandamento de Deus, a fim de que o homem, violando-o, não se perca, como efetivamente aconteceu quando se perdeu pelo pecado[7]

Note que para Teófilo Deus não fez o homem naturalmente imortal, mas lhe deu a chance de ser imortal caso ele obedecesse a Deus. Se Adão não tivesse pecado, ele poderia “subir até o céu e possuir a imortalidade” (nas palavras de Teófilo), que é exatamente o que os imortalistas afirmam que nós somos hoje (i.e, que possuímos a imortalidade em nosso ser através da “alma imortal” e que iremos ao céu imediatamente após a morte). Mas tem um probleminha: o homem desobedeceu a Deus, ao invés de obedecê-lo!

Para Teófilo, Deus não fez o homem nem “completamente mortal” e nem “absolutamente imortal”, mas capaz de uma coisa e de outra. Em outras palavras, se o homem decidisse obedecer a Deus, ele seria “absolutamente imortal”, mas se o desobedecesse, ele seria “completamente mortal”. Qual foi a decisão do homem? Desobedecer. Como resultado da escolha do homem, qual foi a consequencia? Se tornar “completamente mortal”, como diz Teófilo. Essa é exatamente a mortalidade natural afirmada por nós mortalistas. O homem se tornou naturalmente mortal ao pecar, ao invés de possuir a imortalidade (que é o que ocorreria caso ele tivesse sido fiel a Deus).

Os imortalistas seguem a mentira da serpente, que disse que, mesmo se o homem pecasse, “certamente não morrereis” (Gn.3:4). Nós seguimos a Bíblia, que condiciona a imortalidade à obediência a Deus, do qual o homem se apartou. Embusteiros como Rafael Rodrigues permanecem no engano da serpente até hoje, pensando que, mesmo depois da decisão de Adão e do pecado vir a existir, ainda assim possuímos a imortalidade. Mais adiante, Teófilo volta a repetir o mesmo pensamento:

“Poder-se-á dizer: ‘O homem não foi criado mortal por natureza?’ De jeito nenhum. ‘Então foi criado imortal?’ Também não dizemos isso. ‘Então não foi nada?’ Também não dizemos isso. O que afirmamos é que por natureza não foi feito nem mortal, nem imortal. Porque se, desde o princípio, o tivesse criado imortal, o teria feito deus; por outro lado, se o tivesse criado mortal, pareceria que Deus é a causa da morte. Portanto, não o fez mortal, nem imortal, mas, como dissemos antes, capaz de uma coisa e de outra. Assim, se o homem se inclinasse para a imortalidade, guardando o mandamento de Deus, receberia de Deus o galardão da imortalidade e chegaria a ser deus; mas se se voltasse para as coisas da morte, desobedecendo a Deus, seria a causa da morte para si mesmo, porque Deus fez o homem livre e senhor de seus atos. O que o homem atraiu sobre si mesmo por sua negligência e desobediência, agora Deus o presenteou com isso, através de sua benevolência e misericórdia, contanto que o homem lhe obedeça. Do mesmo modo como o homem, desobedecendo, atraiu sobre si a morte, assim também, obedecendo à vontade de Deus que quer, pode adquirir para si a vida eterna. De fato, Deus nos deu lei e mandamentos santos, e todo aquele que os cumpre pode salvar-se e, tendo alcançado a ressurreição, herdar a imortalidade[8]

Mais uma vez, Teófilo reitera a Autólico (que, como pagão que era, cria na imortalidade natural, como creem os imortalistas) que Deus originalmente não fez o homem nem mortal nem imortal, mas capaz de uma coisa ou de outra. Assim, se o homem optasse pela obediência, eu estaria aqui ensinando a imortalidade natural, mas como Adão desobedeceu, estou ensinando a mortalidade natural, que foi a decisão que a humanidade tomou desde Adão. Mas Teófilo nos dá uma esperança: ele diz que nós ainda podemos adquirir para si a vida eterna. De que modo que isso se daria? Isso ele responde logo em seguida:

“...tendo alcançado a ressurreição, herdar a imortalidade”

Preciso dizer mais alguma coisa?

A crença de Teófilo era clara:

• O homem não foi criado naturalmente imortal nem mortal, mas podendo se tornar “completamente mortal” ou “absolutamente imortal”, dependendo de sua obediência a Deus.

• Mas o homem decidiu desobedecer a Deus, atraindo a “morte para si mesmo” (i.e, ele se tornou “completamente mortal”).

• Felizmente, ainda há uma chance de adquirirmos uma vida eterna, que é crendo em Jesus.

• Esta vida eterna nós desfrutaremos quando Jesus – que é a ressurreição e a vida (Jo.11:25) – nos ressuscitar no último dia, e assim herdaremos a imortalidade.

Como foi que o astronauta bobão que nunca leu Teófilo na vida rebateu estes argumentos? Da forma mais ridícula, risível, medíocre e patética que eu já vi alguém “refutar” algum texto em meu até hoje:

(Clique na imagem para ampliar)

Sim, acredite, não há mais nenhuma “refutação” ali presente além disso que ele escreveu (a não ser que ele decida editar o artigo e acrescentar mais sandices). Só há essa “refutação” decadente:

“Nenhum destas passagens mostra que ele cria que a alma morria ou era aniquilada, o que ele fala como ‘morrer’ da alma, deve ser entendido em conformidade com o que ele ensina sobre o inferno. Para ele a ‘morte da alma’ era como a eterna de condenação, o apartamento total da vida glóriosa com Deus e não uma aniquilação da alma como presumem os ‘desavisados’ que passam ao largo de seu ensinamento sobre o inferno eterno”

Ou seja: além de não refutar absolutamente nada dos textos e de não rebater absolutamente nenhuma das afirmações, o analfabeto ainda escreve “glóriosa” (isso mesmo, com acento no “o”, talvez para acentuar seu sotaque nordestino), corta as citações pela metade e ainda cita as referências totalmente erradas. Onde ele coloca como sendo “Livro III, capítulo 25” (referente à segunda citação) é na verdade “Livro II, capítulo 24”. Isso prova que o astronauta bobão sequer lê os textos que cita, ele copia sem ler as asneiras que escreve, não sabe nem em que livro ou em que capítulo se encontra o que ele está copiando. É difícil achar um apologista católico que seja tão vergonhoso e medíocre quanto esse Rafael Rodrigues.

Para piorar ainda mais a situação, o cidadão ainda adultera de forma grosseira os textos onde Teófilo fala explicitamente na mortalidade natural e não explica nenhum dos textos que dizem que nós só veremos a Deus e alcançaremos a vida eterna depois da ressurreição. Pelo contrário, ele “refuta” o que sequer foi argumentado, e ainda distorce de forma criminosa “o que Teófilo ensina sobre o inferno”, que, como vimos, em nada tinha a ver com um tormento eterno e consciente, mas com aniquilacionismo dos ímpios na conflagração universal, ponto este em que Teófilo estava de acordo com os filósofos estóicos, como o próprio Teófilo assevera.

O que o astronauta católico quer que seus leitores néscios engulam é que quando Teófilo diz que Deus não fez o homem nem “completamente mortal” e nem “absolutamente imortal”, mas capaz de uma coisa ou de outra, o que ele estava querendo dizer é isso:

“Deus não fez o homem completamente para ser atormentado para sempre em um lago de fogo do inferno, nem absolutamente imortal, mas capaz de uma coisa ou de outra”

Sério, quem ainda dá crédito a esse embusteiro?

Para piorar ainda mais as coisas, Teófilo ainda diz:

“Assim, foi a desobediência que acarretou ao primeiro homem ser expulso do jardim do Éden; não porque a árvore da ciência tivesse alguma coisa de mau, mas foi por causa de sua desobediência que o homem atraiu trabalho, dor, tristeza e caiu finalmente sob o poder da morte. Também foi um grande beneficio feito por Deus ao homem que este não permanecesse sempre em pecado, mas, de certo modo, como se tratasse de um desterro, o expulsou do paraíso, para que pagasse por tempo determinado a pena de seu pecado e, assim educado, fosse novamente chamado. Tendo sido o homem formado neste mundo, misteriosamente se escreve no Gênesis como se ele tivesse sido colocado duas vezes no jardim. A primeira vez se realizou quando foi aí colocado; a outra se realizaria depois da ressurreição e do julgamento. Podemos ainda dizer mais. Do mesmo modo como um vaso que depois de fabricado tem algum defeito, é novamente fundido e modelado para que fique novo e inteiro, assim acontece com o homem através da morte: de certo modo se quebra, para que na ressurreição surja sadio, isto é, sem mancha, justo e imortal[9]

Teófilo diz que o homem é chamado duas vezes ao Paraíso: a primeira foi com Adão e Eva (no relato do Gênesis), e a segunda será depois da ressurreição! Mesmo Teófilo sendo assim tão claro, o astronauta embusteiro ainda insiste que as almas estão no Paraíso entre a morte e a ressurreição! Se de longe um apologista católico ser obrigado a distorcer tão criminosamente os textos soa como decadência, de perto parece de longe.

Mas não termina por aqui. Teófilo compara ainda a situação do homem na morte com a situação de um vaso que se quebra e que é consertado. Aqui na terra somos um “vaso com defeito”, na morte somos um “vaso quebrado”, e na ressurreição seremos um “vaso modelado”, se tornando “novo e inteiro”. Deixo que o leitor decida se isso se parece com a descrição de uma alma imortal e incorruptível que habita dentro de nós e que na morte já está no Paraíso com Deus em perfeitas condições, ou se parece mais com a inexistência na morte e volta à vida na ressurreição.

Para terminar, Teófilo diz ainda:

“Portanto, a Sibila, os outros profetas, e até os filósofos e poetas falaram claramente sobre a justiça, sobre o julgamento e o castigo. Falaram também sobre a providência, que Deus cuida de nós não apenas enquanto vivemos, mas também depois de mortos, embora o dissessem contra a vontade, convencidos que foram pela própria verdade. Entre os profetas, Salomão disse sobre os mortos: ‘A carne será curada e os ossos serão cuidados’. E o próprio Davi: ‘Meus ossos humilhados se regozijarão’. De acordo com eles, disse Tímocles: ‘Para os mortos, a misericórdia é o Deus benigno’”[10]

Teófilo diz que Deus cuida de nós mesmo depois de mortos, mas, então, curiosamente não faz absolutamente referência nenhuma sobre isso consistir em estar sob os cuidados de Deus no Céu em forma de alma penada incorpórea e imortal. Ao contrário: ele se refere apenas à carne que será “curada”, aos ossos que serão “cuidados” e, novamente, aos ossos que “se regozijarão”, ou seja, todas elas figuras de linguagem para falar da ressurreição da carne. Para Teófilo, Deus cuidar de nós depois da morte não tinha nada a ver com nossa alma já estar com Deus no Paraíso, mas sim com o fato de Ele providenciar a nós uma ressurreição física dentre os mortos, para que estejamos na presença dEle.

Há muito mais coisas interessantes que eu poderia acrescentar ainda sobre Teófilo, mas um astronauta néscio e incauto como esse não merece mais aulas. Em vez disso, estou planejando um livro sobre o tema da imortalidade da alma nos Pais da Igreja, que deverá sair nas próximas semanas. Se o astronauta quer deixar de ser tão ignorante e mentiroso, que vá ler de fato um livro, se é capaz de fazer isso. Assim obterá conhecimento suficiente para admitir o óbvio: que os primeiros Pais da Igreja desconheciam completamente qualquer doutrina de imortalidade incondicional da alma. Se bem que para alguém tão desonesto não adianta: mesmo que eu cite caminhões de textos históricos e refute cada vírgula de argumentação leviana e néscia, ainda assim o charlatão preferirá continuar enganando a si mesmo e aos seus leitores burros do que reconhecer a verdade, porque “o deus deste século cegou o entendimento dos incrédulos, para que não lhes resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo” (2Co.4:4).

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (www.lucasbanzoli.com)


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[1] Teófilo a Autólico, Livro II, c. 37.
[2]Diógenes Laércio, VII, 156 (von Arnim, S.V.F., II, fr. 774).
[3]Cícero, Tusc. disp., I, 31, 77 (von Arnim, S.V.F., I, fr. 822).
[4] Diógenes Laércio, VII, 156 (von Arnim, S.V.F., I, fr. 522).
[5] Teófilo a Autólico, Livro II, c. 38.
[6] Teófilo a Autólico, Livro I, c. 7.
[7] Teófilo a Autólico, Livro II, c. 24.
[8] Teófilo a Autólico, Livro II, c. 27.
[9] Teófilo a Autólico, Livro II, c. 25-26.
[10] Teófilo a Autólico, Livro II, c. 38.

Como funciona o mundo na cabeça de um zumbi tridentino (Parte 2)

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Há um mês atrás escrevi um artigo chamado "Como funciona o mundo na cabeça de um zumbi tridentino". Talvez alguém possa ter pensado que eu exagerei na descrição, ou que tenha sido irônico demais. Não fui. Neste artigo, vou provar que não fui sarcástico, usando as próprias falas dos militantes tridentinos vociferando e espumando pelos dentes nas redes sociais. Antes de começar, um aviso importante: este post não terá prints do Edmilson Silva ou do Cris Macabeus, senão seria covardia, pois não é certo zombar de doentes mentais. Então vamos começar.

Desde quando eu comecei a debater com católicos tridentinos (em 2009), tenho acompanhado o nível podre da apologética católica que se traduz em debatedores fracos e medíocres, beirando o ridículo. Qualquer cidadão que entre agora mesmo em qualquer comunidade de debates entre católicos e evangélicos, verá os católicos apanhando feio, como sempre apanharam. Mas que os militantes tridentinos são surrados em todos os debates isso todo mundo já sabe e não é novidade a ninguém. O que eu me impressionei foi ver até que nível que o vírus do fanatismo católico chegou. Na minha época, os católicos apanhavam com dignidade. Hoje, nem isso tem mais.

Há poucos dias o Elisson Freire (o mesmo que botou pra correr um fake bobão chamado Ekson alguma coisa, que nunca mais voltou) desafiou mais uma vez um outro católico para um debate ao vivo por hangout, um tal de “Adriano Formico”, um indivíduo execrável e arrogante que dizia que “protestantes são lixo” e que “é impossível um católico perder um debate”. Pois bem. O militonto católico aceitou o desafio, e ainda disse isso aqui:



Ui, que medo.


Depois que o cidadão aceitou o debate com ares de vencedor, eu testei o sujeito com uma ou duas perguntas. A criatura não respondeu nenhuma e em vez disso mudou de assunto. Eu logo percebi que o homem barbudo se tratava mesmo de mais um catoleigo fraquinho e fracassado, com o qual não vale a pena desperdiçar nem cinco minutos de conversa. E se ele não conseguia debater nem cinco minutos comigo sem mudar de assunto, como iria conseguir debater ao vivo e às caras com o Elisson? Impossível. Ficou claro que ele não iria mesmo aparecer para o debate, e que iria fugir assim como todos os outros.

Dito e feito. O sujeito confirmou a participação no debate até o último minuto, pensando que o Elisson estava blefando, porque queria manter a aparência de homem macho e destemido. Mas na hora H, aconteceu isso:


Sim, isso mesmo. O cidadão estava lá às 9 horas, mas quando percebeu que o Elisson não era arregão, o covardão colocou o rabo entre as pernas e saiu de fininho, se escondeu debaixo da cama e pediu a ajuda da mamãe. O Elisson gravou mesmo assim um vídeo no momento em que deveria estar ocorrendo o debate:


Depois desse vexame, se eu fosse esse Adriano colocaria a cabeça em um buraco de terra e não apareceria nunca mais. Mas o pior é que depois de ter sido desmascarado, refutado, humilhado e desmoralizado publicamente, o cidadão ainda teve a coragem de continuar debatendo e chamando o protestantismo de “lixo”:


O cara é tão fraco e vergonhoso que virou motivo de chacota até mesmo entre os católicos. Enquanto nenhum católico apareceu lá para dar um apoio moral ao desonrado, ainda aparecia católico dizendo isso:


Além de fujões por não suportarem cinco minutos de debate sem control v de sites católicos como o lixo do “Astronautas Católicos” e do “Macabeus Insanidades”, o nível argumentacional dos militantes tridentinos tem caído cada dia mais, em um nível nunca antes visto pelo homem. Eu confesso que na época em que eu debatia com eles o nível não era tão grosseiramente absurdo como é hoje. Piorou bastante porque eles estão precisando apelar cada vez mais baixo para justificar tantas insanidades do romanismo.

Este católico, por exemplo, acha que a Igreja Romana tem autoridade superior a qualquer ensinamento de Cristo:


Esse outro católico aqui diz ter a mão da avó de Deus:


O mesmo católouco tridentino também garante que basta usar o “Santo Escapulário” que ninguém vai pro inferno e será tirado do purgatório “no primeiro sábado após sua morte”:


Este outro católico acha que os católicos montaram a Bíblia, escolheram o nome da Bíblia(?) e ainda tem “vários livros de Maria Madalena”:


Embora eu esteja muito curioso para ler esses “vários livros de Maria Madalena”, tenho que voltar minha atenção a este outro católico que prova de forma cabal a canonização dos santos no Antigo Testamento, usando a passagem em que Jesus repreende os fariseus e fala sobre “adornar os monumentos dos justos”:


Este outro católico nos ensina como tirar uma alma do purgatório:


Este outro católico garante que a Bíblia só foi feita nos séculos IV e V, e “sob a direção do papa”:


Este famoso católico dono de duas mil e quinhentas comunidades do Orkut nos explica do alto de sua sabedoria como os santos podem atender milhares de orações ao mesmo tempo sem ter onipresença:


Esta outra católica é um dos casos mais tristes, pois mostra como o fanatismo e a lavagem cerebral católica pode levar à intolerância e ao preconceito. Para essa moça, a inquisição deveria voltar com mais força, para matar esses “lixos de protestantes”:


Este outro católico tem argumentos racionais brilhantes para provar que Maria é mãe de Deus:


Este outro católico mostra perfeitamente bem o valor que a Igreja dá à Bíblia:


Já este outro católico dá uma verdadeira aula de história e mostra sabiamente que só existe “três ou quatro” pontos divergentes entre a Igreja Romana e a Ortodoxa, além de dizer que a Bíblia está “MUITO” incompleta (é claro, porque faltam os dogmas deles), e também que os evangelhos são contraditórios:


A lógica católica é a seguinte: a Bíblia pode ser contraditória e ter discordâncias entre si, mas as igrejas evangélicas não, senão é “coisa do capeta”. Ok.

Calma, que isso é só o começo. Esse mesmo católico disse que o papa tem autoridade para excomungar até os anjos:


Se você for o anjo Gabriel ou o arcanjo Miguel, tome cuidado (#ficadica). O Murilo está na área.

Agora vem a minha preferida de todas: para o católico, Jesus vai voltar em forma de bebê, e ele tem um argumento fortíssimo e bombástico que prova isso:


Ah, é claro, não poderia faltar o astrounauta católico. É lógico que não. Quando perguntado se os católicos podem rezar para a alma do esquerdista fanático, comunista de carteirinha e ícone da teologia da libertação (outrora condenada pelo Vaticano) chamado Dom Hélder, ele não tem papas na língua e vai direto ao ponto:


Antes que você vá rezar à alma do Dom Hélder, por favor, continue lendo este artigo. Ainda tem muito mais pérola pela frente. Por exemplo: para esse senhor católico, João Batista era imaculado, assim como Maria:


Acompanhem também a exegese perfeita deste outro católico:


Estou estupefado com essa lógica. Merece metade de uma palma (só que na cara).

Este outro católico aqui tem provas arqueológicas(!) de que os apóstolos faziam pedidos aos santos:


E nem ousem contradizê-lo, não entenderam que é um “fato comprovado”??? Como vocês tem coragem de contradizer um fato tão comprovado????????

Este outro católico citou um trecho de um livro apócrifo para as “hereges” Lígiah Chris e Paula Silva como a prova de um dogma mariano:


Depois que a Lígiah perguntou se Maria era estéril e José era eunuco, o católico desapareceu (#mistério).

Este outro tridentino tem a prova da virgindade perpétua de Maria, tirada direto do livro de Ezequiel:


E acredite, ele garante que aquele texto estava falando das partes íntimas de Maria:


Agora pára tudo neste mundo, porque esse debatedor católico tem um recado para o Cris Macabeus:


Brilhante, Festo, você é o cara!

Infelizmente este mesmo Festo tenta impugnar a Sola Scriptura com o argumento de que Cristo nunca citou o Novo Testamento (que não havia sido escrito ainda):


O Gustavo, uma espécie de homem mítico dos debates, jura que consegue provar o purgatório no Antigo Testamento:


Agora vamos falar um pouquinho do Ekson, sim, aquele mesmo que correu do debate com o Elisson depois de já ter aceito, e que depois disso sumiu da face da terra (já falamos sobre a figura neste artigo). Ele é meu apologista católico preferido. Pelo menos, é o que mais me diverte entre todos os que fazem parte do circo romano. Para ele, a Bíblia só é a “Palavra de Deus” porque a Igreja Romana disse que ela seria a “Palavra de Deus”:


A Bíblia foi feita “por católico e para católico”, ouviu só seu retardado papagaio de paxtor?


O meu papagaio aqui está dizendo que Moisés (que escreveu cinco livros da Bíblia) não era católico. Mas ele é papagaio de paxtor, então deixa pra lá.

É melhor continuarmos aprendendo com o mestre Ekson, que garante: a inquisição é bíblica!


Se segura da cadeira que aí vem mais: você não teria nascido se não fosse pela inquisição!


Ah, essa maldita tia cocota que não me ensinou direito! Que droga!

Depois de tudo isso, ele ainda afirma:


Sim, somos nós que não lemos. Tudo bem que saiu há pouco tempo uma pesquisa que provou que os evangélicos leem em média o dobro em relação à população em geral (veja aqui), mas deixa pra lá, deve ser conversa da tia cocota.

Esqueçamos um pouco o palhacinho Ekson e a tia cocota e vamos à explicação que o Logan tem para a existência de várias imagens diferentes de Maria:


Hmm... interessante. Por que será que eu nunca tinha pensado nisso? Agora faz todo o sentido.

Agora é a vez do Gustavo de novo (a lenda, o mito, o hardcore dos argumentos). Para ele, até o século IV ninguém escrevia nada, só falava:


Se não fosse pelo Mark Zuckerberg, acho que estariam só falando até hoje.

Calma, que ainda vem mais. Essa católica nos explica que o Espírito Santo já está comprometido, ele é um homem casado:


Deus tem esposa, tem pai, tem avó, tem tudo. É uma festa.

Essa mesma católica afirma que, “ianda bem”, Deus não é filho de chocadeira “igual os protestantes”:


Neste outro print a exegeta católica pede a prova bíblica de que os que ressuscitaram em Mateus 27:52 e apareceram na cidade santa voltaram a morrer:


Não tem a prova bíblica de que a pessoa morreu? Rá-rá, te peguei seu protestante satânico!

Eles ainda tem as provas históricas de quem canonizou Maria:


Este outro católico usa um texto do Apocalipse que fala sobre almas aglutinadas debaixo de um altar gritando por vingança no Céu(!) como a “prova” da intercessão dos santos:


A página de retardados mentais e vagabundos desocupados chamada “Cruzados Católicos” explica de forma simples como funciona a lavagem cerebral no catolicismo:


Agora é o Gustavo de novo. Gustavo não, o mito Gustavo (desculpe). Ele acha um absurdo tratarem Jesus tão mal:


O perfil a seguir é católico tridentino, e o print explica tudo:


Pelo menos eles admitem que odeiam a RCC, diferente de certo sr. Obsceno que vivia atacando a RCC no Orkut e agora coloca a carapuça e finge que são irmãos alegres e felizes para sempre. Eles pelo menos tem honestidade para admitir o ódio, que bom.

Temos também um cara que em si mesmo já é uma piada, que dispensa qualquer print ou comentário. Seu nome é “Demapro Inquisidor”. Você já deve fazer ideia do quão perturbado e doente que o sujeito é. Eu não passei nem trinta segundos no perfil dele e achei isso:


Eu interpreto, Demparo: você é um retardado. Está aí o significado. Acertei?

Não posso me esquecer do comentário da Déborah, que nos presenteou com um excelente argumento para rezarmos aos santos – “Deus é ocupado demais”:


E também desse outro comentário épico:


Para terminar, vejam esse aqui, que eu tirei do fundo do baú, direto do falecido Orkut:


Se você não conseguiu ler direito, o que ele disse foi: “Respeito a tua opinião, mas pra mim Maria é muito mais que Jesus. Isso é uma triste verdade que vocês tem que encarar. Até mais”.

Está bem, Junior, até mais. Vou tentar encarar essa triste verdade.

Neste artigo eu não busquei todos os prints, mas apenas uma pequena quantidade do que eu peguei em uma busca rápida de poucos minutos pelas comunidades, além de alguns outros que me passaram. Mas coisas iguais ou piores que essas acontecem aos montões, dia após dia, cada vez mais, em um nível toda hora mais épico e hardcore. A verdade é que os padres não ensinam nada direito ao povo, e aí fazem os debatedores deles passarem vergonha sempre. E o pior é saber que alguns destes citados são administradores de páginas católicas bem famosas no facebook. A partir do momento em que o sujeito se torna um fanático católico, ele passa a fazer de tudo para justificar as sandices romanas, e então chega aos limites mais inacreditáveis. O que nos resta é apenas se divertir observando como funciona o mundo na cabeça de um zumbi tridentino.

Antes de terminar, fiquem com isso:




Agora sim: paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (www.lucasbanzoli.com)


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Refutando astronauta católico (VI): Taciano cria na imortalidade da alma?

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Chegamos agora à sexta parte da nossa refutação ao astronauta católico, desta vez no que tange a Taciano, o Sírio (120-180 d.C). Se você chegou aqui sem ter lido as outras partes da refutação, recomendo que as leia antes de prosseguir a leitura deste artigo:


Taciano é tão claramente um pregador da mortalidade da alma no século II d.C que o próprio astronauta católico foi obrigado a reconhecer isso em seu artigo (ainda que parcialmente) e a desacreditá-lo e menosprezá-lo de todas as formas, inclusive chamando Taciano de “herege”. O nível de amadorismo na “refutação” do astronauta católico mostra o desespero desta gente em lidar com os escritos dele, que combatem tão clara e consistentemente a doutrina da imortalidade incondicional da alma. Aqui vai um print do desespero do astronauta católico em tentar depreciar Taciano para abaixar o peso da evidência contra ele:

(Clique na imagem para ampliar)

O que o católico charlatão se esquece de dizer neste texto ridículo é que Taciano não escreveu o “Discurso contra os Gregos” depois de se tornar “herege”, mas enquanto ainda era cristão. Taciano só deixou a Igreja em sua velhice, como atesta Le Roy Edwin Froom em sua obra The Conditionalist faith of Our fathers[1]. John H. Roller, em sua obra sobre “A doutrina da imortalidade da alma na Igreja primitiva”[2], acrescenta ainda que a seita ascética criada por Taciano só foi declarada “herética” muito depois da morte do próprio Taciano, que se deu em 180 d.C. Ou seja, o apologista católico desonesto tenta desmerecer Taciano por uma coisa que ele só fez depois de ter escrito o “Discurso contra os Gregos”, e que mesmo assim só foi considerada “herética” bem depois da sua morte.

Paradoxalmente, no mesmo lixão de site do astronauta católico há um monte de citações de Tertuliano supostamente pró-catolicismo, sendo que Tertuliano também apostatou depois de escrever aquelas coisas. Mas com Tertuliano pode, só não pode com Taciano, porque Taciano explode o capacete do astronauta, e Tertuliano nem tanto. Na cabeça do astronauta embusteiro, “Taciano não pode ser usado para provar nenhuma doutrina cristã” (porque mais tarde ele se tornou “herege”), mas ele usa Tertuliano para “provar doutrinas cristãs” (mesmo ele também tendo se tornado “herege” mais tarde). É assim que funciona o mundo de ilusão e demência dos fanáticos católicos, como Rafael Rodrigues.

O néscio diz ainda que “não nos importa muito o testemunho de Taciano” (é claro que não importa, já que Taciano é um hadouken muito bem dado no estômago deles), ignorando a vasta formação intelectual e prestígio que Taciano tinha na época em que escreveu o “Discurso contra os Gregos”, antes de apostatar. Taciano era um refinado intelectual que dominava a cultura clássica grego-romana e que em seus escritos citou 93 autores clássicos, fazendo uso de seu vasto conhecimento. Convertido ao Cristianismo, ele se tornou discípulo do grande Justino Mártir, seus escritos foram altamente consideradas pela igreja da Síria por duzentos anos, e seu Diatessaron foi usado pela igreja siríaca até o quinto século. Nada disso o astronauta católico fala, na tentativa de depreciar Taciano a todo e qualquer custo, distorcendo a verdade em favor de sua causa nefasta.


Taciano cria no estado intermediário?

Não precisamos perder muito tempo argumentando neste ponto porque o próprio astronauta católico, por mais desonesto que tenha demonstrado ser até hoje, pelo menos acerta uma, admitindo que Taciano tinha a mesma crença da “seita árabe” que cria na morte da alma com a morte do corpo. O astronauta diz:


Isso que ele chama de “seita árabe”, nas palavras de Eusébio, “asseverava que a alma humana neste mundo, no momento final provisoriamente morre com o corpo, e com ele se corrompe, mas no futuro, por ocasião da ressurreição, com ele reviverá”[3].

Se Taciano cria igual a essa “seita árabe” (como o astronauta admite), então ele não cria que as almas dos mortos já estão conscientes em algum outro mundo, o que joga por terra a mentira estúpida de que a morte da alma tenha sido uma “invenção de Arnóbio” no século III d.C.

Para que não reste nenhuma sombra de dúvida a este respeito, reiteremos mais uma vez algumas das passagens que mostram claramente que Taciano não cria mesmo em nenhum estado atual consciente dos mortos, e sim na inexistência entre a morte e a ressurreição. Ele diz:

“Com efeito, do mesmo modo como, não existindo antes de nascer, eu ignorava quem eu era e só subsistia na substância da matéria carnal – mas uma vez nascido, eu, que antes não existia, acreditei em meu ser pelo nascimento – assim também eu, que existi e que pela morte deixarei de ser e outra vez desaparecerei da vista de todos, novamente voltarei a ser como não tendo antes existido e portanto nasci. Mesmo que o fogo destrua a minha carne, o universo recebe a matéria evaporada; se me consumo nos rios ou no mar, ou sou despedaçado pelas feras, permaneço depositado nos tesouros de um senhor rico. O pobre ateu desconhece esses depósitos, mas Deus, que é rei, quando quiser, restabelecerá em seu ser primeiro a minha substância, que é visível apenas para ele”[4]

Aqui Taciano deixa mais do que claro a crença dos cristãos primitivos sobre a morte ser um estado de não-existência, ao invés de ser um estado de existência em outro mundo. Da mesma forma como nós não existíamos antes de nascer, nós deixaremos de existir outra vez quando morrermos, mas Deus um dia nos ressuscitará, fazendo com que existamos outra vez. Assim como antes de nascer você estava em um estado de não-existência, você ressuscitará de um estado de não-existência, e então passará novamente a um estado de existência. A existência só existe em dois períodos: nesta vida (em corpo corruptível) e na vida futura pós-ressurreição (em corpo incorruptível). Essa é a visão bíblica sobre a morte (veja aqui) e era também a concepção dos primeiros cristãos, pelo menos até Taciano.

Taciano também descreve como o homem se tornou naturalmente mortal após ter desobedecido a Deus (no Jardim):

“Todavia, como a virtude do Verbo tem em si a presciência do futuro, não por fatalidade do destino, mas por livre determinação dos que escolhem, predisse os acontecimentos futuros, freou a maldade por suas proibições e louvou os que perseveram no bem. Aconteceu, porém, que os homens e os anjos seguiram e proclamaram Deus àquele que, por ser criatura primogênita, superava os demais em inteligência, justamente ele que se havia revelado contra a lei de Deus. Então a virtude do Verbo negou a sua convivência não só ao que se tornara cabeça desse louco orgulho, mas também a quantos o haviam seguido. E o homem, que tinha sido criado à imagem de Deus, apartando-se dele o espírito mais poderoso, tornou-se mortal e aquele que fora primogênito, por sua transgressão e insensatez, foi declarado demônio, e os que imitaram suas fantasias se transformaram no exército dos demônios que, por razão de seu livre-arbítrio, foram entregues à própria perversidade”[5]

“Nós não fomos criados para a morte, mas morremos por nossa própria culpa. A liberdade nos deixou; nós que éramos livres, nos tornamos escravos; fomos vendidos pelo pecado. Deus não fez nada mau; fomos nós que produzimos a maldade; nós que a produzimos, porém somos também capazes de recusá-la”[6]

“Conforme o seu livre-arbítrio, os demônios deram aos homens leis de morte; mas os homens, depois de perderem a imortalidade, com sua morte pela fé, venceram a morte e, por meio da penitência, foi-lhes outorgado o dom de uma nova vocação, conforme a palavra que diz: ‘Pois por um pouco de tempo foram tornados inferiores aos anjos’. De fato, é possível para todo aquele que foi vencido vencer por sua vez, contanto que rejeite a constituição da morte, e qual seja esta é fácil de ver para aqueles que desejama imortalidade”[7]

A visão de Taciano era totalmente bíblica e bastante simples: Deus não nos criou naturalmente mortais, mas nós nos tornamos naturalmente mortais ao desobedecer a Deus e escolher pelo pecado (esta é exatamente a mesma visão de seu contemporâneo Teófilo, como vimos no artigo anterior). A única solução para isso é a ressurreição dos mortos, mediante a qual poderemos viver para sempre depois de termos morrido como consequencia do pecado. Para Taciano, era impossível a alma “se manifestar sem o corpo” (eliminando por completo a possibilidade das almas estarem vivas desincorporadas no Céu neste momento), e na ressurreição a carne não ressuscita “sem a alma”:

“A alma dos homens compõe-se de muitas partes, e não de uma só; ela é composta, de modo que se manifesta por meio do corpo. Com efeito, nem a alma poderia por si mesma jamais se manifestar sem o corpo, e nem a carne ressuscita sem a alma[8]

A lógica de Taciano era certeira: se a alma só pode ser manifesta por meio do corpo, então não existe vida “somente no corpo” ou “somente na alma”. Consequentemente, na morte não há vida em estado incorpóreo (na alma), e na ressurreição não há vida somente para o corpo, mas para o corpo e a alma. Ou os dois estão juntos e há vida, ou os dois não estão juntos e há não-vida (morte). Não existe vida somente como “alma” ou somente como “corpo”. Isso é exatamente o que a Bíblia diz sobre o estado dos mortos, que vocês podem ler clicando aqui.

Para Taciano, a alma não é imortal (neste presente momento), mas precisa ser imortalizada pelo Verbo (Jesus) na ressurreição, no mesmo momento em que o corpo também recebe a imortalidade:

”Mas nem a nós ficam ocultas as coisas do mundo nem a vós será difícil compreender as divinas, contanto que chegue até vós a potência do Verbo que imortaliza a alma[9]

“Vocês afirmam que só a alma receberá a imortalidade; eu, que juntamente com ela também a carne[10]

“Nós, porém, aprendemos dos profetas o que ignorávamos; estes, persuadidos de que o espírito celeste, vestidura de nossa imortalidade, juntamente com a alma, um dia possuirá a imortalidade, predisseram o que as outras almas não sabiam”[11]

Se a alma “um dia possuirá a imortalidade”, é óbvio que ela não possui a imortalidade agora.

A parte mais patética e ao mesmo tempo hilária do texto do astronauta católico é quando ele, depois de já ter concedido que Taciano cria na morte da alma depois da morte do corpo, cita um texto que supostamente “prova” que Taciano cria que  alma era “imortal” e que “se separa do corpo”. Eu vou mostrar mais um print direto do artigo dele, antes que ele edite o artigo para apagar essa pérola. Ele diz:

(Clique na imagem para ampliar)

O cara é tão ridículo e abestado que nem percebeu que Taciano estava justamente ridicularizando a crença dos gregos, de que a alma era imortal. Ele estava sendo irônico e sarcástico, zombando da crença dos gregos, e o astronauta vai lá e copia o texto sem ler, pensando que Taciano estava sendo literal e contradizendo tudo aquilo que ele já havia escrito em toda a obra!

Vejamos a citação de Taciano dentro de seu devido contexto:

“Os demônios que dominam os homens não são as almas dos mortos. Com efeito, como podem ser capazes de agir depois de mortos? A não ser que creiamos que, enquanto vive, um homem é ignorante e impotente e, depois que morre, recebe daí para a frente um poder mais eficaz. Isso, porém, não é assim, como já demonstramos em outro lugar, nem é fácil compreender como a alma imortal, impedida pelos membros do corpo, se torne mais inteligente quando se separa dele. Não. São os demônios aqueles que, por sua maldade, se enfurecem contra os homens e, com variadas e enganosas representações, desviam os pensamentos dos homens, já por si inclinados para baixo, a fim de torná-los incapazes de empreender a sua marcha de ascensão para os céus”[12]

Veja que Taciano estava refutando a crença de algumas pessoas que pensavam que os demônios eram na verdade “as almas dos mortos”. Taciano refuta essa bobagem dizendo que isso era impossível, uma vez que os mortos não são capazes de “agir”. Se os mortos estão em estado de inexistência, como é que eles podem ser os demônios? Não tem como. Era este o ponto de Taciano. Então ele faz uma concessão hipotética:

“...a não ser que creiamos que, enquanto vive, um homem é ignorante e impotente e, depois que morre, recebe daí para a frente um poder mais eficaz”

Ou seja, para Taciano, se a alma continuava viva após a morte, então o homem deveria receber um “poder mais eficaz” depois que morre, ou seja, que ele estaria em um estado melhor depois de morto do que estava enquanto vivo. É exatamente nisso que os apologistas católicos ridículos como o Rafael Rodrigues creem. Mas Taciano refuta essa mentira logo em seguida, dizendo:

“...isso, porém, não é assim, como já demonstramos em outro lugar”

Esse “em outro lugar” se refere a todas as várias partes de sua obra que já conferimos até aqui, que mostram claramente que Taciano cria na mortalidade da alma. E é aí que ele ridiculariza a crença estúpida daqueles que pensavam o contrário dele, dizendo que essa crença “não é fácil de se compreender”:

“...nem é fácil compreender como a alma imortal, impedida pelos membros do corpo, se torne mais inteligente quando se separa dele. Não

Taciano não estava dizendo que ele próprio crê que existe uma “alma imortal impedida pelos membros do corpo”, mas sim ridicularizando a crença daqueles gregos contra os quais ele escrevia, que criam que a alma era imortal e ficava dentro dos membros do corpo, e se tornava mais inteligente quando se separa dele (o que Taciano já havia refutado). O astronauta católico, de tão bôbo e desonesto que é, não grifou em seu artigo a palavra seguinte à frase que ele colocou em negrito, que é quando Taciano diz um “NÃO”, logo após dizer aquilo que os gregos criam, mostrando que o próprio Taciano não cria que a alma era “imortal”, que ficasse “dentro dos membros” do corpo ou que se tornasse “mais inteligente quando se separa dele”. Desonesto para um cidadão desses é um termo leve!

Essa não foi a única vez em que Taciano zombou e ridicularizou a doutrina da imortalidade da alma. Em outra parte de seu Discurso contra os Gregos, ele faz chacota com a crença daqueles que criam em intercessão dos santos falecidos:

“De fato, como é possível que, não tendo eu sido absolutamente mau enquanto vivi, os meus restos, depois de morto, sem eu fazer nada, os meus restos, que já não se movem nem sentem, realizem alguma coisa sensível? Como aquele que morreu com a mais desastrosa morte poderá ajudar alguém a se vingar? Com efeito, se fosse capaz, muito melhor vingaria a si mesmo contra o seu próprio inimigo, pois aquele que pode ajudar a outros, com muita maior razão poderá fazer justiça a si mesmo”[13]

Infelizmente temos que compreender que o astronauta católico jamais leu coisa alguma de Taciano, ele apenas correu desesperado para copiar e colar textos isolados citados em outros sites católicos e itardianos, sem sequer ler os textos que ele mesmo copia em seu próprio site, de tão deplorável que é. É por isso que ele comete tantas gafes e pérolas em seu texto de nível medíocre.


Taciano cria no tormento eterno?

Agora chegamos ao ponto que o astronauta católico assegura que Taciano cria da mesma forma que ele: no tormento eterno dos ímpios. E isso, na cabeça dele, é a “prova” de que Taciano não deve ser usado pelos mortalistas. O astronauta católico afirma:

(Clique na imagem para ampliar)

Mas de que raios que o astronauta católico tirou a ideia de que Taciano falou de “sofrer eternamente”? Deve ser do mesmo lugar em que o Paulo Porcão costuma formular seus “argumentos”: do focinho. Taciano não emprega a linguagem de “sofrer eternamente” em absolutamente lugar nenhum da sua obra. Tudo o que Taciano fala é sobre os ímpios terem “morte na imortalidade”, o que em si mesmo parece ser autocontraditório e não ter muito sentido, mas faz todo o sentido se entendermos que Taciano estava familiarizado com o platonismo, onde a alma ser “eterna” implicava não apenas em não ter fim, mas também em não ter início.

Por isso, ao invés de ele usar o termo “morte eterna” (que é o termo usado na Bíblia), ele preferia usar o termo “morte na imortalidade”, pois “imortal” não é aquilo que “não tem começo nem fim”, mas somente aquilo que “não tem fim” (sem necessariamente não ter tido um começo), ou seja, uma “morte sem fim”. Essa era uma forma mais adequada para falar aos gregos (para os quais ele dirigia seu Discurso), mas significa essencialmente a mesma coisa do termo bíblico “morte eterna”. A “morte na imortalidade” (=morte sem fim) é um estado perpétuo e permanente de morte, o que significa que o indivíduo que morreu nunca mais voltará à existência.

Isso era importante para diferenciar a crença dele em relação à crença dos estóicos e de outros gregos que acreditavam que na conflagração universal o indivíduo era aniquilado, mas que depois de um tempo ele voltava à existência e recomeçava tudo de novo outra vez. Para Taciano, a morte não era uma morte passageira, mas uma “morte na imortalidade”, ou seja, uma morte “imortalizada”, sem fim, sem volta, sem recomeços, sem novas chances. É o mesmo que a Bíblia chama de “morte eterna”, mas em uma linguagem mais adequada e apropriada para falar aos gregos, que entendiam o “eterno” como sendo aquilo que necessariamente não tem começo, o que poderia sugerir a eterna pré-existência das almas, que era um ponto que Taciano definitivamente não defendia.

A citação completa de Taciano em seu contexto é essa:

“Gregos, a nossa alma não é imortal por si mesma, mas mortal; ela, porém, é também capaz de não morrer. Com efeito, ela morre e se dissolve com o corpo se não conhece a verdade; ressuscita, porém, novamente com o corpo na consumação do tempo, para receber, como castigo, a morte na imortalidade. Por outro lado, não morre, por mais que se dissolva com o corpo, se adquiriu conhecimento de Deus. Porque, de si, a alma é treva e nada de luminoso há nela, e é isso o que sem dúvida significam as palavras: ‘As trevas não apreenderam a luz’. Não é a alma que salva o espírito, mas é salva por ele, e a luz apreendeu as trevas, no sentido que o Verbo é a luz de Deus e a alma ignorante é treva. Por isso, quando vive só, inclina-se para a matéria, morrendo juntamente com a carne[14]

Primeiro ele diz que a alma não é imortal por natureza, e sim mortal. Depois, para que ele não fosse associado a um epicurista (que cria que as almas de todos morrem para sempre e não há recompensa e nem vida eterna para ninguém), ele faz o adendo de que “ela também é capaz de não morrer”, ou seja, que ela não será aniquilada como as almas dos ímpios serão, pois somente os ímpios irão para a morte eterna. Então, as almas dos ímpios se dissolvem com o corpo na morte e depois ressuscitam para a morte eterna (“morte na imortalidade”), enquanto as almas dos justos também se dissolvem com o corpo após a morte, mas não morrem, ou seja, não passarão pela morte eterna que as almas dos ímpios passarão.

O final do parágrafo é ainda mais esclarecedor, pois diz que as almas dos ímpios morrerão juntamente com a carne, o que mostra de forma indiscutível que esta “morte” que Taciano se referia ao falar do destino final dos ímpios não tinha nada a ver com “sofrer eternamente” (como o astronauta católico assevera), mas sim no mesmo tipo de morte que a carne sofre, ou seja, uma morte física, real, passando do estado de existência para o de inexistência.

Vamos agora para a outra citação de Taciano, onde ele diz:

“Também vós sois assim, gregos, elegantes no falar mas loucos no pensar, pois chegastes a preferir a soberania de muitos deuses em vez da monarquia de um só Deus, como se acreditásseis estar seguindo demônios poderosos. Com efeito, assim como os salteadores, por sua desumanidade, costumam audaciosamente dominar os seus seme­lhantes, também os demônios, depois de fazer as vossas almas abandonadas se desviarem no lodaçal da maldade, as enganaram por meio de ignorâncias e fantasias. É fato que eles não morrem facilmente, pois não têm carne; mas, vivendo, praticam ações de morte, e também eles morrem tantas vezes quantas ensinam a pecar aqueles que os seguem. Portanto, a vantagem que agora têm sobre os homens, isto é, não morrer de modo semelhante a eles, esse mesmo fato lhes será mais amargo quando chegar a hora do castigo, pois não terão parte na vida eterna participando dela, em lugar da morte na imortalidade. E como nós, para quem morrer é agora um acidente tão fácil, receberemos depois a imortalidade junto com o gozo, ou a pena junto com a imortalidade, também os demônios que abusam da vida presente para pecar a todo momento, e que durante a vida estão morrendo, terão depois a mesma imortalidade que os homens que deliberadamente realizaram tudo o que eles lhes impuseram como lei durante o tempo em que viveram. Não digamos nada sobre o fato de que, entre os homens que os seguem, aconteceu menos espécies de pecados por não viverem longo tempo, enquanto nos citados demônios o pecado se prolonga muito mais, em razão do tempo indefinido da sua vida[15]

Já expliquei há pouco o significado do termo “morte na imortalidade” (que Taciano aqui usa para o destino final dos demônios e diz em seguida que será o mesmo destino final dos homens iníquos). Ela não significa uma existência eterna e contínua de vida em algum lugar, mas sim uma morte real que não terá fim (em contraste com os gregos que pensavam que os ímpios serão aniquilados somente por algum tempo, e depois voltariam à existência no futuro). Taciano não diz que os demônios “não morrem”, mas sim que eles “não morrem facilmente”, nos levando a crer que eles um dia morrerão, embora com dificuldade (ou seja, que demorarão mais tempo para morrer do que os homens).

Aqui o termo “morte” não está em sentido espiritual ou figurado, porque o demônio já está neste estado de morte, como o próprio Taciano acentua na sequencia. “Não morrer facilmente por não ter carne” se refere obviamente à morte final (aniquilacionismo), não a uma mera morte espiritual. Mais uma vez, é a parte final do capítulo que lança mais luz ao que ele havia acabado de dizer. Taciano explica o porquê que os demônios demoram mais para morrer (“não morrem facilmente”) do que os humanos que também são ímpios. Ele diz que é porque os pecados dos homens são menores, uma vez que “não vivem longo tempo”, enquanto os pecados dos demônios “se prolongam muito mais”, em função do “tempo indefinido” de sua vida.

Note que Taciano não diz que os demônios são seres “imortais” ou que vivem “infinitamente”, mas sim que vivem um tempo indefinido, o que é bem diferente. O tempo é “indefinido” porque ninguém sabe exatamente em qual momento que o diabo foi criado, mas não é “infinito”, porque um dia ele será morto assim como os homens que o seguiram. O texto presume que Taciano cria na mesma coisa que os aniquilacionistas creem hoje: que os demônios serão castigados por um tempo muito maior do que os homens que foram enganados por ele (em função de terem cometido mais pecados), e que no final tanto um como o outro irão para a “morte eterna”, um estado de morte que não tem volta.

Essa era a principal diferença entre Taciano e os gregos na questão do aniquilacionismo: enquanto os gregos estóicos criam que as almas eram aniquiladas muitas vezes ao longo de várias conflagrações universais e recriações, Taciano e os demais cristãos criam em apenas uma única conflagração universal, e, consequentemente, em um único aniquilacionismo, o que impede que os ímpios voltem à existência em algum momento depois de já terem sido aniquilados. É por isso que Taciano afirma:

“Há quem diz que o Deus perfeito é corpo; eu, que é incorpóreo; que o mundo é indestrutível; eu, que é destrutível; que a conflagração universal acontece periodicamente; eu, que de uma só vez[16]

Por fim, Taciano deixa mais do que claro que somente participando da porção de Deus seremos imortais, o que lança por terra qualquer possibilidade de que os ímpios também herdem a imortalidade no futuro:

“O Verbo celeste, espírito que vem do Espírito e Verbo da potência racional, à imitação do Pai que o gerou, fez o homem imagem da imortalidade, a fim de que, como em Deus existe a imortalidade, assim o homem, participando da porção de Deus, possua o ser imortal[17]

Em síntese, Taciano não cria nem em estado intermediário, e nem em tormento eterno. Ele cria na dissolução e morte da alma de justos e ímpios com a morte do corpo, e em ressurreição para ambos, na qual os justos desfrutarão de vida eterna, e os ímpios serão castigados proporcionalmente aos seus pecados, sendo por fim lançados à “morte na imortalidade”, um estado perpétuo e sem volta de morte, que distinguia o aniquilacionismo cristão do aniquilacionismo grego. Temos aqui um mestre cristão – doutrinado pelo maior professor cristão da época – desafiando os gregos de seu tempo e destruindo o principal fundamento deles: a lenda da imortalidade da alma.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (www.lucasbanzoli.com)


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[1] Le Roy Edwin Froom, The Conditionalist faith of Our fathers, Vol. 1, p. 835.
[3]História Eclesiástica, Livro III, 26:4.
[4] Discurso contra os Gregos, c. 6.
[5] Discurso contra os Gregos, c. 7.
[6] Discurso contra os Gregos, c. 11.
[7] Discurso contra os Gregos, c. 15.
[8] Discurso contra os Gregos, c. 15.
[9] Discurso contra os Gregos, c. 16.
[10] Discurso contra os Gregos, c. 25.
[11] Discurso contra os Gregos, c. 20.
[12] Discurso contra os Gregos, c. 16.
[13] Discurso contra os Gregos, c. 17.
[14] Discurso contra os Gregos, c. 13.
[15] Discurso contra os Gregos, c. 14.
[16] Discurso contra os Gregos, c. 25.
[17] Discurso contra os Gregos, c. 7.

Refutando astronauta católico (VII): Considerações Finais

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Nas últimas semanas escrevi seis artigos que destroem cada parágrafo, cada frase e cada linha de cada texto usado pelo astronauta católico, que tentou “refutar” meu texto sobre "Os Pais da Igreja e a Imortalidade da Alma", falhando miseravelmente, como sempre. Nestes artigos, não deixei nenhuma falácia, mentira, alucinação ou texto isolado de pé, e desmascarei cada um dos vários embustes, enganos, falcatruas e devaneios do astronauta copiador de textos itardianos na internet. A maioria dos textos citados pelo cidadão ele sequer lia, copiava sem ler de tão fraco que é. Infelizmente, ainda há gente medíocre que acha que uma refutação consiste no maior número de textos isolados lançados numa tela de computador, sem qualquer exegese ou contextualização. Uma vergonha. Uma lástima.

Se você não leu os artigos, confira:


Este artigo não será mais um de refutação, pois não há mais nada a ser refutado. Eu refutei nestes dias todas as deturpações dele em cima dos Pais que foram citados por mim na defesa da mortalidade da alma (ou imortalidade condicional) em meu artigo, e não tenho nenhuma razão para refutar algo a mais que eu não tenha argumentado em meu artigo. O cidadão encheu o artigo dele com um monte de citação dos Pais da Igreja de data posterior, ou seja, daqueles mesmos que eu próprio havia dito em meu artigo que introduziram a crença em uma alma imortal na Igreja da época. Portanto, esta outra parte do artigo dele apenas confirma aquilo que eu havia escrito no meu artigo. Obrigado, Rafael!

Por mais que não haja mais qualquer necessidade de uma nova refutação, tendo em vista que esses outros escritores cristãos são aqueles que eu mesmo já havia dito que introduziram a crença na imortalidade da alma na Igreja, penso que será proveitoso tecer alguns comentários sobre cada um deles, em parte porque alguns deles eram condicionalistas (criam no estado intermediário, mas não no tormento eterno), em parte porque alguns deles eram universalistas (criam em salvação universal no fim dos tempos), e em parte porque alguns deles eram descaradamente filósofos platônicos que tentaram sincretizar imortalidade da alma com ressurreição dos mortos. Tecerei então alguns breves comentários sobre eles.


Atenágoras

Atenágoras (133-190) é reconhecidamente o primeiro imortalista na história da Igreja, e um dos responsáveis pela introdução da crença numa alma imortal nos moldes atuais (embora ele não estivesse sozinho). Sua primeira obra escrita é datada de 177 d.C, o que mostra quão tardiamente que a imortalidade da alma começou a ser pregada por um cristão, quase 150 anos depois da morte de Jesus!

Há muitas coisas que precisam ser ditas sobre Atenágoras. Primeiro, ele não era nem de longe um autor proeminente na Igreja da época, como os imortalistas tentam pintá-lo, para usá-lo como “autoridade”. Le Roy Edwin Froom afirmou que “seus argumentos não carregavam muito peso em seus próprios dias, e seu nome não foi bem conhecido em sua própria geração”[1]. Ele nem sequer é citado em parte alguma da “História Eclesiástica” de Eusébio de Cesareia (265-339), o maior historiador antigo da igreja primitiva, que escreveu nada a menos que dez livros onde reúne tudo o que aconteceu de importante na história da igreja do século I até sua época, no século IV. É como se Atenágoras nem existisse!

Atenágoras não era bispo de igreja nenhuma, não era presbítero, nem diácono era. Não era professor, não era teólogo, não era mestre, não era doutor. Tudo o que se sabe sobre ele é que era um filósofo platônico convertido ao Cristianismo, para o qual depois escreve uma Apologia em defesa dos cristãos. Não se sabe o quão profundamente ele conhecia (ou não) a nova fé, nem se ele se submetia plenamente à doutrina da Igreja, o que não parece ser o caso.

Diferentemente de Justino e Taciano, Atenágoras não foi um filósofo convertido que abandonou os conceitos antigos da filosofia grega, mas sim um filósofo convertido que trouxe consigo os conceitos da filosofia grega. Isso é o que diferencia Atenágoras de Justino e Taciano. Atenágoras tinha boa fé, mas ele nunca deixou a filosofia platônica por completo. Assim como o judeu alexandrino Fílon (20 a.C – 50 d.C) buscou unir o judaísmo com o platonismo, Atenágoras tentou unir o platonismo com o Cristianismo. O resultado foi uma mistura de imortalidade da alma com ressurreição dos mortos, que passou a ser a filosofia adotada majoritariamente mais tarde. Todos os historiadores que se prezem reconhecem que Atenágoras continuou sendo influenciado por Platão mesmo depois de sua adesão ao Cristianismo, a coisa é tão óbvia que até a página da Wikipedia diz:

(Clique na imagem para ampliar)

Em segundo lugar, como é bastante importante observar, Atenágoras sustentava a imortalidade da alma não com argumentos doutrinários, teológicos ou bíblicos, mas com argumentos puramente filosóficos, trazidos da filosofia grega. O respeitado teólogo anglicano Henry Constable ressaltou que “Atenágoras nunca citou um texto da Escritura para fundamentar sua opinião”[2]. Isso explica muita coisa!

Em terceiro lugar, usar Atenágoras como prova de imortalidade da alma na igreja primitiva é um grande tiro no pé, pois só mostra o enorme e gigantesco contraste que havia entre ele e todos os demais escritores cristãos anteriores. Em uma única obra de Atenágoras, ele cita o termo “alma imortal” nada a menos que nove vezes(!), em contraste com zero vezes em que o termo aparece em Clemente; zero vezes em que o termo aparece em Inácio; zero vezes em que o termo aparece em Policarpo; zero vezes em que o termo aparece em Hermas; zero vezes em que o termo aparece em Justino; zero vezes em que o termo aparece na epístola de Barnabé; zero vezes em que o termo aparece em Papias; zero vezes em que o termo aparece na Didaquê; zero vezes em que o termo aparece em Aristides; zero vezes em que o termo aparece em Teófilo; zero vezes em que o termo aparece em Melito; zero vezes em que o termo aparece em Polícrates; e zero vezes em que o termo aparece em Taciano.

Os astronautas católicos devem achar que nós somos imbecis ou extremamente estúpidos e ingênuos para acreditarmos que Atenágoras não era um inovador, mas apenas alguém que pregava exatamente a mesma doutrina de imortalidade da alma que supostamente todos os demais cristãos da época ensinavam! O contraste é tão imenso e absurdo que só um insano seria capaz de concluir que Atenágoras não era mais imortalista do que todos os outros, ou que tivesse a mesma crença dos demais. O quadro abaixo resume isso:

Escritor cristão
Citações do termo “alma imortal”
Clemente de Roma (35-97)
Zero (0)
Policarpo de Esmirna (69-155)
Zero (0)
Inácio de Antioquia (35-107)
Zero (0)
Papias de Hierápolis (70-155)
Zero (0)
Didaquê (60-90)
Zero (0)
Hermas (70-155)
Zero (0)
Aristides de Atenas (75-134)
Zero (0)
Barnabé de Alexandria (80-150)
Zero (0)
Justino Mártir (100-155)
Zero (0)
Teófilo de Antioquia (120-186)
Zero (0)
Taciano, o Sírio (120-180)
Zero (0)
Melito de Sardes (120-180)
Zero (0)
Polícrates de Éfeso (125-196)
Zero (0)
Atenágoras (133-190)
Nove (9)
*Nota: Algumas destas datas são estimadas, e outras são aproximadas.

A coisa piora mais ainda quando vemos que o termo “alma imortal” só aparece duas vezes em outros autores, e em contextos onde eles estão claramente refutando a “alma imortal”, ao invés de afirmando-a! Uma é com Justino em seu Diálogo, quando ele conta a crença que ele tinha enquanto ainda era platônico, sendo que logo depois ele abre mão dessa crença e a refuta quando vê que o velho cristão tinha razão (clique aquipara ver), e a outra é quando Taciano zomba da crença dos gregos, que criam numa “alma imortal que está presa dentro dos membros do corpo” (clique aqui para ver).

Então temos treze autores e dezenas de livros, onde a “alma imortal” só aparece duas vezes e em contextos onde o autor está refutando a “alma imortal”, e ao chegarmos a Atenágoras temos de uma só vez nada a menos que nove citações em favor de uma “alma imortal”! Qualquer criatura que não seja tão ingênua e desprovida de inteligência e senso crítico logo concluirá que Atenágoras jamais esteve reafirmando qualquer doutrina cristã, mas introduzindo uma que era totalmente estranha à Igreja primitiva.

Em terceiro lugar, e para concluir sobre Atenágoras, o golpe de morte nos imortalistas que citam Atenágoras em seu favor é o fato de que, para Atenágoras, perecer era o mesmo que aniquilar! De fato, Atenágoras disse:

“Porque Deus não nos criou como rebanhos ou bestas de carga, de passagem, só para perecermose sermos aniquilados[3]

Note que Atenágoras equivale “perecer” a ser “aniquilado”. Em outra passagem, ele critica aqueles que “julgam que com o corpo perece também a alma e esta como que se apaga”[4]. Em outras palavras, Atenágoras reconhecia que “perecer” era um termo que denotava aniquilamento. Isso cria enormes problemas para os imortalistas, pois esta mesmíssima palavra (“perecer”) é usada em toda a Bíblia como referência à sorte final dos ímpios, e também foi usada por todos aqueles Pais da Igreja que já vimos anteriormente. Logo, aqueles que se apoiam na visão de Atenágoras estão automaticamente se colocando contra a posição bíblica e contra a posição de todos os Pais da Igreja supracitados, e desta forma o contraste entre a teologia de Atenágoras e dos demais Pais da época torna-se ainda mais evidente (como se já não fosse óbvio).


Mathetes

Outro escritor eclesiástico do final do segundo século citado pelo astronauta católico em favor da imortalidade da alma é o autor da Carta a Diogneto, conhecido apenas como “Mathetes” (“discípulo”), que sequer é nome próprio. Mais uma vez, estamos lidando aqui com um escritor desconhecido, que era tão pouco considerado na Igreja que sequer sabemos seu nome, o qual também não exercia aparentemente nenhum cargo eclesiástico, pois também não aparece na lista de bispos de igreja nenhuma.

Eusébio também não o cita nenhuma vez em sua “História Eclesiástica”, o que mais uma vez demonstra que este autor tinha bem pouca importância na igreja primitiva. Embora o astronauta católico o tenha colocado descaradamente na lista de “Pais Apostólicos”, os estudiosos afirmam que todas as evidências apontam que a obra não foi escrita senão no final do século II, ou seja, depois do próprio Atenágoras. O que se sabe é que o “Diogneto” (destinatário da carta) foi procurador de Alexandria na virada do século II para o III, o que indica que a carta foi provavelmente escrita em fins do século II ou início do século III.

De qualquer forma, o que podemos ter certeza é que Mathetes não foi um “Pai Apostólico”, não chegou a ouvir a doutrina de um apóstolo e nem foi discipulado por um sucessor de um apóstolo, mas é um autor relativamente tardio do qual não sabemos praticamente nada, e pode ter sido mais um daqueles recém-convertidos do platonismo, que tentavam juntar ambas as doutrinas. Pelo menos, sabemos que tanto seu autor quanto seu destinatário eram gregos, o que não é de se surpreender. A “alma imortal” em um autor tão obscuro assim, do qual quase nada se sabe e de quem também não era famoso nem proeminente na Igreja, não é muita surpresa.

Em sua obra há uma citação bastante dualista, que parece ter sido tirada direto de um livro de Platão, e que em absolutamente nada condiz com a Bíblia ou com os autores cristãos primitivos:

“Em poucas palavras, assim como a alma está no corpo, assim os cristãos estão no mundo. A alma está espalhada por todas as partes do corpo, e os cristãos estão em todas as cidades do mundo. A alma habita no corpo, mas não procede do corpo; os cristãos habitam no mundo, mas não são do mundo. A alma invisível está contida num corpo visível; os cristãos são vistos no mundo, mas sua religião é invisível. A carne odeia e combate a alma, embora não tenha recebido nenhuma ofensa dela, porque esta a impede de gozar dos prazeres; embora não tenha recebido injustiça dos cristãos, o mundo os odeia, porque estes se opõem aos prazeres. A alma ama a carne e os membros que a odeiam; também os cristãos amam aqueles que os odeiam. A alma está contida no corpo, mas é ela que sustenta o corpo; também os cristãos estão no mundo como numa prisão, mas são eles que sustentam o mundo. A alma imortal habita numa tenda mortal; também os cristãos habitam como estrangeiros em moradas que se corrompem, esperando a incorruptibilidade nos céus. Maltratada em comidas e bebidas, a alma torna-se melhor; também os cristãos, maltratados, a cada dia mais se multiplicam”[5]

A quantidade de platonismo presente neste único capítulo supera a de todos os outros cristãos primitivos juntos, até mesmo incluindo Atenágoras! O tanto de asneiras tiradas da filosofia grega é realmente chocante, assustador. Além de dizer que a alma é um elemento invisível que está “espalhada por todas as partes do corpo”(?), ainda há um flagrante absurdo do dualismo platônico entre o corpo e a alma, onde o corpo é “mau”, e a alma é “boa”. Para Mathetes, “a carne combate a alma” e “a odeia”. Este dualismo ridículo jamais foi aceito na Bíblia, onde o contraste nunca era entre corpo e alma, mas sim entre carne e espírito (ou seja, entre nossos desejos naturais e nossos desejos espirituais), e em nada tinha a ver com a filosofia pagã de Platão, na qual Mathetes estava mergulhado.

Mas a coisa piora ainda mais quando Mathetes chama explicitamente o corpo de prisão(!)da alma, conceito este tão flagrantemente pagão, platônico e antibíblico que nem os próprios imortalistas nos dias de hoje admitem isso! O corpo biblicamente não é nenhuma “prisão”, mas o santuário do Espírito Santo (1Co.6:19). E para acabar com tudo de uma vez, o indivíduo diz que a alma se torna melhor quando é maltratada em comidas e bebidas(!), que é mais um conceito pagão, comprado dos filósofos antigos que pensavam que podemos “zoar” com o corpo o quanto quisermos (inclusive se envolvendo em bebedeiras e tudo mais que faz mal ao corpo), que a única coisa que importa é a “preservação da alma”. Paulo deu um hadouken nesse lixo de filosofia quando disse que os cristãos devem preservar incorruptível corpo, alma e espírito(1Ts.5:23), e não apenas a alma e o espírito. O corpo, para Paulo, tinha a mesma importância da alma – algo muito diferente do dualismo absurdo presente na Carta a Diogneto.

A única coisa que podemos concluir é que Mathetes estava muito longe de ser um legítimo “cristão ortodoxo”. Ele era descaradamente um filósofo platônico tentando introduzir no Cristianismo todo o dualismo grego sobre corpo e alma que foi severamente rejeitado até então. Seu platonismo era tão evidente e manifesto que nem os imortalistas atuais creem em todas as coisas que ele afirmava sobre a alma. Embora pudesse ser um cristão sincero, era claramente mais um amante da filosofia de Platão, buscando convergir a “filosofia cristã” com a filosofia grega, em uma coisa só.

Ironicamente, em Mathetes encontramos também um verso que parece contradizer a doutrina do tormento eterno, que é quando ele diz que o tormento dos ímpios terá um “fim”:

“Condenarás o engano e o erro do mundo, quando realmente conheceres a vida no céu, quando desprezares esta vida que aqui parece morte e temeres a morte verdadeira, reservada àqueles que estão condenados ao fogo eterno, que atormentará até o fim aqueles que lhe forem entregues”[6]

Ele não diz que o fogo do inferno atormentará os pecadores “para sempre”, mas sim “até o fim”. Se tem um fim, presume-se que não é infinito. Eu não me surpreenderia em nada se Mathetes fosse um imortalista típico (como os imortalistas atuais, só que mais “platônico” ainda), mas mesmo assim parece que, conquanto fosse fortemente dualista (o que é absolutamente incontestável), ele não cria na imortalidade inerente ou incondicional da alma (senão ele creria no tormento eterno também). Isso mostra que até mesmo nos primeiros introdutores da heresia da imortalidade da alma não havia um consenso como há nos dias de hoje. Defender o dualismo e o estado intermediário não implicava em crer no “tormento eterno”, como ainda hoje há muitas pessoas que creem na sobrevivência da alma mas não no inferno eterno. O desvio foi gradual, mas certamente Mathetes foi responsável por parte disso.


Tertuliano

Chegamos agora ao maior propulsor responsável pela divulgação da “alma imortal” na igreja primitiva: Tertuliano de Cartago (160-220). Diferentemente dos outros dois mencionados, que não eram conhecidos e que tinham os pés alicerçados na filosofia platônica, Tertuliano era muito famoso e não era um filósofo platônico, embora também não tenha nascido no Cristianismo. Na verdade, ele até chegava a se chocar com Platão em algumas ideias, como Le Roy Edwin Froom sublinha:

“Em sua obra De Anima, Tertuliano faz especulações sobre a origem, natureza e destino da alma humana. Ele mantém certa corporeidade da alma, sem apelar para, e em conflito com, a Escritura Sagrada, e às vezes chocando-se com Platão”[7]

Mas se Tertuliano não era um filósofo platônico que buscava unir o Cristianismo com a filosofia grega, então de que forma que ele chegou à imortalidade da alma em finais do século II e início do século III d.C?

Muitos estudiosos entendem que a resposta a esta questão está justamente no autoritarismo, rigor extremo e ultraconservadorismo de Tertuliano. Seu rigor ascético é muito conhecido, e ele foi disparado o mais autoritário de sua época. Marcos Granconato escreveu que “Tertuliano tinha uma natureza inclinada para a disciplina e o rigor ascético. Sendo casado, tratava sua esposa e as demais mulheres com severidade e rigor, o que evidencia sua preocupação com a continência. Foi esse impulso na direção de um rigorismo exacerbado que o levou, em 207, a romper com a igreja e abraçar a heresia de Montano”[8].

Em um vídeo-aula sobre patrística, Granconato observa:

“Tertuliano era muito rigoroso, extremamente rigoroso com tudo. Tertuliano dizia até qual deveria ser o tamanho do véu que a mulher deveria usar, e qual era a posição que ela deveria colocar o véu em cima da cabeça, e como deveria ficar o véu na frente, e como deveria ficar o véu atrás. Ele era muito rigoroso. Obrigava as mulheres a passar o ‘batom do silêncio’ na boca. As mulheres não iriam gostar de Tertuliano. Ele era tão rigoroso que saiu da Igreja, porque achava que a Igreja era muito light. Então foi para o montanismo, ficou ali durante algum tempo, mas então viu que o montanismo era muito light também. Então ele montou sua própria igreja, os chamados ‘tertulianistas’”[9]

Será que esse espírito autoritário e rigoroso de Tertuliano tem algo a ver com sua invenção e adoção de um “tormento eterno”? Tudo indica que sim. Le Roy Edwin Froom comenta:

“Uma tempestade de perseguição violenta abateu a Igreja em meados do século II, e a intolerância religiosa irrompeu em chamas, com penas de prisão, tortura e morte. A igreja da África também participou desde batismo de sangue. Os cristãos eram lançados às feras e queimados como tochas humanas, e as igrejas eram privadas de seus lugares de adoração. Esta perseguição severa, no reinado de Septímio Severo, foi mais ativa no auge da carreira de Tertuliano (...) Os princípios do evangelho, é claro, proibiam a vingança aqui na terra por parte dos cristãos. Mas o espírito veemente de Tertuliano o levou a considerar a retribuição do inferno para eles, como infinito e absoluto no mundo vindouro. O inferno seria um campo de carnificina horrorosa, um ‘perpétuo abate’. Então, o feroz e vingativo espírito de Tertuliano encontrou consolo nas agonias eternas do perdido”[10]

Froom comenta ainda:

“Tertuliano declarou abertamente ter prazer na tortura dos ímpios. Para lidar com a punição futura, ele introduziu uma linguagem totalmente estranha à Escritura, a fim de se adaptar à sua nova doutrina. E para sustentá-la, ele confessadamente alterou o sentido da Escritura e o significado das palavras, de modo a interpretar ‘morte’ como miséria eterna, e ‘destruição’ e ‘consumir’ como ‘dor’ e ‘angústia’”[11]

Tertuliano achava que a doutrina do aniquilamento dos ímpios era “light” demais, e assim como fazia com a questão do véu e do “batom do silêncio”, preferiu criar suas próprias doutrinas rigorosas e autoritárias, levando para os extremos. E não há nada mais extremo e horripilante do que a doutrina de um tormento eterno e consciente em um lago de fogo literal. É claro que para fazer isso Tertuliano precisou reinterpretar e distorcer muita coisa da Bíblia. Sem ter conhecimento do hebraico, ele deturpou terrivelmente o texto de Gênesis 2:7, tentando fazer com que a expressão “o homem tornou-se uma alma vivente” denotasse “imortalidade natural” – uma alegação que qualquer mortalista de cinco anos consegue refutar.

Froom observa isso nas seguintes palavras:

“Tertuliano criou uma terminologia em total desacordo com as Escrituras. Ainda mais grave, em sua argumentação bíblica ele alterou o sentido das declarações explícitas da Escritura relativas à condenação dos perdidos, e às vezes revertia o significado. Isso abriu caminho para os estudiosos ao longo dos séculos acusarem Tertuliano de manipular a Escritura para sustentar sua teoria da imortalidade universal de todas as almas e o tormento sem fim dos eternamente condenados. Como consequencia, ele muitas vezes foi acusado de ter deliberadamente pervertido a intenção clara da Escritura relativa à vida, morte e destino, a fim de justificar sua noção filosófica”[12]

Tertuliano também violentou as Escrituras inventando analogias diametralmente opostas às da Bíblia. Henry Constable declarou:

“Tertuliano disse que os ímpios serão como montanhas que se queimam, mas não são consumidas; como um corpo atingido por um raio, cuja estrutura está ilesa e não é reduzida às cinzas”[13]

O problema com essas analogias imortalistas criadas pela mente fértil de Tertuliano é que nenhuma delas é bíblica, e que as analogias bíblicas de fato são justamente aquelas que refutam o tormento eterno! Pedro, por exemplo, diz categoricamente que os ímpios serão reduzidos às cinzas (2Pe.2:6), e a Bíblia está repleta de citações que dizem claramente que eles serão consumidos (Ap.20:9; Sl.21:9; Is.5:24; 47:14; Sf.1:18). Portanto, a ideia de um fogo que não consome e nem reduz às cinzas é uma criação de Tertuliano em oposição à Bíblia, e não uma ideia extraída das Escrituras. Como os exemplos bíblicos são notavelmente aniquilacionistas, Tertuliano precisou exportar exemplos de fora da Bíblia em contraposição às analogias bíblicas. Eis aí o surgimento da doutrina do “tormento eterno”.

A prova mais clara de que a doutrina da imortalidade da alma foi uma criação de Tertuliano em vez de uma reafirmação de alguma doutrina ortodoxa genuinamente cristã é o fato de que ele adotava o traducianismo materialista, que ensina que as almas são transfundidas aos filhos pelos genitores mediante a semente material. Ele declarou:

“De que modo pois foi concebido o ser vivo? Tendo-se formado simultaneamente a substância tanto do corpo como da alma ou formando-se primeiro uma destas duas? Nós afirmamos que ambas estas substâncias são concebidas, feitas e acabadas no mesmo momento, como no mesmo momento são também feitas nascer, e dizemos também que não há algum momento no ato da concepção em que venha estabelecida uma ordem de precedência (...) A alma inseminada no útero junto com a carne recebe junto com ela também o sexo”[14]

Tertuliano foi o primeiro a propor a ideia de traducianismo materialista para a origem da alma e ele não foi seguido de perto nem pelos Pais da Igreja de data posterior. Agostinho cria no traducianismo espiritualista, que se diferenciava do materialista de Tertuliano no sentido de que, para ele, a alma do filho era derivada da alma do pai. Ele disse que “como um facho acende um outro sem que a chama comunicante nada perca da sua luz, assim a alma se transmite do pai para o filho”[15]. Isso mostra que a Igreja não tinha nenhuma doutrina sobre “origem da alma” (sob o prisma imortalista), e por essa razão Tertuliano teve que inventar uma. Se a Igreja da época já ensinasse a imortalidade da alma, Tertuliano teria apenas reafirmado essa crença comum, ao invés de ter que inventar algo tão absurdo que nem os católicos e nem os protestantes imortalistas a aceitam nos dias de hoje.

Tertuliano era tão notoriamente confuso e contraditório sobre a questão da alma que até Voltaire destacou:

“Que importa que Tertuliano, contradizendo-se, decidisse que a alma é corporal, figurada e simples ao mesmo tempo? Teremos mil testemunhos de nossa ignorância, porém nem um só oferece vislumbre da verdade”[16]

Claramente Tertuliano não estava de modo algum reafirmando alguma doutrina que tivesse sido transmitida a ele por professores cristãos em conformidade com o ensino dos apóstolos, mas sim inventando uma doutrina tirada da própria cabeça, para satisfazer sua personalidade autoritária e rigorosa ao extremo. Ironicamente, os mesmos imortalistas que seguem Tertuliano na questão da imortalidade da alma e tormento eterno e pensam que ele estava afirmando uma doutrina “apostólica” são também os mesmos que rejeitam a tese do traducianismo, demonstrando por si mesmos que Tertuliano não era nada confiável nesta questão. Se ele estivesse apenas ensinando uma “doutrina apostólica”, ele jamais teria ensinado o traducianismo. E se ele inventou o traducianismo tirado apenas e tão somente da sua própria cabeça, por que o mesmo não se aplica à própria imortalidade da alma, igualmente ensinada por ele?


Irineu de Lyon

Irineu (130-202) é outro Pai da Igreja referido pelos imortalistas que tentam ganhá-lo para o seu lado do ringue na batalha. De certo, há citações onde ele parece claramente favorecer a visão de um estado intermediário, razão pela qual eu não citei Irineu na lista de “Pais mortalistas” em meu artigo de 2012. No entanto, duas coisas importantes devem ser observadas aqui. Primeiro, que dos cinco livros de Irineu contra as heresias, apenas o Livro I foi preservado no original grego. Os outros quatro livros se perderam, e sobrevivem hoje apenas em cópias em latim escritas muitos séculos mais tarde, numa época em que a Igreja já adotava a imortalidade da alma. Le Roy Edwin aborda isso em sua obra:

“Dos seus cinco livros contra as heresias, infelizmente, possuímos apenas o primeiro no original grego. Possuímos os outros quatro através de uma tradução rude para o latim, feita quando a Igreja já tinha adotado a teoria agostiniana”[17]

Henry Constable também diz:

“Lamentavelmente, apenas o primeiro livro foi preservado no original grego. O resto está na tradição latina que só foi feita quando a igreja como um todo já tinha aceitado a teoria agostiniana, e por um tradutor que a defendia”[18]

Levando em consideração a possibilidade de que esses livros tenham sido sutilmente corrompidos intencionalmente por um copista imortalista, temos apenas o primeiro livro como fonte 100% segura dos ensinamentos de Irineu, sem nenhuma possibilidade da mais leve alteração. Coincidência ou não, nenhum dos textos citados pelo astronauta católico nos escritos de Irineu remete ao Livro I (exceto um único texto que fala de “fogo eterno”, o que já foi explicado milhares de vezes, em especial no artigo sobre Inácio). Das citações que provam direta ou indiretamente que Irineu cria em um estado intermediário, todaselas provêm da cópia em latim escrita séculos mais tarde por um copista imortalista. Isso não significa necessariamente que o copista tenha falsificado, significa somente que não podemos ter 100% de segurança de que não tenha sido.

Em segundo lugar, mesmo nos livros em latim, a teologia aniquilacionista de Irineu ainda era bastante evidente, muito mais que a sua crença em um estado intermediário. Na maioria das vezes, o aniquilacionismo de Irineu ficava evidente pelas entrelinhas, em textos que mesmo um copista mal intencionado poderia deixar passar, especialmente se não tivesse muita capacidade de seguir um raciocínio lógico-filosófico. As evidências de que Irineu cria em imortalidade no futuro somente para os justos são extremamente numerosas e eliminam por completo qualquer chance de que ele cresse que os ímpios também ressuscitarão em corpos incorruptíveis e imortais para sofrerem eternamente. Por exemplo, ele disse:

“E, novamente, Ele fala assim a respeito da salvação do homem: ‘Ele lhe deu longura de dias para sempre e sempre’, indicando que é o Pai de todos os que confere continuidade para todo o sempre sobre aqueles que são salvos. Pois a vida não surge de nós, nem de nossa própria natureza, mas é concedida de acordo com a graça de Deus. E, portanto, aquele que deve preservar a vida a deu, e damos graças a Ele por tê-la dado, e esses devem receber também longura de dias para sempre e sempre. Mas aquele que a rejeitar, e provar por si mesmo que é ingrato para com seu Criador na medida em que foi criado, e não O reconhecer como aquele que concedeu o dom da vida, este priva-se da continuidade para todo o sempre. E, por essa razão, o Senhor decretou a quem se mostrar ingrato para com Ele: se você não for fiel no que é pouco, ele vai lhe dar aquilo que é grande? Isso indica que aqueles que se mostraram ingratos para com Ele nesta breve vida temporal não irão receber o comprimento de dias para sempre e sempre[19]

Como Constable corretamente assinala, “Irineu define explicitamente a vida eterna como sendo ‘continuidade para sempre’ e ‘comprimento de dias para sempre’, e a posse de uma existência perpétua ele diz explicitamente que ninguém senão os redimidos de Cristo obterão”[20]. Este parágrafo deixa perfeitamente claro que a existência eterna era um dom ou privilégio concedido por Deus exclusivamente aos justos, que terão uma “longura de dias para sempre e sempre”, uma duração perpétua de existência. Já os ímpios, por outro lado, “privam-se da continuidade para todo o sempre”. O aniquilacionismo é a única via que se adequada à visão de Irineu sobre o destino final dos ímpios.

Ele assevera também:

“Quando Deus dá a vida, e, portanto, a duração perpétua, se trata de dizer que as almas que anteriormente não existiam devem passar a existir para sempre, uma vez que Deus deseja que elas devam existir, e devem continuar em existência”[21]

Aqui, a “duração perpétua” dada àqueles que devem “existir para sempre” é vista como um privilégio exclusivo daqueles a quem “Deus dá a vida”. Mas Irineu disse dezenas de vezes que Deus não dá a vida aos ímpios, o que significa dizer que eles não terão uma “duração perpétua” ou “existência para sempre”[22]. É por isso que Irineu chama a incorruptibilidade de “dom[23], uma linguagem bastante inapropriada caso ele cresse que todo mundo teria incorruptibilidade na vida futura, seja justo, seja ímpio. Em outro lugar, ele diz claramente que “os que estão fora do Reino de Deus são deserdados do dom da incorruptibilidade”[24].

É óbvio que ele cria que somente os justos ressuscitarão com corpos incorruptíveis! Essa é a razão por que ele diz:

“Mas, sendo ignorante acerca de Emmanuel, o filho da virgem, eles são privados de seu dom, que é a vida eterna, e não recebem a incorruptibilidade, mas permanecem na carne mortal, sendo devedores à morte, não obtendo o antídoto de vida”[25]

A visão de Irineu sobre o futuro era bastante clara. Enquanto os justos terão o dom da imortalidade e incorruptibilidade, os ímpios serão privados deste dom, o que faz com que eles não recebam a incorruptibilidade e, consequentemente, permaneçam na carne mortal, não obtendo “antídoto de vida” para que possam existir para sempre. É lógico que alguém que ressuscita em “carne mortal” não pode ser eternamente refratário ao fogo (para isso, seria necessário ter um corpo incorruptível, a fim de que não fosse consumido pelo fogo, mas continuasse existindo para sempre em meio a ele). Essa concepção de que os ímpios serão mortais na vida futura fica ainda mais clara quando Irineu diz:

“Por nenhum outro meio é possível atingir a incorruptibilidade e a imortalidade, a menos que se tenha unido a incorruptibilidade e a imortalidade. Mas como poderíamos ter unidos a incorruptibilidade e a imortalidade, a menos que, em primeiro lugar, a incorruptibilidade e a imortalidade tenham se tornado o que nós também somos, de modo que o corruptível seja absorvido pela incorruptibilidade, e o mortal pela imortalidade, para recebermos a adoção de filhos?”[26]

Para ele, apenas os que recebem a adoção de filhos é que terão a imortalidade e a incorruptibilidade. Em outro lugar, Irineu diz explicitamente que “os incrédulos deste mundo não herdarão na era futura a incorruptibilidade”[27]. Quando criticou os gnósticos, ele disse claramente que “eles não receberão a imortalidade”[28]. Quando falava dos salvos, dizia que “Deus concede aos que o seguem e o servem a vida e a incorruptibilidade”[29], que “os que crêem nele serão incorruptíveis”[30], e que Deus “tem poder de conferir-lhes duração eterna”[31]. Para não deixar dúvidas, disse ainda que “Deus doará gratuitamente a existência eterna”[32]para aqueles que estão em sujeição a Ele, os quais “permanecerão na imortalidade”[33], pois “a amizade com Deus confere a imortalidade a quem a abraça”[34].

Contra aqueles que pensavam que os ímpios também existiriam para sempre, Irineu diz:

“Novamente, como pode ser imortal, quem em sua natureza mortal não obedece ao seu Criador?”[35]

A imortalidade, para Irineu, era uma honra dada apenas aos justos:

“Deus sempre preservou a liberdade, e o poder de se autogovernar no homem, enquanto que ao mesmo tempo Ele emitiu suas próprias exortações, a fim de que os que não lhe obedecem sejam julgados com justiça (condenados) porque não lhe obedeceram; e os que obedeceram e creram nele sejam honrados com a imortalidade[36]

“Mas quando eles forem convertidos e chegarem ao arrependimento, e deixarem o mal, terão o poder de se tornarem filhos de Deus, e de receber a herança da imortalidade que é dada por Ele”[37]

Para o bispo de Lyon, somente aqueles que comem o “Pão da imortalidade” podem ter a imortalidade:

“Acostumados a comer e beber a Palavra de Deus, possamos nos tornar capazes de também conter em nós mesmos o Pão da imortalidade, que é o Espírito do Pai”[38]

Como John Roller comenta, “significa, claramente, que os que não são ‘nutridos’ dessa maneira (ou seja, os que não recebem a Cristo como Salvador) não são capazes de ‘conter’ em si mesmos o ‘Pão” da imortalidade’”[39].

O contraste entre Irineu e os imortalistas famosos dos primeiros séculos (como Tertuliano e Agostinho) era patentemente notório. Enquanto Tertuliano e Agostinho diziam abertamente que os ímpios ressuscitarão em corpos incorruptíveis para queimarem por todo o sempre, Irineu falava de uma forma totalmente oposta.

Discorrendo sobre essa antítese tão evidente, Constable comentou:

“Eles [Tertuliano e Agostinho] têm o cuidado de nos dizer que os ímpios no inferno não morrerão, que a morte nunca chegará a eles, e que eles estão todos em corpo e alma incorruptíveis, eternos e imortais. Se Irineu concordava com eles, não podemos deixar de supor que ele usaria frases semelhantes quando falasse sobre a punição futura. Mas, em vez de fazer isso, ele usa termos indicativos de uma crença oposta”[40]

Não é nem um pouco difícil encontrarmos estes “indicativos de uma crença oposta” em Irineu. Ele costumava frequentemente associar o destino final dos ímpios com analogias claramente aniquilacionistas. Certa vez, ele disse que “aqueles que se separam da unidade da Igreja devem receber de Deus a mesma punição que Jeroboão recebeu”[41]. Irineu se referia ao texto bíblico de 1º Reis 14:10, que declara:

“Por isso, trarei desgraça à família de Jeroboão. Matarei de Jeroboão até o último indivíduo do sexo masculino em Israel, seja escravo ou livre. Queimareia família de Jeroboão até o fim como quem queima esterco” (1º Reis 14:10)

A família de Jeroboão seria queimada, não “para sempre”, mas “até o fim”. Irineu compara também a destruição final dos ímpios pelo fogo com o destino de Nadabe e Abiú:

“Os hereges que trazem fogo estranho ao altar de Deus, pregando doutrinas estranhas, serão queimados pelo fogo do céu, como foram Nadabe e Abiú [Lv.10:1-2]”[42]

Mas Nadabe e Abiú não queimaram para sempre, mas, em vez disso, foram completamente exterminados pelo fogo que caiu do céu, como diz o texto bíblico em questão:

“Nadabe e Abiú, filhos de Arão, pegaram cada um o seu incensário, nos quais acenderam fogo, acrescentaram incenso, e trouxeram fogo profano perante o Senhor, sem que tivessem sido autorizados. Então saiu fogo da presença do Senhor e os consumiu. Morreram perante o Senhor”(Levítico 10:1-2)

Ao invés de Irineu comparar a sorte final dos ímpios com um “monte que pega fogo mas não se consome” e com outras analogias tipicamente imortalistas propostas por Tertuliano e Agostinho, ele fazia questão de trabalhar com exemplos nos quais quem era atingido pelo fogo era literalmente consumido, devorado, exterminado. Para Irineu, chegará o dia em que Cristo acabará com todo o mal:

“Cristo virá para acabar com todo o mal e para reconciliar todas as coisas, a fim de colocar um fim a todos os males”[43]

Se o pecado, a blasfêmia e o sofrimento podem ser considerados “maus”, então presume-se que Deus terá que eliminar os pecadores para que o pecado acabe. Só assim o mal poderia ser definitivamente extinto do universo. Por tudo isso, Froom declara Irineu como o “campeão do condicionalismo”[44]. A crença de Irineu era, nitidamente, aniquilacionista.

Em suma, embora os quatro livros de tradução duvidosa possam dar alguma noção de um estado intermediário, nem mesmo eles podem ser devidamente usados como base por um imortalista honesto, visto que eles refutam toda e qualquer noção de imortalidade e incorruptibilidade futura aos não-salvos.


Orígenes e Clemente de Alexandria

Os últimos dois Pais da Igreja entre os séculos II e III d.C mencionados pelos imortalistas como base para a doutrina da imortalidade da alma são Orígenes (185-253) e Clemente (150-215), os dois mestres alexandrinos. Pelo fato de eles terem sido contemporâneos, de pregarem no mesmo lugar e de crerem nas mesmas coisas, tratarei dos dois em conjunto.

Qualquer um que já tenha lido qualquer livro de introdução básica à história da Igreja sabe que havia duas escolas principais de pensamento na igreja primitiva: a de Antioquia e a de Alexandria. As duas eram conflitantes entre si, pois enquanto a escola de Antioquia interpretava a Bíblia literalmente, a de Alexandria a interpretava alegoricamente, fazendo algumas interpretações alucinantes que seriam absolutamente ridicularizadas por qualquer teólogo sério nos dias de hoje.

A origem da interpretação alegórica em Alexandria remete pelo menos aos tempos de Fílon, o judeu alexandrino crente nas Escrituras e ao mesmo tempo encantado com a filosofia grega-platônica, que exercia grande influência em Alexandria, um dos maiores polos culturais helenistas da época. Mas havia um problema: as divergências entre a filosofia de Platão e as Escrituras não eram poucas. Em linhas gerais, pouca coisa podia ser aceita de ambas sem corromper nenhuma das duas. Fílon queria ficar livre deste conflito. Ele era um judeu leal, mas com uma mente grega. Na tentativa de unir ambos os sistemas, aceitando o platonismo sem romper seu compromisso com a Escritura, ele passou a interpretar esta alegoricamente, especialmente nos pontos em que entrava em conflito com o pensamento grego.

O Dr. David S. Dockery afirmou:

“O propósito de Fílon era apologético no sentido de unir o judaísmo e a filosofia grega. Para ele, o judaísmo, se propriamente entendido, pouco diferia dos insights mais elevados da revelação grega. Deus revelou-se ao povo de Israel, a nação escolhida por Deus, mas essa revelação não era radicalmente diferente de sua revelação aos gregos”[45]

Em sua obra “Helenização e Recriação de Sentidos”, Miguel Spinelli observa:

“Filon era de opinião de que o texto bíblico, de um modo geral, carecia de ser interpretado historicamente (no sentido da crítica das fontes, da origem do texto e de seu contexto). Dado que as palavras tinham um sentido escondido, mas admirável e profundo, era necessário adentrar-se nessa profundeza, a fim de trazer à tona, além do sentido magnífico, todo o seu valor”[46]

A interpretação alegórica de Fílon acabou ganhando força e predominando em Alexandria, e serviu de influência ao pensamento de Orígenes e de Clemente, entre o final do século II e início do III. Rejeitando a interpretação literal, Clemente dizia:

“Sabendo que o Salvador não ensina nada de uma maneira meramente humana, não devemos ouvir seus pronunciamentos de forma carnal; mas com a devida investigação e inteligência, devemos buscar e aprender o significado oculto deles”[47]

Esse método alegórico de Clemente o levava a negar muitas verdades claras da Escritura e também a inventar certas lendas que ninguém racional deveria levar a sério. Por exemplo, ele afirmou que os discípulos foram pregar o evangelho no Hades!

“Os apóstolos, seguindo o Senhor, evangelizaram também aqueles que se encontravam no Hades; evidentemente era necessário que os melhores discípulos se tornassem imitadores do Mestre também lá”[48]

Clemente afirmava ainda que Jesus não sentia fome e nem tinha sede enquanto esteve na terra, e que ele só comeu e bebeu para “demonstrar sua natureza humana”, e não por “necessidade” (ou seja, Jesus fazia de conta que tinha sede e fome!). Ele disse:

'O 'gnóstico'é tal que sujeita-se só às paixões que são em função do mantimento do corpo, como fome, sede e semelhantes. Quanto ao Salvador, pelo contrário, seria ridículo pensar que o corpo, enquanto corpo, exigisse os necessários serviços para o mantimento; não é que Ele comesse por causa do corpo, que era mantido vivo por um santo poder, mas para que em quem o frequentava não se insinuassem falsos pensamentos acerca dele, como com efeito alguns depois creram que Ele se tivesse manifestado apenas em aparência. Na realidade Ele era absolutamente imune a paixões; nenhum movimento de paixão penetrava a sua pessoa, nem prazer nem dor”[49]

Se dizer que Jesus não tinha sentimento nenhum – nem de paixão e nem de dor – já parece suficientemente ridículo e fruto de seu alegorismo exacerbado, Orígenes o superou largamente, ao ponto de ensinar a preexistência das almas, sendo por isso considerado o mais antigo precursor da doutrina herética da reencarnação no núcleo cristão. Ele dizia:

“As criaturas razoáveis existiam desde o começo destes séculos, que nos não vemos e que são eternos. Houve aí a descida de uma condição superior a uma condição inferior, não somente entre as almas que mereceram esta mudança por suas ações, mas também entre as que, para servirem o mundo, deixaram as altas esferas pela nossa. O Sol, a Lua, as estrelas e os anjos servem o mundo, servem as almas cujos defeitos mentais as condenaram a encarnar-se em corpos grosseiros, e é por interesse das almas que tem necessidade de corpos densos, que o mundo foi criado”[50]

Para Orígenes, Deus ter aceitado Jacó e rejeitado a Esaú antes do nascimento significava que em uma vida anterior eles tinham feito algo para merecer esse tratamento desigual:

“Então, depois de ter examinado mais a fundo as Escrituras a respeito de Jacó e Esaù, achamos que não depende da injustiça de Deus que antes de ter nascido e de ter feito algum bem ou mal - isto é nesta vida -, tenha sido dito que o maior serviria o menor; e achamos que não é injusto que no ventre da mãe Jacó tenha suplantado seu irmão... se crermos que pelos méritos da vida anterior com razão ele tenha sido amado por Deus por merecer ser preferido ao irmão”[51]

Para piorar tudo de uma vez e quebrar as pernas de qualquer astronauta embusteiro e desonesto que queira usar Orígenes e Clemente em seu favor como a “prova” de imortalidade da alma na igreja primitiva, eles ensinavam o universalismo, que é a crença de que, no fim dos tempos, os ímpios e os demônios não serão aniquilados e nem queimarão eternamente, mas serão salvos! O Dr. Augustus Nicodemus escreveu que “Clemente de Alexandria e seu famoso discípulo Orígenes defendiam explicitamente o universalismo”[52](Orígenes inclusive foi condenado pelo II Concílio de Constantinopla em função disso)[53].

E essa crença influenciou outros bispos cristãos pelo menos até a época de Gregório de Nissa (330-395), que disse:

“A meu parecer o apóstolo divino, tendo presente na sua profunda sabedoria estas três condições que se notam nas almas, quis aludir ao acordo no bem que um dia se estabelecerá entre todas as naturezas racionais (...) Com estas suas palavras ele alude ao fato que, uma vez destruído o mal depois de um longuíssimo período de tempo, não ficará mais do que o bem. Também estas naturezas, de fato, reconhecerão o senhorio de Cristo”[54]

Alguém ainda tem qualquer dúvida de que as crenças de Clemente e Orígenes vinham da imaginação fértil deles por culpa do método alegórico típico dos alexandrinos, ao invés de vir de ensinamentos orais transmitidos pelos apóstolos ou por uma exegese séria das Escrituras? Se qualquer indivíduo ainda é suficientemente desonesto para pensar que a imortalidade da alma pregada por Orígenes e Clemente de Alexandria era um “conteúdo preservado da doutrina pregada oralmente pelos apóstolos”, no mínimo deveria defender o mesmo sobre a preexistência das almas, o universalismo e as outras mazelas inventadas por um método alegórico que corrompe de forma grosseira e aberrante tudo o que a Bíblia claramente ensina. Será que o astronauta católico é tão fajuto assim? É o que veremos...


Os efeitos da primeira mentira (Gn.3:4)

Embora a teologia de Tertuliano (no ocidente) e de Clemente e Orígenes (no oriente) sobre a vida após a morte tenha sido claramente tirada da cabeça deles e de modo nenhum corresponda com qualquer tipo de ensino oral transmitido pelos apóstolos, essa distorção sobre o destino pós-morte acabou prevalecendo nos séculos seguintes, e não é difícil entender por que. Tertuliano era, em disparado, o teólogo mais influente e proeminente na igreja latina, que deixou enormes marcas na teologia da Igreja ocidental nos séculos seguintes.

Do outro lado, a influência que Tertuliano tinha no ocidente era a influência que Orígenes tinha no oriente. Eusébio dedicou praticamente um livro inteiro só para falar da vida e obra de Orígenes (o Livro VI da “História Eclesiástica”), de tão importante e influente que ele era na Igreja da época (tamanho destaque não foi dado a nenhum outro Pai da Igreja). Assim, se Tertuliano foi o motor propulsor para a imortalidade da alma no ocidente, Orígenes (contando com o apoio de seu antecessor Clemente) foi a força motriz por detrás do estabelecimento da doutrina da imortalidade da alma no oriente. Depois que o grande Agostinho, “príncipe dos Pais”, consolidou esta doutrina nos séculos IV e V, não havia mais discussão.

Até a época de Agostinho, no entanto, o registro histórico é que o aniquilacionismo continuou a ser ensinado em larga escala na Igreja. Além de Arnóbio de Sica (m. 330), que ademais de ser um mortalista ainda testemunhava que a imortalidade da alma era uma introdução recente na Igreja[55], as provas que temos vem ironicamente dos próprios imortalistas proeminentes nesta época. Enquanto malandros e embusteiros como Rafael Rodrigues querem a todo custo distorcer e manipular a História a seu favor, tentando passar a ideia de que a imortalidade da alma já era um dogma indiscutível e consenso na Igreja desde os primeiros séculos com exceção única a Arnóbio(!), os imortalistas honestos daquela época admitiam que muitos cristãos da época ainda eram aniquilacionistas.

Basílio de Cesareia (330-379), por exemplo, afirmou:

Grande parte dos homens afirma que haverá um fim à punição daqueles que foram punidos”[56]

Até o próprio Agostinho reconheceu isso, quando disse:

“Existem muitíssimos que apesar de não negarem as Santas Escrituras não acreditam em tormentos eternos”[57]

Então, enquanto embusteiros mentirosos como Rafael Rodrigues dizem que apenas um único indivíduo na face da terra era aniquilacionista (uma ovelha negra chamada Arnóbio), para os imortalistas honestos e de respeito da época era grande a quantidade de cristãos que ainda rejeitavam a crença imortalista num tormento eterno. A palavra “muitíssimos”,empregada por Agostinho, não nos deixa a menor sombra de dúvida de que Arnóbio definitivamente não estava sozinho!

O gráfico abaixo resume a crença dos cristãos primitivos do século I ao II sobre a questão da vida após a morte. Na parte de “condicionalistas” estão aqueles que criam que a alma não é incondicionalmente imortal, ou seja, que ela pode morrer, seja na morte corporal, seja na morte eterna (ou em ambas). Já na parte de “imortalistas” estão aqueles que criam que a alma não morre em circunstância nenhuma (nem na morte física e nem na morte eterna):

Escritor cristão
Condicionalista
Imortalista
Clemente de Roma (35-97)
X

Inácio (35-107)
X

Didaquê (60-90)
X

Policarpo (69-155)
X

Papias (70-155)
X

Hermas (70-155)
X

Aristides (75-134)
X

Barnabé (80-150)
X

Justino (100-165)
X

Taciano (120-180)
X

Melito (120-180)
X

Teófilo (120-186)
X

Polícrates (125-196)
X

Irineu (130-202)
X

Atenágoras (133-190)

X
Mathetes (150-220)
X

Clemente Alexandrino (150-257)

X
Tertuliano (160-220)

X
Orígenes (185-253)

X
*Nota: Algumas destas datas são estimadas, e outras são aproximadas.

Três coisas merecem ser destacadas. Primeiro, que os Pais condicionalistas eram justamente os que viveram mais perto dos apóstolos, ou seja, os que receberam a doutrina direto deles, o que praticamente elimina as chances de terem inventado uma doutrina própria, ou distorcido uma. Em contraste, os primeiros Pais imortalistas são todos de data posterior.

Segundo, lamentavelmente, os mais famosos foram justamente os que ensinavam a imortalidade da alma (Tertuliano e Orígenes), e influenciaram os cristãos das gerações seguintes mais do que todos os outros da geração anterior.

Terceiro, e o mais importante de tudo: quando uma falsa doutrina entra na Igreja, ela deixa marcas. A imortalidade da alma é o caso mais óbvio. Se você procurar em qualquer site de apologética católica, verá que eles não possuem absolutamente referência nenhuma a intercessão dos santos falecidos nos Pais do século I até meados do século II. Eles vão citar apenas os Pais de data posterior, começando por (que rufem os tambores) Tertuliano e Orígenes (que surpresa). Sim, bem exatamente os mesmos que introduziram a lenda da imortalidade da alma no seio da Igreja cristã. Coincidência? Para os crédulos, sim. Muita.

Depois que a primeira mentira (Gn.3:4) foi introduzida na Igreja, Maria começou a ganhar um destaque cada vez maior. Os primeiros Pais praticamente a ignoravam, assim como as epístolas apostólicas, onde ela sequer é citada em parte alguma de Romanos ao Apocalipse. Inácio escreveu sete cartas. Em cinco, Maria nem sequer é mencionada. Ela é citada três vezes na carta aos efésios e uma vez na carta aos tralianos, mas somente de passagem, em contextos onde o foco estava em Jesus, e era apenas dito que ele nasceu de uma virgem chamada Maria. Nenhum dogma mariano é mencionado.

Dos outros Pais da Igreja, o resultado é esse:

• Aristides não cita Maria nominalmente nenhumavez.

• Policarpo não cita Maria nominalmente nenhumavez.

• Clemente de Roma não cita Maria nominalmente nenhumavez.

• Hermas não cita Maria nominalmente nenhumavez.

• Taciano não cita Maria nominalmente nenhumavez.

• Papias não cita Maria nominalmente nenhumavez.

• Teófilo não cita Maria nominalmente nenhuma vez.

• Barnabé não cita Maria nominalmente nenhuma vez.

• A Didaquê não cita Maria nominalmente nenhumavez.

• Polícrates não cita Maria nominalmente nenhumavez.

• Justino não cita Maria nominalmente nenhumavez em sua 1ª Apologia, nenhumavez em sua 2ª Apologia, nenhumavez em seu Oratório aos Gregos, nenhuma vez em sua obra sobre o Governo de Deus, nenhumavez em sua obra sobre a Ressurreição, nenhumavez em seus fragmentos, nenhumavez em seu Discurso aos Gregos, e nove vezes em seu Diálogo com Trifão, em contextos onde contava a Trifão a história do nascimento de Jesus ou onde dizia que Jesus nasceu de uma virgem, sem citar absolutamente nenhumdogma mariano papista.

Compare isso tudo com os pedantes católicos dos dias de hoje, que citam Maria até na introdução de uma simples carta (“Salve Maria”), independentemente do teor ou conteúdo da mesma!

Então a imortalidade da alma começa a ser ensinada por Tertuliano e Orígenes, e desde então temos:

• O imortalista Hipólito ensinando a virgindade perpétua de Maria.

• O imortalista Orígenes ensinando a virgindade perpétua de Maria.

• O imortalista Cirilo de Jerusalém ensinando a virgindade perpétua de Maria.

• O imortalista Basílio ensinando a virgindade perpétua de Maria.

• O imortalista Epifânio ensinando a virgindade perpétua de Maria.

• O imortalista João Damasceno ensinando a assunção de Maria.

• O imortalista Gregório de Tours ensinando a assunção de Maria.

• O imortalista Teodoreto ensinando a imaculada conceição de Maria.

• O imortalista Hipólito ensinando a imaculada conceição de Maria.

• O imortalista Agostinho ensinando a impecabilidade de Maria.

• O imortalista Ambrósio ensinando a impecabilidade de Maria.

• Vários Pais imortalistas ensinando a intercessão de Maria no Céu.

É preciso ser cego para não perceber que a introdução da imortalidade da alma resultou em especulações em torno de Maria, a qual, por sua vez, passou a ser elevada a um patamar que jamais é atribuído a ela nas Escrituras ou nos primeiros Pais. A partir do momento em que você crê que a alma humana é imortal, você passa a admitir que os santos já estão no Céu. A partir do momento em que você passa a admitir que os santos já estão no Céu, você é tentado a pensar que eles podem estar intercedendo pelos vivos neste momento. E a partir do momento em que você passa a pensar que há intercessão dos santos mortos, você passa a dar um destaque especial aos “santões”, aqueles mais de cima, que talvez possam fazer mais do que os outros.

Assim, você cria um panteão de santos classificados de A a Z, divididos em nível de poder e atribuições especiais, além de tudo mais que a imaginação fértil do homem seja capaz de criar. Esses “santões”, por sua vez, passam a ser alvo de muito mais atenção e foco do que eram antes, quando se pensava que eles estavam sem vida e que não poderiam fazer nada por nós. Com o tempo, a intercessão única de Cristo no Céu passa a ser dividida com um panteão de “santos” e “santas”. Com o tempo, a pessoa está pensando se vai decidir orar a Deus ou se vai rezar alguma coisa repetida mil vezes a uma estátua de gesso. Com o tempo, aquele evangelho essencialmente Cristocêntrico vai se transformando aos poucos em um “Cristianismo” mariocêntrico, mariólatra e idólatra. Com o tempo, estamos colocando o homem no lugar de Deus, e a criatura no lugar do Criador. Com o tempo, já não há mais diferença prática entre o seu “Cristianismo” e qualquer culto pagão.

Tudo começa de um ponto de partida, de uma essência, de um fundamento. O famoso historiador J. N. D. Kelly disse:

“Um fenômeno de grande significação no período patrístico foi o surgimentoe gradual desenvolvimento da veneração aos santos, mais particularmente à bem-aventurada virgem Maria (...) Logo após vinha o culto aos mártires, os heróis da fé que os primeiros cristãos afirmavam já estarem na presença de Deus e gloriosos em sua visão. Em primeiro lugar tomou forma de uma preservação das relíquias e da celebração anual de seu nascimento. A partir daí foi um pequeno passo, pois já estavam participando com Cristo da glória celeste, para que se buscassem suas orações, e já no terceiro século se acumulam as evidências da crença no poder da intercessão dos santos”[58]

Tudo é um processo gradual, mas previsível. Primeiro há um “surgimento” de uma doutrina jamais ensinada por Cristo ou por um apóstolo. Depois desta introdução, há um “gradual desenvolvimento” desta doutrina, que, tal como um vírus, vai se espalhando até tomar dimensões maiores, se nada for feito a respeito. Então basta “um pequeno passo” para que se acumule “evidências” de uma doutrina herética e terrivelmente antibíblica. Para J. N. D. Kelly, isso se deu já no terceiro século. Coincidência ou não, exatamente no período em que a Igreja de forma geral já havia aceitado a introdução da doutrina da imortalidade da alma.

A partir da crença na existência de uma alma imortal, os teólogos alegóricos, com uma mente fértil e imaginação apurada, passam a inventar até mesmo que existem mais lugares que apenas o Céu e o inferno. Clemente de Alexandria (quem mais seria?) é o primeiro a estabelecer as bases daquilo que mais tarde seria conhecido como “purgatório”, cujas sementes foram lançadas quase que simultaneamente à época em que a imortalidade da alma começava a ser introduzida. Não demoraria muito para surgir um “limbo”, uma “reencarnação”, uma “consulta aos mortos” e tudo mais que é proveniente da mentira da serpente, de que “certamente não morrerás” (Gn.3:4).

Tudo tem uma base, uma estrutura, um fundamento, que, se derrubado, desmantela todas as colunas de uma vez. Idolatria, culto aos mortos, intercessão dos “santos”, reencarnação, consulta aos mortos, limbo, purgatório, evocação de espíritos, adoração a imagens, invocação de defuntos... tudo isso são colunas. Atacá-las é inútil. Podemos derrubar todas as colunas de uma só vez, que o fundamento continuará ali, e muitas outras colunas surgirão no lugar. Essas colunas são apenas sub-produtos, não são mais do que efeitos do vírus, que produz uma fé engessada. O que precisa ser atacado é o próprio produto, é o próprio vírus, é o próprio fundamento. Enquanto o fundamento permanecer firme, doutrinas estúpidas sempre irão surgir em cima dele.

A igreja primitiva era perfeitamente pura e Cristocêntrica antes de surgirem os primeiros teólogos imortalistas, e foi totalmente bagunçada e colocada em desordem depois disso. Tire a imortalidade da alma, e você não terá almas indo para o purgatório. Tire a imortalidade da alma, e você não terá espíritos para serem consultados. Tire a imortalidade da alma, e não haverá sentido em se prostrar diante de uma imagem de alguém que não pode fazer absolutamente nada por você. Tire a imortalidade da alma, e não haverá mais intercessão de “santos” ou invocação de mortos. Tire a imortalidade da alma, e não haverá fantasminhas para reencarnar em outros corpos. Tire a imortalidade da alma, e o que sobrará será um evangelho puro, Cristocêntrico, focado em Cristo, por Cristo e para Cristo, onde o foco não está naquele que morreu, mas Naquele que venceu a morte e vive para todo o sempre.


Considerações Finais


O leitor que teve paciência para acompanhar toda a série de refutações deve ter percebido que eu só refutei os que o astronauta católico havia tentado contra-argumentar em cima, ou seja, sobre Inácio, Policarpo, Justino, Teófilo, Taciano e Irineu, deixando de fora os outros Pais mortalistas que ele não argumentou em cima (e que por isso não precisei elaborar uma refutação). Pois bem. Estou escrevendo um livro onde irei colocar lá todas essas refutações, além de mais várias argumentações em torno dos Pais que não foram citados aqui. Neste livro terá um capítulo sobre Hermas, outro sobre Barnabé, outro sobre a Didaquê, e assim por diante. Os capítulos que tratam sobre os que já foram abordados nesta refutação serão aumentados, com mais textos e mais refutações. Essa ideia só foi possível graças ao astronauta católico ter me provocado e consequentemente me incentivado a reler todos aqueles Pais da Igreja outra vez, para lhe dar um belo tapa na cara.

Meu artigo original sobre os Pais da Igreja e a imortalidade da alma saiu em 2012, e a “refutação” do pobre astronauta saiu apenas três anos depois, o que me levou a escrever um livro inteiro sobre o tema, ampliando imensamente os argumentos do primeiro artigo. Torço muito para que o astronauta tente “refutar” novamente, mesmo que leve mais anos copiando citações de internet, para que assim eu possa escrever não mais um livro, mas uma Enciclopédia sobre o tema. Ao astronauta que me proporcionou esta oportunidade, só tenho a lhe agradecer. Te devo uma.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (www.lucasbanzoli.com)


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[1] Le Roy Edwin Froom, The Conditionalist faith of Our fathers, Vol. 1.
[2] Henry Constable, The Duration and Nature of Future Punishment. Disponível em: https://davidlarkin.files.wordpress.com/2012/05/henry-constable-1868-duration-and-nature-of-future-punishment.pdf
[3]Petição em Favor dos Cristãos, 31.
[4]Petição em Favor dos Cristãos, 36.
[5]Carta a Diogneto, 6:1-9.
[6] Carta a Diogneto, 10:7.
[7] Le Roy Edwin Froom, The Conditionalist faith of Our fathers, Vol. 1.
[10] Le Roy Edwin Froom, The Conditionalist faith of Our fathers, Vol. 1.
[11] ibid.
[12] ibid.
[13]Henry Constable, The Duration and Nature of Future Punishment. Disponível em: https://davidlarkin.files.wordpress.com/2012/05/henry-constable-1868-duration-and-nature-of-future-punishment.pdf
[14]Tertuliano, De Anima.
[15] Epístola 190, 15; citado na Enciclopédia Católica, vol. 12, 41.
[16] Voltaire, Sobre a Alma, c. 1.
[17] Le Roy Edwin Froom, The Conditionalist faith of Our fathers, Vol. 1.
[18]Henry Constable, The Duration and Nature of Future Punishment. Disponível em: https://davidlarkin.files.wordpress.com/2012/05/henry-constable-1868-duration-and-nature-of-future-punishment.pdf
[19] Contra as Heresias, Livro II, 34:3.
[20]Henry Constable, The Duration and Nature of Future Punishment. Disponível em: https://davidlarkin.files.wordpress.com/2012/05/henry-constable-1868-duration-and-nature-of-future-punishment.pdf
[21] Contra as Heresias, Livro II, 34:4.
[22]Veja também “Livro IV, 20:6”.
[23] Contra as Heresias, Livro II, 20:3.
[24]Contra as Heresias, Livro IV, 8:1.
[25] Contra as Heresias, Livro III, 19:1.
[26] Contra as Heresias, Livro III, 19:1.
[27] Contra as Heresias, Livro III, 7:1.
[28]Contra as Heresias, Livro IV, 37:6.
[29]Contra as Heresias, Livro IV, 14:1.
[30]Contra as Heresias, Livro IV, 24:2.
[31]Contra as Heresias, Livro V, 5:2.
[32]Contra as Heresias, Livro IV, 38:3.
[33]Contra as Heresias, Livro IV, 38:3.
[34]Contra as Heresias, Livro IV, 13:4.
[35]Contra as Heresias, Livro IV, 39:2.
[36]Contra as Heresias, Livro IV, 15:2.
[37]Contra as Heresias, Livro IV, 41:3.
[38]Contra as Heresias, Livro IV, 38:1.
[40]Henry Constable, The Duration and Nature of Future Punishment. Disponível em: https://davidlarkin.files.wordpress.com/2012/05/henry-constable-1868-duration-and-nature-of-future-punishment.pdf
[41] Contra as Heresias, Livro IV, 26:2.
[42] Contra as Heresias, Livro IV, 26:2.
[43] Irineu, Fragmentos, No. 39.
[44]Le Roy Edwin Froom, The Conditionalist faith of Our fathers, Vol. 1.
[45] DOCKERY, David S. Hermenêutica Contemporânea à luz da igreja primitiva. Editora Vida: 2001, p. 76
[46] SPINELLI, M. Helenização e recriação de sentidos. Porto Alegre: Edipucrs, 2002, p. 84.
[47] Clemente de Alexandria, On the Salvation of the Rich Man 5, em ROBERTS, A; DONALDSON, J.  The Ante-Nicene Fathers: Translations of the Writings of the Fathers down to a.D. 325, Grand Rapids: 1981, vol. II, p. 592.
[48] Stromata, 6:6.
[49]Stromata, 6:9.
[50] Orígenes, De Principiis, Livro III, c. 5.
[51] De Principiis, Livro II, 9:7.
[53]Cânon IX.
[54] Da Alma e da Ressurreição.
[55] Contra os Pagãos Livro II, 14-15.
[56] De Asceticis.
[57] Enchiria, ad Laurent. c. 29.
[58]J.N.D. Kelly, Early Christian Doctrines, revised edition (San Francisco: Harper, c. 1979), p. 490.

Os Pais da Igreja contra a imortalidade da alma - Refutação da Refutação (Texto na Íntegra)

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Nota

Nas últimas semanas fui postando aqui parte por parte da refutação, na medida em que eu ia terminando de escrever. Esta é a versão completa, que reúne todas as refutações das últimas semanas. Embora o artigo vise rebater as acusações de um astronauta católico chamado Rafael Rodrigues, também serve para refutar o tal do Itard (o mesmo que foi desmascarado neste artigo), que também colocou no blog dele uma dúzia de textos isolados que ele nunca leu em lugar nenhum da patrística, mas como este elemento é completamente irrelevante apologeticamente eu preferi direcionar a refutação mais especificamente ao Rafael.


Introdução

Alguns de vocês já conhecem o Astronauta Católico (se não conhecem, não perderam nada). Depois de apanhar em quatro debates seguidos (aqui, aqui, aquie aqui) e de propor um debate pessoal comigo que depois de aceito ele próprio desmarcou (e mesmo assim ainda mantém o “desafio” no “site” dele, para enganar seus leitores burros), o astronauta católico volta em mais uma de suas viagens astrais, dessa vez tentando pateticamente refutar meu artigo sobre "Os Pais da Igreja e a Imortalidade da Alma", com um aglomerado de distorções, textos isolados e deturpações nunca antes vistas pelo homem. Para se ter uma ideia do quão ruim que é, o artigo dele é quase pior do que o do Itard (não, não chegou a tanto ainda). O amadorismo do sujeito é tão flagrante que basta uma citação patrística das palavras “fogo eterno” que o indivíduo já sai proclamando vitoriosamente que tal Pai da Igreja cria no “tormento eterno”. É por causa de “apologistas” amadores como Rafael que entendo perfeitamente bem Lutero quando disse que “papista e burro é a mesma coisa”[1].


Refutando a Introdução


O texto amador inicia dizendo que “esta [a imortalidade da alma] é uma das doutrinas mais básicas para qualquer cristão”. Perdoarei este deslize porque sei que o astronauta católico não sabe o que é Cristianismo. Os credos e confissões de fé mais antigos rechaçam totalmente a ideia de que a imortalidade da alma era um “ponto fundamental para qualquer cristão”. O famoso Credo Apostólico (origem antiga) prega a ressurreição dos mortos, mas não nos diz nada sobre imortalidade da alma:

“Creio em Deus Pai, Todo-poderoso, Criador do Céu e da terra. Creio em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, o qual foi concebido por obra do Espírito Santo; nasceu da virgem Maria; padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado; ressurgiu dos mortos ao terceiro dia; subiu ao Céu; está sentado à direita de Deus Pai Todo-poderoso, donde há de vir para julgar os vivos e os mortos. Creio no Espírito Santo; na Santa Igreja de Cristo; na comunhão dos santos; na remissão dos pecados; na ressurreição da carne; na vida eterna”

“Creio na imortalidade da alma” nunca foi e nunca será um ponto de fé. O Didaquê (Doutrina dos Doze Apóstolos), também de origem antiga, que alguns estudiosos afirmam ser do final do primeiro século, também nada fala de “imortalidade da alma”, nem como ponto de fé, nem como sugestão teológica. Mais uma vez, é a doutrina da ressurreição, e não a “imortalidade da alma”, que entra em cena no cenário escatológico e toma a primazia:

“Então aparecerão os sinais da verdade. Primeiro, o sinal da abertura no céu; depois, o sinal do toque da trombeta e, em terceiro lugar, a ressurreição dos mortos. Ressurreição sim, mas não de todos, conforme foi dito: ‘O Senhor virá, e todos os santos estarão com ele’. Então o mundo verá o Senhor vindo sobre as nuvens do céu”[2]

Note ainda que a Didaquê, além de pregar a ressurreição sem fazer nenhuma referência direta ou indireta à imortalidade da alma, ainda é claramente pré-milenista (posição contrária ao amilenismo adotado pela Igreja Católica), pois afirma que na volta de Jesus somente os justos ressuscitarão, o que está em conformidade com a crença cristã pré-milenista de que os ímpios só ressuscitarão mil anos depois (ao final do milênio).

Quem também confirma que a Igreja primitiva adotava a ressurreição como crença principal, também sem fazer nenhuma alusão à imortalidade da alma e também demonstrando ter uma clara escatologia pré-milenista em contraste com a escatologia romana é Papias de Hierápolis (60-155 d.C), que nasceu ainda na era apostólica e chegou a conviver com alguns apóstolos e com seguidores diretos dos apóstolos. Eusébio de Cesareia (265-339), que viveu séculos mais tarde, na época em que a Igreja já tinha tido sua escatologia corrompida, reconheceu isso, dizendo:

“Entre essas coisas, ele [Papias] diz que haverá mil anos após a ressurreição dos mortos e que então o reino de Cristo se estabelecerá fisicamente nesta nossa terra”[3]

Justino (do qual ainda teremos muito a falar) também concorda com o milênio literal na terra (pré-milenismo) e assegura que aqueles que não creem na ressurreição não são cristãos, mas nunca disse que a imortalidade da alma fosse critério para alguém ser considerado cristão ou não:

“Se vós vos deparais com supostos Cristãos que não façam esta confissão, mas ousem também vituperar o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó, e neguem a ressurreição dos mortos, sustentando antes, que no ato de morrer, as suas almas são elevadas ao céu, não os considereis cristãos. Mas eu e os outros, que somos cristãos de bem em todos os pontos, estamos convictos de que haverá uma ressurreição dos mortos, e mil anos em Jerusalém, que será construída, adornada e alargada, como os profetas Ezequiel e Isaías e outros declaram"[4]

Nem mesmo a Igreja dos séculos seguintes, numa época que já cria majoritariamente numa alma imortal, tinha a imortalidade da alma como um ponto fundamental de fé ou necessário para a salvação. O Credo Niceno-Constantinoplano, por exemplo, afirma:

“Creio em um só Deus, Pai Todo-Poderoso, criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis. Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos. Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao Pai. Por ele todas as coisas foram feitas. E por nós, homens, e para nossa salvação, desceu dos céus, e se encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria, e se fez homem. Também por nós foi crucificado sob Pôncio Pilatos, padeceu e foi sepultado. Ressuscitou ao terceiro dia, conforme as escrituras, e subiu aos céus, onde está sentado à direita do Pai. E de novo há de vir, em sua glória, para julgar os vivos e os mortos; e o seu reino não terá fim. Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida, e procede do Pai e do Filho; e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado; Ele que falou pelos profetas. Creio na Igreja, una, santa, católica e apostólica. Professo um só batismo para a remissão dos pecados, e espero a ressurreição dos mortos e a vida do mundo que há de vir. Amém”

Mais uma vez, a imortalidade da alma é esquecida e deixada totalmente de fora dos pontos de fé principais do cristão – e isso numa época em que a Igreja como um todo já cria que a alma era imortal!

Este padrão nem de longe foi mudado com a Reforma. Embora as igrejas reformadas adotassem a imortalidade da alma como ponto de fé, ela nunca foi considerada um “ponto fundamental”, daqueles que se precisa crer para a salvação, e nem mesmo um dos pontos mais importantes. Os famosos 39 artigos da Igreja Anglicana não falam em “imortalidade da alma” em lugar nenhum (esta, aliás, é uma das razões pelas quais ainda hoje há muitos anglicanos mortalistas), mas coloca a ressurreição como crença fundamental. Os 25 artigos de fé da Igreja Metodista também não falam nada de imortalidade da alma. A Confissão de Augsburgo, adotada pela Igreja Luterana e central no processo da Reforma, embora seja bem extensa, ignora completamente a doutrina da imortalidade da alma em seu escopo.

O próprio Martinho Lutero chegou a rechaçar a doutrina da imortalidade da alma com estas palavras:

“Contudo, eu permito ao papa estabelecer artigos de fé para si mesmo e para seus próprios fiéis – tais como: que o pão e o vinho são transubstanciados no sacramento; que a essência de Deus não gera nem é gerada; que a alma é a forma substancial do corpo humano; que ele [o papa] é o imperador do mundo e rei dos céus, e deus terreno; que a alma é imortal; e todas estas monstruosidades sem fim no monte de estrume dos decretos romanos– para que tal qual sua fé é, tal seja seu evangelho, e tal a sua igreja, e que os lábios tenham alface apropriada e a tampa possa ser digna da panela"[5]

Nas Escrituras, que nunca ensinaram imortalidade da alma, também fica claro que ela nunca foi “doutrina fundamental” (e nem pode ser “doutrina fundamental” aquilo que não é nem “doutrina”). Quando o autor de Hebreus elencou as doutrinas fundamentais, ele colocou essas:

“Portanto, deixemos os ensinos elementares a respeito de Cristo e avancemos para a maturidade, sem lançar novamente o fundamento do arrependimento de atos que conduzem à morte, da fé em Deus, da instrução a respeito de batismos, da imposição de mãos, da ressurreição dos mortos e do juízo eterno”(Hebreus 6:1-2)

Para variar, a ressurreição aparece de novo, e essa tal imortalidade da alma... nada. Não apenas o termo “imortalidade da alma” sequer existe na Bíblia, mas as próprias palavras aionios (eterno) ou athanatos (imortal) nunca aparecem nas Escrituras em associação à palavra psiquê (alma). E de todas as vezes que o apóstolo Paulo usou a palavra “esperança” em relação ao porvir, em nenhuma delasestá associado a uma alma imortal, mas sempre à ressurreição (cf. At.23:6; 24:15; 26:6-8; Rm.8:23-24). Em minha opinião, estes são péssimos hábitos para quem crê que a imortalidade da alma é uma “doutrina fundamental”!

Em síntese, a imortalidade da alma nunca foi considerada uma “doutrina fundamental”, nem na igreja primitiva, nem no contexto da Reforma – nem por aqueles que criam na imortalidade da alma, e muito menos por aqueles que a rejeitavam. A sandice de que a imortalidade da alma é uma “crença básica para qualquer cristão” faz parte do “monte de estrume dos decretos romanos”, que precisa colocar a imortalidade da alma no patamar de “crença fundamental” para sustentar suas abominações como adoração às imagens, culto aos defuntos, purgatório, limbo, intercessão dos “santos” e todo o resto de doutrinas satânicas que tem como única finalidade desviar o cristão para longe de Cristo, e para mais perto dos mortos. É claro que para sustentar tantas aberrações e heresias é necessário um fundamento – é daí que surge a ideia de que a imortalidade da alma é uma “doutrina fundamental”, pois é ela que sustenta todas as demais. Mas que fique claro: imortalidade da alma é doutrina fundamental para o romanismo, não para o Cristianismo.

Seguindo com seu amadorismo típico, o astronauta esbraveja com o argumento manjado:

“Partindo do princípio da argumentação deles, poderíamos dizer que a ‘mortalidade da alma’ ou ‘aniquilacionismo’ também foi adotada do paganismo grego, já que Aristóteles, Epicureus e Estóicos também acreditavam que a alma morria e deixava de existir após a morte corporal. Dois pesos, duas medidas”

Antes disso eu já havia respondido a um certo “pastor” Jamierson em qual sentido que a imortalidade da alma é uma “doutrina pagã”. Para que fique claro também ao astronauta católico, uma doutrina pagã não é uma doutrina que um dia já tenha sido ensinada por algum pagão (se fosse assim, até a existência de Deus seria “paganismo”), mas sim uma doutrina que, na contramão do que ensina a Bíblia, passou a entrar no povo de Deus através do contato (sincretismo) com povos pagãos.

Os judeus só passaram a crer na imortalidade da alma após serem influenciados pelo platonismo, e por esta razão é uma crença “pagã”. Ou seja: não é por existir filósofos pagãos ensinando “x”, e sim porque a doutrina “x” veio de filósofos pagãos, e caiu na teologia deles. Entre uma coisa e outra há uma diferença monumental. A evidência histórica unânime é a de que os judeus eram holistas (posição que defende que a alma é o ser humano como um todo, que perece na morte), e só passaram a crer no dualismo a partir da diáspora, quando foram dispersos pelo mundo e influenciados pelo helenismo.

A grandemente respeitada Enciclopédia Judaica, em seu artigo referente à “Imortalidade da Alma”, declara explicitamente:

"A crença de que a alma continua existindo após a decomposição do corpo é uma especulação... que não é ensinada expressamente na Sagrada Escritura... A crença na imortalidade da alma chegou aos judeus quando eles tiveram contato com o pensamento grego e principalmente através da filosofia de Platão (427 - 347 a.C.), seu principal expoente, que chegou a esse entendimento por meio dos mistérios órficos e eleusianos, que na Babilônia e no Egito se encontravam estranhamente misturados"[6]

Enciclopédia Bíblica Padrão Internacional também revela que os israelitas não criam na imortalidade da alma antes de serem tardiamente influenciados por Platão:

"Quase sempre somos mais ou menos influenciados pela ideia grega platônica, que diz que o corpo morre, mas a alma é imortal. Tal ideia é totalmente contrária à consciência israelita e não é encontrada em nenhum lugar do Antigo Testamento"[7]

O Dr. Samuelle Bacchiocchi, PhD pela Pontifícia Universidade Gregoriana (católica) e autor do estudo mais aprofundado sobre a constituição da natureza humana já escrito até hoje, acrescenta:

“Durante esse período inter-testamentário, o povo judeu esteve exposto, tanto em seu lar, na Palestina, quanto na diáspora (dispersão), à cultura e filosofias helenísticas (gregas) de grande influência. O impacto do helenismo sobre o judaísmo é evidente em muitas áreas, inclusive na adoção do dualismo grego por algumas obras literárias judaicas produzidas nessa época”[8]

Como sabemos, essa época da diáspora judaica se deu exatamente no período helenístico, onde os gregos impunham sua cultura aos povos conquistados:

“Designa-se por período helenístico (do grego, hellenizein – ‘falar grego’, ‘viver como os gregos’) o período da história da Grécia e de parte do Oriente Médio compreendido entre a morte de Alexandre o Grande em 323 a.C e a anexação da península grega e ilhas por Roma em 146 a.C. Caracterizou-se pela difusão da civilização grega numa vasta área que se estendia do mar Mediterrâneo oriental à Ásia central. De modo geral, o helenismo foi a concretização de um ideal de Alexandre: o de levar e difundir a cultura grega aos territórios que conquistava”[9]

Durante o período helenista foram fundadas várias cidades de cultura grega, e dentre elas destaca-se Alexandria, que era uma espécie de “centro do helenismo”, com forte concentração da cultura grega. Muitos judeus foram dispersos para essa cidade. Um dos judeus helenizados que começaram a propagar fortemente a imortalidade da alma foi Fílon, sobre quem a Enciclopédia Judaica afirma:

“Não há referências diretas na Bíblia para a origem da alma, sua natureza e sua relação com o corpo, e essas perguntas deram espaço para as especulações da escola judaica de Alexandria, especialmente de Filon, o judeu, que procurou na interpretação alegórica de textos bíblicos a confirmação de seu sistema psicológico. Nos três termos (‘ruach’, ‘nephesh’ e ‘neshamah’) Filon viu a corroboração da visão platônica de que a alma humana é tripartite (τριμεής), tendo uma parte racional, uma segunda mais espiritual, e uma terceira como sendo a sede dos desejos”[10]

O prof. David S. Dockery (Ph.D.) também afirmou:

“O propósito de Fílon era apologético no sentido de unir o judaísmo e a filosofia grega. Para ele, o judaísmo, se propriamente entendido, pouco diferia dos insights mais elevados da revelação grega. Deus revelou-se ao povo de Israel, a nação escolhida por Deus, mas essa revelação não era radicalmente diferente de sua revelação aos gregos”[11]

Essa crença grega foi originalmente rejeitada pelos judeus da palestina, como atesta a Enciclopédia Judaica citando o Talmude:

“Essa crença foi rejeitada pelos estudiosos do Talmude, que ensinaram que o corpo está em um estado de perfeita pureza (Ber. 10a;. Mek 43b), e está destinado herdar sua morada celestial (...) Os rabinos afirmaram que o corpo não é a prisão da alma, mas, ao contrário, o seu meio de desenvolvimento e aperfeiçoamento”[12]

Por isso mesmo, nada é dito na Enciclopédia Judaica sobre os judeus crerem que a alma é um elemento imaterial e imortal antes dessa helenização com as teses gregas. Ao contrário, ela diz claramente:

“Uma vez que a alma é concebida como sendo apenas a respiração (‘nephesh’, ‘neshamah’, comp. ‘anima’), e inseparavelmente ligada, senão identificada, com o sangue da vida (Gn 9:4; 4:11; Lv 17:11), nenhuma substância real pode ser atribuída a ela. Assim, quando o espírito ou sopro de Deus (‘Nishmat’ ou ‘Ruach Hayyim’), que é o que se acredita que mantém corpo e alma juntos, tanto dos homens como dos animais (Gn 2:7; 6:17; 7:22; Jó 27:3), é retirado (Sl 146:4) ou retorna a Deus (Ec 12:7; Jó 34:14), a alma desce ao Sheol ou Hades, para lá ter uma sombria existência, sem vida e consciência (Jó 14:21; Sl 6:5; 115:7; Is 38:19; Ec 9:5; 9:10). A crença em uma vida contínua da alma, que é a base da primitiva adoração aos antepassados e dos ritos de necromancia, praticados também pelo antigo Israel (1Sm 28:13; Is 8:19), foi desencorajada e suprimida pelo profeta como antagônica à crença em YHWH, o Deus da vida, o Governador do Céu e da Terra”[13]

E sobre o significado original de “espírito” entre os judeus da época do Antigo Testamento, ela declara:

“O relato mosaico da criação do homem fala de um espírito ou fôlego com que foi dotado por seu Criador (Gn 2:7), mas esse espírito é concebido como sendo inseparavelmente ligado, senão totalmente identificado, com o sangue da vida (Gn 9:4; 4:11; Lv 17:11). Somente através do contato dos judeus com o pensamento persa e grego surgiu a ideia de uma alma desencarnada, tendo sua própria individualidade[14]

Portanto, ao dizermos que a imortalidade é “uma doutrina pagã”, estamos meramente salientando que foi através da filosofia platônica (pagã) que os judeus passaram a adotar a visão dualista, e que essa visão predominou no mundo todo por meio do helenismo na época da transição do Antigo para o Novo Testamento. Bem ou mal, a filosofia de Aristóteles e de Epicuro sobre a alma não predominou. O que predominou foi a filosofia de Platão, o famoso filósofo grego que espalhou ao mundo todo seus conceitos dualistas, onde o corpo era essa carcaça física e a alma era um elemento imaterial e imortal que habitava dentro dele.

As ideias de Platão rapidamente ganharam uma enorme notoriedade e exerceram uma influência gigantesca sobre os demais povos, porque na época o império que dominava a maior parte do mundo era a Grécia, e os gregos eram muito eficientes em espalhar e divulgar seus conceitos filosóficos sobre o mundo. Foi assim que todos os povos foram, cada um a seu próprio grau, influenciados por esta doutrina estranha à Bíblia, que contrasta corpo e alma e concede imortalidade somente a esta última.

Se o astronauta católico tivesse o costume de estudar, também saberia que a filosofia mortalista de Epicuro e Aristóteles não tinha nada a ver com holismo crido pelos mortalistas bíblicos. Os mortalistas cristãos são holistas, o que significa dizer que cremos que a alma em sentido primário nada mais é senão o ser humano como um todo (segundo a descrição de Gênesis 2:7). Epicuro e Aristóteles jamais definiram “alma” deste jeito. Eles eram muito mais próximos dos dualistas, com a diferença de que achavam que a alma dentro do corpo morre, ao invés de sobreviver e ir para algum outro mundo, vagando por aí. Mas o mais importante é o fato de que a imortalidade da alma é “pagã” em função de ela não ter surgido na Bíblia (entre os hebreus), mas foi uma ideia comprada do paganismo muitos e muitos séculos mais tarde.

Assim sendo, a não ser que o astronauta católico prove com documentos históricos que os judeus eram desde sempre dualistas e que foi a filosofia de Epicuro ou de Aristóteles que tardiamente tornou as pessoas mortalistas, ele não tem qualquer justificativa em dizer que a mortalidade da alma é “pagã”, assim como a imortalidade da alma claramente é.

Continuando o show de desinformação e ignorância, o astronauta católico afirma ainda:

“Dentro do Cristianismo a heresia da ‘mortalidade da alma’ teve suas raízes em Arnóbio de Sica no final do século IV”

Nos próximos artigos eu provarei que os Pais apostólicos e apologistas em suma maioria eram condicionalistas, refutando a baboseira de que Arnóbio de Sica foi o “precursor”, mas como o astronauta católico admite que Arnóbio era mesmo um mortalista, então usemos o testemunho do próprio Arnóbio:

"Não há motivo, portanto, que nos engane, não há motivo que nos faça conceber esperanças infundadas aquele que se diz por alguns pensadores recentese fanáticos pela excessiva estima de si mesmos que, as almas são imortais”[15]

Será que o astronauta católico não se deu conta de que Arnóbio não estava dando apenas uma “opinião pessoal” sobre o tema, mas sim afirmando enfaticamente que a doutrina da imortalidade da alma era uma heresia de “pregadores recentes”? Se a imortalidade incondicional era uma falsa doutrina que havia “recentemente” entrado na Igreja, então é óbvio que Arnóbio jamais foi o “precursor” dela. Se Arnóbio estivesse sozinho contra todo mundo da época, ele jamais teria dito que a imortalidade da alma era uma heresia recente, porque ela supostamente teria raízes históricas e era crida por toda a Igreja. O fato é que Arnóbio reconhecia que a doutrina nefasta da imortalidade incondicional da alma havia entrado recentemente na Igreja, através de “pregadores fanáticos” (tais como o astronauta católico), e isso é mais do que uma evidência de que os Pais da Igreja e demais cristãos de época mais anterior de fato não criam nessa asneira.

A outra possibilidade é que Arnóbio estivesse mentindo em seu testemunho de que a imortalidade natural da alma era uma doutrina que havia entrado recentemente na Igreja da época, mas isso seria completamente inútil naquela circunstância, uma vez que Arnóbio seria facilmente desmascarado por qualquer outro cristão se estivesse mentindo tão descaradamente. Seria como se alguém de hoje dissesse que a terra em forma de globo é uma invenção de “cientistas recentes e fanáticos”. Quem daria crédito a alguém que mentisse de forma tão grosseira? Ninguém. Arnóbio não ganharia nada com essa mentira, e não estava em tal condição. Somos instigados naturalmente a confiar em seu testemunho histórico, de que é a imortalidade natural da alma, e não a mortalidade, uma doutrina que entrou tardiamente na Igreja, no sentido contrário ao que era ensinado originalmente.

Mas espere, porque a coisa ainda vai piorar. O sujeito solta a pérola:

“Passando-se mais de um milênio de condenação, no século XIX, foi ressuscitada pelo protestantismona figura de Edward White, e foi mais desenvolvida por Adventistas e Testemunhas de Jeová”

Este trecho, onde o astronauta católico cita alguém chamado Edward White (que ele nem sequer sabe quem foi), foi descaradamente plagiado deste artigodo blog do Itard (de data mais antiga). Para alguém copiar uma informação vinda de um embusteiro de primeira classe sem nenhuma capacidade teológica, você já deve ter uma ideia do nível. Apenas um verdadeiro poço de ignorância histórica poderia chegar ao cúmulo de sugerir a aberração de que “ninguém por mais de um milênio creu na mortalidade”. Quantos livros este rapaz já leu? Na cabeça (ou melhor, no capacete) do astronauta católico, Calvino devia estar refutando o vento quando escreveu seu tratado contra os aniquilacionistas (enquanto as pessoas com cérebro sabem que ele estava refutando os anabatistas). Mas se Calvino estava refutando os anabatistas, então os anabatistas criam na mortalidade da alma. E se eles criam na mortalidade da alma, lá se vai a tese esdrúxula de que Edward White “ressuscitou” essa doutrina. Para o lixo este argumento.

O próprio Martinho Lutero, que como vimos repudiou pelo menos por algum tempo a doutrina da imortalidade da alma, se correspondeu com um mortalista chamado Nicholas von Amsdorf, que cria no sono da alma. Isso não apenas demonstra a existência de não-imortalistas no século XVI, como também que eles eram relevantes, pois Lutero dizia que não tinha argumentos para refutá-los e que estava inclinado a concordar com a opinião deles sobre a alma:

"A respeito de suas ‘almas’, eu não tenho conhecimento suficiente para te responder. Eu estou inclinado a concordar com sua opinião que as almas simplesmente dormem e que elas não sabem onde estão até o dia do Julgamento. Sou levado a esta opinião pela palavra das Escrituras: ‘Eles dormem com seus pais’. Os mortos que foram levantados por Cristo e pelos apóstolos testificam este fato, já que é como se eles estivessem acabado de ser acordados do sono e não sabem onde eles estiveram. A isto pode ser adicionado as experiências extáticas de muitos santos. Eu não tenho nada com o qual eu poderia derrubar esta opinião (...) Quem sabe como Deus lida com as almas que partem? Não poderia [Deus] da mesma forma simplesmente fazê-las dormir e acordar (ou enquanto ele deseja [que elas durmam]), assim como ele submete ao sono aqueles que vivem na carne?"[16]

Alguns estudiosos que já leram todos os escritos de Lutero chegaram à conclusão de que em seus escritos há mais de300 alusões à psicopaniquia, em que ele rejeita o conceito tradicional de “imortalidade da alma”. Entre outras coisas, ele disse:

“Os mortos estão completamente adormecidos e não sentem absolutamente nada... eles jazem lá sem contar os dias ou anos; mas quando eles forem levantados, parecer-lhes-á que só dormiram por um momento”[17]

E também:

“Salomão conclui que os mortos estão dormindo, e nada sentem, em absoluto. Pois os mortos ali jazem, sem contar os dias nem os anos, mas quando forem despertados, terão a impressão de ter dormido apenas um minuto”[18]

Ele disse isso trezentos anos antes de qualquer pessoa ouvir falar em um “Edward White”.

O erudito Bryan W. Ball, em um estudo aprofundado sobre o mortalismo e suas variantes na história cristã, afirmou:

“Em meados da década de 1520, a psicopaniquia era defendida na Áustria, Suíça, França e Holanda, bem como na Alemanha. Em 1527, o líder anabatista suíço Michael Sattler foi queimado na fogueira, condenado sob várias acusações de heresia, incluindo negar a eficácia da intercessão da Virgem Maria e dos santos que já morreram (visto que, como todos os fiéis, eles estavam dormindo, aguardando a ressurreição e o juízo final). Na Holanda, Anthony Pocquet, ex-padre e doutor em direito canônico, proclamou que a obra redentora de Cristo culminaria na ressurreição dos justos. Os crentes que morreram em antecipação da ressurreição estavam dormindo na sepultura”[19]

Além disso, G. H. Williams demonstrou que a maioria dos líderes da chamada “Reforma Radical” eram mortalistas. Por razões do destino, os reformistas radicais não tiveram voz maior porque não prevaleceram nos lugares onde se instalaram (a Reforma tradicional acabou predominando).

Outro reformador que defendeu enfaticamente o mortalismo bíblico e cristão foi o célebre William Tyndale (1484-1536), o tradutor das Escrituras que foi queimado pela Igreja papal, e, enquanto as chamas devoravam seu corpo, dizia: “Senhor, abre os olhos do rei da Inglaterra”. A posição de Tyndale sobre a alma era a seguinte:

“E vós, colocando-as [as almas que partiram] no céu, no inferno ou no purgatório, destruís os argumentos mediante os quais Cristo e Paulo provam a ressurreição (...) E mais, se as almas estão no céu, dizei-me por que não estão em tão boas condições como os anjos? E então, que motivo existe para a ressurreição?”[20]

O astronauta católico também se esqueceu de Tyndale, porque Tyndale não é citado no texto do embusteiro Itard, de onde ele copiou a informação.

Bryan W. Ball menciona ainda a existência histórica de dezenas de milhares de mortalistas na Inglaterra, por volta dos séculos XVII e XVIII:

“Embora não se possa estabelecer quantos mortalistas havia em toda a Inglaterra na época, esta quantidade deve ter sido considerável. Uma Confissão de Fé Batista, publicada em 1660, com dois mortalistas proeminentes como signatários, afirmava representar 20 mil seguidores só em Kent, Sussex e Londres, e um panfleto publicado em 1701 acusou um dos signatários de propagar heresia em toda a região. Um antigo documento, descoberto apenas em 2007, fornece evidências de que o mortalismo ainda era forte entre os Batistas Gerais em Kent e Sussex em 1745. Parece além de dúvida que a crença mortalista prevaleceu entre os batistas no sudeste da Inglaterra por pelo menos 200 anos”[21]

Estamos falando de vinte mil pessoas em um só lugar, em uma época em que o astronauta católico jura de pés juntos que não existia um só mortalista em todo o planeta, até chegar o tal do Edward White, o “ressuscitador” da doutrina mortalista no século XIX. Que piada.

Há inúmeros outros nomes de destaque entre os séculos XVI e XIX que adotaram alguma vertente do mortalismo bíblico, rejeitando a imortalidade incondicional da alma e sua consciência pós-morte. Entre eles está John Milton (1608-1674), um dos maiores poetas sacros, que era secretário de Cromwell. Ele disse:

“Visto, pois, que o homem todo, como se diz, consiste uniformemente do corpo e alma (quaisquer que sejam os distintos campos atribuídos a essas divisões), mostrarei que, na morte, primeiro, o homem todo, e depois, cada parte componente sofre a privação da vida (...) A sepultura é a comum custódia de todos, até o dia do juízo”[22]

O astronauta católico conhece John Milton? Não, porque John Milton também não é citado no texto de Itard.

Para não perder muito tempo aqui citando outras dezenas de famosos mortalistas cristãos antes de Edward White, passarei aqui apenas a lista fornecida por Bryan W. Ball em seu estudo histórico supracitado:

• Jeremy Taylor (1613-1667), bispo anglicano e autor e capelão para o rei Charles I.

• John Locke (1632-1704), o filósofo empirista cujas ideias influenciaram o pensamento na Inglaterra nos dois séculos seguintes. Seus escritos ainda são leitura obrigatória para os estudantes de filosofia.

• Henry Layton (1622-1705), advogado, defensor mais prolífico do mortalismo, que produziu 1.500 páginas no total, a maior parte em réplica a defensores do conceito tradicional [isto é, a imortalidade da alma].

• William Coward (1657-1725), médico e membro do Colégio de Cirurgiões, que argumentou que a ideia de a substância imaterial ter existência é autocontraditória e contrária à razão, dizendo: “Eu posso conceber uma brancura negra tão logo elabore esse tipo de ideia em minha mente”.

• Edmund Law (1703-1787), bispo de Carlisle e professor de filosofia moral na Universidade de Cambridge, onde ele defendeu sua tese de doutorado sobre tanatopsiquismo[i.e, aniquilacionismo] em 1749.

• Peter Peckard (1718-1797), vice-reitor da Universidade de Cambridge e deão de Peterborough, um dos mais articulados apologistas do mortalismo.

• Francis Blackburne (1782-1867), outro graduado de Cambridge, discípulo de Locke, amigo de Law, e o primeiro historiador do pensamento mortalista inglês, tendo traçado as origens então conhecidas do mortalismo remontando ao século XV.

• Joseph Priestley (1733-1804), o cientista conhecido por sua “descoberta” do oxigênio, mas imerecidamente não tão conhecido como um erudito bíblico competente, que chegou a conclusões mortalistas por meio de seu próprio estudo do texto.

Quando um astronauta católico embusteiro confia e copia a informação de um pseudo-apologista protestante igualmente embusteiro e fraudulento, só podia dar nisso: um verdadeiro festival de desconhecimento e ignorância histórica, capaz de deixar de queixo caído qualquer principiante na arte da investigação histórica. É de dar nojo ver tanta mentira e desinformação a serviço de uma mentira comprada do paganismo. O astronauta católico poderia pelo menos se dar ao trabalho de buscar ler um livro de história para não se prestar a um papel tão baixo como esse, mas nem isso é capaz. Que lástima.

Calma, porque isso é só a introdução do texto dele. O que vem depois disso é mais um festival ainda mais pitoresco de distorções, manipulações, malabarismos para negar o óbvio e muitas, muitas outras pérolas. Se isso é só o começo, vocês devem imaginar o que vem depois.


Introdução a Inácio


Agora chegou a vez de refutarmos as distorções e manipulações do astronauta em cima de Inácio de Antioquia (35-107), que por sua antiguidade e aproximação com os apóstolos é fundamentalmente importante neste estudo.


Inácio de Antioquia era imortalista?

Para “provar” que Inácio era imortalista, o astronauta faz uso de uma passagem (dentre sete cartas inteiras escritas por ele!), que na cabeça dele “prova” que Inácio cria num suposto estado intermediário inventado pelos imortalistas:

“Meu espírito por vós se empenha, não apenas agora, também quando com Deus me encontrar”[23]

Na imaginação fértil da mente papista, este momento em que Inácio fala que se encontraria com Deus e se empenharia pelos tralianos era no tal do estado intermediário, como uma alma penada voando com os anjinhos no Céu. Quais evidências ele usa para fortalecer essa posição? Nada.

Qualquer um que estude os escritos de Inácio como um todo, ao invés de copiar um trecho minúsculo isolado de uma única carta, percebe o fato óbvio de que Inácio esperava encontrar com Deus e com seus irmãos na fé quando ressuscitasse, e não antes disso (no “estado intermediário”). Vemos isso por toda parte nos escritos de Inácio. Por exemplo, quando ele escreve a seu companheiro Policarpo (80-155) sobre o momento em que se encontraria novamente com ele (usando a mesma palavra “encontrar” que ele usa na carta aos tralianos), ele diz claramente que este encontro ocorreria na ressurreição dos mortos, e não no estado intermediário:

”Uma vez que a Igreja de Antioquia da Síria está em paz, como fui informado, graças à vossa oração, fiquei mais confiante na serenidade de Deus, se com o sofrimento eu o alcançar, para ser encontrado na ressurreição como vosso discípulo”[24]

Este texto o astronauta católico ignorou e fingiu que não leu, é claro.

Inácio, que já estava próximo da morte, escreve ao seu velho amigo Policarpo e mostra a sua esperança de que seria considerado como “vosso discípulo” na ressurreição, porque é lógico que é na ressurreição que ambos se veriam novamente. Isso é o mesmo pensamento que Paulo expressa aos tessalonicenses:

“Pois quem é a nossa esperança, alegria ou coroa em que nos gloriamos perante o Senhor Jesus na sua vinda? Não são vocês?”(1ª Tessalonicenses 2:19)

E também aos coríntios:

“Porque sabemos que aquele que ressuscitou o Senhor Jesus dentre os mortos, também nos ressuscitará com Jesus e nos apresentará com vocês (2ª Coríntios 4:14)

Por que o momento em que Paulo se alegraria do trabalho realizado em favor dos tessalonicenses somente na vinda de Jesus? Porque é na volta de Jesus que os mortos são ressuscitados e apresentados diante do Senhor (1Ts.4:13-18). Por que Paulo disse que seria apresentado aos coríntios somente na ressurreição? Porque é na ressurreição que todos voltam à existência e são apresentados uns aos outros. O pensamento bíblico é claro: os mortos permanecem mortos até que Jesus os ressuscite na Sua vinda, e então nos veremos novamente. Era nisso que Inácio cria, e isso que ele expressou a Policarpo. Isso também foi o mesmo que ele disse aos efésios:

”Fora dele [Jesus], nada tenha valor para vós. Eu carrego as correntes por causa dele. São as pérolas espirituais com as quais eu gostaria que me fosse dado ressuscitar, graças à vossa oração. Desta desejo sempre participar para me encontrar na herança dos cristãos de Éfeso, que estão sempre unidos aos apóstolos pela força de Jesus Cristo”[25]

Mais uma vez, a linguagem é clara, e o desejo manifesto é de ressuscitar para que então se encontre na herança com os cristãos de Éfeso. Inácio não esperava se encontrar com os efésios em um estado intermediário antes da ressurreição, mas somente na ressurreição.

Diante de tudo isso, como devemos interpretar o verso em que Inácio diz que se empenhava pelos tralianos não somente “agora”, mas também “quando encontrar a Deus”? Como sendo uma referência a um estado intermediário onde Inácio já estaria na sua herança com Deus antes mesmo da ressurreição? É claro que não. Diante das evidências, este encontro com Deus se daria obviamente na ressurreição, e é este o momento em que Inácio se encontraria novamente com os tralianos, demonstrando o mesmo empenho e fervor por eles que demonstrou enquanto vivo. O texto usado pelo astronauta católico itardiano é a mais clara prova de que “texto fora de contexto vira pretexto para heresia”.


Inácio de Antioquia cria no tormento eterno?

Mas o astronauta ainda tem uma carta na manga: o texto em que Inácio fala sobre “fogo inextinguível”. Vejamos:

“Não vos iludais, meus irmãos, os corruptores da família não herdarão o Reino de Deus. Pois, se pereceram os que praticavam tais coisas segundo a carne, quanto mais os que perverterem a fé em Deus, ensinando doutrina má, fé pela qual Jesus Cristo foi crucificado? Um tal, tornando-se impuro, marchará para o fogo inextinguível, como também marchará aquele que o escuta. Por isso, recebeu o Senhor unção sobre a cabeça para exalar em favor da Igreja o perfume da incorrupção. Não vos deixeis ungir pelo mau odor da doutrina do príncipe deste mundo, de forma que vos leve cativos para longe da vida que vos espera. Por que não nos tornamos prudentes, aceitando o conhecimento de Deus, isto é, Jesus Cristo? Por que morrermos tolamente, desconhecendo o dom que o Senhor nos enviou de verdade?”[26]

Na cabeça do astronauta católico, a expressão “fogo inextinguível” é, por si só, suficiente para provar que Inácio cria no “tormento eterno”. O amadorismo aqui é tão gritante que o cidadão ainda não sabe que nos círculos mortalistas também se usa as expressões “fogo eterno”, “fogo inextinguível” ou “que não se apaga”, sem absolutamente nenhuma conotação de “tormento eterno”. A razão pela qual isso é perfeitamente possível é porque a Bíblia está cheia de exemplos onde a mesma linguagem referente a um “fogo eterno” ou “inextinguível” diz respeito aos efeitos causados pelo fogo, e não ao processo de duração do fogo em si. Por exemplo, em Isaías 34:9-10, nós lemos:

“Os ribeiros de Edom se transformarão em piche, e o seu pó, em enxofre; a sua terra se tornará em piche ardente. Nem de noite nem de dia se apagará; subirá para sempre a sua fumaça; de geração em geração será assolada, e para todo o sempre ninguém passará por ela”(Isaías 34:9-10)

Onde é que estão os edomitas? Já desapareceram há muitíssimo tempo e na sua terra o fumo não está subindo nem queimando e muito menos o piche está ardendo até hoje. Mas seria de se esperar que víssemos um fogo literalmente queimando até os dias de hoje como em um processo sem fim na terra de Edom, no caso da linguagem de “fogo eterno” (“nem de noite nem de dia se apagará... subirá para sempre a sua fumaça... de geração em geração será assolada”) implicasse naquilo que os imortalistas afirmam que implica.

Semelhantemente, em Jeremias 17:27 nós lemos:

“Mas, se não me ouvirdes, e, por isso, não santificardes o dia de sábado, e carregardes alguma carga, quando entrardes pelas portas de Jerusalém no dia de sábado, então, acenderei fogo nas suas portas, o qual consumirá os palácios de Jerusalém e não se apagará (Jeremias 17:27)

Aqui vemos que Deus disse que se o povo israelita deixasse de guardar o sábado, ele iria acender fogo nas portas da cidade que “não se apagará”. Lemos em 2ª Crônicas 36:19-21 que esta profecia se cumpriu. A cidade está queimando até hoje? É claro que não! O fogo já se apagou e os palácios antigos da cidade nem existem mais, muito menos estão queimando até hoje.

Deus também disse sobre a floresta do Neguebe:

“Diga à floresta do Neguebe: Ouça palavra do Senhor. Assim diz o Soberano, o Senhor: Estou a ponto de incendiá-la, consumindo assim todas as suas árvores, tanto as verdes quanto as secas. A chama abrasadora não será apagada, e todos os rostos, do Neguebe até o norte, serão ressecados por ela. Todos verão que eu, o Senhor, acendi, e não será apagada (Ezequiel 20:47-48)

Cadê o fogo queimando a floresta do Neguebe até hoje? Não existe. O fogo apagou? Sim.

O caso mais interessante se encontra em Judas 7, que diz:

“De modo semelhante a estes, Sodoma e Gomorra e as cidades ao redor se entregaram a imoralidade e a relações sexuais antinaturais, foram postas como exemplo, sofrendo a pena do fogo eterno (Judas 7)

Judas relembra o episódio em que as cidades de Sodoma e Gomorra foram destruídas pelo fogo divino enviado dos céus, e diz que estas cidades sofreram a pena do “fogo eterno”. Desnecessário seria dizer que o fogo que caiu nestas cidades não está lá até hoje (na região atualmente encontra-se o mar morto!).

Em todos estes casos, embora o fogo ou a fumaça “não se apagaria”, seria “eterno” ou “inextinguível”, houve obviamente um fim temporal à duração do fogo. Mesmo assim ele é chamado de “eterno” ou “inextinguível”. Por quê? Erro bíblico? Não, mas porque o fogo é “eterno” pelos efeitos irreversíveis causados por ele. Em outras palavras, o fogo que caiu consumiu tudo (destruição total), e essa destruição é para sempre. É neste sentido que o fogo é “eterno”.

Ao invés de ser uma evidência de tormento eterno em meio ao fogo, é uma evidência de aniquilacionismo completo, com efeitos eternos (irreversíveis). Essa é a razão pela qual os círculos mortalistas ainda hoje não têm qualquer problema em usar a expressão “fogo eterno/inextinguível”, e muito menos os primeiros Pais da Igreja, que viviam numa época em que cristão nenhum da face da terra usava a expressão “fogo eterno” no sentido de “tormento eterno”. Inácio não era uma exceção à regra, pois ele também não fala de tormento eterno em absolutamente lugar nenhum de suas epístolas. No lugar disso, o que vemos são vários indíciosde aniquilacionismo, por exemplo:

• Inácio dizia que Jesus “soprará a imortalidade”[27]sobre a Igreja (os não-salvos, por conseguinte, não terão esse “sopro” para serem “imortais” por toda a eternidade).

• Inácio dizia que a eucaristia era “remédio da imortalidade”[28]para “viver para sempre” (consequentemente, aqueles que não participavam da Ceia não possuiriam a imortalidade).

• Inácio dizia claramente que se Deus nos recompensasse de acordo com nossas obras nosso fim seria de deixar de existir[29] (ouketi esmen), e os ímpios serão recompensados segundo as suas obras (Rm.2:6), isto é, sem os méritos de Cristo imputado a eles. Logo, ouketi esmen.

• Inácio dizia que o fim dos ímpios será uma “morte instantânea”[30].

• Inácio também disse milhares e milhares de vezes que o fim dos ímpios é a “morte”, a “destruição” e “perecer” (em contraste a zero citações em que ele afirma o “tormento eterno”).

Diante de tudo isso, é razoável dizer que Inácio cria no tormento eterno? Mil vezes não!


Introdução a Justino


Chegamos agora à terceira parte da nossa refutação ao astronauta católico, desta vez para refutar os devaneios e delírios do mesmo em torno de Justino Mártir (100-165). Antes de iniciarmos a contra-argumentação em si, é necessário explicarmos brevemente quem foi Justino. Para quem não sabe, Justino não nasceu cristão, nem de família cristã. Ele não foi doutrinado desde a infância por professores cristãos. Em vez disso, ele era um filósofo platônico (admirador e seguidor da filosofia grega de Platão), que, como todo mundo sabe, foi a mais forte propulsora da doutrina da imortalidade da alma no mundo antigo, pois a “alma imortal” era o motor por detrás de toda a filosofia de Platão.

Em outras palavras, Justino era um ferrenho defensor da doutrina da imortalidade da alma antes de se converter, e é essa a razão pela qual ainda vemos alguns vestígios desta doutrina em seu primeiro trabalho como cristão (a 1ª Apologia), quando ele ainda não tinha toda a maturidade e conhecimento de todas as doutrinas cristãs, mas ainda conservava alguns dos seus conceitos platônicos que tinha antes. Depois da 1ª Apologia, Justino mostrou uma evolução e compreensão muito maior da doutrina cristã, e dali em diante ele não apenas não ensinou imortalidade da alma em lugar nenhum, como também passou a combatê-la em todas as suas obras. A 2ª Apologia e o Diálogo com Trifão, em especial, estão cheios de citações sobre a dissolução da alma entre a morte e a ressurreição, sobre a vida eterna ser apenas após a ressurreição e sobre o aniquilacionismo final dos ímpios, e é com estas obras que trabalharemos aqui.


Justino cria no tormento eterno?

Assim como fez com Inácio, o astronauta católico copiou e colou uma série de trechos onde Justino usa a terminologia de “fogo eterno”, como se isso por si mesmo já fosse o bastante para sugerir que Justino cria em um “tormento eterno”. Não perderei nem tempo com essa baboseira, porque tal insânia já foi refutada no ponto anterior sobre Inácio. Como vimos anteriormente, mortalistas também usam naturalmente a linguagem de “fogo eterno” sem absolutamente conotação nenhuma de “tormento eterno”, e a Bíblia está repleta de citações onde um fogo “eterno” ou “inextinguível” não existe para sempre, mas é somente uma figura de aniquilacionismo com efeitos eternos (irreversíveis). Em outras palavras, significa apenas que o fogo consome a pessoa de uma vez para sempre – uma morte eterna, sem volta.

Há ainda várias evidências nos escritos de Justino de que ele não interpretava o “fogo eterno” da maneira com a qual os imortalistas o interpretam. Em seu Diálogo com Trifão, por exemplo, ele escreveu:

“Mas Deus poderosamente as tirará de nós, quando ressuscitar a todos, tornando uns incorruptíveis, imortais, isentos de dor e colocando-os em seu reino eterno e indestrutível, e enviando outros para o suplício do fogo eterno”[31]

Note que Justine disse que os ímpios irão pelo fogo eterno, entretanto:

(a) Isso só ocorrerá depois da ressurreição!

(b) Eles não serão imortais, pois “imortais” Justino diz que somente os justos serão!

Portanto, a visão de Justino do “fogo eterno” não era a visão imortalista, onde os ímpios já estão agora mesmo (antes da ressurreição) queimando no fogo, e onde eles ficarão ali para sempre sem morrer (sendo imortais). Ao contrário: Justino cria que os ímpios seriam lançados no fogo somente depois que ressuscitarem, e esse tormento no fogo não poderia ser eterno, pois tanto a incorruptibilidade quanto a isenção de dor e a imortalidade eram atributos exclusivos dos salvos. É claro que o astronauta católico não observa nada disso, porque na infantilidade e amadorismo dele basta a expressão “fogo eterno” para sair alardeando por aí que Justino era um “imortalista”. Puro amadorismo.

Em sua 2ª Apologia, Justino mostra o mesmo parecer de que os ímpios não estão atualmente no fogo eterno, mas ainda serão (no futuro) lançados nele. Por exemplo, ele diz que o fogo eterno está “preparado” para os ímpios:

“Todavia, logo que conheceu os ensinamentos de Cristo, não só se tornou casta, como procurava também persuadir seu marido à castidade, referindo-lhe os mesmos ensinamentos e anunciando-lhe o castigo do fogo eterno, preparado para os que não vivem castamente e conforme a reta razão”[32]

É óbvio: se o fogo eterno está “preparado” para o momento em que os ímpios serão lançados ali, é porque eles não “estão” ali agora. Qualquer principiante com meia dúzia de aulas de português sabe disso. A punição é algo que os ímpios “devem sofrer”, não algo que eles “estão sofrendo”:

“E não se oponham a que costumam dizer os que se têm por filósofos, que não são mais que apenas ruído e espantalhos o que afirmamos sobre a punição que os ímpios devem sofrer no fogo eterno”[33]

Há apenas um lugar em que Justino fala do “fogo eterno” como algo presente, e mesmo assim o sentido é tão claramente figurado que para ele até os demônios estão neste “fogo eterno”!

“No princípio, Deus criou livres tanto os anjos como o gênero humano e, por isso, receberamcom justiça o castigo de seus pecados no fogo eterno”[34]

Veja que Justino diz “receberam”, no plural, referindo-se tanto aos homens maus quanto também aos anjos maus. Mas até o mais néscio dos cristãos sabe que os demônios não estão queimando agora em algum “fogo eterno”, mas estão soltos, “nos ares” (Ef.6:12), “bramando como um leão, procurando a quem possa tragar” (1Pe.5:8). A citação de Justino pode significar que eles já receberam o castigo divino do fogo eterno no sentido do fogo eterno já ter sido preparado por Deus para eles (ou seja, que Deus já decidiu e definiu a condenação deles). É assim que Justino alude um pouco adiante, ao falar novamente do destino do diabo:

“Eles [os demônios] receberam merecido tormento e castigo, aprisionados no fogo eterno. Se eles agora são vencidos pelos homens em nome de Jesus Cristo, isso é aviso do futuro castigo no fogo eterno que os espera, juntamente com aqueles que os servem. Todos os profetas anunciaram isso de antemão e isso também nos ensinou o nosso mestre Jesus”[35]

Perceba que Justino inicia o verso dizendo que os demônios “receberam” o “merecido tormento” e que já estão no “fogo eterno”, mas logo depois diz que isso é apenas um “aviso do futuro”, do “fogo eterno” que ainda os espera. Será que ele estava se contradizendo tão gritantemente dentro de tão poucas linhas? É claro que não. Na primeira parte, estar no “fogo eterno” sendo “castigado” para Justino era uma alegoria para o fato de que os demônios “são agora vencidos pelos homens em nome de Jesus Cristo”, e o castigo de fato, em sentido literal, ocorreria no futuro, quando os demônios e os homens serão lançados no “fogo eterno”. O astronauta católico, como era de se esperar, também não observou nada disso, porque o desespero dele era somente em correr para catar o máximo de citações possíveis onde o termo “fogo eterno” aparece em Justino, sem nem sequer ler os textos que cita. Amadorismo total.

O destino futuro dos ímpios, para Justino, era claramente a cessação da existência, a destruição completa. Ele primeiro diz que os demônios serão destruídos:

“Sim, com efeito, como já dissemos, o Verbo se fez homem por desígnio de Deus Pai e nasceu para a salvação dos que crêem e destruição dos demônios[36]

Essa destruição é também equiparada à morte:

“Por meio de quem [Cristo] Deus destrói tanto a serpente quanto os anjos e homens que estão com ela, mas liberta da morte aqueles que se arrependem de suas iniquidades e creem nEle”[37]

Depois, Justino é ainda mais claro e enfático ao dizer que Deus porá um “fim” nos ímpios, e para deixar claro que este “fim” é a destruição total e não o tormento eterno, ele complementa dizendo que é “do mesmo modo como não deixou ninguém vivo antes do dilúvio”:

“Assim, Deus também adia pôr um fim à confusão e destruição do universo, por causa da semente dos cristãos, recém-espalhada pelo mundo, que ele sabe ser a causa da conservação da natureza. De fato, se assim não fosse, vós não teríeis poder para fazer nada daquilo que faz eis conosco, nem seríeis manejados pelos demônios, como instrumentos de sua ação; mas descendo o fogo de julgamento, já teria separado tudo sem exceção, do mesmo modo como não deixou vivo ninguém antes do dilúvio, a não ser aquele que nós chamamos Noé, juntamente com os seus, e que vós chamais Deucalião, do qual nasceu de novo numerosa multidão de homens, uns maus, outros bons”[38]

A lógica de Justino era precisa: Deus vai destruir os ímpios dando um fim à existência deles, e só não fez isso ainda por misericórdia dos cristãos. Pedro disse que “Deus não demora em cumprir a sua promessa, como julgam alguns. Pelo contrário, ele é paciente com vocês, não querendo que ninguém pereça, mas que todos cheguem ao arrependimento” (2Pe.3:9). Em outras palavras, o momento da destruição final dos ímpios só não chegou ainda porque Deus quer estender o tempo de oportunidade de arrependimento para cada cristão, dando oportunidade para que o máximo número de pessoas se salve. Então chegará a “destruição do universo” que Justino afirma em conformidade com Hebreus 1:10-12, quando Deus fará “novos céus e nova terra” (Ap.21:1), recomeçando tudo de novo, somente com os salvos.

Que Justino não cria que este “fim” e “destruição” fossem meros símbolos para um “tormento eterno” do qual ele jamais disse, isso fica claro pela comparação que ele faz com o dilúvio: no dilúvio, apenas Noé e sua família se salvaram, e todos os ímpios deixaram de existir. Em outras palavras, quando Deus criar “novas todas as coisas” (Ap.21:5), o destino dos ímpios não será uma existência eterna, mas uma destruição total e cessação de existência, assim como os ímpios que foram completamente destruídos pelo dilúvio e deixaram de viver.  

No Diálogo com Trifão, o velho cristão afirma:

“As almas que se manifestaram dignas de Deus não morrem; as outras são castigadas enquanto Deus quiser que existam e sejam castigadas”[39]

Perceba que é só as almas dos justos que “não morrem”. Se apenas as almas dos justos é que não morrem, então é óbvio que as almas dos ímpios morrem. É por isso que o texto prossegue dizendo que as outras almas [as dos ímpios] são castigadas pelo tempo que Deus quiser que elas existam e sejam castigadas (uma declaração explícita do castigo temporário e proporcional, que os mortalistas sempre afirmaram), ao invés de dizer que elas existirão “para sempre”. Le Roy Edwin Froom comenta que “Justino afirma, por antítese, que os ímpios finalmente deixarão de existir após o castigo, quando Deus determinar”[40].

E para acabar de uma vez com todo e qualquer resquício de probabilidade de Justino ser um imortalista, ele diz com todas as letras que os demônios e os anjos devem deixar de existir:

“Deus atrasou a confusão e destruição de todo o mundo, pelo qual os anjos maus e os demônios e os homens devem deixar de existir[41]

Se existe alguma forma mais clara e evidente de pregar o aniquilacionismo do que a expressão “deixar de existir”, sinceramente, eu não sei qual é. Vou deixar que o astronauta católico me indique. Se nem o termo “deixar de existir” implica em “deixar de existir” (mas sim em um “tormento eterno”), então acho que eu também sou imortalista (risos).

As evidências de que Justino era aniquilacionista são tão esmagadoras que hoje em dia qualquer estudioso patrístico honesto admite isso. Teólogos das mais diferentes religiões têm reconhecido que Justino foi um típico mortalista. Le Roy Edwin Froom, em seu excepcional trabalho intitulado “The Conditionalist faith of Our fathers”, que para quem não sabe são dois volumes gigantes que totalizam 2.500 páginas apenas para provar a mortalidade da alma nos escritos dos primeiros Pais (seria bom que o astronauta os lesse para deixar de ser tão ignorante), cita vários teólogos imortalistas que reconhecem que Justino era aniquilacionista. Entre eles:

• Kitto: “Justino cria que as punições iriam cessar em algum momento”[42].

• Richard Rothe: “Justino Mártir pensava que Deus aniquilaria o perdido”[43].

• K. R. Hagenbach: “Justino afirmou que a alma era mortal, parecida com o corpo, e que a imortalidade era como uma recompensa que teria que ser adquirida”[44].

• Hosea Ballou: “Justino defendia que os ímpios serão, eventualmente, aniquilados”[45].

• Beecher: “Justino mantinha e ensinava o aniquilacionismo final dos ímpios, como a maioria dos eminentes estudiosos admite”[46].

• John C. L. Gieseler: “Justino dizia que as almas dos ímpios seriam, em algum momento, totalmente aniquiladas”[47].

• Alger: “Justino não acreditava em tormento sem fim, mas no aniquilacionismo final dos ímpios”[48].

• Constable: “Justino cria na destruição total da existência no inferno”[49].

Mas embora todos os estudiosos de respeito sejam suficientemente honestos para admitir o óbvio (que Justino era aniquilacionista), o astronauta católico vai continuar ensinando aos seus leitores burros e desinformados que Justino era “um imortalista”, primeiro porque ele não é estudioso de nada, e segundo porque não tem honestidade suficiente para admitir o óbvio, quando esse óbvio é contrário a uma doutrina pagã da igreja pagã a que ele serve.


Justino cria no estado intermediário?

Já vimos que Justino não cria no fantasioso e monstruoso “tormento eterno” da Igreja Católica, mas será que ele cria no tal do “estado intermediário”? É lógico que não. Justino cria que a vida eterna seria herdada somente após a ressurreição, e não antes dela:

“Ele [Josué] não apenas teve o seu nome alterado, como também foi sucessor de Moisés, sendo o único de seus contemporâneos que saiu do Egito, ele levou os sobreviventes para a Terra Santa e foi ele, e não Moisés, que conduziu as pessoas para a Terra Santa, e assim como ela foi distribuída por sorteio para os que entraram junto com ele, assim também Jesus Cristo virá novamente e distribuirá a boa terra para cada um, embora não da mesma maneira. Pois o primeiro [Josué] deu-lhes uma herança temporária, visto que ele não era nem Cristo, que é Deus, nem o Filho de Deus; mas este último [Jesus], após a santa ressurreição, nos dará a posse eterna[50]

Os homens de todas as épocas que creram em Cristo e que viveram de acordo com a Palavra de Deus “estarão” {futuro} naquela terra, e “herdarão” {futuro} o eterno e incorruptível bem:

“E, portanto, todos os homens em todos os lugares, quer escravos ou livres, que creem em Cristo, e reconheceram a verdade em suas próprias palavras e dos Seus profetas, sabemos que eles estarão com ele naquela terra, e herdarão o eterno e incorruptível bem[51]

Se Justino cresse que herdamos a vida eterna antes da ressurreição (no momento em que a alma “voa” para o Céu após a morte), então ele teria dito que os que já morreram já estão naquela terra prometida por Deus, e que já herdaram o eterno e incorruptível bem. O fato de ele colocar tudo no tempo futuro nos mostra mais uma vez que ele não cria que os que morreram já estão no Céu. A posse da vida eterna era vista como um acontecimento depois da ressurreição dos mortos, e não antes:

“E a Palavra, sendo o Seu Filho, veio até nós, tendo sido manifestado em carne, revelando tanto si mesmo como também o Pai, dando-nos a ressurreição dos mortos e, depois, a vida eterna[52]

O Dr. Dustin Smith concluiu que “Justino diz muitas coisas para mostrar que ele não acredita que a alma seja imortal. Ele cita também trechos da Bíblia que mostram que as almas podem morrer e que a verdadeira esperança dum crente está no futuro cumprimento do Reino de Deus”[53].

Nada disso o astronauta católico refutou em seu artigo medíocre. Em vez disso, ele só esboçou uma “refutação” à minha abordagem sobre o diálogo entre Justino e o homem velho. Para o nosso amigo astronauta católico, Justino não contradizia a imortalidade da alma “cristã”, mas apenas a imortalidade da alma “platônica” (como se houvesse muita diferença). Segundo ele, Justino era um imortalista convencional que apenas não cria na pré-existência das almas (ensinada por Platão), ou seja, Justino cria que Deus criou a alma naturalmente imortal, e não que a alma é imortal por si mesma (sem Deus).

Contudo, qualquer principiante que leia o Diálogo com Trifão percebe que Justino não estava contrapondo apenas a imortalidade da alma platônica, pois para ele essa era a única forma lógica da alma ser “imortal” (na concepção de Justino, se alma fosse gerada, então ela não podia ser imortal). Em outras palavras, Justino segue a linha filosófica de que se a alma não é gerada então ela é imortal, e se a alma é gerada então ela não é imortal(não existia “meio termo” para ele!). Essa ideia de alma “gerada e ao mesmo tempo imortal” simplesmente não existia no mundo antigo, nem tampouco nos primeiros Pais da Igreja.

O astronauta católico, com sua desonestidade típica, cita como “prova” que Justino era imortalista a primeira parte da sua conversa com o velho cristão, onde Justino responde:

Velho cristão– Qual é a nossa semelhança com Deus? Será que a alma é divina e imortal, uma partícula daquela soberana inteligência, e como aquela vê a Deus, também é possível para a nossa compreender a divindade e gozar a felicidade que dela provém?

Justino– Sem dúvida nenhuma.

O astronauta tira então do contexto essa primeira parte, para enganar seus leitores néscios e fazê-los pensar que Justino enquanto cristão era um imortalista. O que o malandro esqueceu de mencionar por razões óbvias é que este é um relato de Justino sobre a sua conversão, ou seja, ele ainda era pagão quando começou a conversar com o homem velho. Foi o homem velho quem o convenceu por meio dos argumentos de que Justino estava errado, e no decorrer da conversa isso vai ficando cada vez mais claro, pois o velho vai convencendo Justino de que a alma não é imortal coisa nenhuma. Aí o astronauta espertalhão tira do contexto essa parte inicial em que Justino como pagão respondia que a alma era imortal e tenta aplicar isso para quando Justino já era cristão! A quem esse malandro pensa que engana?

Vamos continuar o relato da conversa de Justino com o velho cristão que o converteu, para vermos se Justino manteve essa posição ou não:

Velho cristão– E todas as almas dos seres vivos têm a mesma capacidade? Ou a alma dos homens é diferente da alma de um cavalo ou de um jumento?

Justino– Não há nenhuma diferença. Elas são as mesmas em todos.

Velho cristão– Logo, os cavalos e os asnos também vêem a Deus ou já o terão visto!

Justino– Não. Nem mesmo muitos homens o vêem. Para isso, é preciso que se viva com retidão, depois de se purificar com a justiça e todas as outras virtudes.

Velho cristão– Então o homem não vê a Deus por causa de sua semelhança com ele, nem porque tem inteligência, mas porque é sensato e justo.

Justino– Exatamente. E porque tem capacidade para entender a Deus.

Velho cristão– Muito bem. Será que as cabras e ovelhas cometem injustiça contra alguém?

Justino– De modo nenhum.

Velho cristão– Então, segundo o teu raciocínio, também esses animais verão a Deus.

Justino– Não. Porque o corpo deles, segundo a sua natureza, os impede.

Velho cristão– Se esses animais recebessem voz, talvez com muito maior razão prorromperiam em injúrias contra o nosso corpo. Todavia, deixemos esse assunto e aceitemos o que dizes. Dize-me apenas uma coisa: a alma vê a Deus enquanto está no corpo ou quando está separada dele?

Justino– É possível para ela, mesmo estando na forma humana, chegar a isso por meio da inteligência. Contudo, desligada do corpo e tornada ela mesma, é aí então que ela alcança tudo aquilo que almejou durante todo o tempo.

Até aqui o velho começa a pressionar Justino. Veja que depois de Justino dizer que a alma era imortal (conforme ele cria até então no platonismo), ele começa a pressioná-lo com perguntas difíceis, como as que vimos (se os animais também tem alma, etc). Justino vai levando o debate até este ponto (ele ainda não abriu mão de suas premissas platônicas), mas o velho o continua encurralando, colocando ele contra a parede:

Velho cristão– E ela se lembra disso quando volta outra vez ao homem?

Justino– Penso que não.

Veja que aqui Justino já começa a fraquejar. Ele já não responde com a mesma convicção do início, mas apenas “acha” que não. Mas o velho continua:

Velho cristão– Então, que proveito ela tira de vê-lo, ou que vantagem tem aquele que viu sobre aquele que não viu, uma vez que disso não permanece nenhuma lembrança?

Justino– Não se o que te responder.

Agora o velho consegue colocar Justino em xeque. Justino já não sabe mais o que responder. Tudo o que ele aprendeu do platonismo (imortalidade da alma) está sendo destruído. E o velho continua:

Velho cristão– E que castigo sofrem aquelas julgadas indignas dessa visão?

Justino– Vivem acorrentadas no corpo de feras, e esse é o castigo delas.

Velho cristão– E elas sabem que vivem nesses corpos por essa causa, como castigo de algum pecado?

Justino– Penso que não.

Velho cristão– Portanto, nem essas tiram proveito algum de seu castigo. E eu diria ainda que nem castigo sofrem, uma vez que não têm consciência do castigo.

Justino– Sim, de fato.

Velho cristão– Portanto, nem essas tiram proveito algum de seu castigo. E eu diria ainda que nem castigo sofrem, uma vez que não têm consciência do castigo.

Justino– Sim, de fato.

Velho cristão– Portanto, nem as almas veem a Deus, nem transmigram para outros corpos, pois dessa forma elas saberiam que esse é o seu castigo e temeriam cometer o mais leve pecado no corpo sucessivo. Contudo, também concordo que elas sejam capazes de entender que Deus existe e que a justiça e a piedade são um bem.

Justino– Falaste corretamente.

Note que nos trechos acima o velho ataca e derruba a outra tese platônica de Justino, a transmigração das almas. Ele vai colocando Justino contra a parede até ele admitir que estava errado, e dissesse: “falaste corretamente”. Então o velho dispara pesado:

Velho cristão– Portanto, esses filósofos nada sabem sobre essas questões, pois não são capazes de dizer sequer o que é a alma.

Justino– Parece que não sabem.

Aqui Justino já começa a abrir mão do seu platonismo. Depois de ser encurralado pelo velho e de ter que admitir que ele estava certo, o velho conclui que esses filósofos platônicos não sabem do que estão falando, e Justino concorda. Pela primeira vez, Justino está deixando de lado a sua filosofia platônica e dando ouvidos para o que aquele velho cristão estava dizendo. E o velho prossegue:

Velho cristão– Tampouco, se pode dizer que ela seja imortal, porque, se é imortal, é claro que deva ser incriada.

Justino– De fato alguns, chamados platônicos, a consideram incriada e imortal.

Velho cristão– Tu também consideras o mundo incriado?

Justino– Alguns dizem isso, mas eu não tenho a mesma opinião.

Esta é a parte em que o velho ataca a doutrina da imortalidade da alma em cheio. Você lembra que quando o diálogo começou, era exatamente este o ponto em que o velho queria chegar. Ele perguntou se Justino cria na imortalidade da alma, e Justino, como filósofo platônico, obviamente respondeu que “sim, sem dúvida nenhuma” (como qualquer filósofo platônico faria). Mas depois que o velho destruiu a filosofia platônica de Justino, ele voltou a fazer a mesma pergunta, e Justino admitiu que embora os platônicos dissessem que a alma era imortal, ele agora já não tinha a mesma opinião!

Velho cristão– Fazes muito bem. Com efeito, por qual motivo um corpo tão sólido, resistente, composto e variável e que a cada dia morre e nasce, procederia de algum princípio? Todavia, se o mundo é criado, forçosamente as almas também o serão e haverá um momento em que elas não existirão. De fato, foram feitas por causa dos homens e dos outros seres vivos, ainda que digas que elas foram criadas completamente separadas e não junto com seus próprios corpos.

Justino– Parece que é exatamente assim.

Velho cristão– Então são imortais?

Justino– Não, uma vez que o mundo se manifesta como criado.

Xeque-mate! O velho cristão o colocou numa cilada: ou o mundo é incriado e as almas são imortais, ou o mundo é criado e as almas são mortais. Justino concorda com a premissa e é obrigado a aceitar a conclusão lógica que se segue: a alma é mortal!

Então vem a parte que o astronauta católico tira do contexto, que é quando o velho diz:

Velho cristão– Contudo, eu não afirmo que todas as almas morram. Isso seria uma verdadeira sorte para os maus. Digo, então, que as almas dos justos permanecem num lugar melhor e as injustas e más ficam em outro lugar, esperando o tempo do julgamento. Desse modo, as que se manifestaram dignas de Deus não morrem; as outras são castigadas enquanto Deus quiser que existam e sejam castigadas.

O velho não estava se contradizendo com o que ele próprio havia dito sobre a alma ser mortal, e nem com aquilo que ele disse um pouco adiante, quando afirmou que a alma deixa de existir quando ocorre a morte corporal. Se ela deixa de existir, então é óbvio que ele não estava falando do estado intermediário aqui, mas do estado final (i.e, depois da ressurreição). A palavra aqui traduzida por “julgamento” no grego é krima, que é a mesma palavra grega usada para “condenação”[54]. Em outras palavras, o velho não estava dizendo que as almas dos bons ficam em um estado intermediário “do bem” e as almas dos maus ficam em um estado intermediário “do mau”, mas sim que depois da ressurreição (que é quando a alma volta à existência) as almas dos justos estarão em um lugar bom e não morrerão, enquanto as almas dos ímpios estarão em um lugar ruim (castigo no geena) e então morrerão (que é a condenação em questão). Isso é exatamente o que os mortalistas afirmam desde sempre.

O velho não estava refutando nada do mortalismo bíblico, mas sim da filosofia estóica, que cria que a morte é a cessação total de existência para sempre (ou seja, que não existe vida após a morte). É claro que os cristãos não creem nisso. Nós cremos que existe vida após a morte (através da ressurreição) e também cremos que haverá castigo para os maus no geena (se não houvesse castigo, seria “uma verdadeira sorte para os maus”). Dito em termos simples, o velho já havia detonado com a imortalidade da alma, mas agora ele faz um adendo, para mostrar a Justino que ele não ia para o outro extremo dos epicureus (que criam que “morreu acabou”), mas que ele cria em vida eterna para os bons e castigo temporário para os maus (antes da morte deles).

É assim também que Paul Vicent Spade, o tradutor para o inglês do texto em grego do Diálogo com Trifão, entende esta passagem. Ele comentou nas notas de rodapé do texto:

“A teoria, então, é que apesar de todas as almas serem naturalmente propensas a serem destruídas, as boas almas são preservadas por Deus, enquanto as más almas são punidas por um tempo, e depois são destruídas”[55]

Portanto, diferente do que o astronauta católico alega, o velho não cria em estado intermediário porcaria nenhuma. Mas continuemos com o Diálogo:

Justino– Por acaso, estás dizendo o mesmo que Platão sugere no Timeu a respeito do mundo, isto é, que em si mesmo, enquanto foi criado, ele também é corruptível, mas não se dissolverá, nem terá parte na morte por vontade de Deus? Pensas o mesmo também a respeito da alma e, em geral, a respeito de todo o resto?

Velho cristão– Com efeito, além de Deus, tudo o que existe ou há de existir possui natureza corruptível e sujeita a desaparecer e deixar de existir. Apenas Deus é incriado e incorruptível e, por isso, ele é Deus; mas, além dele, todo o resto é criado e corruptível. Por esse motivo, as almas morrem e são castigadas. De fato, se fossem incriadas, elas não pecariam, nem estariam cheias de insensatez, nem seriam covardes ou temerárias, nem passariam voluntariamente para os corpos de porcos, serpentes ou cães, nem seria lícito obrigá-las a isso, caso fossem incriadas. De fato, o incriado é semelhante ao incriado e não apenas semelhante, mas igual e idêntico, sem que seja possível um ultrapassar o outro em poder ou em honra. Daí se conclui que não é possível existir dois seres incriados. De fato, se neles houvesse alguma diferença, jamais poderíamos encontrar a causa dela, por mais que a procurássemos; pelo contrário, remontando com o pensamento até o infinito, teríamos que parar, vencidos, num só incriado, e dizer que ele é a causa de todo o mais.

O astronauta católico tira do contexto apenas a parte que diz que “está sujeita a desaparecer e deixar de existir”, mas o espertalhão embusteiro ignora propositalmente a continuação que diz que por esse motivo, as almas morrem e são castigadas”. Em outras palavras, para o velho cristão as almas não apenas podemmorrer, mas elas morrem efetivamente. O fato de a alma estar “sujeita” à morte era somente uma premissa necessáriapara o fato de ela morrer efetivamente, que era a crença do velho cristão.

E então vem a parte em que o astronauta embusteiro comete a maior pérola de todo o seu lixo de artigo:

Justino– Por acaso, tudo isso passou distraído a Platão e Pitágoras, homens sábios, que se tornaram para nós como a muralha e fortaleza da filosofia?

Velho cristão– Não me importo com Platão ou Pitágoras ou qualquer outra pessoa que tenha sustentado essas opiniões. De fato, a verdade é esta e podes compreendê-la com o seguinte raciocínio: a alma ou é vida ou tem vida. Se ela é vida, terá que fazer viver outra coisa e não a si mesma, da mesma forma que o movimento move outra coisa mais do que a si mesmo. Ninguém poderá contradizer o fato de que a alma viva. Portanto, se ela vive, ela não vive por ser vida, mas porque participa da vida. Uma coisa é aquilo que participa e outra aquilo do qual participa. Se a alma participa da vida é porque Deus quer que ela viva. Portanto, da mesma forma, um dia ela deixará de participar, quando Deus quiser que ela não viva. De fato, o viver não é próprio dela como o é de Deus. Como o homem não subsiste sempre e a alma não está sempre unida ao corpo, mas quando chega o momento de se desfazer essa harmonia, a alma abandona o corpo e o homem deixa de existir. De modo semelhante, chegando o momento em que a alma tenha que deixar de existir, o espírito vivificante se afasta dela e a alma deixa de existir, voltando novamente para o lugar de onde tinha sido tomada.

Aqui o velho diz explicitamente, com todas as letras, sem mais nem menos, que a alma deixa de existir. Como foi que o astronauta bobão respondeu a isso? Morram de rir com este print:

 (Clique na imagem para ampliar)

Sim, na cabeça do embusteiro desonesto, a frase é de Trifão!

Depois dessa, eu fecharia aquele site de astronautas e pediria perdão ao público por tanta desonestidade e enganação. A mentira é tão descarada que basta ir ao “New Advent” (site católico que reproduz os escritos dos Pais) para ver de quem é a frase em questão:

                                                (Clique na imagem para ampliar) 

Sim, a frase era do Velho Cristão, e não de Trifão, que nem sequer estava conversando com Justino naquele momento! Justino só volta a falar com Trifão no capítulo 8!

A safadeza do cidadão é tão gigante que até mesmo a tradução ao português feita pela Editora Paulus (católica), que ele usa, diz que foi o velho que falou (veja aqui). Então não é por ignorância, é por desonestidade mesmo. Ele pensa que seus leitores católicos tridentinos são tão burros que não vão se dar ao trabalho de conferir na obra (e são mesmo). E para piorar ainda mais as coisas, Trifão não era mortalista (como ele disse), ele era um judeu do grupo dos fariseus, que naquela época criam na imortalidade da alma (veja Josefo, História dos Hebreus, Livro X, c. 2). Não tem escapatória: quem disse que a alma morre foi o velho cristão, que estava convertendo e doutrinando Justino.

Será que esse astronauta embusteiro vai finalmente admitir que só copia bobagens e mente, ou será que vai manter aquele artigo ridículo e mentiroso no site dele? É o que veremos...


Introdução a Policarpo


Continuando a sessão de refutações ao astronauta embusteiro, chegamos agora a Policarpo (80-155), o bispo de Esmirna. Não temos muita a coisa a refutar sobre Policarpo porque o astronauta passou apenas três textos, sendo dois deles ligados à linguagem de “fogo eterno”, a qual eu já expliquei anteriormente na parte referente a Inácio. Resta-nos então o terceiro texto, que é o que diz:

“Portanto, eu vos exorto a todos, para que obedeçais à palavra da justiça e sejais constantes em toda a perseverança, que vistes com os próprios olhos, não só nos bem-aventurados Inácio, Zózimo e Rufo, mas ainda em outros que são do vosso meio, no próprio Paulo e nos demais apóstolos. Estejam persuadidos de que nenhum desses correu em vão, mas na fé e na justiça, e que eles estão no lugar que lhes é devido junto ao Senhor, com o qual sofreram. Eles não amaram este mundo, mas aquele que morreu por nós e que Deus ressuscitou para nós”[56]

No entanto, mesmo considerando que este texto seja legítimo e não uma inserção posterior feita por copista (o que não era nada raro), ainda assim não há nada nele que prove de forma definitiva que Policarpo cria na consciência pós-morte em um estado intermediário antes da ressurreição. Ele poderia perfeitamente ser um psicopaniquista, que é uma vertente do mortalismo que ensina os mortos já estão na presença Deus, mas em um estado inconsciente, levando a linguagem bíblica do “dormir” mais literalmente do que os mortalistas clássicos (tal é o caso, por exemplo, do erudito luterano Oscar Cullmann). Poderia também ser algo semelhante à linguagem de Paulo, quando disse que os crentes que morreram “dormem em Cristo” (1Co.15:18), em contraste com os outros mortos (sem Cristo), que somente “dormem”. Estar com Cristo neste sentido não implica em qualquer “imortalidade da alma”.

Há ainda a possibilidade de que ele estivesse falando na perspectiva do tempo kairós e não do chronos, ou seja, que eles estão com Deus na perspectiva de Deus, embora no tempo chronos da nossa perspectiva temporal tal fato só se concretize na ressurreição dos mortos. É sempre importante ressaltar que a ressurreição ocorre em um piscar de olhos na perspectiva de quem já morreu, uma vez que não existe “tempo” entre a morte e a ressurreição, pois o tempo só faz sentido se for aplicado a alguém que está vivo (conceito este que eu explano melhor no “Apêndice 1” deste artigo). De uma forma ou de outra, o texto pode ser entendido sob uma perspectiva mortalista, mesmo que não seja uma inserção de copista feita numa época em que a Igreja já cria em imortalidade da alma.

Há várias evidências que nos mostram que isso não é apenas uma possibilidade (leitura alternativa ao texto), mas de fato algo seguro, ou, no mínimo, bastante provável. Isso porque em todas as correspondências de Policarpo fica muitíssimo claro que ele esperava entrar no Reino e desfrutá-lo de fato apenas depois da ressurreição. A carta de Inácio a Policarpo é uma das maiores evidências disso. Como já vimos, Inácio esperava se encontrar com Policarpo não em um estado intermediário, mas depois da ressurreição:

”Uma vez que a Igreja de Antioquia da Síria está em paz, como fui informado, graças à vossa oração, fiquei mais confiante na serenidade de Deus, se com o sofrimento eu o alcançar, para ser encontrado na ressurreição como vosso discípulo[57]

Na mesma carta, há uma descrição bastante interessante, onde ocorre uma sequencia lógica na qual a posse do Reino só é vinda depois do “despertar” (ressurreição):

“Atendei ao bispo, para que Deus vos atenda. Ofereço minha vida para os que se submetem ao bispo, aos presbíteros e aos diáconos. Possa eu, com eles, ter parte em Deus. Trabalhai uns com os outros e, unidos, combatei, lutai, sofrei, dormi [na morte], despertai [na ressurreição], como administradores, assessores e servidores de Deus[58]

Note que Inácio não estava citando eventos aleatoriamente, e sim seguindo uma ordem lógica, na qual cita primeiro os eventos terrenos (combate, luta e sofrimento na fé), depois a morte apenas com o eufemismo do “dormir” (sem nenhuma conotação maior que isso), depois o despertar da ressurreição e, só então, é que estaremos como “administradores, assessores e servidores de Deus” (na presença dEle). Este texto é mortal para os imortalistas porque mostra que Inácio não cria que na morte (antes da ressurreição) já estaremos na presença de Deus, mas somente depois de “despertar” (um eufemismo bíblico para a ressurreição). A morte é encarada meramente como um estado de “sono”, e a atividade e consciência é somente depois que despertarmos deste sono (i.e, quando ressuscitarmos dos mortos).

Se a correspondência entre Inácio e Policarpo indica que a consciência no pós-morte só se dava através da ressurreição, a própria epístola de Policarpo aos filipenses não fica por menos. Policarpo demonstra uma escatologia claramente pré-milenista (contrária à que é ensinada hoje pela maioria esmagadora dos católicos) ao dizer que apenas os justos ressuscitam quando Jesus voltar:

“Por isso, cingi vossos rins e servi a Deus no temor e na verdade, abandonando as palavras vãs e o erro de muitos, crendo naquele que ressuscitou nosso Senhor Jesus Cristo dos mortos e lhe deu a glória e o trono à sua direita. Tudo o que existe no céu ou na terra lhe está submisso; tudo o que respira o celebra, a ele que vem como juiz dos vivos e dos mortos, e de cujo sangue Deus pedirá contas àqueles que não confiam nele. Aquele que o ressuscitou dos mortos também nos ressuscitará, se fizermos a sua vontade, se caminharmos em seus mandamentos, e se amarmos o que ele amou, abstendo-nos de toda injustiça, ambição, amor ao dinheiro, maledicência, falso testemunho, não retribuindo o mal com o mal, injúria com injúria, golpe com golpe, maldição com maldição”[59]

Note que Policarpo diz que Deus nos ressuscitará na volta de Jesus, se fizermos a vontade dele. Isso mostra que ele não cria que todos os mortos (justos e ímpios) ressuscitarão na volta de Jesus (como ensina a Igreja Romana), mas sim que na volta de Jesus somente os justos ressuscitarão (os demais ressuscitam apenas depois do milênio). Isso refuta a escatologia amilenista que coloca os “santos” no Céu durante o “milênio” que supostamente já estaria acontecendo.

Policarpo diz também que Deus nos dará em troca o “tempo futuro” como retribuição pela nossa perseverança nesta vida. Qualquer católico prosseguiria o texto dizendo que isso ocorre imediatamente após a morte e antes mesmo da ressurreição, mas Policarpo prossegue o texto dizendo que isso acontece na ressurreição dos mortos:

“De igual forma, que os diáconos sejam irrepreensíveis diante da justiça dele. São servidores de Deus e de Cristo, e não dos homens. Que não caluniem, nem sejam dúplices nem amantes do dinheiro. Sejam castos em todas as coisas, misericordiosos, zelosos, andando segundo a verdade do Senhor, que se tornou servidor de todos. Se o aguardarmos neste mundo, ele nos dará em troca o tempo futuro, pois ele nos prometeu ressuscitar-nos dentre os mortos, e, se a nossa conduta for digna dele, também reinaremos com ele, se tivermos fé”[60]

Perceba que a posse deste “tempo futuro” está diretamente relacionada com a ressurreição dos mortos, e não com a suposta separação da alma após a morte. Policarpo não diz que “Deus nos dará em troca o tempo futuro, pois nossa alma se separará do corpo e assim reinaremos com Ele”, mas sim que Deus nos dará o tempo futuro quando ele nos ressuscitar, e então reinaremos com Deus. Mais uma vez, Policarpo segue a ordem lógica e sequencial dos fatos que deixa totalmente de fora qualquer possibilidade teológica da alma ser imortal e habitar conscientemente com Deus antes da ressurreição.

Essa sequencia também é apresentada no seguinte texto da mesma carta:

“Quem não confessa que Jesus Cristo veio na carne, é anticristo; aquele que não confessa o testemunho da cruz, é do diabo; aquele que distorce as palavras do Senhor segundo seus próprios desejos, e diz que não há ressurreição, nem julgamento, esse é primogênito de satanás”[61]

Observe que mais uma vez o julgamento ocorre após a ressurreição na sucessão de eventos (se a alma fosse imortal este julgamento já teria acontecido, no momento em que ela se separa do corpo). Ao lermos os escritos de Policarpo, uma coisa fica bem clara, e esta coisa é a sequencia lógica de eventos que envolvem: (a) vida terrena; (b) morte; (c) ressurreição; (d) julgamento; (e) posse do Reino.         

A obra “O Martírio de Policarpo” (que não foi escrita por ele, mas décadas mais tarde, fazendo menção ao que foi dito por ele instantes antes da morte) preserva a seguinte citação de Policarpo quando este já estava a apenas um passo da morte no estádio:

“Eu te bendigo por me teres julgado digno deste dia e desta hora, de tomar parte entre os mártires, e do cálice de teu Cristo, para a ressurreição da vida eterna da alma e do corpo, na incorruptibilidade do Espírito Santo”[62]

Quatro coisas saltam aos olhos nesta menção. Primeiro, Policarpo cria na ressurreição da alma e do corpo, e não meramente na ressurreição do corpo. Segundo, a “incorruptibilidade” que ele diz (e que no grego é aphthrsia, que também significa “imortalidade”[63]) só viria depois desta ressurreição “da alma e do corpo”, pois é mencionada depois desta. Terceiro, ele esperava que a posse da vida eterna fosse posteriorà ressurreição, pela mesma razão.

Por último, mesmo estando a poucos instantes da morte, Policarpo não nos traz qualquer expectativa de que sua alma saísse do corpo, mas faz menção apenas à ressurreição como o meio pelo qual ele chegaria a Cristo. Fica claro que toda a esperança de Policarpo quanto à realidade da vida futura se dava não em um estado incorpóreo desencarnado, mas na promessa de Jesus relacionada à ressurreição dos mortos no último dia. Ele morria vislumbrando este dia futuro da ressurreição, ainda que bem mais próximo e iminente do que parece, uma vez que não há sensação de passagem de tempo para quem morreu, e assim a ressurreição se dá instantaneamente em seguida na perspectiva do ressuscitado.

Davis Park corretamente assinala:

“De acordo com a oração de Policarpo, ele sabia que iria ser ressuscitado para a vida eterna, e isso significa que, embora ele fosse morrer naquele dia pelo fogo, seu corpo e alma seriam trazidos juntos de volta no retorno de Jesus, e tornados imortais pelo poder do Espírito Santo. Com esta compreensão e conhecimento da derrota da morte como a sua vitória com base na morte de Jesus, ele poderia enfrentar a ameaça de bestas e ser queimado vivo com coragem. Ele seria, assim, coroado com a imortalidade, como uma fiel testemunha de Cristo. Ele sabia que a morte seria apenas temporária”[64]

E, assim, não vemos nenhuma base para fundamentarmos uma doutrina antibíblica em cima de um único verso que, se interpretado isoladamente à maneira imortalista, contraria toda a evidência extraída de Policarpo, que era claramente condicionalista.


Refutando mentiras sobre Teófilo


A refutação do astronauta católico nesta parte é tão podre que em todo o seu texto ele só cita uma passagem como a “prova” de que Teófilo cria no “tormento eterno”, que é uma em que ele fala sobre a linguagem do “fogo eterno” (a qual já expliquei exaustivamente na parte correspondente a Inácio, provando que a terminologia de “fogo eterno” não é, nunca foi e nunca será sinônimo de “tormento eterno”).

Se o astronauta católico não fosse apenas papagaio copiador de textos de internet e tivesse realmente lido uma vez na vida os escritos de Teófilo, teria notado que este bispo de Antioquia cria na mesma conflagração do mundo que alguns poetas pagãos também criam. Em seu segundo livro a Autólico, ele disse que esta parte da filosofia dos poetas pagãos estava em conformidade com o ensino dos profetas:

“Que Deus examinará todo juramento injusto e qualquer outro pecado, os poetas quase o disseram, assim como falaram, querendo ou sem querer, coisas concordes com os profetassobre a conflagração do mundo, apesar de serem muito posteriores a estes e de terem tirado tudo isso da lei e dos profetas”[65]

O problema no colo do astronauta católico é que essa conflagração universal que Teófilo dizia que os poetas gregos afirmavam em conformidade com os profetas nunca teve nada a ver com um “tormento eterno”, mas sim com a destruição total do planeta pelo fogo, ocasião na qual as almas morreriam. Essa conflagração universal era crida naquela época pelos estóicos. Eles criam que depois da morte a alma ainda permanecia viva por algum tempo, embora não para sempre. Diógenes Laércio (200-250 d.C), historiador e biógrafo dos antigos filósofos gregos, afirmou:

“A alma... permanece [viva] depois da morte, e é, todavia, corruptível [mortal]”[66]

O famoso filósofo romano Cícero (106-43 a.C) declarou também:

“Os estóicos dizem que as almas durarão por muito tempo, mas não para sempre”[67]

Esses filósofos estóicos criam que o momento em que a alma seria aniquilada depois da morte é na conflagração universal, como disse o filósofo estóico Cleanto (331-232 a.C):

“As almas dos que morreram continuam a viver até a [próxima] conflagração”[68]

Em síntese, esta conflagração universal (momento em que o mundo seria destruído pelo fogo causando aniquilamento) era um ponto em comum entre Teófilo e os poetas pagãos (embora ele tivesse muito mais discordâncias do que concordâncias em geral). Teófilo obviamente não cria que os ímpios seriam atormentados conscientemente para todo o sempre (o que além de irracional e ilógico é também monstruoso), mas sim que eles passariam pela conflagração universal, momento este em que seriam abrasados pelo poder do fogo e deixarão de existir. Este abrasamento e consequente destruição é o que ele se referia no texto que o astronauta católico tirou grosseiramente do contexto (Livro I, c. 14), tentando dizer que ele cria no tormento eterno.

Na continuação do texto do Livro II (c. 37), Teófilo explica com mais detalhes o que é essa conflagração, citando dois textos clássicos do aniquilacionismo:

“Não importa se foram anteriores ou posteriores. O importante é que falaram de acordo com os profetas. Sobre a conflagração, por exemplo, o profeta Malaquias predisse: ‘Eis que chega o dia do Senhor como fornalha ardente e abrasará todos os ímpios’. E Isaías: ‘A ira do Senhor virá como granizo que cai com violência e como água no vale que arrasta tudo’”[69]

Primeiro ele diz que aqueles filósofos estóicos (que criam no aniquilacionismo na conflagração) falaram de acordo com os profetas, e logo em seguida confirma isso citando textos clássicos do aniquilacionismo bíblico, inclusive o de Malaquias, que diz:

“Pois certamente vem o dia, ardente como uma fornalha. Todos os arrogantes e todos os malfeitores serão como palha, e aquele dia, que está chegando, ateará fogo neles, diz o Senhor dos Exércitos. Nem raiz nem ramo algum sobrará (...) Depois esmagarão os ímpios, que serão como pó sob as solas dos seus pés no dia em que eu agir, diz o Senhor dos Exércitos” (Malaquias 4:1,3)

Alguém está vendo algum sinal de “tormento eterno” ali? Eu não! O que eu vejo é toda uma linguagem de aniquilacionismo: os ímpios sendo reduzidos a “palha”, o fogo que os consumiria totalmente até que não lhes sobrasse “nem raiz nem ramo”, até que eles virassem (cessação total de existência). Que belo “imortalista” era esse Teófilo!

Acabando com a mentira de que Teófilo cria no tormento eterno, o astronauta católico que jamais leu os livros de Teófilo ainda cita um último texto em seu favor, que é um em que Teófilo diz que a alma é “chamada” de “imortal”. O que o malandro esconde é a sequencia da obra, que deixa bem claro que essa “imortalidade” é uma imortalidade condicional (exatamente igual aquela aceita pelos mortalistas), e não uma imortalidade incondicional(conforme crida pelos imortalistas). Teófilo mostrou isso dezenas e dezenas de vezes, como nesse texto aqui:

“Ó homem, se compreenderes isso, e viveres de maneira pura, piedosa e justa, poderás ver a Deus. Antes de tudo, porém, entrem em teu coração a fé e o temor de Deus, e então compreenderás isso. Quando depuseres a mortalidade e te revestires da incorruptibilidade, verás a Deus de maneira digna. Com efeito, Deus ressuscitará a tua carne, imortal, juntamente com tua alma. Então, tornado imortal, verás o imortal, contanto que agora tenhas fé nele. Então reconhecerás que falaste injustamente contra ele”[70]

Este é o texto que mais claramente fala da vida póstuma se dar apenas na ressurreição, e não antes. Teófilo diz a Autólico que se ele começar a viver justamente ele poderá ver a Deus. Então ele explica quando que isso ocorreria. Na cabeça de astronautas católicos como Rafael Rodrigues, isso ocorreria logo após a morte, quando a tal alma imortal sairia do corpo em direção ao Céu. Mas antes mesmo que Autólico pudesse pensar nisso, Teófilo o desarma totalmente, dizendo que isso somente ocorreria quando ele se dispusesse da mortalidade e se revestisse da imortalidade. Quando é esse momento em que ele se tornaria imortal para poder ver a Deus? É o que ele responde em seguida:

“...Deus ressuscitará a tua carne, imortal, juntamente com tua alma. Então, tornado imortal, verás o imortal”

Primeiro: Deus não ressuscitaria apenas a carne, mas a alma também. Segundo: o homem não possui a imortalidade no presente momento (na forma de uma “alma imortal” presa dentro do corpo), mas será tornado imortal quando ressuscitar dos mortos. E terceiro: é só então, quando ressuscitarmos, que veremos o imortal (Deus)! Este texto de Teófilo simplesmente fulmina e destrói com todo o amontoado de falácias imortalistas, cuja doutrina faz com que o homem veja a Deus antes mesmo de ressuscitar. Para Teófilo, é somente depois de ressuscitarmos que veremos a Deus (logo, como podemos estar com Ele antes?).

Teófilo também afirma enfaticamente que o homem se tornou naturalmente mortal quando decidiu desobedecer a Deus:

“Como dissemos acima, Deus colocou o homem no jardim, para que o cultivasse e o guardasse, e mandou que ele comesse de todos os frutos, portanto também da árvore da vida, e mandou que só não experimentasse da árvore da ciência. E Deus o transportou da terra da qual fora criado para o jardim, dando-lhe ocasião de progresso, para que crescendo e chegando a ser perfeito e até declarado deus, subisse então até o céu, possuindo a imortalidade, pois o homem foi criado como ser intermédio, nem completamente mortal nem absolutamente imortal, mas capaz de uma e outra coisa, assim como seu lugar, o jardim, se considerarmos a sua beleza, é lugar intermédio entre o mundo e o céu. Quando a Escritura diz ‘trabalhar’, não dá a entender outro trabalho, mas a observância do mandamento de Deus, a fim de que o homem, violando-o, não se perca, como efetivamente aconteceu quando se perdeu pelo pecado[71]

Note que para Teófilo Deus não fez o homem naturalmente imortal, mas lhe deu a chance de ser imortal caso ele obedecesse a Deus. Se Adão não tivesse pecado, ele poderia “subir até o céu e possuir a imortalidade” (nas palavras de Teófilo), que é exatamente o que os imortalistas afirmam que nós somos hoje (i.e, que possuímos a imortalidade em nosso ser através da “alma imortal” e que iremos ao céu imediatamente após a morte). Mas tem um probleminha: o homem desobedeceu a Deus, ao invés de obedecê-lo!

Para Teófilo, Deus não fez o homem nem “completamente mortal” e nem “absolutamente imortal”, mas capaz de uma coisa e de outra. Em outras palavras, se o homem decidisse obedecer a Deus, ele seria “absolutamente imortal”, mas se o desobedecesse, ele seria “completamente mortal”. Qual foi a decisão do homem? Desobedecer. Como resultado da escolha do homem, qual foi a consequencia? Se tornar “completamente mortal”, como diz Teófilo. Essa é exatamente a mortalidade natural afirmada por nós mortalistas. O homem se tornou naturalmente mortal ao pecar, ao invés de possuir a imortalidade (que é o que ocorreria caso ele tivesse sido fiel a Deus).

Os imortalistas seguem a mentira da serpente, que disse que, mesmo se o homem pecasse, “certamente não morrereis” (Gn.3:4). Nós seguimos a Bíblia, que condiciona a imortalidade à obediência a Deus, do qual o homem se apartou. Embusteiros como Rafael Rodrigues permanecem no engano da serpente até hoje, pensando que, mesmo depois da decisão de Adão e do pecado vir a existir, ainda assim possuímos a imortalidade. Mais adiante, Teófilo volta a repetir o mesmo pensamento:

“Poder-se-á dizer: ‘O homem não foi criado mortal por natureza?’ De jeito nenhum. ‘Então foi criado imortal?’ Também não dizemos isso. ‘Então não foi nada?’ Também não dizemos isso. O que afirmamos é que por natureza não foi feito nem mortal, nem imortal. Porque se, desde o princípio, o tivesse criado imortal, o teria feito deus; por outro lado, se o tivesse criado mortal, pareceria que Deus é a causa da morte. Portanto, não o fez mortal, nem imortal, mas, como dissemos antes, capaz de uma coisa e de outra. Assim, se o homem se inclinasse para a imortalidade, guardando o mandamento de Deus, receberia de Deus o galardão da imortalidade e chegaria a ser deus; mas se se voltasse para as coisas da morte, desobedecendo a Deus, seria a causa da morte para si mesmo, porque Deus fez o homem livre e senhor de seus atos. O que o homem atraiu sobre si mesmo por sua negligência e desobediência, agora Deus o presenteou com isso, através de sua benevolência e misericórdia, contanto que o homem lhe obedeça. Do mesmo modo como o homem, desobedecendo, atraiu sobre si a morte, assim também, obedecendo à vontade de Deus que quer, pode adquirir para si a vida eterna. De fato, Deus nos deu lei e mandamentos santos, e todo aquele que os cumpre pode salvar-se e, tendo alcançado a ressurreição, herdar a imortalidade[72]

Mais uma vez, Teófilo reitera a Autólico (que, como pagão que era, cria na imortalidade natural, como creem os imortalistas) que Deus originalmente não fez o homem nem mortal nem imortal, mas capaz de uma coisa ou de outra. Assim, se o homem optasse pela obediência, eu estaria aqui ensinando a imortalidade natural, mas como Adão desobedeceu, estou ensinando a mortalidade natural, que foi a decisão que a humanidade tomou desde Adão. Mas Teófilo nos dá uma esperança: ele diz que nós ainda podemos adquirir para si a vida eterna. De que modo que isso se daria? Isso ele responde logo em seguida:

“...tendo alcançado a ressurreição, herdar a imortalidade”

Preciso dizer mais alguma coisa?

A crença de Teófilo era clara:

• O homem não foi criado naturalmente imortal nem mortal, mas podendo se tornar “completamente mortal” ou “absolutamente imortal”, dependendo de sua obediência a Deus.

• Mas o homem decidiu desobedecer a Deus, atraindo a “morte para si mesmo” (i.e, ele se tornou “completamente mortal”).

• Felizmente, ainda há uma chance de adquirirmos uma vida eterna, que é crendo em Jesus.

• Esta vida eterna nós desfrutaremos quando Jesus – que é a ressurreição e a vida (Jo.11:25) – nos ressuscitar no último dia, e assim herdaremos a imortalidade.

Como foi que o astronauta bobão que nunca leu Teófilo na vida rebateu estes argumentos? Da forma mais ridícula, risível, medíocre e patética que eu já vi alguém “refutar” algum texto em meu até hoje:

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Sim, acredite, não há mais nenhuma “refutação” ali presente além disso que ele escreveu (a não ser que ele decida editar o artigo e acrescentar mais sandices). Só há essa “refutação” decadente:

“Nenhum destas passagens mostra que ele cria que a alma morria ou era aniquilada, o que ele fala como ‘morrer’ da alma, deve ser entendido em conformidade com o que ele ensina sobre o inferno. Para ele a ‘morte da alma’ era como a eterna de condenação, o apartamento total da vida glóriosa com Deus e não uma aniquilação da alma como presumem os ‘desavisados’ que passam ao largo de seu ensinamento sobre o inferno eterno”

Ou seja: além de não refutar absolutamente nada dos textos e de não rebater absolutamente nenhuma das afirmações, o analfabeto ainda escreve “glóriosa” (isso mesmo, com acento no “o”, talvez para acentuar seu sotaque nordestino), corta as citações pela metade e ainda cita as referências totalmente erradas. Onde ele coloca como sendo “Livro III, capítulo 25” (referente à segunda citação) é na verdade “Livro II, capítulo 24”. Isso prova que o astronauta bobão sequer lê os textos que cita, ele copia sem ler as asneiras que escreve, não sabe nem em que livro ou em que capítulo se encontra o que ele está copiando. É difícil achar um apologista católico que seja tão vergonhoso e medíocre quanto esse Rafael Rodrigues.

Para piorar ainda mais a situação, o cidadão ainda adultera de forma grosseira os textos onde Teófilo fala explicitamente na mortalidade natural e não explica nenhum dos textos que dizem que nós só veremos a Deus e alcançaremos a vida eterna depois da ressurreição. Pelo contrário, ele “refuta” o que sequer foi argumentado, e ainda distorce de forma criminosa “o que Teófilo ensina sobre o inferno”, que, como vimos, em nada tinha a ver com um tormento eterno e consciente, mas com aniquilacionismo dos ímpios na conflagração universal, ponto este em que Teófilo estava de acordo com os filósofos estóicos, como o próprio Teófilo assevera.

O que o astronauta católico quer que seus leitores néscios engulam é que quando Teófilo diz que Deus não fez o homem nem “completamente mortal” e nem “absolutamente imortal”, mas capaz de uma coisa ou de outra, o que ele estava querendo dizer é isso:

“Deus não fez o homem completamente para ser atormentado para sempre em um lago de fogo do inferno, nem absolutamente imortal, mas capaz de uma coisa ou de outra”

Sério, quem ainda dá crédito a esse embusteiro?

Para piorar ainda mais as coisas, Teófilo ainda diz:

“Assim, foi a desobediência que acarretou ao primeiro homem ser expulso do jardim do Éden; não porque a árvore da ciência tivesse alguma coisa de mau, mas foi por causa de sua desobediência que o homem atraiu trabalho, dor, tristeza e caiu finalmente sob o poder da morte. Também foi um grande beneficio feito por Deus ao homem que este não permanecesse sempre em pecado, mas, de certo modo, como se tratasse de um desterro, o expulsou do paraíso, para que pagasse por tempo determinado a pena de seu pecado e, assim educado, fosse novamente chamado. Tendo sido o homem formado neste mundo, misteriosamente se escreve no Gênesis como se ele tivesse sido colocado duas vezes no jardim. A primeira vez se realizou quando foi aí colocado; a outra se realizaria depois da ressurreição e do julgamento. Podemos ainda dizer mais. Do mesmo modo como um vaso que depois de fabricado tem algum defeito, é novamente fundido e modelado para que fique novo e inteiro, assim acontece com o homem através da morte: de certo modo se quebra, para que na ressurreição surja sadio, isto é, sem mancha, justo e imortal[73]

Teófilo diz que o homem é chamado duas vezes ao Paraíso: a primeira foi com Adão e Eva (no relato do Gênesis), e a segunda será depois da ressurreição! Mesmo Teófilo sendo assim tão claro, o astronauta embusteiro ainda insiste que as almas estão no Paraíso entre a morte e a ressurreição! Se de longe um apologista católico ser obrigado a distorcer tão criminosamente os textos soa como decadência, de perto parece de longe.

Mas não termina por aqui. Teófilo compara ainda a situação do homem na morte com a situação de um vaso que se quebra e que é consertado. Aqui na terra somos um “vaso com defeito”, na morte somos um “vaso quebrado”, e na ressurreição seremos um “vaso modelado”, se tornando “novo e inteiro”. Deixo que o leitor decida se isso se parece com a descrição de uma alma imortal e incorruptível que habita dentro de nós e que na morte já está no Paraíso com Deus em perfeitas condições, ou se parece mais com a inexistência na morte e volta à vida na ressurreição.

Para terminar, Teófilo diz ainda:

“Portanto, a Sibila, os outros profetas, e até os filósofos e poetas falaram claramente sobre a justiça, sobre o julgamento e o castigo. Falaram também sobre a providência, que Deus cuida de nós não apenas enquanto vivemos, mas também depois de mortos, embora o dissessem contra a vontade, convencidos que foram pela própria verdade. Entre os profetas, Salomão disse sobre os mortos: ‘A carne será curada e os ossos serão cuidados’. E o próprio Davi: ‘Meus ossos humilhados se regozijarão’. De acordo com eles, disse Tímocles: ‘Para os mortos, a misericórdia é o Deus benigno’”[74]

Teófilo diz que Deus cuida de nós mesmo depois de mortos, mas, então, curiosamente não faz absolutamente referência nenhuma sobre isso consistir em estar sob os cuidados de Deus no Céu em forma de alma penada incorpórea e imortal. Ao contrário: ele se refere apenas à carne que será “curada”, aos ossos que serão “cuidados” e, novamente, aos ossos que “se regozijarão”, ou seja, todas elas figuras de linguagem para falar da ressurreição da carne. Para Teófilo, Deus cuidar de nós depois da morte não tinha nada a ver com nossa alma já estar com Deus no Paraíso, mas sim com o fato de Ele providenciar a nós uma ressurreição física dentre os mortos, para que estejamos na presença dEle.

Há muito mais coisas interessantes que eu poderia acrescentar ainda sobre Teófilo, mas um astronauta néscio e incauto como esse não merece mais aulas. Em vez disso, estou planejando um livro sobre o tema da imortalidade da alma nos Pais da Igreja, que deverá sair nas próximas semanas. Se o astronauta quer deixar de ser tão ignorante e mentiroso, que vá ler de fato um livro, se é capaz de fazer isso. Assim obterá conhecimento suficiente para admitir o óbvio: que os primeiros Pais da Igreja desconheciam completamente qualquer doutrina de imortalidade incondicional da alma. Se bem que para alguém tão desonesto não adianta: mesmo que eu cite caminhões de textos históricos e refute cada vírgula de argumentação leviana e néscia, ainda assim o charlatão preferirá continuar enganando a si mesmo e aos seus leitores burros do que reconhecer a verdade, porque “o deus deste século cegou o entendimento dos incrédulos, para que não lhes resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo” (2Co.4:4).


Introdução a Taciano, o Sírio


Chegamos agora à sexta parte da nossa refutação ao astronauta católico, desta vez no que tange a Taciano, o Sírio (120-180 d.C). Taciano é tão claramente um pregador da mortalidade da alma no século II d.C que o próprio astronauta católico foi obrigado a reconhecer isso em seu artigo (ainda que parcialmente) e a desacreditá-lo e menosprezá-lo de todas as formas, inclusive chamando Taciano de “herege”. O nível de amadorismo na “refutação” do astronauta católico mostra o desespero desta gente em lidar com os escritos dele, que combatem tão clara e consistentemente a doutrina da imortalidade incondicional da alma. Aqui vai um print do desespero do astronauta católico em tentar depreciar Taciano para abaixar o peso da evidência contra ele:

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O que o católico charlatão se esquece de dizer neste texto ridículo é que Taciano não escreveu o “Discurso contra os Gregos” depois de se tornar “herege”, mas enquanto ainda era cristão. Taciano só deixou a Igreja em sua velhice, como atesta Le Roy Edwin Froom em sua obra The Conditionalist faith of Our fathers[75]. John H. Roller, em sua obra sobre “A doutrina da imortalidade da alma na Igreja primitiva”[76], acrescenta ainda que a seita ascética criada por Taciano só foi declarada “herética” muito depois da morte do próprio Taciano, que se deu em 180 d.C. Ou seja, o apologista católico desonesto tenta desmerecer Taciano por uma coisa que ele só fez depois de ter escrito o “Discurso contra os Gregos”, e que mesmo assim só foi considerada “herética” bem depois da sua morte.

Paradoxalmente, no mesmo lixão de site do astronauta católico há um monte de citações de Tertuliano supostamente pró-catolicismo, sendo que Tertuliano também apostatou depois de escrever aquelas coisas. Mas com Tertuliano pode, só não pode com Taciano, porque Taciano explode o capacete do astronauta, e Tertuliano nem tanto. Na cabeça do astronauta embusteiro, “Taciano não pode ser usado para provar nenhuma doutrina cristã” (porque mais tarde ele se tornou “herege”), mas ele usa Tertuliano para “provar doutrinas cristãs” (mesmo ele também tendo se tornado “herege” mais tarde). É assim que funciona o mundo de ilusão e demência dos fanáticos católicos, como Rafael Rodrigues.

O néscio diz ainda que “não nos importa muito o testemunho de Taciano” (é claro que não importa, já que Taciano é um hadouken muito bem dado no estômago deles), ignorando a vasta formação intelectual e prestígio que Taciano tinha na época em que escreveu o “Discurso contra os Gregos”, antes de apostatar. Taciano era um refinado intelectual que dominava a cultura clássica grego-romana e que em seus escritos citou 93 autores clássicos, fazendo uso de seu vasto conhecimento. Convertido ao Cristianismo, ele se tornou discípulo do grande Justino Mártir, seus escritos foram altamente consideradas pela igreja da Síria por duzentos anos, e seu Diatessaron foi usado pela igreja siríaca até o quinto século. Nada disso o astronauta católico fala, na tentativa de depreciar Taciano a todo e qualquer custo, distorcendo a verdade em favor de sua causa nefasta.


Taciano cria no estado intermediário?

Não precisamos perder muito tempo argumentando neste ponto porque o próprio astronauta católico, por mais desonesto que tenha demonstrado ser até hoje, pelo menos acerta uma, admitindo que Taciano tinha a mesma crença da “seita árabe” que cria na morte da alma com a morte do corpo. O astronauta diz:


Isso que ele chama de “seita árabe”, nas palavras de Eusébio, “asseverava que a alma humana neste mundo, no momento final provisoriamente morre com o corpo, e com ele se corrompe, mas no futuro, por ocasião da ressurreição, com ele reviverá”[77].

Se Taciano cria igual a essa “seita árabe” (como o astronauta admite), então ele não cria que as almas dos mortos já estão conscientes em algum outro mundo, o que joga por terra a mentira estúpida de que a morte da alma tenha sido uma “invenção de Arnóbio” no século III d.C.

Para que não reste nenhuma sombra de dúvida a este respeito, reiteremos mais uma vez algumas das passagens que mostram claramente que Taciano não cria mesmo em nenhum estado atual consciente dos mortos, e sim na inexistência entre a morte e a ressurreição. Ele diz:

“Com efeito, do mesmo modo como, não existindo antes de nascer, eu ignorava quem eu era e só subsistia na substância da matéria carnal – mas uma vez nascido, eu, que antes não existia, acreditei em meu ser pelo nascimento – assim também eu, que existi e que pela morte deixarei de ser e outra vez desaparecerei da vista de todos, novamente voltarei a ser como não tendo antes existido e portanto nasci. Mesmo que o fogo destrua a minha carne, o universo recebe a matéria evaporada; se me consumo nos rios ou no mar, ou sou despedaçado pelas feras, permaneço depositado nos tesouros de um senhor rico. O pobre ateu desconhece esses depósitos, mas Deus, que é rei, quando quiser, restabelecerá em seu ser primeiro a minha substância, que é visível apenas para ele”[78]

Aqui Taciano deixa mais do que claro a crença dos cristãos primitivos sobre a morte ser um estado de não-existência, ao invés de ser um estado de existência em outro mundo. Da mesma forma como nós não existíamos antes de nascer, nós deixaremos de existir outra vez quando morrermos, mas Deus um dia nos ressuscitará, fazendo com que existamos outra vez. Assim como antes de nascer você estava em um estado de não-existência, você ressuscitará de um estado de não-existência, e então passará novamente a um estado de existência. A existência só existe em dois períodos: nesta vida (em corpo corruptível) e na vida futura pós-ressurreição (em corpo incorruptível). Essa é a visão bíblica sobre a morte (veja aqui) e era também a concepção dos primeiros cristãos, pelo menos até Taciano.

Taciano também descreve como o homem se tornou naturalmente mortal após ter desobedecido a Deus (no Jardim):

“Todavia, como a virtude do Verbo tem em si a presciência do futuro, não por fatalidade do destino, mas por livre determinação dos que escolhem, predisse os acontecimentos futuros, freou a maldade por suas proibições e louvou os que perseveram no bem. Aconteceu, porém, que os homens e os anjos seguiram e proclamaram Deus àquele que, por ser criatura primogênita, superava os demais em inteligência, justamente ele que se havia revelado contra a lei de Deus. Então a virtude do Verbo negou a sua convivência não só ao que se tornara cabeça desse louco orgulho, mas também a quantos o haviam seguido. E o homem, que tinha sido criado à imagem de Deus, apartando-se dele o espírito mais poderoso, tornou-se mortal e aquele que fora primogênito, por sua transgressão e insensatez, foi declarado demônio, e os que imitaram suas fantasias se transformaram no exército dos demônios que, por razão de seu livre-arbítrio, foram entregues à própria perversidade”[79]

“Nós não fomos criados para a morte, mas morremos por nossa própria culpa. A liberdade nos deixou; nós que éramos livres, nos tornamos escravos; fomos vendidos pelo pecado. Deus não fez nada mau; fomos nós que produzimos a maldade; nós que a produzimos, porém somos também capazes de recusá-la”[80]

“Conforme o seu livre-arbítrio, os demônios deram aos homens leis de morte; mas os homens, depois de perderem a imortalidade, com sua morte pela fé, venceram a morte e, por meio da penitência, foi-lhes outorgado o dom de uma nova vocação, conforme a palavra que diz: ‘Pois por um pouco de tempo foram tornados inferiores aos anjos’. De fato, é possível para todo aquele que foi vencido vencer por sua vez, contanto que rejeite a constituição da morte, e qual seja esta é fácil de ver para aqueles que desejama imortalidade”[81]

A visão de Taciano era totalmente bíblica e bastante simples: Deus não nos criou naturalmente mortais, mas nós nos tornamos naturalmente mortais ao desobedecer a Deus e escolher pelo pecado (esta é exatamente a mesma visão de seu contemporâneo Teófilo, como vimos no artigo anterior). A única solução para isso é a ressurreição dos mortos, mediante a qual poderemos viver para sempre depois de termos morrido como consequencia do pecado. Para Taciano, era impossível a alma “se manifestar sem o corpo” (eliminando por completo a possibilidade das almas estarem vivas desincorporadas no Céu neste momento), e na ressurreição a carne não ressuscita “sem a alma”:

“A alma dos homens compõe-se de muitas partes, e não de uma só; ela é composta, de modo que se manifesta por meio do corpo. Com efeito, nem a alma poderia por si mesma jamais se manifestar sem o corpo, e nem a carne ressuscita sem a alma[82]

A lógica de Taciano era certeira: se a alma só pode ser manifesta por meio do corpo, então não existe vida “somente no corpo” ou “somente na alma”. Consequentemente, na morte não há vida em estado incorpóreo (na alma), e na ressurreição não há vida somente para o corpo, mas para o corpo e a alma. Ou os dois estão juntos e há vida, ou os dois não estão juntos e há não-vida (morte). Não existe vida somente como “alma” ou somente como “corpo”. Isso é exatamente o que a Bíblia diz sobre o estado dos mortos, que vocês podem ler clicando aqui.

Para Taciano, a alma não é imortal (neste presente momento), mas precisa ser imortalizada pelo Verbo (Jesus) na ressurreição, no mesmo momento em que o corpo também recebe a imortalidade:

”Mas nem a nós ficam ocultas as coisas do mundo nem a vós será difícil compreender as divinas, contanto que chegue até vós a potência do Verbo que imortaliza a alma[83]

“Vocês afirmam que só a alma receberá a imortalidade; eu, que juntamente com ela também a carne[84]

“Nós, porém, aprendemos dos profetas o que ignorávamos; estes, persuadidos de que o espírito celeste, vestidura de nossa imortalidade, juntamente com a alma, um dia possuirá a imortalidade, predisseram o que as outras almas não sabiam”[85]

Se a alma “um dia possuirá a imortalidade”, é óbvio que ela não possui a imortalidade agora.

A parte mais patética e ao mesmo tempo hilária do texto do astronauta católico é quando ele, depois de já ter concedido que Taciano cria na morte da alma depois da morte do corpo, cita um texto que supostamente “prova” que Taciano cria que  alma era “imortal” e que “se separa do corpo”. Eu vou mostrar mais um print direto do artigo dele, antes que ele edite o artigo para apagar essa pérola. Ele diz:

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O cara é tão ridículo e abestado que nem percebeu que Taciano estava justamente ridicularizando a crença dos gregos, de que a alma era imortal. Ele estava sendo irônico e sarcástico, zombando da crença dos gregos, e o astronauta vai lá e copia o texto sem ler, pensando que Taciano estava sendo literal e contradizendo tudo aquilo que ele já havia escrito em toda a obra!

Vejamos a citação de Taciano dentro de seu devido contexto:

“Os demônios que dominam os homens não são as almas dos mortos. Com efeito, como podem ser capazes de agir depois de mortos? A não ser que creiamos que, enquanto vive, um homem é ignorante e impotente e, depois que morre, recebe daí para a frente um poder mais eficaz. Isso, porém, não é assim, como já demonstramos em outro lugar, nem é fácil compreender como a alma imortal, impedida pelos membros do corpo, se torne mais inteligente quando se separa dele. Não. São os demônios aqueles que, por sua maldade, se enfurecem contra os homens e, com variadas e enganosas representações, desviam os pensamentos dos homens, já por si inclinados para baixo, a fim de torná-los incapazes de empreender a sua marcha de ascensão para os céus”[86]

Veja que Taciano estava refutando a crença de algumas pessoas que pensavam que os demônios eram na verdade “as almas dos mortos”. Taciano refuta essa bobagem dizendo que isso era impossível, uma vez que os mortos não são capazes de “agir”. Se os mortos estão em estado de inexistência, como é que eles podem ser os demônios? Não tem como. Era este o ponto de Taciano. Então ele faz uma concessão hipotética:

“...a não ser que creiamos que, enquanto vive, um homem é ignorante e impotente e, depois que morre, recebe daí para a frente um poder mais eficaz”

Ou seja, para Taciano, se a alma continuava viva após a morte, então o homem deveria receber um “poder mais eficaz” depois que morre, ou seja, que ele estaria em um estado melhor depois de morto do que estava enquanto vivo. É exatamente nisso que os apologistas católicos ridículos como o Rafael Rodrigues creem. Mas Taciano refuta essa mentira logo em seguida, dizendo:

“...isso, porém, não é assim, como já demonstramos em outro lugar”

Esse “em outro lugar” se refere a todas as várias partes de sua obra que já conferimos até aqui, que mostram claramente que Taciano cria na mortalidade da alma. E é aí que ele ridiculariza a crença estúpida daqueles que pensavam o contrário dele, dizendo que essa crença “não é fácil de se compreender”:

“...nem é fácil compreender como a alma imortal, impedida pelos membros do corpo, se torne mais inteligente quando se separa dele. Não

Taciano não estava dizendo que ele próprio crê que existe uma “alma imortal impedida pelos membros do corpo”, mas sim ridicularizando a crença daqueles gregos contra os quais ele escrevia, que criam que a alma era imortal e ficava dentro dos membros do corpo, e se tornava mais inteligente quando se separa dele (o que Taciano já havia refutado). O astronauta católico, de tão bôbo e desonesto que é, não grifou em seu artigo a palavra seguinte à frase que ele colocou em negrito, que é quando Taciano diz um “NÃO”, logo após dizer aquilo que os gregos criam, mostrando que o próprio Taciano não cria que a alma era “imortal”, que ficasse “dentro dos membros” do corpo ou que se tornasse “mais inteligente quando se separa dele”. Desonesto para um cidadão desses é um termo leve!

Essa não foi a única vez em que Taciano zombou e ridicularizou a doutrina da imortalidade da alma. Em outra parte de seu Discurso contra os Gregos, ele faz chacota com a crença daqueles que criam em intercessão dos santos falecidos:

“De fato, como é possível que, não tendo eu sido absolutamente mau enquanto vivi, os meus restos, depois de morto, sem eu fazer nada, os meus restos, que já não se movem nem sentem, realizem alguma coisa sensível? Como aquele que morreu com a mais desastrosa morte poderá ajudar alguém a se vingar? Com efeito, se fosse capaz, muito melhor vingaria a si mesmo contra o seu próprio inimigo, pois aquele que pode ajudar a outros, com muita maior razão poderá fazer justiça a si mesmo”[87]

Infelizmente temos que compreender que o astronauta católico jamais leu coisa alguma de Taciano, ele apenas correu desesperado para copiar e colar textos isolados citados em outros sites católicos e itardianos, sem sequer ler os textos que ele mesmo copia em seu próprio site, de tão deplorável que é. É por isso que ele comete tantas gafes e pérolas em seu texto de nível medíocre.


Taciano cria no tormento eterno?

Agora chegamos ao ponto que o astronauta católico assegura que Taciano cria da mesma forma que ele: no tormento eterno dos ímpios. E isso, na cabeça dele, é a “prova” de que Taciano não deve ser usado pelos mortalistas. O astronauta católico afirma:

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Mas de que raios que o astronauta católico tirou a ideia de que Taciano falou de “sofrer eternamente”? Deve ser do mesmo lugar em que o Paulo Porcão costuma formular seus “argumentos”: do focinho. Taciano não emprega a linguagem de “sofrer eternamente” em absolutamente lugar nenhum da sua obra. Tudo o que Taciano fala é sobre os ímpios terem “morte na imortalidade”, o que em si mesmo parece ser autocontraditório e não ter muito sentido, mas faz todo o sentido se entendermos que Taciano estava familiarizado com o platonismo, onde a alma ser “eterna” implicava não apenas em não ter fim, mas também em não ter início.

Por isso, ao invés de ele usar o termo “morte eterna” (que é o termo usado na Bíblia), ele preferia usar o termo “morte na imortalidade”, pois “imortal” não é aquilo que “não tem começo nem fim”, mas somente aquilo que “não tem fim” (sem necessariamente não ter tido um começo), ou seja, uma “morte sem fim”. Essa era uma forma mais adequada para falar aos gregos (para os quais ele dirigia seu Discurso), mas significa essencialmente a mesma coisa do termo bíblico “morte eterna”. A “morte na imortalidade” (=morte sem fim) é um estado perpétuo e permanente de morte, o que significa que o indivíduo que morreu nunca mais voltará à existência.

Isso era importante para diferenciar a crença dele em relação à crença dos estóicos e de outros gregos que acreditavam que na conflagração universal o indivíduo era aniquilado, mas que depois de um tempo ele voltava à existência e recomeçava tudo de novo outra vez. Para Taciano, a morte não era uma morte passageira, mas uma “morte na imortalidade”, ou seja, uma morte “imortalizada”, sem fim, sem volta, sem recomeços, sem novas chances. É o mesmo que a Bíblia chama de “morte eterna”, mas em uma linguagem mais adequada e apropriada para falar aos gregos, que entendiam o “eterno” como sendo aquilo que necessariamente não tem começo, o que poderia sugerir a eterna pré-existência das almas, que era um ponto que Taciano definitivamente não defendia.

A citação completa de Taciano em seu contexto é essa:

“Gregos, a nossa alma não é imortal por si mesma, mas mortal; ela, porém, é também capaz de não morrer. Com efeito, ela morre e se dissolve com o corpo se não conhece a verdade; ressuscita, porém, novamente com o corpo na consumação do tempo, para receber, como castigo, a morte na imortalidade. Por outro lado, não morre, por mais que se dissolva com o corpo, se adquiriu conhecimento de Deus. Porque, de si, a alma é treva e nada de luminoso há nela, e é isso o que sem dúvida significam as palavras: ‘As trevas não apreenderam a luz’. Não é a alma que salva o espírito, mas é salva por ele, e a luz apreendeu as trevas, no sentido que o Verbo é a luz de Deus e a alma ignorante é treva. Por isso, quando vive só, inclina-se para a matéria, morrendo juntamente com a carne[88]

Primeiro ele diz que a alma não é imortal por natureza, e sim mortal. Depois, para que ele não fosse associado a um epicurista (que cria que as almas de todos morrem para sempre e não há recompensa e nem vida eterna para ninguém), ele faz o adendo de que “ela também é capaz de não morrer”, ou seja, que ela não será aniquilada como as almas dos ímpios serão, pois somente os ímpios irão para a morte eterna. Então, as almas dos ímpios se dissolvem com o corpo na morte e depois ressuscitam para a morte eterna (“morte na imortalidade”), enquanto as almas dos justos também se dissolvem com o corpo após a morte, mas não morrem, ou seja, não passarão pela morte eterna que as almas dos ímpios passarão.

O final do parágrafo é ainda mais esclarecedor, pois diz que as almas dos ímpios morrerão juntamente com a carne, o que mostra de forma indiscutível que esta “morte” que Taciano se referia ao falar do destino final dos ímpios não tinha nada a ver com “sofrer eternamente” (como o astronauta católico assevera), mas sim no mesmo tipo de morte que a carne sofre, ou seja, uma morte física, real, passando do estado de existência para o de inexistência.

Vamos agora para a outra citação de Taciano, onde ele diz:

“Também vós sois assim, gregos, elegantes no falar mas loucos no pensar, pois chegastes a preferir a soberania de muitos deuses em vez da monarquia de um só Deus, como se acreditásseis estar seguindo demônios poderosos. Com efeito, assim como os salteadores, por sua desumanidade, costumam audaciosamente dominar os seus seme­lhantes, também os demônios, depois de fazer as vossas almas abandonadas se desviarem no lodaçal da maldade, as enganaram por meio de ignorâncias e fantasias. É fato que eles não morrem facilmente, pois não têm carne; mas, vivendo, praticam ações de morte, e também eles morrem tantas vezes quantas ensinam a pecar aqueles que os seguem. Portanto, a vantagem que agora têm sobre os homens, isto é, não morrer de modo semelhante a eles, esse mesmo fato lhes será mais amargo quando chegar a hora do castigo, pois não terão parte na vida eterna participando dela, em lugar da morte na imortalidade. E como nós, para quem morrer é agora um acidente tão fácil, receberemos depois a imortalidade junto com o gozo, ou a pena junto com a imortalidade, também os demônios que abusam da vida presente para pecar a todo momento, e que durante a vida estão morrendo, terão depois a mesma imortalidade que os homens que deliberadamente realizaram tudo o que eles lhes impuseram como lei durante o tempo em que viveram. Não digamos nada sobre o fato de que, entre os homens que os seguem, aconteceu menos espécies de pecados por não viverem longo tempo, enquanto nos citados demônios o pecado se prolonga muito mais, em razão do tempo indefinido da sua vida[89]

Já expliquei há pouco o significado do termo “morte na imortalidade” (que Taciano aqui usa para o destino final dos demônios e diz em seguida que será o mesmo destino final dos homens iníquos). Ela não significa uma existência eterna e contínua de vida em algum lugar, mas sim uma morte real que não terá fim (em contraste com os gregos que pensavam que os ímpios serão aniquilados somente por algum tempo, e depois voltariam à existência no futuro). Taciano não diz que os demônios “não morrem”, mas sim que eles “não morrem facilmente”, nos levando a crer que eles um dia morrerão, embora com dificuldade (ou seja, que demorarão mais tempo para morrer do que os homens).

Aqui o termo “morte” não está em sentido espiritual ou figurado, porque o demônio já está neste estado de morte, como o próprio Taciano acentua na sequencia. “Não morrer facilmente por não ter carne” se refere obviamente à morte final (aniquilacionismo), não a uma mera morte espiritual. Mais uma vez, é a parte final do capítulo que lança mais luz ao que ele havia acabado de dizer. Taciano explica o porquê que os demônios demoram mais para morrer (“não morrem facilmente”) do que os humanos que também são ímpios. Ele diz que é porque os pecados dos homens são menores, uma vez que “não vivem longo tempo”, enquanto os pecados dos demônios “se prolongam muito mais”, em função do “tempo indefinido” de sua vida.

Note que Taciano não diz que os demônios são seres “imortais” ou que vivem “infinitamente”, mas sim que vivem um tempo indefinido, o que é bem diferente. O tempo é “indefinido” porque ninguém sabe exatamente em qual momento que o diabo foi criado, mas não é “infinito”, porque um dia ele será morto assim como os homens que o seguiram. O texto presume que Taciano cria na mesma coisa que os aniquilacionistas creem hoje: que os demônios serão castigados por um tempo muito maior do que os homens que foram enganados por ele (em função de terem cometido mais pecados), e que no final tanto um como o outro irão para a “morte eterna”, um estado de morte que não tem volta.

Essa era a principal diferença entre Taciano e os gregos na questão do aniquilacionismo: enquanto os gregos estóicos criam que as almas eram aniquiladas muitas vezes ao longo de várias conflagrações universais e recriações, Taciano e os demais cristãos criam em apenas uma única conflagração universal, e, consequentemente, em um único aniquilacionismo, o que impede que os ímpios voltem à existência em algum momento depois de já terem sido aniquilados. É por isso que Taciano afirma:

“Há quem diz que o Deus perfeito é corpo; eu, que é incorpóreo; que o mundo é indestrutível; eu, que é destrutível; que a conflagração universal acontece periodicamente; eu, que de uma só vez[90]

Por fim, Taciano deixa mais do que claro que somente participando da porção de Deus seremos imortais, o que lança por terra qualquer possibilidade de que os ímpios também herdem a imortalidade no futuro:

“O Verbo celeste, espírito que vem do Espírito e Verbo da potência racional, à imitação do Pai que o gerou, fez o homem imagem da imortalidade, a fim de que, como em Deus existe a imortalidade, assim o homem, participando da porção de Deus, possua o ser imortal[91]

Em síntese, Taciano não cria nem em estado intermediário, e nem em tormento eterno. Ele cria na dissolução e morte da alma de justos e ímpios com a morte do corpo, e em ressurreição para ambos, na qual os justos desfrutarão de vida eterna, e os ímpios serão castigados proporcionalmente aos seus pecados, sendo por fim lançados à “morte na imortalidade”, um estado perpétuo e sem volta de morte, que distinguia o aniquilacionismo cristão do aniquilacionismo grego. Temos aqui um mestre cristão – doutrinado pelo maior professor cristão da época – desafiando os gregos de seu tempo e destruindo o principal fundamento deles: a lenda da imortalidade da alma.


Pais imortalistas


Esta parte final não será mais um de refutação, pois não há mais nada a ser refutado. Eu refutei nestes dias todas as deturpações dele em cima dos Pais que foram citados por mim na defesa da mortalidade da alma (ou imortalidade condicional) em meu artigo, e não tenho nenhuma razão para refutar algo a mais que eu não tenha argumentado em meu artigo. O cidadão encheu o artigo dele com um monte de citação dos Pais da Igreja de data posterior, ou seja, daqueles mesmos que eu próprio havia dito em meu artigo que introduziram a crença em uma alma imortal na Igreja da época. Portanto, esta outra parte do artigo dele apenas confirma aquilo que eu havia escrito no meu artigo. Obrigado, Rafael!

Por mais que não haja mais qualquer necessidade de uma nova refutação, tendo em vista que esses outros escritores cristãos são aqueles que eu mesmo já havia dito que introduziram a crença na imortalidade da alma na Igreja, penso que será proveitoso tecer alguns comentários sobre cada um deles, em parte porque alguns deles eram condicionalistas (criam no estado intermediário, mas não no tormento eterno), em parte porque alguns deles eram universalistas (criam em salvação universal no fim dos tempos), e em parte porque alguns deles eram descaradamente filósofos platônicos que tentaram sincretizar imortalidade da alma com ressurreição dos mortos. Tecerei então alguns breves comentários sobre eles.


Atenágoras

Atenágoras (133-190) é reconhecidamente o primeiro imortalista na história da Igreja, e um dos responsáveis pela introdução da crença numa alma imortal nos moldes atuais (embora ele não estivesse sozinho). Sua primeira obra escrita é datada de 177 d.C, o que mostra quão tardiamente que a imortalidade da alma começou a ser pregada por um cristão, quase 150 anos depois da morte de Jesus!

Há muitas coisas que precisam ser ditas sobre Atenágoras. Primeiro, ele não era nem de longe um autor proeminente na Igreja da época, como os imortalistas tentam pintá-lo, para usá-lo como “autoridade”. Le Roy Edwin Froom afirmou que “seus argumentos não carregavam muito peso em seus próprios dias, e seu nome não foi bem conhecido em sua própria geração”[92]. Ele nem sequer é citado em parte alguma da “História Eclesiástica” de Eusébio de Cesareia (265-339), o maior historiador antigo da igreja primitiva, que escreveu nada a menos que dez livros onde reúne tudo o que aconteceu de importante na história da igreja do século I até sua época, no século IV. É como se Atenágoras nem existisse!

Atenágoras não era bispo de igreja nenhuma, não era presbítero, nem diácono era. Não era professor, não era teólogo, não era mestre, não era doutor. Tudo o que se sabe sobre ele é que era um filósofo platônico convertido ao Cristianismo, para o qual depois escreve uma Apologia em defesa dos cristãos. Não se sabe o quão profundamente ele conhecia (ou não) a nova fé, nem se ele se submetia plenamente à doutrina da Igreja, o que não parece ser o caso.

Diferentemente de Justino e Taciano, Atenágoras não foi um filósofo convertido que abandonou os conceitos antigos da filosofia grega, mas sim um filósofo convertido que trouxe consigo os conceitos da filosofia grega. Isso é o que diferencia Atenágoras de Justino e Taciano. Atenágoras tinha boa fé, mas ele nunca deixou a filosofia platônica por completo. Assim como o judeu alexandrino Fílon (20 a.C – 50 d.C) buscou unir o judaísmo com o platonismo, Atenágoras tentou unir o platonismo com o Cristianismo. O resultado foi uma mistura de imortalidade da alma com ressurreição dos mortos, que passou a ser a filosofia adotada majoritariamente mais tarde. Todos os historiadores que se prezem reconhecem que Atenágoras continuou sendo influenciado por Platão mesmo depois de sua adesão ao Cristianismo, a coisa é tão óbvia que até a página da Wikipedia diz:

 (Clique na imagem para ampliar)

Em segundo lugar, como é bastante importante observar, Atenágoras sustentava a imortalidade da alma não com argumentos doutrinários, teológicos ou bíblicos, mas com argumentos puramente filosóficos, trazidos da filosofia grega. O respeitado teólogo anglicano Henry Constable ressaltou que “Atenágoras nunca citou um texto da Escritura para fundamentar sua opinião”[93]. Isso explica muita coisa!

Em terceiro lugar, usar Atenágoras como prova de imortalidade da alma na igreja primitiva é um grande tiro no pé, pois só mostra o enorme e gigantesco contraste que havia entre ele e todos os demais escritores cristãos anteriores. Em uma única obra de Atenágoras, ele cita o termo “alma imortal” nada a menos que nove vezes(!), em contraste com zero vezes em que o termo aparece em Clemente; zero vezes em que o termo aparece em Inácio; zero vezes em que o termo aparece em Policarpo; zero vezes em que o termo aparece em Hermas; zero vezes em que o termo aparece em Justino; zero vezes em que o termo aparece na epístola de Barnabé; zero vezes em que o termo aparece em Papias; zero vezes em que o termo aparece na Didaquê; zero vezes em que o termo aparece em Aristides; zero vezes em que o termo aparece em Teófilo; zero vezes em que o termo aparece em Melito; zero vezes em que o termo aparece em Polícrates; e zero vezes em que o termo aparece em Taciano.

Os astronautas católicos devem achar que nós somos imbecis ou extremamente estúpidos e ingênuos para acreditarmos que Atenágoras não era um inovador, mas apenas alguém que pregava exatamente a mesma doutrina de imortalidade da alma que supostamente todos os demais cristãos da época ensinavam! O contraste é tão imenso e absurdo que só um insano seria capaz de concluir que Atenágoras não era mais imortalista do que todos os outros, ou que tivesse a mesma crença dos demais. O quadro abaixo resume isso:

Escritor cristão
Citações do termo “alma imortal”
Clemente de Roma (35-97)
Zero (0)
Policarpo de Esmirna (69-155)
Zero (0)
Inácio de Antioquia (35-107)
Zero (0)
Papias de Hierápolis (70-155)
Zero (0)
Didaquê (60-90)
Zero (0)
Hermas (70-155)
Zero (0)
Aristides de Atenas (75-134)
Zero (0)
Barnabé de Alexandria (80-150)
Zero (0)
Justino Mártir (100-155)
Zero (0)
Teófilo de Antioquia (120-186)
Zero (0)
Taciano, o Sírio (120-180)
Zero (0)
Melito de Sardes (120-180)
Zero (0)
Polícrates de Éfeso (125-196)
Zero (0)
Atenágoras (133-190)
Nove (9)
*Nota: Algumas destas datas são estimadas, e outras são aproximadas.

A coisa piora mais ainda quando vemos que o termo “alma imortal” só aparece duas vezes em outros autores, e em contextos onde eles estão claramente refutando a “alma imortal”, ao invés de afirmando-a! Uma é com Justino em seu Diálogo, quando ele conta a crença que ele tinha enquanto ainda era platônico, sendo que logo depois ele abre mão dessa crença e a refuta quando vê que o velho cristão tinha razão (clique aquipara ver), e a outra é quando Taciano zomba da crença dos gregos, que criam numa “alma imortal que está presa dentro dos membros do corpo” (clique aquipara ver).

Então temos treze autores e dezenas de livros, onde a “alma imortal” só aparece duas vezes e em contextos onde o autor está refutando a “alma imortal”, e ao chegarmos a Atenágoras temos de uma só vez nada a menos que nove citações em favor de uma “alma imortal”! Qualquer criatura que não seja tão ingênua e desprovida de inteligência e senso crítico logo concluirá que Atenágoras jamais esteve reafirmando qualquer doutrina cristã, mas introduzindo uma que era totalmente estranha à Igreja primitiva.

Em terceiro lugar, e para concluir sobre Atenágoras, o golpe de morte nos imortalistas que citam Atenágoras em seu favor é o fato de que, para Atenágoras, perecer era o mesmo que aniquilar! De fato, Atenágoras disse:

“Porque Deus não nos criou como rebanhos ou bestas de carga, de passagem, só para perecermose sermos aniquilados[94]

Note que Atenágoras equivale “perecer” a ser “aniquilado”. Em outra passagem, ele critica aqueles que “julgam que com o corpo perece também a alma e esta como que se apaga”[95]. Em outras palavras, Atenágoras reconhecia que “perecer” era um termo que denotava aniquilamento. Isso cria enormes problemas para os imortalistas, pois esta mesmíssima palavra (“perecer”) é usada em toda a Bíblia como referência à sorte final dos ímpios, e também foi usada por todos aqueles Pais da Igreja que já vimos anteriormente. Logo, aqueles que se apoiam na visão de Atenágoras estão automaticamente se colocando contra a posição bíblica e contra a posição de todos os Pais da Igreja supracitados, e desta forma o contraste entre a teologia de Atenágoras e dos demais Pais da época torna-se ainda mais evidente (como se já não fosse óbvio).


Mathetes

Outro escritor eclesiástico do final do segundo século citado pelo astronauta católico em favor da imortalidade da alma é o autor da Carta a Diogneto, conhecido apenas como “Mathetes” (“discípulo”), que sequer é nome próprio. Mais uma vez, estamos lidando aqui com um escritor desconhecido, que era tão pouco considerado na Igreja que sequer sabemos seu nome, o qual também não exercia aparentemente nenhum cargo eclesiástico, pois também não aparece na lista de bispos de igreja nenhuma.

Eusébio também não o cita nenhuma vez em sua “História Eclesiástica”, o que mais uma vez demonstra que este autor tinha bem pouca importância na igreja primitiva. Embora o astronauta católico o tenha colocado descaradamente na lista de “Pais Apostólicos”, os estudiosos afirmam que todas as evidências apontam que a obra não foi escrita senão no final do século II, ou seja, depois do próprio Atenágoras. O que se sabe é que o “Diogneto” (destinatário da carta) foi procurador de Alexandria na virada do século II para o III, o que indica que a carta foi provavelmente escrita em fins do século II ou início do século III.

De qualquer forma, o que podemos ter certeza é que Mathetes não foi um “Pai Apostólico”, não chegou a ouvir a doutrina de um apóstolo e nem foi discipulado por um sucessor de um apóstolo, mas é um autor relativamente tardio do qual não sabemos praticamente nada, e pode ter sido mais um daqueles recém-convertidos do platonismo, que tentavam juntar ambas as doutrinas. Pelo menos, sabemos que tanto seu autor quanto seu destinatário eram gregos, o que não é de se surpreender. A “alma imortal” em um autor tão obscuro assim, do qual quase nada se sabe e de quem também não era famoso nem proeminente na Igreja, não é muita surpresa.

Em sua obra há uma citação bastante dualista, que parece ter sido tirada direto de um livro de Platão, e que em absolutamente nada condiz com a Bíblia ou com os autores cristãos primitivos:

“Em poucas palavras, assim como a alma está no corpo, assim os cristãos estão no mundo. A alma está espalhada por todas as partes do corpo, e os cristãos estão em todas as cidades do mundo. A alma habita no corpo, mas não procede do corpo; os cristãos habitam no mundo, mas não são do mundo. A alma invisível está contida num corpo visível; os cristãos são vistos no mundo, mas sua religião é invisível. A carne odeia e combate a alma, embora não tenha recebido nenhuma ofensa dela, porque esta a impede de gozar dos prazeres; embora não tenha recebido injustiça dos cristãos, o mundo os odeia, porque estes se opõem aos prazeres. A alma ama a carne e os membros que a odeiam; também os cristãos amam aqueles que os odeiam. A alma está contida no corpo, mas é ela que sustenta o corpo; também os cristãos estão no mundo como numa prisão, mas são eles que sustentam o mundo. A alma imortal habita numa tenda mortal; também os cristãos habitam como estrangeiros em moradas que se corrompem, esperando a incorruptibilidade nos céus. Maltratada em comidas e bebidas, a alma torna-se melhor; também os cristãos, maltratados, a cada dia mais se multiplicam”[96]

A quantidade de platonismo presente neste único capítulo supera a de todos os outros cristãos primitivos juntos, até mesmo incluindo Atenágoras! O tanto de asneiras tiradas da filosofia grega é realmente chocante, assustador. Além de dizer que a alma é um elemento invisível que está “espalhada por todas as partes do corpo”(?), ainda há um flagrante absurdo do dualismo platônico entre o corpo e a alma, onde o corpo é “mau”, e a alma é “boa”. Para Mathetes, “a carne combate a alma” e “a odeia”. Este dualismo ridículo jamais foi aceito na Bíblia, onde o contraste nunca era entre corpo e alma, mas sim entre carne e espírito (ou seja, entre nossos desejos naturais e nossos desejos espirituais), e em nada tinha a ver com a filosofia pagã de Platão, na qual Mathetes estava mergulhado.

Mas a coisa piora ainda mais quando Mathetes chama explicitamente o corpo de prisão(!)da alma, conceito este tão flagrantemente pagão, platônico e antibíblico que nem os próprios imortalistas nos dias de hoje admitem isso! O corpo biblicamente não é nenhuma “prisão”, mas o santuário do Espírito Santo (1Co.6:19). E para acabar com tudo de uma vez, o indivíduo diz que a alma se torna melhor quando é maltratada em comidas e bebidas(!), que é mais um conceito pagão, comprado dos filósofos antigos que pensavam que podemos “zoar” com o corpo o quanto quisermos (inclusive se envolvendo em bebedeiras e tudo mais que faz mal ao corpo), que a única coisa que importa é a “preservação da alma”. Paulo deu um hadouken nesse lixo de filosofia quando disse que os cristãos devem preservar incorruptível corpo, alma e espírito (1Ts.5:23), e não apenas a alma e o espírito. O corpo, para Paulo, tinha a mesma importância da alma – algo muito diferente do dualismo absurdo presente na Carta a Diogneto.

A única coisa que podemos concluir é que Mathetes estava muito longe de ser um legítimo “cristão ortodoxo”. Ele era descaradamente um filósofo platônico tentando introduzir no Cristianismo todo o dualismo grego sobre corpo e alma que foi severamente rejeitado até então. Seu platonismo era tão evidente e manifesto que nem os imortalistas atuais creem em todas as coisas que ele afirmava sobre a alma. Embora pudesse ser um cristão sincero, era claramente mais um amante da filosofia de Platão, buscando convergir a “filosofia cristã” com a filosofia grega, em uma coisa só.

Ironicamente, em Mathetes encontramos também um verso que parece contradizer a doutrina do tormento eterno, que é quando ele diz que o tormento dos ímpios terá um “fim”:

“Condenarás o engano e o erro do mundo, quando realmente conheceres a vida no céu, quando desprezares esta vida que aqui parece morte e temeres a morte verdadeira, reservada àqueles que estão condenados ao fogo eterno, que atormentará até o fim aqueles que lhe forem entregues”[97]

Ele não diz que o fogo do inferno atormentará os pecadores “para sempre”, mas sim “até o fim”. Se tem um fim, presume-se que não é infinito. Eu não me surpreenderia em nada se Mathetes fosse um imortalista típico (como os imortalistas atuais, só que mais “platônico” ainda), mas mesmo assim parece que, conquanto fosse fortemente dualista (o que é absolutamente incontestável), ele não cria na imortalidade inerente ou incondicional da alma (senão ele creria no tormento eterno também). Isso mostra que até mesmo nos primeiros introdutores da heresia da imortalidade da alma não havia um consenso como há nos dias de hoje. Defender o dualismo e o estado intermediário não implicava em crer no “tormento eterno”, como ainda hoje há muitas pessoas que creem na sobrevivência da alma mas não no inferno eterno. O desvio foi gradual, mas certamente Mathetes foi responsável por parte disso.


Tertuliano

Chegamos agora ao maior propulsor responsável pela divulgação da “alma imortal” na igreja primitiva: Tertuliano de Cartago (160-220). Diferentemente dos outros dois mencionados, que não eram conhecidos e que tinham os pés alicerçados na filosofia platônica, Tertuliano era muito famoso e não era um filósofo platônico, embora também não tenha nascido no Cristianismo. Na verdade, ele até chegava a se chocar com Platão em algumas ideias, como Le Roy Edwin Froom sublinha:

“Em sua obra De Anima, Tertuliano faz especulações sobre a origem, natureza e destino da alma humana. Ele mantém certa corporeidade da alma, sem apelar para, e em conflito com, a Escritura Sagrada, e às vezes chocando-se com Platão”[98]

Mas se Tertuliano não era um filósofo platônico que buscava unir o Cristianismo com a filosofia grega, então de que forma que ele chegou à imortalidade da alma em finais do século II e início do século III d.C?

Muitos estudiosos entendem que a resposta a esta questão está justamente no autoritarismo, rigor extremo e ultraconservadorismo de Tertuliano. Seu rigor ascético é muito conhecido, e ele foi disparado o mais autoritário de sua época. Marcos Granconato escreveu que “Tertuliano tinha uma natureza inclinada para a disciplina e o rigor ascético. Sendo casado, tratava sua esposa e as demais mulheres com severidade e rigor, o que evidencia sua preocupação com a continência. Foi esse impulso na direção de um rigorismo exacerbado que o levou, em 207, a romper com a igreja e abraçar a heresia de Montano”[99].

Em um vídeo-aula sobre patrística, Granconato observa:

“Tertuliano era muito rigoroso, extremamente rigoroso com tudo. Tertuliano dizia até qual deveria ser o tamanho do véu que a mulher deveria usar, e qual era a posição que ela deveria colocar o véu em cima da cabeça, e como deveria ficar o véu na frente, e como deveria ficar o véu atrás. Ele era muito rigoroso. Obrigava as mulheres a passar o ‘batom do silêncio’ na boca. As mulheres não iriam gostar de Tertuliano. Ele era tão rigoroso que saiu da Igreja, porque achava que a Igreja era muito light. Então foi para o montanismo, ficou ali durante algum tempo, mas então viu que o montanismo era muito light também. Então ele montou sua própria igreja, os chamados ‘tertulianistas’”[100]

Será que esse espírito autoritário e rigoroso de Tertuliano tem algo a ver com sua invenção e adoção de um “tormento eterno”? Tudo indica que sim. Le Roy Edwin Froom comenta:

“Uma tempestade de perseguição violenta abateu a Igreja em meados do século II, e a intolerância religiosa irrompeu em chamas, com penas de prisão, tortura e morte. A igreja da África também participou desde batismo de sangue. Os cristãos eram lançados às feras e queimados como tochas humanas, e as igrejas eram privadas de seus lugares de adoração. Esta perseguição severa, no reinado de Septímio Severo, foi mais ativa no auge da carreira de Tertuliano (...) Os princípios do evangelho, é claro, proibiam a vingança aqui na terra por parte dos cristãos. Mas o espírito veemente de Tertuliano o levou a considerar a retribuição do inferno para eles, como infinito e absoluto no mundo vindouro. O inferno seria um campo de carnificina horrorosa, um ‘perpétuo abate’. Então, o feroz e vingativo espírito de Tertuliano encontrou consolo nas agonias eternas do perdido”[101]

Froom comenta ainda:

“Tertuliano declarou abertamente ter prazer na tortura dos ímpios. Para lidar com a punição futura, ele introduziu uma linguagem totalmente estranha à Escritura, a fim de se adaptar à sua nova doutrina. E para sustentá-la, ele confessadamente alterou o sentido da Escritura e o significado das palavras, de modo a interpretar ‘morte’ como miséria eterna, e ‘destruição’ e ‘consumir’ como ‘dor’ e ‘angústia’”[102]

Tertuliano achava que a doutrina do aniquilamento dos ímpios era “light” demais, e assim como fazia com a questão do véu e do “batom do silêncio”, preferiu criar suas próprias doutrinas rigorosas e autoritárias, levando para os extremos. E não há nada mais extremo e horripilante do que a doutrina de um tormento eterno e consciente em um lago de fogo literal. É claro que para fazer isso Tertuliano precisou reinterpretar e distorcer muita coisa da Bíblia. Sem ter conhecimento do hebraico, ele deturpou terrivelmente o texto de Gênesis 2:7, tentando fazer com que a expressão “o homem tornou-se uma alma vivente” denotasse “imortalidade natural” – uma alegação que qualquer mortalista de cinco anos consegue refutar.

Froom observa isso nas seguintes palavras:

“Tertuliano criou uma terminologia em total desacordo com as Escrituras. Ainda mais grave, em sua argumentação bíblica ele alterou o sentido das declarações explícitas da Escritura relativas à condenação dos perdidos, e às vezes revertia o significado. Isso abriu caminho para os estudiosos ao longo dos séculos acusarem Tertuliano de manipular a Escritura para sustentar sua teoria da imortalidade universal de todas as almas e o tormento sem fim dos eternamente condenados. Como consequencia, ele muitas vezes foi acusado de ter deliberadamente pervertido a intenção clara da Escritura relativa à vida, morte e destino, a fim de justificar sua noção filosófica”[103]

Tertuliano também violentou as Escrituras inventando analogias diametralmente opostas às da Bíblia. Henry Constable declarou:

“Tertuliano disse que os ímpios serão como montanhas que se queimam, mas não são consumidas; como um corpo atingido por um raio, cuja estrutura está ilesa e não é reduzida às cinzas”[104]

O problema com essas analogias imortalistas criadas pela mente fértil de Tertuliano é que nenhuma delas é bíblica, e que as analogias bíblicas de fato são justamente aquelas que refutam o tormento eterno! Pedro, por exemplo, diz categoricamente que os ímpios serão reduzidos às cinzas (2Pe.2:6), e a Bíblia está repleta de citações que dizem claramente que eles serão consumidos (Ap.20:9; Sl.21:9; Is.5:24; 47:14; Sf.1:18). Portanto, a ideia de um fogo que não consome e nem reduz às cinzas é uma criação de Tertuliano em oposição à Bíblia, e não uma ideia extraída das Escrituras. Como os exemplos bíblicos são notavelmente aniquilacionistas, Tertuliano precisou exportar exemplos de fora da Bíblia em contraposição às analogias bíblicas. Eis aí o surgimento da doutrina do “tormento eterno”.

A prova mais clara de que a doutrina da imortalidade da alma foi uma criação de Tertuliano em vez de uma reafirmação de alguma doutrina ortodoxa genuinamente cristã é o fato de que ele adotava o traducianismo materialista, que ensina que as almas são transfundidas aos filhos pelos genitores mediante a semente material. Ele declarou:

“De que modo pois foi concebido o ser vivo? Tendo-se formado simultaneamente a substância tanto do corpo como da alma ou formando-se primeiro uma destas duas? Nós afirmamos que ambas estas substâncias são concebidas, feitas e acabadas no mesmo momento, como no mesmo momento são também feitas nascer, e dizemos também que não há algum momento no ato da concepção em que venha estabelecida uma ordem de precedência (...) A alma inseminada no útero junto com a carne recebe junto com ela também o sexo”[105]

Tertuliano foi o primeiro a propor a ideia de traducianismo materialista para a origem da alma e ele não foi seguido de perto nem pelos Pais da Igreja de data posterior. Agostinho cria no traducianismo espiritualista, que se diferenciava do materialista de Tertuliano no sentido de que, para ele, a alma do filho era derivada da alma do pai. Ele disse que “como um facho acende um outro sem que a chama comunicante nada perca da sua luz, assim a alma se transmite do pai para o filho”[106]. Isso mostra que a Igreja não tinha nenhuma doutrina sobre “origem da alma” (sob o prisma imortalista), e por essa razão Tertuliano teve que inventar uma. Se a Igreja da época já ensinasse a imortalidade da alma, Tertuliano teria apenas reafirmado essa crença comum, ao invés de ter que inventar algo tão absurdo que nem os católicos e nem os protestantes imortalistas a aceitam nos dias de hoje.

Tertuliano era tão notoriamente confuso e contraditório sobre a questão da alma que até Voltaire destacou:

“Que importa que Tertuliano, contradizendo-se, decidisse que a alma é corporal, figurada e simples ao mesmo tempo? Teremos mil testemunhos de nossa ignorância, porém nem um só oferece vislumbre da verdade”[107]

Claramente Tertuliano não estava de modo algum reafirmando alguma doutrina que tivesse sido transmitida a ele por professores cristãos em conformidade com o ensino dos apóstolos, mas sim inventando uma doutrina tirada da própria cabeça, para satisfazer sua personalidade autoritária e rigorosa ao extremo. Ironicamente, os mesmos imortalistas que seguem Tertuliano na questão da imortalidade da alma e tormento eterno e pensam que ele estava afirmando uma doutrina “apostólica” são também os mesmos que rejeitam a tese do traducianismo, demonstrando por si mesmos que Tertuliano não era nada confiável nesta questão. Se ele estivesse apenas ensinando uma “doutrina apostólica”, ele jamais teria ensinado o traducianismo. E se ele inventou o traducianismo tirado apenas e tão somente da sua própria cabeça, por que o mesmo não se aplica à própria imortalidade da alma, igualmente ensinada por ele?


Irineu de Lyon

Irineu (130-202) é outro Pai da Igreja referido pelos imortalistas que tentam ganhá-lo para o seu lado do ringue na batalha. De certo, há citações onde ele parece claramente favorecer a visão de um estado intermediário, razão pela qual eu não citei Irineu na lista de “Pais mortalistas” em meu artigo de 2012. No entanto, duas coisas importantes devem ser observadas aqui. Primeiro, que dos cinco livros de Irineu contra as heresias, apenas o Livro I foi preservado no original grego. Os outros quatro livros se perderam, e sobrevivem hoje apenas em cópias em latim escritas muitos séculos mais tarde, numa época em que a Igreja já adotava a imortalidade da alma. Le Roy Edwin aborda isso em sua obra:

“Dos seus cinco livros contra as heresias, infelizmente, possuímos apenas o primeiro no original grego. Possuímos os outros quatro através de uma tradução rude para o latim, feita quando a Igreja já tinha adotado a teoria agostiniana”[108]

Henry Constable também diz:

“Lamentavelmente, apenas o primeiro livro foi preservado no original grego. O resto está na tradição latina que só foi feita quando a igreja como um todo já tinha aceitado a teoria agostiniana, e por um tradutor que a defendia”[109]

Levando em consideração a possibilidade de que esses livros tenham sido sutilmente corrompidos intencionalmente por um copista imortalista, temos apenas o primeiro livro como fonte 100% segura dos ensinamentos de Irineu, sem nenhuma possibilidade da mais leve alteração. Coincidência ou não, nenhum dos textos citados pelo astronauta católico nos escritos de Irineu remete ao Livro I (exceto um único texto que fala de “fogo eterno”, o que já foi explicado milhares de vezes, em especial na parte sobre Inácio). Das citações que provam direta ou indiretamente que Irineu cria em um estado intermediário, todas elas provêm da cópia em latim escrita séculos mais tarde por um copista imortalista. Isso não significa necessariamente que o copista tenha falsificado, significa somente que não podemos ter 100% de segurança de que não tenha sido.

Em segundo lugar, mesmo nos livros em latim, a teologia aniquilacionista de Irineu ainda era bastante evidente, muito mais que a sua crença em um estado intermediário. Na maioria das vezes, o aniquilacionismo de Irineu ficava evidente pelas entrelinhas, em textos que mesmo um copista mal intencionado poderia deixar passar, especialmente se não tivesse muita capacidade de seguir um raciocínio lógico-filosófico. As evidências de que Irineu cria em imortalidade no futuro somente para os justos são extremamente numerosas e eliminam por completo qualquer chance de que ele cresse que os ímpios também ressuscitarão em corpos incorruptíveis e imortais para sofrerem eternamente. Por exemplo, ele disse:

“E, novamente, Ele fala assim a respeito da salvação do homem: ‘Ele lhe deu longura de dias para sempre e sempre’, indicando que é o Pai de todos os que confere continuidade para todo o sempre sobre aqueles que são salvos. Pois a vida não surge de nós, nem de nossa própria natureza, mas é concedida de acordo com a graça de Deus. E, portanto, aquele que deve preservar a vida a deu, e damos graças a Ele por tê-la dado, e esses devem receber também longura de dias para sempre e sempre. Mas aquele que a rejeitar, e provar por si mesmo que é ingrato para com seu Criador na medida em que foi criado, e não O reconhecer como aquele que concedeu o dom da vida, este priva-se da continuidade para todo o sempre. E, por essa razão, o Senhor decretou a quem se mostrar ingrato para com Ele: se você não for fiel no que é pouco, ele vai lhe dar aquilo que é grande? Isso indica que aqueles que se mostraram ingratos para com Ele nesta breve vida temporal não irão receber o comprimento de dias para sempre e sempre[110]

Como Constable corretamente assinala, “Irineu define explicitamente a vida eterna como sendo ‘continuidade para sempre’ e ‘comprimento de dias para sempre’, e a posse de uma existência perpétua ele diz explicitamente que ninguém senão os redimidos de Cristo obterão”[111]. Este parágrafo deixa perfeitamente claro que a existência eterna era um dom ou privilégio concedido por Deus exclusivamente aos justos, que terão uma “longura de dias para sempre e sempre”, uma duração perpétua de existência. Já os ímpios, por outro lado, “privam-se da continuidade para todo o sempre”. O aniquilacionismo é a única via que se adequada à visão de Irineu sobre o destino final dos ímpios.

Ele assevera também:

“Quando Deus dá a vida, e, portanto, a duração perpétua, se trata de dizer que as almas que anteriormente não existiam devem passar a existir para sempre, uma vez que Deus deseja que elas devam existir, e devem continuar em existência”[112]

Aqui, a “duração perpétua” dada àqueles que devem “existir para sempre” é vista como um privilégio exclusivo daqueles a quem “Deus dá a vida”. Mas Irineu disse dezenas de vezes que Deus não dá a vida aos ímpios, o que significa dizer que eles não terão uma “duração perpétua” ou “existência para sempre”[113]. É por isso que Irineu chama a incorruptibilidade de “dom[114], uma linguagem bastante inapropriada caso ele cresse que todo mundo teria incorruptibilidade na vida futura, seja justo, seja ímpio. Em outro lugar, ele diz claramente que “os que estão fora do Reino de Deus são deserdados do dom da incorruptibilidade”[115].

É óbvio que ele cria que somente os justos ressuscitarão com corpos incorruptíveis! Essa é a razão por que ele diz:

“Mas, sendo ignorante acerca de Emmanuel, o filho da virgem, eles são privados de seu dom, que é a vida eterna, e não recebem a incorruptibilidade, mas permanecem na carne mortal, sendo devedores à morte, não obtendo o antídoto de vida”[116]

A visão de Irineu sobre o futuro era bastante clara. Enquanto os justos terão o dom da imortalidade e incorruptibilidade, os ímpios serão privados deste dom, o que faz com que eles não recebam a incorruptibilidade e, consequentemente, permaneçam na carne mortal, não obtendo “antídoto de vida” para que possam existir para sempre. É lógico que alguém que ressuscita em “carne mortal” não pode ser eternamente refratário ao fogo (para isso, seria necessário ter um corpo incorruptível, a fim de que não fosse consumido pelo fogo, mas continuasse existindo para sempre em meio a ele). Essa concepção de que os ímpios serão mortais na vida futura fica ainda mais clara quando Irineu diz:

“Por nenhum outro meio é possível atingir a incorruptibilidade e a imortalidade, a menos que se tenha unido a incorruptibilidade e a imortalidade. Mas como poderíamos ter unidos a incorruptibilidade e a imortalidade, a menos que, em primeiro lugar, a incorruptibilidade e a imortalidade tenham se tornado o que nós também somos, de modo que o corruptível seja absorvido pela incorruptibilidade, e o mortal pela imortalidade, para recebermos a adoção de filhos?”[117]

Para ele, apenas os que recebem a adoção de filhos é que terão a imortalidade e a incorruptibilidade. Em outro lugar, Irineu diz explicitamente que “os incrédulos deste mundo não herdarão na era futura a incorruptibilidade”[118]. Quando criticou os gnósticos, ele disse claramente que “eles não receberão a imortalidade”[119]. Quando falava dos salvos, dizia que “Deus concede aos que o seguem e o servem a vida e a incorruptibilidade”[120], que “os que crêem nele serão incorruptíveis”[121], e que Deus “tem poder de conferir-lhes duração eterna”[122]. Para não deixar dúvidas, disse ainda que “Deus doará gratuitamente a existência eterna”[123]para aqueles que estão em sujeição a Ele, os quais “permanecerão na imortalidade”[124], pois “a amizade com Deus confere a imortalidade a quem a abraça”[125].

Contra aqueles que pensavam que os ímpios também existiriam para sempre, Irineu diz:

“Novamente, como pode ser imortal, quem em sua natureza mortal não obedece ao seu Criador?”[126]

A imortalidade, para Irineu, era uma honra dada apenas aos justos:

“Deus sempre preservou a liberdade, e o poder de se autogovernar no homem, enquanto que ao mesmo tempo Ele emitiu suas próprias exortações, a fim de que os que não lhe obedecem sejam julgados com justiça (condenados) porque não lhe obedeceram; e os que obedeceram e creram nele sejam honrados com a imortalidade[127]

“Mas quando eles forem convertidos e chegarem ao arrependimento, e deixarem o mal, terão o poder de se tornarem filhos de Deus, e de receber a herança da imortalidade que é dada por Ele”[128]

Para o bispo de Lyon, somente aqueles que comem o “Pão da imortalidade” podem ter a imortalidade:

“Acostumados a comer e beber a Palavra de Deus, possamos nos tornar capazes de também conter em nós mesmos o Pão da imortalidade, que é o Espírito do Pai”[129]

Como John Roller comenta, “significa, claramente, que os que não são ‘nutridos’ dessa maneira (ou seja, os que não recebem a Cristo como Salvador) não são capazes de ‘conter’ em si mesmos o ‘Pão” da imortalidade’”[130].

O contraste entre Irineu e os imortalistas famosos dos primeiros séculos (como Tertuliano e Agostinho) era patentemente notório. Enquanto Tertuliano e Agostinho diziam abertamente que os ímpios ressuscitarão em corpos incorruptíveis para queimarem por todo o sempre, Irineu falava de uma forma totalmente oposta.

Discorrendo sobre essa antítese tão evidente, Constable comentou:

“Eles [Tertuliano e Agostinho] têm o cuidado de nos dizer que os ímpios no inferno não morrerão, que a morte nunca chegará a eles, e que eles estão todos em corpo e alma incorruptíveis, eternos e imortais. Se Irineu concordava com eles, não podemos deixar de supor que ele usaria frases semelhantes quando falasse sobre a punição futura. Mas, em vez de fazer isso, ele usa termos indicativos de uma crença oposta”[131]

Não é nem um pouco difícil encontrarmos estes “indicativos de uma crença oposta” em Irineu. Ele costumava frequentemente associar o destino final dos ímpios com analogias claramente aniquilacionistas. Certa vez, ele disse que “aqueles que se separam da unidade da Igreja devem receber de Deus a mesma punição que Jeroboão recebeu”[132]. Irineu se referia ao texto bíblico de 1º Reis 14:10, que declara:

“Por isso, trarei desgraça à família de Jeroboão. Matarei de Jeroboão até o último indivíduo do sexo masculino em Israel, seja escravo ou livre. Queimareia família de Jeroboão até o fim como quem queima esterco” (1º Reis 14:10)

A família de Jeroboão seria queimada, não “para sempre”, mas “até o fim”. Irineu compara também a destruição final dos ímpios pelo fogo com o destino de Nadabe e Abiú:

“Os hereges que trazem fogo estranho ao altar de Deus, pregando doutrinas estranhas, serão queimados pelo fogo do céu, como foram Nadabe e Abiú [Lv.10:1-2]”[133]

Mas Nadabe e Abiú não queimaram para sempre, mas, em vez disso, foram completamente exterminados pelo fogo que caiu do céu, como diz o texto bíblico em questão:

“Nadabe e Abiú, filhos de Arão, pegaram cada um o seu incensário, nos quais acenderam fogo, acrescentaram incenso, e trouxeram fogo profano perante o Senhor, sem que tivessem sido autorizados. Então saiu fogo da presença do Senhor e os consumiu. Morreram perante o Senhor”(Levítico 10:1-2)

Ao invés de Irineu comparar a sorte final dos ímpios com um “monte que pega fogo mas não se consome” e com outras analogias tipicamente imortalistas propostas por Tertuliano e Agostinho, ele fazia questão de trabalhar com exemplos nos quais quem era atingido pelo fogo era literalmente consumido, devorado, exterminado. Para Irineu, chegará o dia em que Cristo acabará com todo o mal:

“Cristo virá para acabar com todo o mal e para reconciliar todas as coisas, a fim de colocar um fim a todos os males”[134]

Se o pecado, a blasfêmia e o sofrimento podem ser considerados “maus”, então presume-se que Deus terá que eliminar os pecadores para que o pecado acabe. Só assim o mal poderia ser definitivamente extinto do universo. Por tudo isso, Froom declara Irineu como o “campeão do condicionalismo”[135]. A crença de Irineu era, nitidamente, aniquilacionista.

Em suma, embora os quatro livros de tradução duvidosa possam dar alguma noção de um estado intermediário, nem mesmo eles podem ser devidamente usados como base por um imortalista honesto, visto que eles refutam toda e qualquer noção de imortalidade e incorruptibilidade futura aos não-salvos.


Orígenes e Clemente de Alexandria

Os últimos dois Pais da Igreja entre os séculos II e III d.C mencionados pelos imortalistas como base para a doutrina da imortalidade da alma são Orígenes (185-253) e Clemente (150-215), os dois mestres alexandrinos. Pelo fato de eles terem sido contemporâneos, de pregarem no mesmo lugar e de crerem nas mesmas coisas, tratarei dos dois em conjunto.

Qualquer um que já tenha lido qualquer livro de introdução básica à história da Igreja sabe que havia duas escolas principais de pensamento na igreja primitiva: a de Antioquia e a de Alexandria. As duas eram conflitantes entre si, pois enquanto a escola de Antioquia interpretava a Bíblia literalmente, a de Alexandria a interpretava alegoricamente, fazendo algumas interpretações alucinantes que seriam absolutamente ridicularizadas por qualquer teólogo sério nos dias de hoje.

A origem da interpretação alegórica em Alexandria remete pelo menos aos tempos de Fílon, o judeu alexandrino crente nas Escrituras e ao mesmo tempo encantado com a filosofia grega-platônica, que exercia grande influência em Alexandria, um dos maiores polos culturais helenistas da época. Mas havia um problema: as divergências entre a filosofia de Platão e as Escrituras não eram poucas. Em linhas gerais, pouca coisa podia ser aceita de ambas sem corromper nenhuma das duas. Fílon queria ficar livre deste conflito. Ele era um judeu leal, mas com uma mente grega. Na tentativa de unir ambos os sistemas, aceitando o platonismo sem romper seu compromisso com a Escritura, ele passou a interpretar esta alegoricamente, especialmente nos pontos em que entrava em conflito com o pensamento grego.

O Dr. David S. Dockery afirmou:

“O propósito de Fílon era apologético no sentido de unir o judaísmo e a filosofia grega. Para ele, o judaísmo, se propriamente entendido, pouco diferia dos insights mais elevados da revelação grega. Deus revelou-se ao povo de Israel, a nação escolhida por Deus, mas essa revelação não era radicalmente diferente de sua revelação aos gregos”[136]

Em sua obra “Helenização e Recriação de Sentidos”, Miguel Spinelli observa:

“Filon era de opinião de que o texto bíblico, de um modo geral, carecia de ser interpretado historicamente (no sentido da crítica das fontes, da origem do texto e de seu contexto). Dado que as palavras tinham um sentido escondido, mas admirável e profundo, era necessário adentrar-se nessa profundeza, a fim de trazer à tona, além do sentido magnífico, todo o seu valor”[137]

A interpretação alegórica de Fílon acabou ganhando força e predominando em Alexandria, e serviu de influência ao pensamento de Orígenes e de Clemente, entre o final do século II e início do III. Rejeitando a interpretação literal, Clemente dizia:

“Sabendo que o Salvador não ensina nada de uma maneira meramente humana, não devemos ouvir seus pronunciamentos de forma carnal; mas com a devida investigação e inteligência, devemos buscar e aprender o significado oculto deles”[138]

Esse método alegórico de Clemente o levava a negar muitas verdades claras da Escritura e também a inventar certas lendas que ninguém racional deveria levar a sério. Por exemplo, ele afirmou que os discípulos foram pregar o evangelho no Hades!

“Os apóstolos, seguindo o Senhor, evangelizaram também aqueles que se encontravam no Hades; evidentemente era necessário que os melhores discípulos se tornassem imitadores do Mestre também lá”[139]

Clemente afirmava ainda que Jesus não sentia fome e nem tinha sede enquanto esteve na terra, e que ele só comeu e bebeu para “demonstrar sua natureza humana”, e não por “necessidade” (ou seja, Jesus fazia de conta que tinha sede e fome!). Ele disse:

'O 'gnóstico'é tal que sujeita-se só às paixões que são em função do mantimento do corpo, como fome, sede e semelhantes. Quanto ao Salvador, pelo contrário, seria ridículo pensar que o corpo, enquanto corpo, exigisse os necessários serviços para o mantimento; não é que Ele comesse por causa do corpo, que era mantido vivo por um santo poder, mas para que em quem o frequentava não se insinuassem falsos pensamentos acerca dele, como com efeito alguns depois creram que Ele se tivesse manifestado apenas em aparência. Na realidade Ele era absolutamente imune a paixões; nenhum movimento de paixão penetrava a sua pessoa, nem prazer nem dor”[140]

Se dizer que Jesus não tinha sentimento nenhum – nem de paixão e nem de dor – já parece suficientemente ridículo e fruto de seu alegorismo exacerbado, Orígenes o superou largamente, ao ponto de ensinar a preexistência das almas, sendo por isso considerado o mais antigo precursor da doutrina herética da reencarnação no núcleo cristão. Ele dizia:

“As criaturas razoáveis existiam desde o começo destes séculos, que nos não vemos e que são eternos. Houve aí a descida de uma condição superior a uma condição inferior, não somente entre as almas que mereceram esta mudança por suas ações, mas também entre as que, para servirem o mundo, deixaram as altas esferas pela nossa. O Sol, a Lua, as estrelas e os anjos servem o mundo, servem as almas cujos defeitos mentais as condenaram a encarnar-se em corpos grosseiros, e é por interesse das almas que tem necessidade de corpos densos, que o mundo foi criado”[141]

Para Orígenes, Deus ter aceitado Jacó e rejeitado a Esaú antes do nascimento significava que em uma vida anterior eles tinham feito algo para merecer esse tratamento desigual:

“Então, depois de ter examinado mais a fundo as Escrituras a respeito de Jacó e Esaù, achamos que não depende da injustiça de Deus que antes de ter nascido e de ter feito algum bem ou mal - isto é nesta vida -, tenha sido dito que o maior serviria o menor; e achamos que não é injusto que no ventre da mãe Jacó tenha suplantado seu irmão... se crermos que pelos méritos da vida anterior com razão ele tenha sido amado por Deus por merecer ser preferido ao irmão”[142]

Para piorar tudo de uma vez e quebrar as pernas de qualquer astronauta embusteiro e desonesto que queira usar Orígenes e Clemente em seu favor como a “prova” de imortalidade da alma na igreja primitiva, eles ensinavam o universalismo, que é a crença de que, no fim dos tempos, os ímpios e os demônios não serão aniquilados e nem queimarão eternamente, mas serão salvos! O Dr. Augustus Nicodemus escreveu que “Clemente de Alexandria e seu famoso discípulo Orígenes defendiam explicitamente o universalismo”[143](Orígenes inclusive foi condenado pelo II Concílio de Constantinopla em função disso)[144].

E essa crença influenciou outros bispos cristãos pelo menos até a época de Gregório de Nissa (330-395), que disse:

“A meu parecer o apóstolo divino, tendo presente na sua profunda sabedoria estas três condições que se notam nas almas, quis aludir ao acordo no bem que um dia se estabelecerá entre todas as naturezas racionais (...) Com estas suas palavras ele alude ao fato que, uma vez destruído o mal depois de um longuíssimo período de tempo, não ficará mais do que o bem. Também estas naturezas, de fato, reconhecerão o senhorio de Cristo”[145]

Alguém ainda tem qualquer dúvida de que as crenças de Clemente e Orígenes vinham da imaginação fértil deles por culpa do método alegórico típico dos alexandrinos, ao invés de vir de ensinamentos orais transmitidos pelos apóstolos ou por uma exegese séria das Escrituras? Se qualquer indivíduo ainda é suficientemente desonesto para pensar que a imortalidade da alma pregada por Orígenes e Clemente de Alexandria era um “conteúdo preservado da doutrina pregada oralmente pelos apóstolos”, no mínimo deveria defender o mesmo sobre a preexistência das almas, o universalismo e as outras mazelas inventadas por um método alegórico que corrompe de forma grosseira e aberrante tudo o que a Bíblia claramente ensina. Será que o astronauta católico é tão fajuto assim? É o que veremos...


Os efeitos da primeira mentira (Gn.3:4)

Embora a teologia de Tertuliano (no ocidente) e de Clemente e Orígenes (no oriente) sobre a vida após a morte tenha sido claramente tirada da cabeça deles e de modo nenhum corresponda com qualquer tipo de ensino oral transmitido pelos apóstolos, essa distorção sobre o destino pós-morte acabou prevalecendo nos séculos seguintes, e não é difícil entender por que. Tertuliano era, em disparado, o teólogo mais influente e proeminente na igreja latina, que deixou enormes marcas na teologia da Igreja ocidental nos séculos seguintes.

Do outro lado, a influência que Tertuliano tinha no ocidente era a influência que Orígenes tinha no oriente. Eusébio dedicou praticamente um livro inteiro só para falar da vida e obra de Orígenes (o Livro VI da “História Eclesiástica”), de tão importante e influente que ele era na Igreja da época (tamanho destaque não foi dado a nenhum outro Pai da Igreja). Assim, se Tertuliano foi o motor propulsor para a imortalidade da alma no ocidente, Orígenes (contando com o apoio de seu antecessor Clemente) foi a força motriz por detrás do estabelecimento da doutrina da imortalidade da alma no oriente. Depois que o grande Agostinho, “príncipe dos Pais”, consolidou esta doutrina nos séculos IV e V, não havia mais discussão.

Até a época de Agostinho, no entanto, o registro histórico é que o aniquilacionismo continuou a ser ensinado em larga escala na Igreja. Além de Arnóbio de Sica (m. 330), que ademais de ser um mortalista ainda testemunhava que a imortalidade da alma era uma introdução recente na Igreja[146], as provas que temos vem ironicamente dos próprios imortalistas proeminentes nesta época. Enquanto malandros e embusteiros como Rafael Rodrigues querem a todo custo distorcer e manipular a História a seu favor, tentando passar a ideia de que a imortalidade da alma já era um dogma indiscutível e consenso na Igreja desde os primeiros séculos com exceção única a Arnóbio(!), os imortalistas honestos daquela época admitiam que muitos cristãos da época ainda eram aniquilacionistas.

Basílio de Cesareia (330-379), por exemplo, afirmou:

Grande parte dos homens afirma que haverá um fim à punição daqueles que foram punidos”[147]

Até o próprio Agostinho reconheceu isso, quando disse:

“Existem muitíssimos que apesar de não negarem as Santas Escrituras não acreditam em tormentos eternos”[148]

Então, enquanto embusteiros mentirosos como Rafael Rodrigues dizem que apenas um único indivíduo na face da terra era aniquilacionista (uma ovelha negra chamada Arnóbio), para os imortalistas honestos e de respeito da época era grande a quantidade de cristãos que ainda rejeitavam a crença imortalista num tormento eterno. A palavra “muitíssimos”,empregada por Agostinho, não nos deixa a menor sombra de dúvida de que Arnóbio definitivamente não estava sozinho!

O gráfico abaixo resume a crença dos cristãos primitivos do século I ao II sobre a questão da vida após a morte. Na parte de “condicionalistas” estão aqueles que criam que a alma não é incondicionalmente imortal, ou seja, que ela pode morrer, seja na morte corporal, seja na morte eterna (ou em ambas). Já na parte de “imortalistas” estão aqueles que criam que a alma não morre em circunstância nenhuma (nem na morte física e nem na morte eterna):

Escritor cristão
Condicionalista
Imortalista
Clemente de Roma (35-97)
X

Inácio (35-107)
X

Didaquê (60-90)
X

Policarpo (69-155)
X

Papias (70-155)
X

Hermas (70-155)
X

Aristides (75-134)
X

Barnabé (80-150)
X

Justino (100-165)
X

Taciano (120-180)
X

Melito (120-180)
X

Teófilo (120-186)
X

Polícrates (125-196)
X

Irineu (130-202)
X

Atenágoras (133-190)

X
Mathetes (150-220)
X

Clemente Alexandrino (150-257)

X
Tertuliano (160-220)

X
Orígenes (185-253)

X
*Nota: Algumas destas datas são estimadas, e outras são aproximadas.

Três coisas merecem ser destacadas. Primeiro, que os Pais condicionalistas eram justamente os que viveram mais perto dos apóstolos, ou seja, os que receberam a doutrina direto deles, o que praticamente elimina as chances de terem inventado uma doutrina própria, ou distorcido uma. Em contraste, os primeiros Pais imortalistas são todos de data posterior.

Segundo, lamentavelmente, os mais famosos foram justamente os que ensinavam a imortalidade da alma (Tertuliano e Orígenes), e influenciaram os cristãos das gerações seguintes mais do que todos os outros da geração anterior.

Terceiro, e o mais importante de tudo: quando uma falsa doutrina entra na Igreja, ela deixa marcas. A imortalidade da alma é o caso mais óbvio. Se você procurar em qualquer site de apologética católica, verá que eles não possuem absolutamente referência nenhuma a intercessão dos santos falecidos nos Pais do século I até meados do século II. Eles vão citar apenas os Pais de data posterior, começando por (que rufem os tambores) Tertuliano e Orígenes (que surpresa). Sim, bem exatamente os mesmos que introduziram a lenda da imortalidade da alma no seio da Igreja cristã. Coincidência? Para os crédulos, sim. Muita.

Depois que a primeira mentira(Gn.3:4) foi introduzida na Igreja, Maria começou a ganhar um destaque cada vez maior. Os primeiros Pais praticamente a ignoravam, assim como as epístolas apostólicas, onde ela sequer é citada em parte alguma de Romanos ao Apocalipse. Inácio escreveu sete cartas. Em cinco, Maria nem sequer é mencionada. Ela é citada três vezes na carta aos efésios e uma vez na carta aos tralianos, mas somente de passagem, em contextos onde o foco estava em Jesus, e era apenas dito que ele nasceu de uma virgem chamada Maria. Nenhum dogma mariano é mencionado.

Dos outros Pais da Igreja, o resultado é esse:

• Aristides não cita Maria nominalmente nenhumavez.

• Policarpo não cita Maria nominalmente nenhumavez.

• Clemente de Roma não cita Maria nominalmente nenhumavez.

• Hermas não cita Maria nominalmente nenhumavez.

• Taciano não cita Maria nominalmente nenhumavez.

• Papias não cita Maria nominalmente nenhumavez.

• Teófilo não cita Maria nominalmente nenhuma vez.

• Barnabé não cita Maria nominalmente nenhuma vez.

• A Didaquê não cita Maria nominalmente nenhumavez.

• Polícrates não cita Maria nominalmente nenhumavez.

• Justino não cita Maria nominalmente nenhumavez em sua 1ª Apologia, nenhumavez em sua 2ª Apologia, nenhumavez em seu Oratório aos Gregos, nenhuma vez em sua obra sobre o Governo de Deus, nenhumavez em sua obra sobre a Ressurreição, nenhumavez em seus fragmentos, nenhumavez em seu Discurso aos Gregos, e nove vezes em seu Diálogo com Trifão, em contextos onde contava a Trifão a história do nascimento de Jesus ou onde dizia que Jesus nasceu de uma virgem, sem citar absolutamente nenhumdogma mariano papista.

Compare isso tudo com os pedantes católicos dos dias de hoje, que citam Maria até na introdução de uma simples carta (“Salve Maria”), independentemente do teor ou conteúdo da mesma!

Então a imortalidade da alma começa a ser ensinada por Tertuliano e Orígenes, e desde então temos:

• O imortalista Hipólito ensinando a virgindade perpétua de Maria.

• O imortalista Orígenes ensinando a virgindade perpétua de Maria.

• O imortalista Cirilo de Jerusalém ensinando a virgindade perpétua de Maria.

• O imortalista Basílio ensinando a virgindade perpétua de Maria.

• O imortalista Epifânio ensinando a virgindade perpétua de Maria.

• O imortalista João Damasceno ensinando a assunção de Maria.

• O imortalista Gregório de Tours ensinando a assunção de Maria.

• O imortalista Teodoreto ensinando a imaculada conceição de Maria.

• O imortalista Hipólito ensinando a imaculada conceição de Maria.

• O imortalista Agostinho ensinando a impecabilidade de Maria.

• O imortalista Ambrósio ensinando a impecabilidade de Maria.

• Vários Pais imortalistas ensinando a intercessão de Maria no Céu.

É preciso ser cego para não perceber que a introdução da imortalidade da alma resultou em especulações em torno de Maria, a qual, por sua vez, passou a ser elevada a um patamar que jamais é atribuído a ela nas Escrituras ou nos primeiros Pais. A partir do momento em que você crê que a alma humana é imortal, você passa a admitir que os santos já estão no Céu. A partir do momento em que você passa a admitir que os santos já estão no Céu, você é tentado a pensar que eles podem estar intercedendo pelos vivos neste momento. E a partir do momento em que você passa a pensar que há intercessão dos santos mortos, você passa a dar um destaque especial aos “santões”, aqueles mais de cima, que talvez possam fazer mais do que os outros.

Assim, você cria um panteão de santos classificados de A a Z, divididos em nível de poder e atribuições especiais, além de tudo mais que a imaginação fértil do homem seja capaz de criar. Esses “santões”, por sua vez, passam a ser alvo de muito mais atenção e foco do que eram antes, quando se pensava que eles estavam sem vida e que não poderiam fazer nada por nós. Com o tempo, a intercessão única de Cristo no Céu passa a ser dividida com um panteão de “santos” e “santas”. Com o tempo, a pessoa está pensando se vai decidir orar a Deus ou se vai rezar alguma coisa repetida mil vezes a uma estátua de gesso. Com o tempo, aquele evangelho essencialmente Cristocêntrico vai se transformando aos poucos em um “Cristianismo” mariocêntrico, mariólatra e idólatra. Com o tempo, estamos colocando o homem no lugar de Deus, e a criatura no lugar do Criador. Com o tempo, já não há mais diferença prática entre o seu “Cristianismo” e qualquer culto pagão.

Tudo começa de um ponto de partida, de uma essência, de um fundamento. O famoso historiador J. N. D. Kelly disse:

“Um fenômeno de grande significação no período patrístico foi o surgimentoe gradual desenvolvimento da veneração aos santos, mais particularmente à bem-aventurada virgem Maria (...) Logo após vinha o culto aos mártires, os heróis da fé que os primeiros cristãos afirmavam já estarem na presença de Deus e gloriosos em sua visão. Em primeiro lugar tomou forma de uma preservação das relíquias e da celebração anual de seu nascimento. A partir daí foi um pequeno passo, pois já estavam participando com Cristo da glória celeste, para que se buscassem suas orações, e já no terceiro século se acumulam as evidências da crença no poder da intercessão dos santos”[149]

Tudo é um processo gradual, mas previsível. Primeiro há um “surgimento” de uma doutrina jamais ensinada por Cristo ou por um apóstolo. Depois desta introdução, há um “gradual desenvolvimento” desta doutrina, que, tal como um vírus, vai se espalhando até tomar dimensões maiores, se nada for feito a respeito. Então basta “um pequeno passo” para que se acumule “evidências” de uma doutrina herética e terrivelmente antibíblica. Para J. N. D. Kelly, isso se deu já no terceiro século. Coincidência ou não, exatamente no período em que a Igreja de forma geral já havia aceitado a introdução da doutrina da imortalidade da alma.

A partir da crença na existência de uma alma imortal, os teólogos alegóricos, com uma mente fértil e imaginação apurada, passam a inventar até mesmo que existem mais lugares que apenas o Céu e o inferno. Clemente de Alexandria (quem mais seria?) é o primeiro a estabelecer as bases daquilo que mais tarde seria conhecido como “purgatório”, cujas sementes foram lançadas quase que simultaneamente à época em que a imortalidade da alma começava a ser introduzida. Não demoraria muito para surgir um “limbo”, uma “reencarnação”, uma “consulta aos mortos” e tudo mais que é proveniente da mentira da serpente, de que “certamente não morrerás” (Gn.3:4).

Tudo tem uma base, uma estrutura, um fundamento, que, se derrubado, desmantela todas as colunas de uma vez. Idolatria, culto aos mortos, intercessão dos “santos”, reencarnação, consulta aos mortos, limbo, purgatório, evocação de espíritos, adoração a imagens, invocação de defuntos... tudo isso são colunas. Atacá-las é inútil. Podemos derrubar todas as colunas de uma só vez, que o fundamento continuará ali, e muitas outras colunas surgirão no lugar. Essas colunas são apenas sub-produtos, não são mais do que efeitos do vírus, que produz uma fé engessada. O que precisa ser atacado é o próprio produto, é o próprio vírus, é o próprio fundamento. Enquanto o fundamento permanecer firme, doutrinas estúpidas sempre irão surgir em cima dele.

A igreja primitiva era perfeitamente pura e Cristocêntrica antes de surgirem os primeiros teólogos imortalistas, e foi totalmente bagunçada e colocada em desordem depois disso. Tire a imortalidade da alma, e você não terá almas indo para o purgatório. Tire a imortalidade da alma, e você não terá espíritos para serem consultados. Tire a imortalidade da alma, e não haverá sentido em se prostrar diante de uma imagem de alguém que não pode fazer absolutamente nada por você. Tire a imortalidade da alma, e não haverá mais intercessão de “santos” ou invocação de mortos. Tire a imortalidade da alma, e não haverá fantasminhas para reencarnar em outros corpos. Tire a imortalidade da alma, e o que sobrará será um evangelho puro, Cristocêntrico, focado em Cristo, por Cristo e para Cristo, onde o foco não está naquele que morreu, mas Naquele que venceu a morte e vive para todo o sempre.


Considerações Finais


O leitor que teve paciência para acompanhar toda a série de refutações deve ter percebido que eu só refutei os que o astronauta católico havia tentado contra-argumentar em cima, ou seja, sobre Inácio, Policarpo, Justino, Teófilo, Taciano e Irineu, deixando de fora os outros Pais mortalistas que ele não argumentou em cima (e que por isso não precisei elaborar uma refutação). Pois bem. Estou escrevendo um livro onde irei colocar lá todas essas refutações, além de mais várias argumentações em torno dos Pais que não foram citados aqui. Neste livro terá um capítulo sobre Hermas, outro sobre Barnabé, outro sobre a Didaquê, e assim por diante. Os capítulos que tratam sobre os que já foram abordados nesta refutação serão aumentados, com mais textos e mais refutações. Essa ideia só foi possível graças ao astronauta católico ter me provocado e consequentemente me incentivado a reler todos aqueles Pais da Igreja outra vez, para lhe dar um belo tapa na cara.

Meu artigo original sobre os Pais da Igreja e a imortalidade da alma saiu em 2012, e a “refutação” do pobre astronauta saiu apenas três anos depois, o que me levou a escrever um livro inteiro sobre o tema, ampliando imensamente os argumentos do primeiro artigo. Torço muito para que o astronauta tente “refutar” novamente, mesmo que leve mais anos copiando citações de internet, para que assim eu possa escrever não mais um livro, mas uma Enciclopédia sobre o tema. Ao astronauta que me proporcionou esta oportunidade, só tenho a lhe agradecer. Te devo uma.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (www.lucasbanzoli.com)


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[1] Citado por Döllinger, La Réforme, III, 138.
[2]Didaquê, 16:6-8.
[3]Fragmentos de Papias, 12.
[4]Diálogo com Trifão, c. 80.
[5] Martinho Lutero, Assertio Omnium Articulorum M. Lutheri per Bullam Leonis X. Novissimam Damnatorum.
[6] Enciclopédia Judaica, 1941, vol. 6, A Imortalidade da Alma, pp. 564, 566.
[7] Enciclopédia Bíblica Padrão Internacional, 1960, vol. 2, Morte, p. 812.
[8] BACCHIOCCHI, Samuele. Imortalidade ou Ressurreição: Uma abordagem bíblica sobre a natureza e o destino eterno. Unaspress, 1ª edição, 2007.
[10] Enciclopédia Judaica, 1941, Alma.
[11] DOCKERY, David S. Hermenêutica Contemporânea à luz da igreja primitiva. Editora Vida: 2001, p. 76.
[12]ibid.
[13] Enciclopédia Judaica, 1941, vol. 6, A Imortalidade da Alma, pp. 564, 566.
[14] Enciclopédia Judaica, 1941, Alma.
[15] Contra os Pagãos Livro II, 14-15.
[16]Lutero, em Carta a Nicholas von Amsdorf.
[17]Lutero, “Notes on Ecclesiastes” [“Notas sobre Eclesiastes”], em Luther’s Works [Obras de Lutero], traduzido e editado por J. Pelikan e editado por H. T. Lehmann (St. Louis, MO: Concórdia, 1972), 15:150.
[18]An Exposition of Solomon’s Book, Called Ecclesiastes or the Preacher, 1573, fl. 151 v.
[20] An Answer to Sir Thomas More’s Dialogue, liv. 4, cap. 4, págs. 180 e 181.
[22] Treatise of Christian Doctrine, vol. 1, cap. 13.
[23] Inácio aos Tralianos, XIII.
[24] Carta de Inácio a Policarpo, 7:1.
[25] Inácio aos Efésios, 11:2.
[26] Carta aos Efésios, 16-17.
[27]Inácio aos Efésios, 17:1.
[28]Inácio aos Efésios, 20:2.
[29]Inácio aos Magnésios, 10:1.
[30]Inácio aos Tralianos, 11:1.
[31] Diálogo Com Trifão, c. 117.
[32] 2ª Apologia 2:2.
[33] 2ª Apologia 9:1.
[34] 2ª Apologia 6:4.
[35] 2ª Apologia 7:4-5.
[36]2ª Apologia 5:4.
[37] Diálogo com Trifão, c. 100.
[38]2ª Apologia 6:1-2.
[39]Diálogo com Trifão, 5:2.
[40]Le Roy Edwin Froom, The Conditionalist faith of Our fathers, vol. 1, p. 828.
[41]Other Fragments From Lost Writings of Justin, No. 11, in ANF, vol. 1, p. 301;
[42] Kitto, Cyclopedia of Biblical Literature, art., “Soul”.
[43] Richard Rothe, Dogmatik, vol. 3, p. 158.
[44] K. R. Hagenbach, Compendium of the History o f Doctrines, vol. 1, pp. 162-164, art. “Immortality”.
[45] Hosea Ballou, 2d, Ancient History of Universalism, p. 58.
[46] Beecher, op. cit., pp. 211, 212. C. F. Hudson (Debt and Grace, p. 315) lista Grotius, Huet, Rössler, Du Pin, Doederlein, Münscher, Munter, Daniel, Hase, Starck, Kern, Otto, Ritter, J. Pye Smith, Bloomfield e Gieseler confirmando o mesmo.
[47]John C. L. Gieseler, A Textbook of Church History, sec. 45.
[48] Alger, The Destiny of the Soul, p. 195.
[49] Constable, Duration and Nature of Future Punishment, p . 178.
[50] Diálogo com Trifão, c. 113.
[51] Diálogo com Trifão, c. 139.
[52] Tratado sobre a Ressurreição, 1.
[53]Dustin Smith, Justin Martyr, p. 9.
[54]De acordo com a Concordância de Strong, 2917.
[55] An Early Christian Philosopher: Justin Martyr’s Dialogue with Trypho, Chapters One to Nine, (“Philosophia patrum,” vol. 1); Leiden: E. J. Brill, 1971.
[56]Policarpo aos Filipenses, 9:1.
[57] Carta de Inácio a Policarpo, 7:1.
[58] Inácio a Policarpo, c. 6.
[59] Policarpo aos Filipenses, 2:1-3.
[60] Policarpo aos Filipenses, 5:2.
[61] Policarpo aos Filipenses, 7:1.
[62] O Martírio de Policarpo, 14:2.
[63]De acordo com o léxico da Concordância de Strong, 861.
[65] Teófilo a Autólico, Livro II, c. 37.
[66]Diógenes Laércio, VII, 156 (von Arnim, S.V.F., II, fr. 774).
[67]Cícero, Tusc. disp., I, 31, 77 (von Arnim, S.V.F., I, fr. 822).
[68]Diógenes Laércio, VII, 156 (von Arnim, S.V.F., I, fr. 522).
[69] Teófilo a Autólico, Livro II, c. 38.
[70] Teófilo a Autólico, Livro I, c. 7.
[71] Teófilo a Autólico, Livro II, c. 24.
[72] Teófilo a Autólico, Livro II, c. 27.
[73] Teófilo a Autólico, Livro II, c. 25-26.
[74] Teófilo a Autólico, Livro II, c. 38.
[75] Le Roy Edwin Froom, The Conditionalist faith of Our fathers, Vol. 1, p. 835.
[77]História Eclesiástica, Livro III, 26:4.
[78] Discurso contra os Gregos, c. 6.
[79] Discurso contra os Gregos, c. 7.
[80] Discurso contra os Gregos, c. 11.
[81] Discurso contra os Gregos, c. 15.
[82] Discurso contra os Gregos, c. 15.
[83] Discurso contra os Gregos, c. 16.
[84] Discurso contra os Gregos, c. 25.
[85] Discurso contra os Gregos, c. 20.
[86] Discurso contra os Gregos, c. 16.
[87] Discurso contra os Gregos, c. 17.
[88] Discurso contra os Gregos, c. 13.
[89] Discurso contra os Gregos, c. 14.
[90] Discurso contra os Gregos, c. 25.
[91] Discurso contra os Gregos, c. 7.
[92] Le Roy Edwin Froom, The Conditionalist faith of Our fathers, Vol. 1.
[93] Henry Constable, The Duration and Nature of Future Punishment. Disponível em: https://davidlarkin.files.wordpress.com/2012/05/henry-constable-1868-duration-and-nature-of-future-punishment.pdf
[94]Petição em Favor dos Cristãos, 31.
[95]Petição em Favor dos Cristãos, 36.
[96]Carta a Diogneto, 6:1-9.
[97] Carta a Diogneto, 10:7.
[98] Le Roy Edwin Froom, The Conditionalist faith of Our fathers, Vol. 1.
[101] Le Roy Edwin Froom, The Conditionalist faith of Our fathers, Vol. 1.
[102] ibid.
[103] ibid.
[104]Henry Constable, The Duration and Nature of Future Punishment. Disponível em: https://davidlarkin.files.wordpress.com/2012/05/henry-constable-1868-duration-and-nature-of-future-punishment.pdf
[105]Tertuliano, De Anima.
[106]Epístola 190, 15; citado na Enciclopédia Católica, vol. 12, 41.
[107]Voltaire, Sobre a Alma, c. 1.
[108] Le Roy Edwin Froom, The Conditionalist faith of Our fathers, Vol. 1.
[109]Henry Constable, The Duration and Nature of Future Punishment. Disponível em: https://davidlarkin.files.wordpress.com/2012/05/henry-constable-1868-duration-and-nature-of-future-punishment.pdf
[110]Contra as Heresias, Livro II, 34:3.
[111]Henry Constable, The Duration and Nature of Future Punishment. Disponível em: https://davidlarkin.files.wordpress.com/2012/05/henry-constable-1868-duration-and-nature-of-future-punishment.pdf
[112]Contra as Heresias, Livro II, 34:4.
[113]Veja também “Livro IV, 20:6”.
[114]Contra as Heresias, Livro II, 20:3.
[115]Contra as Heresias, Livro IV, 8:1.
[116]Contra as Heresias, Livro III, 19:1.
[117]Contra as Heresias, Livro III, 19:1.
[118]Contra as Heresias, Livro III, 7:1.
[119]Contra as Heresias, Livro IV, 37:6.
[120]Contra as Heresias, Livro IV, 14:1.
[121]Contra as Heresias, Livro IV, 24:2.
[122]Contra as Heresias, Livro V, 5:2.
[123]Contra as Heresias, Livro IV, 38:3.
[124]Contra as Heresias, Livro IV, 38:3.
[125]Contra as Heresias, Livro IV, 13:4.
[126]Contra as Heresias, Livro IV, 39:2.
[127]Contra as Heresias, Livro IV, 15:2.
[128]Contra as Heresias, Livro IV, 41:3.
[129]Contra as Heresias, Livro IV, 38:1.
[131]Henry Constable, The Duration and Nature of Future Punishment. Disponível em: https://davidlarkin.files.wordpress.com/2012/05/henry-constable-1868-duration-and-nature-of-future-punishment.pdf
[132]Contra as Heresias, Livro IV, 26:2.
[133]Contra as Heresias, Livro IV, 26:2.
[134] Irineu, Fragmentos, No. 39.
[135]Le Roy Edwin Froom, The Conditionalist faith of Our fathers, Vol. 1.
[136]DOCKERY, David S. Hermenêutica Contemporânea à luz da igreja primitiva. Editora Vida: 2001, p. 76
[137]SPINELLI, M. Helenização e recriação de sentidos. Porto Alegre: Edipucrs, 2002, p. 84.
[138] Clemente de Alexandria, On the Salvation of the Rich Man 5, em ROBERTS, A; DONALDSON, J.  The Ante-Nicene Fathers: Translations of the Writings of the Fathers down to a.D. 325, Grand Rapids: 1981, vol. II, p. 592.
[139]Stromata, 6:6.
[140]Stromata, 6:9.
[141]Orígenes, De Principiis, Livro III, c. 5.
[142]De Principiis, Livro II, 9:7.
[144]Cânon IX.
[145]Da Alma e da Ressurreição.
[146]Contra os Pagãos Livro II, 14-15.
[147]De Asceticis.
[148]Enchiria, ad Laurent. c. 29.
[149] J.N.D. Kelly, Early Christian Doctrines, revised edition (San Francisco: Harper, c. 1979), p. 490.

O terceiro Tiago (Revisto e Atualizado)

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O TERCEIRO TIAGO
(Alon Franco)

Aqueles que estão familiarizados com a doutrina católica tem um vasto conhecimento da labuta romana em manter a virgindade perpétua da mãe de Jesus a qualquer custo. Porém, Marcos 6:3 nos diz que Jesus tinha quatro irmãos e, pelo menos, duas irmãs, obviamente filhos de Maria e José. Os nomes das irmãs não foram preservados, mas os irmãos foram chamados de Tiago, José, Simão e Judas. O nome dos irmãos de nosso Senhor tem causado duvidas porque, naquela época, o de muitos era igual, destacando-se o dos parentes. Esse é o motivo de alguns interpretarem tratar-se de apóstolos – discípulos e primos.

Nos tempos de Jesus usava-se um único nome e, em vista dos homônimos, mais um apelido, o acréscimo do nome do pai, da cidade de nascimento ou até o nome em dois idiomas. Assim vemos Simão ser chamado por Simão Pedro, Simão Barjonas e Cefas. Havia pelo menos três Tiagos: um identificado  por filho de Alfeu [Cleofas] (At 1.13,14); outro por filho de Zebedeu (Mt 4.21; Mc 1.19) e um outro por o irmão do Senhor (Gal 1:9).

Vamos ver a lista dos doze discípulos apresentada por Mateus; “Ora, os nomes dos doze apóstolos são estes: primeiro, Simão, chamado Pedro, e André, seu irmão; Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão; Felipe e Bartolomeu; Tomé e Mateus, o publicano; Tiago, filho de Alfeu, e Tadeu; Simão, o zelote, e Judas Iscariotes, que o traiu", Mateus 10:2-4. Esse Tadeu é mais conhecido como Judas Tadeu.

“Tiago, filho de Alfeu”, diz Mateus aqui. Porém, o mesmo Mateus em 13:55 não diz que o Tiago apresentado entre os familiares de Jesus  é filho de Alfeu, e muito menos o Tiago menor, mas sim irmão de Jesus: “Não é este o filho do carpinteiro? e não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos Tiago, José, Simão, e Judas, e não estão entre nós todas as suas irmãs?”.

A  expressão " seus irmãos "ocorre nove vezes nos relatos dos Evangelhos e uma vez em Atos. Em todos os casos (exceto em João 7: 3,5,10), os irmãos são mencionadas em conexão imediata com sua mãe, Maria. Nenhuma indicação linguística  está presente no texto para inferir que "Seus irmãos" deve ser entendido em qualquer sentido menos literal  que "sua mãe". Da mesma forma, os judeus contemporâneos  interpretaram  os termos "irmãos" e "irmãs" em seu sentido comum.

Além disso, se os "irmãos e irmãs" na frase significa "primos", então estes "primos" eram os sobrinhos e sobrinhas de Maria. Mas por que as pessoas da cidade de Nazaré conectaram os sobrinhos e sobrinhas de Maria com José? Por que as pessoas da cidade mencionaram sobrinhos e sobrinhas omitindo outros parentes da família? O cenário assume que essas pessoas fazem alusão  à imediata família de Jesus. José, Maria e seus filhos foram reconhecidos como uma típica família de Nazaré. Aqui, eles simplesmente perguntaram  se Ele não era um membro desta família ao  mencionar  o nome de todos os integrantes. Essa é a justa interpretação do texto.

No entanto, a Igreja Católica ensina que o Tiago e Judas vistos entre os doze discípulos são os mesmos Tiago e Judas citados como irmãos de Jesus, que dizem ser filhos de Maria de Cleofas, a qual  seria irmã da mãe de Jesus. Assim eles não poderiam ser filhos da virgem, mas sobrinhos dela.

Existe, porém, um enorme obstáculo para a dogmática católica: os irmãos do Senhor  não acreditavam nele. Havia alguns incrédulos na família de Jesus. O mestre é claro quanto a isso:

Mat 13:57 - E escandalizavam-se nele. Jesus, porém, lhes disse: Não há profeta sem honra, a não ser na sua pátria e na sua casa.

Marcos aproxima mais os incrédulos de Jesus denunciando que eles estavam dentro da família do Salvador:

“E Jesus lhes dizia: Não há profeta sem honra senão na sua pátria, entre os seus parentes, e na sua casa". Marcos 6:4

Marcos entrou na pátria de Jesus, passou pelos parentes dele - primos, sobrinhos, tios e etc., – e foi parar dentro de sua casa. Provavelmente a incredulidade não procedia da mãe de Jesus; é o que João esclarece quando confirma: “nem seus irmãos criam nele”, João 7:5.

Essa é uma situação bem conhecida; os vizinhos tudo bem... primos até que dá para entender, o mesmo acontece com os estranhos, mas parece que João está surpreso com outro tipo de incrédulo quando dispara, “nem mesmo os irmãos (?). A frase revela a ênfase no absurdo, pois declarava a incredulidade de membros da própria família que não reconhecia Jesus como o Messias enviado. O contexto encontra-se em João 7:1-5

“E DEPOIS disto Jesus andava pela Galileia, e já não queria andar pela Judeia, pois os judeus procuravam matá-lo. E estava próxima a festa dos judeus, a dos tabernáculos. Disseram-lhe, pois, seus irmãos: Sai daqui, e vai para a Judeia, para que também os teus discípulos vejam as obras que fazes. Porque não há ninguém que procure ser conhecido que faça coisa alguma em oculto. Se fazes estas coisas, manifesta-te ao mundo. Porque nem mesmo seus irmãos criam nele”.

A Escritura teria certamente dito quais eram os incrédulos, se dois deles – Tiago e Judas – fossem discípulos. O contexto teria por obrigação e compromisso com a verdade fazer separação destes dois com os outros dois incrédulos que supostamente seriam José e Simão, mas não o fez. Sem dar consideração alguma, a Bíblia diz que Jesus tinha irmãos incrédulos deixando subtendido que todos os quatro estão envolvidos no dialogo com ele, sendo, portanto, impossível de serem contados entre os doze.

Obviamente o Tiago de Cleofas e Judas jamais poderiam ser reconhecidos como incrédulos, não podendo estar na casa de Jesus se comportando de tal forma depois de  presenciarem – alguns versículos antes deste contexto de João 7 – a gloriosa cena da multiplicação dos pães, quando Pedro testemunha pelos doze: “... E nós temos crido e conhecido que tu és o Cristo, o Filho do Deus vivente”, Jo 6:69.

Como poderiam os irmãos/primos de Jesus - como alega o catolicismo – Tiago de Cleofas e Judas,  terem mudado de cena tão rápido e serem vistos apenas alguns versículos depois conversando com o mestre e agindo como não crentes? A cena exige um Tiago, pois como veremos adiante, o Jesus ressuscitado apareceu para um Tiago em particular, e mesmo que não deixe explícito, ele apareceu para este Tiago com o intuito de testificar da sua ressurreição para ele. E ao que tudo indica este não foi o filho de Cleofas.

Observem que nesse capitulo anterior ao capítulo sete, após ajuntarem os pedaços de pães e peixes que sobraram, os discípulos concluíram: “...Este é verdadeiramente o profeta que devia vir ao mundo”, João 6:13-14. Portanto, Tiago, filho de Alfeu, não pode ter estado entre os  irmãos de Jesus que o expulsaram  de seu próprio domicilio em João 7: 1-5. Tiago de Cleofas foi discípulo desde a escolha sem jamais ter abandonado seu posto. Aliás - ele foi um dos que sempre esteve oculto, em menos evidência. Por mais esse motivo, a dogmática católica deveria explicar muito bem, que em sendo esse Tiago primo de Jesus e muito próximo a “virgem” Maria, por que ele jamais foi escolhido para o grupo íntimo de Jesus, mas o Tiago ali citado nas ocasiões especiais foi  o irmão de João. Por que o primo/irmão de Jesus, bispo de Jerusalém e justo por excelência, como alega um debatedor católico, ficou de fora dos momentos a sós com Jesus, Pedro, João e seu irmão Tiago se ele era um dos doze?  


A dogmática católica parece não entender o que estamos argumentando: Pedro, Tiago e João foram os únicos que viram a ressurreição da filha de Jairo (Mat. 9:23-26) e a transfiguração de Jesus (Marc. 9:2), e que estiveram com Jesus no Getsêmani  (Marc. 14:33).

Vejam vocês o que estou tentando dizer em outras palavras: Tiago, citado como irmão do Senhor em Mateus 13:55, sempre se fazia acompanhado da virgem Maria (qual católico não quer a companhia de Maria?), mas nunca entrou no grupo particular de Jesus!

Por que será?

Por que ele era um incrédulo do tamanho de um bonde e não fazia parte dos doze!         


Jesus aparece ao Tiago de Cleofas ou a outro Tiago?

Jesus apareceu a certo Tiago e, se nos baseamos na tese católica, devemos concordar que esse Tiago era o filho de Maria de Cleofas. No entanto, por que Jesus deveria aparecer ao sumido, quieto, silencioso e inofensivo Tiago de Cleofas por duas, ou mesmo três vezes após a ressurreição e a Bíblia ainda registrar um destes encontros separado dos outros discípulos? Por que deveria o filho de Alfeu exigir de Jesus uma atenção especial?

Leia atentamente I Coríntios 15:3-7:

“Porque primeiramente vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras; que foi sepultado; que foi ressuscitado ao terceiro dia, segundo as Escrituras; que apareceu a Cefas, e depois aos doze”, vv. 3-5.

Obviamente aqui ele aparece ao Tiago de Cleofas, pois ele era um dos doze – e aparece ressuscitado. Não esqueça que esse Tiago estava entre eles quando Jesus mostrou as marcas dos cravos pela primeira vez. E posteriormente, quando o Senhor se revela a Tomé o mesmo Tiago também estava presente, Ou seja, ele testemunhou por duas vezes as marcas no corpo de Jesus. O problema é que entre essas duas aparições aos discípulos é dito que Jesus “... apareceu a Tiago” em particular, verso 7.

A passagem segue dizendo que depois da primeira aparição, Jesus…

“... apareceu a mais de quinhentos irmãos duma vez, dos quais vive ainda a maior parte, mas alguns já dormiram”, v.6.

E depois...

“...  apareceu a Tiago, então a todos os apóstolos”.

O que mais surpreende são os detalhes que insistem em esclarecer a questão; note que no início do relato, acima em Coríntios, Jesus aparece primeiramente a Pedro e em seguida aos discípulos. Na primeira vez, sem Tomé, a Escritura esclarece que “estando as portas cerradas onde os discípulos, com medo dos judeus, se tinham ajuntado chegou Jesus, e pôs-se no meio, e disse-lhes: Paz seja convosco” (verso 19). Observe no verso 24 que não se fala de ninguém ausente a não ser Tomé, o que nos permite inferir que Tiago de Cleofas foi um dos que viu o Senhor e se alegrou  junto com os outros quando  este “mostrou-lhes as suas mãos e o lado”, João 20:20.

Oito dias depois o relato bíblico atesta que Jesus voltou a vê-los; nessa  episódio Tomé se encontrava no grupo e “chegou Jesus, estando as portas fechadas, e apresentou-se no meio, e disse: Paz seja convosco”, v 26.

Portanto, os católicos precisam explicar muito bem porque insistem em afirmar que o último texto citado no testemunho de Paulo sobre as aparições sequenciais de Jesus o mostra se manifestando ao Tiago filho de Alfeu em particular se este já havia comprovado sua ressurreição anteriormente.

Observem o que aconteceu depois que Jesus se manifestou para os discípulos pela primeira vez, estando, obviamente,  Tiago de Cleofas junto com eles: “... depois apareceu a Tiago...”.

O que é isso? O contexto diz que Jesus apareceu aos onze com o filho de Alfeu entre ele e depois diz que ele aparece ao filho de Alfeu novamente  em particular? Por que o filho de Deus precisou se manifestar por  duas vezes num espaço de, no máximo, setenta e duas horas para o Tiago de Cleofas? Por que arrisco em 72 horas? Esse encontro entre Jesus e Tiago em particular ocorre após a sua primeira aparição aos discípulos e antes da segunda. Entre as duas ocorrências temos apenas um espaço de oito dias. E é nesse intervalo que ele aparece a um Tiago, que não poderia ser o de Cleofas.

O que faz sentido aqui? Certamente esse era o outro Tiago, o verdadeiro irmão de Jesus, filho de sua mãe, tendo como pai, José. Assim, percebe-se claramente que o relato acompanha uma sequencia exigida por necessidade de comprovação da ressurreição. Alguém estava precisando de uma comprovação maior, e seu nome era Tiago, não o de Cleofas.

Obviamente fica extremamente ridículo identificar esse Tiago incrédulo com o Tiago discípulo, pois este último já havia comprovado a ressurreição na aparição anterior, por isso o detalhe de Paulo dizendo que ele apareceu – DEPOIS – a Tiago. Muitos poderiam protestar e dizer que Jesus também apareceu a Pedro em separado, mas teriam que concordar que este contexto aqui não permite Jesus aparecer em particular para o Tiago de Cleofas, a não ser que arrumem outro motivo explicando muito bem por que a necessidade dessa aparição em particular.


Voltando para a Galiléia

Os judeus queriam matar Jesus – que foi que ele fez? Foi para casa, para sua terra. Isso tudo aconteceu depois do milagre da multiplicação dos pães. Entre os maravilhados e crédulos discípulos nessa ocasião, também estava Tiago de Cleofas, o qual Pedro defendeu como alguém que creu em Jesus diante do estupendo milagre.

Pouquíssimo tempo antes do encontro de Jesus com seus irmãos em João 7 vamos observar que no final de João 6, depois de todos saciados, e Jesus se referir a si mesmo como o pão da vida, alguns não suportaram ouvir e se retiraram. O texto diz que estes que se retiraram não mais andavam com o mestre (Jo 6:66). Jesus se volta para os doze e pergunta: "...Quereis vós também retirar-vos?” (v.67). Pedro retruca defendendo os doze: "Senhor, para quem iremos nós? Tu tens as palavras da vida eterna.  E nós temos crido e conhecido que tu és o Cristo, o Filho do Deus vivente" (68 e 69).

Pedro testemunha e fala por eles: nós temos crido”; portanto, todos os doze creram!

Apenas três versículos após começa a pequena história de Jesus e seus irmãos incrédulos. Veja novamente a sequencia com os comentários em João 7,

“E DEPOIS disto Jesus andava pela Galileia, e já não queria andar pela Judeia, pois os judeus procuravam matá-lo...”, João 7:1

Depois de que? Lógico e evidente que foi logo após o grande banquete onde todos se saciaram apenas com alguns peixes e pães. Aqui Jesus estava na sua terra, na sua casa. Ele era Galileu…

João continua no verso três,         

Disseram-lhe, então, seus irmãos: Retira-te daqui e vai para a Judeia, para que também os teus discípulos vejam as obras que fazes...

Aqui eles dizem para Jesus ir aos seus discípulos, o que pode sugerir que o Senhor foi para a  Galileia sozinho, sendo que os discípulos tomaram outro rumo. E, se os irmãos do Senhor aqui estão fazendo referência aos doze, então a situação torna-se mais complicada para a argumentação católica, pois encontramos mais uma vez os  irmãos separados dos discípulos.

A propósito, como primos de Jesus poderiam ter a audácia de mandá-lo sair da Galileia e ir para a Judeia (Jo 7.3) sabendo que os judeus queriam matá-lo? Isso é assunto para outro artigo.

E damos de cara com o verso cinco, onde esclarece o teor da conversa, que certamente estava cheia de hostilidade por parte desses irmãos de Jesus. O verso conclui,

“Pois nem seus irmãos criam nele”.

A única conclusão honesta e justa que podemos chegar é: o Jesus ressurreto apareceu mesmo foi para um de seus irmãos incrédulos, Tiago, mas não o discípulo e filho de Cleofas, e sim seu irmão de sangue, e filho de sua mãe, o qual o salmista já profetizava como alguém que estaria nas fileiras daqueles que por algum tempo duvidariam do ministério do Senhor:     

“Tenho-me tornado um estranho para com meus irmãos, e um desconhecido para com os filhos de minha mãe", Salmos 69:8.

As duas sentenças foram registradas para não deixar dúvidas mesmo: "Meus irmãos... FILHOS da MINHA mãe...". E pode acreditar, caro leitor, o texto não faz alusão a Davi. Preste atenção em outro verso do mesmo salmo: “Deram-me fel por mantimento, e na minha sede me deram a beber vinagre”, v 22.

Parece que a situação de Jesus com membros da sua família não estava favorável a ele. Com certeza naquela recepção acompanhada das palavras de rejeição dos seus irmãos não podia mesmo estar presente nenhum discípulo. João não delatou como incrédulos os discípulos Tiago e Judas que foram confirmados por Pedro como tendo fé no milagre acontecido alguns versículos antes. Obviamente os que trataram Jesus com hostilidade e indiferença foram mesmo seus irmãos, Tiago, José, Simão e Judas, sendo que estes Tiago e Judas mostrados aqui nunca foram contados entre os doze.

E, se esses irmãos de Jesus mencionados em João sete não fizesse alusão aos quatro nomes apresentados em Mateus 13:55, se fossem apenas os outros dois, o contexto deixaria claro. Primos com certeza não eram, pois fica extremamente estranho que filhos de outra família pudessem ter essa autoridade dentro de um domicilio que não era o deles. Pelo jeito a família de Jesus tinha algumas diferenças com ele, pois em Marcos capítulo três eles são vistos “junto com Maria” indo atrás do Senhor, pois achavam que ele estava louco, e foram lá para prendê-lo.

E para silenciar de vez a dogmática católica, ainda no diálogo entre Jesus e seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas em João 7:6,7, encontramos  algo surpreendente:

“Disse-lhes, pois, Jesus: Ainda não é chegado o meu tempo, mas o vosso tempo sempre está pronto. O MUNDO NÃO VOS PODE ODIAR, mas ele me odeia a mim, porquanto dele testifico que as suas obras são más”.

Observa bem: temos aqui mais uma pista de que o Tiago e Judas discípulos não são os mesmos Tiago e Judas incrédulos do capitulo sete. Veja novamente o que Jesus diz aos seus irmãos: “... O mundo não vos pode odiar.

Agora veja o que Jesus diz ao Tiago e ao Judas discípulos, e aos outros:

“...o mundo vos odeia” (João 15:19)

Evidente que Jesus apareceu redivivo para seu irmão Tiago, que atraído pela ocasião começou a mostrar sua fé se juntando aos onze discípulos em oração. Vemos isso em Atos 1:13, 14. Ali é dito claramente que os que estavam no cenáculo eram: Pedro e João, Tiago e André, Felipe e Tomé, Bartolomeu e Mateus; Tiago, filho de Alfeu, Simão o Zelote, e Judas, filho de Tiago.

Essa tradução reconhece esse Judas como filho de um Tiago e não como irmão dele. No entanto, outra tradução baseada em melhores manuscritos, o chama apenas de Judas Tiago e algumas outras o denomina de Judas Tadeu. O certo é que ele não tem parentesco algum com o Tiago filho de Alfeu.

Observe que no verso treze nós já vemos listados os nomes de onze apóstolos, sendo que obviamente entre eles podem ser vistos Tiago de Cleofas e Judas. No entanto, no verso 14 claramente é dito que “Todos estes [onze] perseveravam unanimemente em oração, com as mulheres, e Maria, mãe de Jesus, e com os irmãos dele…”. É muito forte o argumento implícito, que nos obriga a ver um Tiago e um Judas orando com outro Tiago e outro Judas.

Vamos ver se é isso mesmo; Mateus registra: “Não é este o filho do carpinteiro? Não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos Tiago, José, Simão, e Judas?” (Mateus 13:55).

Os detalhes importantes são: “Sua”, quando identifica a mãe e, “Seus”, quando identificam os irmãos - Isso significa que todos estão entrelaçados como família de sangue.

Observe que temos listado quatro nomes aqui: Tiago, José, Simão, e Judas. Antes dos nomes se lê claramente: "Sua mãe e seus irmãos...". Vemos a mesma colocação em João 2: "Mãe e irmãos". Quando voltamos um pouco mais no ministério de Jesus achamos seus irmãos separados dos discípulos:

João 2:12, “Depois disso desceu a Cafarnaum, ele, sua mãe, seus irmãose seus discípulos; e ficaram ali não muitos dias”.

Atente para estes detalhes: Mateus mostra “… sua mãe… seus irmãos…”, onde são listados os nomes destes.

João apresenta “… sua mãe, seus irmãos…”. Aqui está sem nomes.

Somente alguém destituído de cérebro não pode concordar que João também fazia referência aos mesmos quatro nomes aludidos em Mateus. Assim, quando nos voltamos para o contexto de Atos, encontramos a mesma situação: os irmãos de Jesus são vistos juntamente com os discípulos e Maria orando no cenáculo.

“Todos estes [onze] perseveravam unanimemente em oração, com as mulheres, e Maria, mãe de Jesus, e com os irmãos dele…”. Entre estes você pode encontrar o terceiro Tiago, o qual jamais foi contado como um dos doze discípulos. Este Tiago era irmão do Senhor, filho de Maria, tendo como pai o próprio José; José que teve relação sexual com sua esposa, mas somente depois que Jesus nasceu:

"... E José... não a conheceu até que deu à luz seu filho, o primogênito...", Mateus 1:25, que para desespero de muitos a tradução da NTLH e a NVI vertem o verso como seguem,

“Mas não teve relações com ela enquanto ela não deu à luz um filho. E ele lhe pôs o nome de Jesus”.

“Porém não teve relações com ela até que a criança nasceu. E José pôs no menino o nome de Jesus”.

O uso da palavra "conhecer"é um eufemismo comum para  relação sexual. O “até que” deve significar  que José e Maria se abstiveram de relações sexuais antes do nascimento de Jesus. Aqui, neste contexto, o “até que” não implica que  eles jamais  tiveram relações sexuais, mas  confirma o fato de que aqui, onde a frase seguida de um negativo ocorre, indica que a ação negada teve lugar mais tarde. O coito subsequente foi  inevitável, pois   acompanhava  necessariamente o curso natural da relação entre  marido e mulher.

Deus seja louvado!

Por: Alon Franco.
Originalmente em:A Grande Cidade


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Site católico Veritatis adulterando textos descaradamente para "provar" a imortalidade da alma

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NOTA:Peço desculpas a todos pela minha ausência nesta última semana. O intensivo no mestrado voltou com aulas de manhã até a noite e eu não tive tempo nem para publicar uma “nota” aqui no blog notificando isso, nem para responder e-mails ou publicar comentários. Semana que vem o blog ainda continuará mais parado, mas retornará à normalidade a partir do dia 31. Grato pela compreensão.


Eu juro que não queria mais tocar nesse assunto até publicar aqui meu livro nos próximos dias. Eu juro. Mas não consegui. O Veritatis não deixou. Estive dando uma olhada em algumas traduções deles dos textos patrísticos, e é de embrulhar o estômago ver o quanto os caras adulteram descaradamente, na cara dura mesmo, a tradução dos textos que batem de frente com as doutrinas fracassadas do catolicismo.

Vamos começar com a Epístola de Barnabé, que a porcaria do site católico traduziu por “morte eterna nos tormentos”, para dar a entender que Barnabé cria que essa morte eterna era um “tormento eterno” (do tipo imortalista draconiano). Na continuação do verso, eles traduzem por “arruínam” a alma, para passar a noção de um dano “apenas espiritual”:

(Clique na imagem para ampliar)

Disponível em:


Então vamos ao CCEL (Christian Classics Ethereal Library), um site mundialmente reconhecido e respeitado na área da patrística, que reproduz as traduções do grande historiador da Igreja Philip Schaff, e o que vemos de fato é isso:

(Clique na imagem para ampliar)

Disponível em:


Ou seja, ao invés de “morte eterna nos tormentos”, o correto é “morte eterna com punição”, passando claramente a ideia aniquilacionista de uma morte eterna que se segue a uma punição temporária pelos pecados. O Veritatis achou que isso não estava certo e trocou o termo “morte eterna com punição” pelo termo “morte eterna nos tormentos”, esse sim bastante com a cara católica, pra ficar mais bonitinho. A continuação do verso, na versão original, diz destroy the soul(i.e, destrói a alma). O Veritatis achou isso pesado demais, porque seus leitores católicos poderiam pensar que Barnabé cria que esta morte eterna era a destruição da alma, então ele achou melhor suavizar e trocar para “arruínam a alma”. Os caras são feras!

Para que não apareça nenhum insano dizendo que o Veritatis que traduziu corretamente e que o Philip Schaff é que estava errado(!), o New Advent (que também é um site católico como o Veritatis, com a diferença de que não é produzido por picaretas e embusteiros), traduziu assim:

(Clique na imagem para ampliar)

Disponível em:


Então eu vou ler a Segunda Apologia de Justino Mártir, um dos mais explícitos aniquilacionistas da história da Igreja, que disse explicitamente que “anjos, demônios e homens [maus] devem deixar de existir”, conforme traduz o CCEL:

(Clique na imagem para ampliar)

E também no New Advent:

(Clique na imagem para ampliar)

Disponível em:


O que foi que o Veritatis poderia fazer com um texto tão claro, explícito, categórico e fulminante como esse? É simples: tirou do texto. Desta vez os picaretas nem tentaram alterar a tradução, porque nem isso salvaria eles. Então eles jogaram fora essa parte, sem mais nem menos:

(Clique na imagem para ampliar)

Disponível em:


Então eu vou dar uma olhada no índice de “obras patrísticas” do Veritatis, e encontro isso:


Sim, isso mesmo: uma oração mariana no século II, quando os cristãos nem em imortalidade da alma criam! Uau!

Então eu clico ali para ler a tal “oração mariana”, e o que eu encontro é isso:

(Clique na imagem para ampliar)

Disponível em:


Sim, eles mesmos se auto-refutam e admitem que na verdade é do século III, e que o primeiro a chamar Maria de “mãe de Deus” é também do século III. Mesmo assim, eles ainda mantém o “século II” no título da página, para enganar os seus leitores católicos mais tapados, e fazer de conta que tem alguma proximidade com os apóstolos!

Eu não perdi mais tempo lendo o resto, porque não tenho tempo para postar um caminhão de textos aqui, então decidi parar provisoriamente. É safadeza demais. E eu que pensava que Rafael Rodrigues era o único apologista católico fracassado, desonesto e mentiroso que precisava apelar de forma rasteira e ordinária para levar adiante suas sandices católicas de astronauta embusteiro e charlatão. Não. O Veritatis também. Haja a paciência.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (www.lucasbanzoli.com)


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Meu novo livro - "Os Pais da Igreja contra a Imortalidade da Alma"

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Introdução

Este livro contém toda a minha refutação ao astronauta católico (com variantes e acréscimos) além de capítulos novos, referentes a escritores eclesiásticos que não haviam sido abordados na refutação. Além disso, recomendo a leitura do capítulo 3, que é um esboço sobre a crença holista/mortalista, a qual muita gente ataca sem conhecer absolutamente nada do que está atacando. Lendo este pequeno capítulo, o leitor imortalista já poderá tentar refutar o mortalismo com propriedade, e assim não ter que passar vergonha como Itard, Jamierson, Rafael Rodrigues, etc, que vivem mais perdidos do que cego em tiroteio. Recomendo ainda o Apêndice do livro, que é uma análise das objeções mais comuns ao aniquilacionismo, complementando o conteúdo presente em meu livro anterior sobre o tema.


Sinopse

Embora muitos livros e estudos já tenham sido publicados na área, demonstrando que a grande maioria dos Pais da Igreja do século I e II não cria na imortalidade da alma, no Brasil ainda reina uma falsa concepção histórica, popularizada por apologistas imortalistas que insistem que o aniquilacionismo é uma crença de “adventistas e testemunhas de Jeová”, e que ninguém ao longo de dezoito séculos creu nisso. E por mais que as evidências esmagadoras apontem ao contrário, a ignorância geralmente acaba prevalecendo.

Neste livro, o autor desmistifica mais uma lenda imortalista: a de que os primeiros Pais da Igreja, os sucessores dos apóstolos, criam numa alma imortal. Através de uma aprofundada pesquisa histórica nos escritos patrísticos de aproximadamente vinte escritores cristãos nos primeiros dois séculos da história da Igreja, o autor demonstra que a crença numa alma incondicionalmente imortal era uma concepção estranha à fé cristã até ela ser popularizada por filósofos platônicos convertidos ao Cristianismo e por amantes do método alegórico. Em seguida, revela como que a introdução da primeira mentira tornou os cristãos da época cada vez mais susceptíveis a novas heresias e inovações doutrinárias, que macularam cada vez mais a essência Cristocêntrica da fé cristã pura e simples.


Sumário

INTRODUÇÃO        
CAP. 1 – A imortalidade da alma nos escritos apócrifos
CAP. 2 – Uma introdução aos escritos patrísticos
CAP. 3 – Uma introdução à crença mortalista     
CAP. 4 – Inácio de Antioquia
CAP. 5 – Clemente de Roma
CAP. 6 – Barnabé
CAP. 7 – Policarpo de Esmirna      
CAP. 8 – Papias de Hierápolis
CAP. 9 – Didaquê
CAP. 10 – Polícrates de Éfeso
CAP. 11 – Melito de Sardes
CAP. 12 – Hermas
CAP. 13 – Justino Mártir   
CAP. 14 – Aristides de Atenas
CAP. 15 – Teófilo de Antioquia     
CAP. 16 – Taciano, o Sírio  
CAP. 17 – Irineu de Lyon     
CAP. 18 – Atenágoras de Atenas   
CAP. 19 – Mathetes   
CAP. 20 – Tertuliano de Cartago
CAP. 21 – Orígenes e Clemente de Alexandria
CAP. 22 – O Reino de Cristo na terra
CAP. 23 – Os frutos da primeira mentira
CAP. 24 – A imortalidade da alma no contexto da Reforma aos dias de hoje  
CONSIDERAÇÕES FINAIS
APÊNDICE– Objeções comuns ao aniquilacionismo


Download do e-book gratuito

O download do PDF completo pode ser baixado em um destes dois links:

• Opção 1:


• Opção 2:


Se alguém não conseguir baixar o arquivo em nenhum destes dois links, ou se deseja receber o arquivo em Word e não em PDF, é só enviar um e-mail para mim (lucas_banzoli@yahoo.com.br) que eu mando por anexo.


Compra do livro em impresso

Para quem quiser comprar o livro em impresso (que tem 330 páginas), poderá fazê-lo através do site Clube de Autores, comprando online neste link:


Após a compra, o livro chega por correio na casa de cada um, dentro de uma ou duas semanas (é só seguir as orientações do site).

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (www.lucasbanzoli.com)


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Mais uma prova da unidade católica

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(Sim, isso é uma igreja católica, e não me peça explicações)

É simples:

Abaixe todo o volume do seu computador.

Acesse este link de um site católico:


Sem mais.

P.S: Se alguém se esquecer do ponto 1, eu não me responsabilizo pelos danos sofridos.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (www.lucasbanzoli.com)


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Princípios básicos para uma boa exegese

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Este capítulo faz parte da minha obra: “Exegese de Textos Difíceis da Bíblia”, ainda em construção.
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Neste capítulo introdutório, mencionarei de forma breve alguns dos principais recursos exegéticos que podem (e devem) ser aplicados pelo intérprete das Escrituras, sendo eles: (a) análise do contexto; (b) análise da linguagem; (c) análise de normatividade; (d) análise de anacronismo; (e) análise de eisegese; (f) análise do sentido; (g) análise do fundo cultural; (h) análise do original grego e hebraico; (i) análise da história. 


Análise do Contexto

A tarefa mais elementar para todo e qualquer intérprete de qualquer coisa que seja é sempre, a todo instante, analisar um texto dentro de seu devido contexto, tanto o imediato, quanto o geral. O contexto imediato refere-se ao texto em sua unidade, geralmente estabelecido nos versos anteriores e posteriores, e o contexto geral refere-se à obra como um todo, o que neste caso se aplica ao conteúdo da Bíblia de forma geral. Esta pode parecer uma tarefa bastante simples (e é), mas mesmo assim é impressionante como as pessoas conseguem falhar pelo básico.

Recentemente, estive conversando com alguém que não cria na ressurreição da carne, mas dizia que na eternidade viveremos em forma de “espírito”. O texto em que ele se fundamentava era aquele que dizia que nós seremos “como os anjos” (Mc.12:25), que, de fato, são espíritos. A conclusão parece boa, se não fosse por um problema: o contexto não diz nada disso. Em vez de o contexto estabelecer que seremos como os anjos no sentido de natureza, ele mostra que seremos como os anjos no sentido de não se casar. Vejamos o texto dentro de seu contexto maior:

“Depois os saduceus, que dizem que não há ressurreição, aproximaram-se dele com a seguinte questão: ‘Mestre, Moisés nos deixou escrito que, se o irmão de um homem morrer e deixar mulher sem filhos, este deverá casar-se com a viúva e ter filhos para seu irmão. Havia sete irmãos. O primeiro casou-se e morreu sem deixar filhos. O segundo casou-se com a viúva, mas também morreu sem deixar filhos. O mesmo aconteceu com o terceiro. Nenhum dos sete deixou filhos. Finalmente, morreu também a mulher. Na ressurreição, de quem ela será esposa, visto que os sete foram casados com ela?’ Jesus respondeu: ‘Vocês estão enganados! Pois não conhecem as Escrituras nem o poder de Deus! Quando os mortos ressuscitam, não se casam nem são dados em casamento, mas são como os anjos nos céus’” (Marcos 12:18-25)

Os saduceus não criam em ressurreição dos mortos para a vida eterna, e, então, quiserem colocar Jesus em apuros, com um exemplo hipotético onde uma mulher se casa sete vezes (ok, eles exageraram um pouco, exceto se estivessem pensando na Gretchen!). Dependendo da resposta de Jesus, eles alegariam que seria injusto se na ressurreição ela fosse esposa de um dos sete, e não dos outros seis. O que está em jogo aqui é a questão do casamento. Então Jesus responde que, ao ressuscitarmos, não seremos dados em casamento, porque seremos como os anjos. Em que sentido, portanto, que seremos como os anjos? Não no sentido de natureza do ser, mas no sentido da ausência de casamento.

Em outras palavras, nós seremos na ressurreição “como os anjos” porque não nos casaremos (da mesma forma que os anjos não se casam). Jesus não estava falando nada de “natureza” aqui. Comparando analogicamente, seria como se eu dissesse que “na ressurreição, nós seremos como os pássaros, porque vamos voar”[1]. Se eu dissesse isso, será que alguém chegaria ao ponto de pensar que eu estaria ensinando que teremos a natureza de um pássaro? É óbvio que não. Qualquer pessoa sensata concluiria apenas que seremos “como os pássaros” no sentido de “voar” apenas. Da mesma forma, quando Jesus diz que na ressurreição nós seremos como os anjos porque não seremos dados em casamento, ele de modo algum estava falando de ter a mesma natureza de um anjo, mas sim sobre ter aquela mesma característica específica que os anjos têm – neste caso, de não se casar.

E quanto ao contexto geral das Escrituras? A Bíblia confirma a ressurreição da carne em Atos 17:32-33, ocasião na qual Paulo ensina a ressurreição aos gregos e é zombado por eles. Os gregos não criam em ressurreição da carne, mas eles criam fortemente em uma alma ou espírito imortal. Se Paulo estava meramente ensinando que na eternidade seremos “espíritos”, eles de modo algum zombariam dele por causa de um ensino que eles mesmos aceitavam. Mas o que de fato ocorreu foi que eles ouviram Paulo atentamente por muito tempo, até que...

Quando ouviram sobre a ressurreição dos mortos, alguns deles zombaram, e outros disseram: ‘A esse respeito nós o ouviremos outra vez’. Com isso, Paulo retirou-se do meio deles” (Atos 17:32-33)

É lógico que a crença de Paulo era na ressurreição da carne – a mesma que era tão desprezada e zombada no mundo grego da época. Ele também disse que cria na mesma ressurreição que os fariseus criam (At.23:6-10), e os fariseus criam na ressurreição da carne. Jesus disse que “todos os que estiverem nos túmulos ouvirão a sua voz e sairão” (Jo.5:28), Daniel disse que “multidões que dormem no pó da terra despertarão” (Dn.12:2), Paulo disse que Deus “dará vida a seus corpos mortais” (Rm.8:11), Jó disse que “depois de consumida a minha pele, contudo ainda em minha carne verei a Deus” (Jó 19:26), e o próprio Jesus ressurreto disse que ele não era um espírito sem corpo, mas tinha carne e osso (Lc.24:39).

Portanto, à luz do contexto imediato e geral, fica claro que a interpretação estava equivocada. 

Análise da Linguagem

Outro erro comum na exegese, mas desta vez mais frequente, é aqueles que não conseguem diferenciar a natureza da linguagem de um texto, e que tomam todos como se fossem literais, ou todos como se fossem alegóricos. Pior ainda são aqueles que acham que porque uma passagem é figurada ou alegórica, então todas as outras devem ser figuradas ou alegóricas também, e que não existe mais “regra de hermenêutica”, mas apenas achismos. Este argumento é bastante usado por ativistas gays, que acham que se há textos que os cristãos interpretam de forma não-literal na Bíblia, então todas as passagens que condenam o homossexualismo devem ser tomadas figurativamente também.

Mas este recurso não é usado somente pela militância gay, mas também por pastores e às vezes até por “exegetas” mais inexperientes. Certa vez eu estava debatendo com um pastor sobre o tema da imortalidade da alma, citando vários textos que diziam que os mortos não sabem de nada (Ec.9:5), não tem conhecimento de coisa alguma (Ec.9:10), não podem louvar a Deus (Is.38:18), não se lembram do Senhor (Sl.6:5), que na morte os pensamentos perecem (Sl.146:4), que homens e animais possuem o mesmo espírito-ruach (Ec.3:19-20), que nem Davi subiu ao Céu (At.2:34), que sem ressurreição não haveria vida póstuma (1Co.15:32), que a recompensa só ocorre na ressurreição (Lc.14:14), que a entrada no Reino só se dá depois da segunda vinda de Cristo (Mt.25:34) e que só depois disso entraremos em nossas moradas celestiais (Jo.14:2-3).

O pastor rebatia os textos citando dois casos: os meios de uma parábola (em Lucas 16:19-31) e uma descrição apocalíptica onde umas “almas” soltam gritos de vingança em pleno Paraíso, aglutinadas debaixo de um altar, clamando contra seus inimigos (Ap.6:9-11). Eu observei que essas descrições eram figuradas ou alegóricas, e expliquei por que. Mas ele insistia que se esses textos eram alegóricos, então todos aqueles outros que eu citei também deveriam ser. Para ele, era “tudo ou nada”. Ou os meus textos eram literais e os dele também (e assim não sairíamos do zero a zero), ou era tudo alegórico (e assim não sairíamos do mesmo jeito!).

A diferença fundamental entre um caso e outro é que os textos citados por mim são todos de livros históricos ou de epístolas doutrinárias. Do outro lado, os textos citados por ele eram de uma parábola e de um texto apocalíptico, e qualquer pessoa com um mínimo de aprendizado em exegese sabe que meios de parábolas e de natureza apocalíptica não devem ser tomados ao pé da letra, por razões óbvias. É a própria natureza da parábola e do Apocalipse que refuta a tese de que eles sejam tomados literalmente. Assim como ninguém usa a parábola de 2º Reis 14:9 ou de Juízes 9:8-15 para inferir que árvores falam (embora elas falem no contexto da parábola), ninguém deveria extrair doutrinas dos meios da parábola de Lucas 16:19-31, exceto sua lição central ou moral, a qual não tem nada a ver com imortalidade ou mortalidade da alma[2].

Da mesma forma, a natureza do Apocalipse infere que as verdades ali expostas não estão na “superfície” (linguagem literal), mas por “debaixo” dela (i.e, aquilo que é simbolizado por detrás). É assim que entendemos textos como esses:

(1) Cristo no Céu em forma de cordeiro ensanguentado (Ap.5:6).

(2) Criaturas dentro do mar falando e louvando a Deus (Ap.5:13).

(3) Várias estrelas caindo sobre a terra (Ap.6:13)[3].

(4) “Almas” que gritam por vingança debaixo de um altar no Céu (Ap.6:9-11).

(5) Cavalos com cabeças de leão (Ap.9:17).

(6) Cavalos que soltavam de sua boca fogo e enxofre (Ap.9:17).

(7) Gafanhotos com coroa de ouro e rosto humano, cabelos como de mulher e dentes como de leão (Ap.9:7-8).

(8) Um dragão perseguindo uma mulher grávida no deserto (Ap.12:13).

(9) A mulher grávida no deserto tem asas e voa (Ap.12:14).

(10) A terra abre a boca engolindo um rio que um dragão soltou com a sua boca (Ap.12:15-16).

(11) Os trovões falam (Ap.10:3).

(12) O altar fala (Ap.16:7).

(13) Jesus tem sete chifres e sete olhos (Ap.5:6).

(14) Duas oliveiras e dois candelabros soltam fogo devorador de suas bocas (Ap.11:4-5).

Por outro lado, embora os livros históricos e epístolas apostólicas por vezes tenham algo de alegórico ou figurado, não há nada no contexto específico dos textos supracitados por mim que exija isso. Ao contrário da natureza de uma parábola ou de um livro apocalíptico, elas apresentam fundamentalmente uma natureza literal. Em outras palavras, enquanto em parábolas e no Apocalipse a linguagem-padrão empregada é alegórica e só deve ser entendida literalmente caso haja algo ali que indique claramente o contrário, nos livros históricos ou nas cartas é o inverso: a linguagem-padrão é de natureza literal, exceto se o contexto indicar claramente o inverso. Mas quem não faz diferença entre uma coisa e outra, e coloca tudo em um mesmo “saco de farinha”, naturalmente irá encontrar enormes dificuldades pela frente em sua hermenêutica deturpada[4].

O bom exegeta também deve tomar cuidado com hebraísmos, que são forças de expressão comuns entre os hebreus, presentes nas páginas do Antigo Testamento. Essas expressões não devem ser tomadas literalmente. Há alguns anos certo pastor disse que a Terra é quadrada (entre outras sandices), usando como argumento os textos que falam dos “quatro cantos da terra” (Is.11:12)[5]. O hebraísmo era tão evidente que Ezequiel fala dos “quatro cantos da terra de Israel” (Ez.7:2), e ele certamente não pensava que Israel fosse um território quadrado! Até em nosso idioma temos forças de expressão semelhantes, quando dizemos, por exemplo, que “o sol nasceu” ou que “o sol se pôs”, embora saibamos perfeitamente que não é o sol que está em movimento.

Estes hebraísmos são bastante comuns em números. Os números sete e doze, principalmente, tinham um significado bastante especial para o povo judeu. Estes números se encontram amplamente na Bíblia, do Antigo ao Novo Testamento. Quando Jesus respondeu que devemos perdoar “setenta vezes sete” (Mt.18:22), ele não estava dizendo que depois de perdoarmos 490 vezes poderíamos reter o perdão, mas sim que devemos perdoar sempre. Em nosso idioma também costumamos usar expressões semelhantes, como “oito ou oitenta”, ou aplicar ao número dez, mil ou um milhão para um certo número indefinido mas bastante grande, como, por exemplo, se eu dissesse que “eu já te falei isso um milhão de vezes”. É importante tomar cuidado para não literalizar os hebraísmos, mas tentar identificar o que eles querem dizer.

Igualmente importante é saber quando um texto está apresentando uma hipérbole, que também não deve ser interpretada ao pé da letra. Uma hipérbole é quando se aumenta alguma coisa propositalmente, para passar um efeito maior. Os dez espias disseram que “as cidades de Canaã são grandes e fortificadas até aos céus” (Dt.1:28), embora obviamente o sentido era que os muros eram bastante grandes, mas não tão grandes quanto a descrição hiperbólica faz supor. É neste sentido que o salmista diz que “todas as noites faço nadar o meu leito, de minhas lágrimas o alago” (Sl.6:6), e que Paulo afirma que toda criatura que havia debaixo do céu já havia ouvido o evangelho em sua época (Cl.1:23).

Por fim, é importante também não tomar textos poéticos ao pé da letra, precisamente por serem poéticos. Em poesia, é bastante comum o emprego de figuras de linguagem. Tome como exemplo o verso 9 de Isaías 14, que se analisado isoladamente pode transmitir uma falsa ideia de linguagem literal:

“Nas profundezas o Sheol está todo agitado para recebê-lo quando chegar. Por sua causa ele desperta os espíritos dos mortos, todos os governantes da terra. Ele os faz levantar-se dos seus tronos, todos os reis dos povos” (Isaías 14:9)

O que dizem os versos anteriores e posteriores neste caso?

(1) O verso anterior diz que os pinheiros e os cedros do Líbano (árvores) iriam se alegrar e falar: “Agora que você foi derrubado, nenhum lenhador vem derrubar-nos!” (v.8).

(2) Os reis da terra não poderiam estar literalmente no Sheol, pois o texto diz que eles se “levantariam de seus tronos” (v.9), algo que só acontece enquanto o rei ainda vive.

(3) O verso 11 diz que “sua soberba foi lançada na sepultura, junto com o som das suas liras; sua cama é de larvas, sua coberta, de vermes”.

(4) O verso 12 em diante passa a dizer que ele “caiu dos céus” (v.12), que foi “atirado à terra” (v.12), que tentava subir ao céu e colocar seu trono acima das estrelas de Deus (v.13) e que subiria “mais alto que as mais altas nuvens” (v.14).

Diante disso, o mais sensato é tomar o verso 9 literalmente? Certamente não! Trata-se de uma linguagem caracteristicamente poética, cujo teor da mensagem deve ser entendido através de figuras de linguagem.


Análise da Normatividade

Outro ponto onde muita gente falha é em desconsiderar a questão da normatividade. Certamente, tudo aquilo que a Bíblia diz é verdade, mas nem tudo aquilo que ela descreve com veracidade é uma verdade. Vamos supor que você tenha presenciado o seu irmão mentir para a sua mãe, dizendo que vai sair para estudar literatura clássica na biblioteca do colégio, quando na verdade ele vai ao Itaquerão para ver o São Paulo ganhar (facilmente) do Corinthians. Depois de muito relutar, você escreve um bilhete para a sua mãe avisando isso. Então sua mãe decide brigar com você, dizendo que você mentiu, porque você descreveu uma mentira. Você se defende dizendo que apenas relatou a verdade dos fatos, de que seu irmão mentiu, mas ela insiste em dizer que o mentiroso é você, porque você relatou uma mentira, então “você mente”.

Como você reagiria neste caso?

Pois é exatamente isso o que alguns picaretas, geralmente atrelados ao neo-ateísmo, fazem com a Bíblia. Em seu livro “Deus é um Delírio”, ao qual escrevi uma refutação de 1200 páginas[6], Richard Dawkins coloca “na conta de Deus” os pecados de Abraão e de Moisés, o erro de Jefté que sacrificou sua filha, a loucura de Ló em oferecer suas filhas aos sodomitas, a insanidade das filhas de Ló em se deitarem com o pai, o estupro da concubina do levita e sua indiferença ao ato, e assim por diante. O que é que isso tudo prova? Que a Bíblia aprova estas atitudes erradas, mesmo quando cometidas pelos maiores personagens bíblicos? É claro que não. Isso só prova a fidelidade da Bíblia no registro dos acontecimentos, sem embelezamento, a verdade nua e crua.

Isso tudo é descrição, e não prescrição. Talvez Dawkins se assuste em ouvir isso: Abraão era humano como nós. Talvez ele se espante ainda mais em ouvir isso: ele era pecador. E provavelmente ele deveria mesmo é se apavorar com o fato de que os escritores bíblicos, ao invés de fantasiarem uma história e mostrarem os personagens bíblicos perfeitinhos, eram fieis aos acontecimentos e retratavam até mesmo os mais horríveis pecados dos mais notáveis homens. Dawkins, no entanto, mistura prescrição e descrição como se fosse uma coisa só, coloca tudo na conta de Deus e, é claro, culpa os cristãos por tudo isso.

Mas não são só os ateus que confundem descrição com prescrição. Até alguns “crentes” fazem o mesmo. Há não muito tempo surgiu um certo “irmão Rubens”, que gravou um vídeo chamado “A Bíblia Mente”[7], onde o seu único argumento para dizer que a Bíblia é mentirosa é que ela descreve algumas mentiras ditas por certos personagens bíblicos, como Raabe (Js.2:4-6). O illuminático[8] concluiu então que a Bíblia está mentindo, que é uma farsa, uma fraude, uma mentira.

Mas a confusão entre descrição e prescrição vai mais além. Os pregadores da prosperidade incorrem neste equívoco repetidamente, porque os versos em que eles se apropriam para ensinar a teologia da prosperidade são sempre descritivos, e nunca prescritivos. O exemplo mais usual e popular é o de Abraão, que foi, certamente, um homem bastante rico, e era temente a Deus. Mas então, de repente, surge a “conclusão”: nós também devemos ser ricos, se somos tementes a Deus!

Claro que não é preciso ter um raciocínio muito apurado para perceber a falácia nesta afirmação. O texto não está dizendo que “Abraão era rico, e por isso todos os servos de Deus de todas as eras devem ser tão ricos quanto ele” (o que seria uma prescrição). Não. O texto só diz que “Abraão era rico”, e ponto. Pegar a descrição sobre Abraão e aplicá-la normativamente seria como alguém dizer que todos os servos de Deus devem ser miseráveis e esperar a providência divina somente pelas migalhas trazidas por corvos, porque o profeta Elias sobreviveu deste jeito por algum tempo (1Rs.17:1-6). Mas é claro que eles preferem o exemplo de Abraão do que o de Elias ou de qualquer um dos apóstolos, ou mesmo de Jesus!

Há descrições bíblicas de ricos e pobres, mas se pegarmos os textos prescritivos, que são tomados normativamente para a nossa era, nós só vemos isso:

“Se esperamos em Cristo só nesta vida, somos os mais miseráveis de todos os homens” (1ª Coríntios 15:19)

“Pois quem quiser salvar a sua vida a perderá; mas quem perder a vida por minha causa, este a salvará” (Lucas 9:24)

“Vós, ricos, chorai e gemei por causa das desgraças que sobre vós virão. Vossas riquezas apodreceram e vossas roupas foram comidas pela traça. Vosso ouro e vossa prata enferrujaram-se e a sua ferrugem dará testemunho contra vós e devorará vossas carnes como fogo. Entesourastes nos últimos dias!” (Tiago 5:1-3)

“Ao anjo da igreja em Laodicéia escreva: Estas são as palavras do Amém, a testemunha fiel e verdadeira, o soberano da criação de Deus. Conheço as suas obras, sei que você não é frio nem quente. Melhor seria que você fosse frio ou quente! Assim, porque você é morno, nem frio nem quente, estou a ponto de vomitá-lo da minha boca. Você diz: Estou rico, adquiri riquezas e não preciso de nada. Não reconhece, porém, que é miserável, digno de compaixão, pobre, cego e que está nu. Dou-lhe este aconselho: Compre de mim ouro refinado no fogo e você se tornará rico; compre roupas brancas e vista-se para cobrir a sua vergonhosa nudez; e compre colírio para ungir os seus olhos e poder enxergar” (Apocalipse 3:14-18)

“E outra vez vos digo que é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus” (Mateus 19:24)

“Ouvi, meus caríssimos irmãos: porventura não escolheu Deus os pobres deste mundo para que fossem ricos na fé e herdeiros do Reino prometido por Deus aos que o amam?” (Tiago 2:5)

“Vendei o que possuís e dai esmolas; fazei para vós bolsas que não se gastam, um tesouro inesgotável nos céus, aonde não chega o ladrão e a traça não o destrói. Pois onde estiver o vosso tesouro, ali estará também o vosso coração” (Lucas 12:33-34)

“Olhando para os seus discípulos, ele disse: Bem-aventurados vocês os pobres, pois a vocês pertence o Reino de Deus. Bem-aventurados vocês, que agora têm fome, pois serão satisfeitos. Bem-aventurados vocês, que agora choram, pois haverão de rir (...)Mas ai de vocês, os ricos, pois já receberam sua consolação. Ai de vocês, que agora têm fartura, porque passarão fome. Ai de vocês, que agora riem, pois haverão de se lamentar e chorar” (Lucas 6:20-21; 24-25)

“Não ajunteis para vós tesouros na terra, onde a ferrugem e as traças corroem, onde os ladrões furtam e roubam. Mas acumulem para vocês tesouros no céu, onde a traça e a ferrugem não destroem, e onde os ladrões não arrombam nem furtam. Pois onde estiver o seu tesouro, aí também estará o seu coração” (Mateus 6:19-21)

“Se alguém ensina falsas doutrinas e não concorda com a sã doutrina de nosso Senhor Jesus Cristo e com o ensino que é segundo a piedade, é orgulhoso e nada entende. Esse tal mostra um interesse doentio por controvérsias e contendas acerca de palavras, que resultam em inveja, brigas, difamações, suspeitas malignas e atritos constantes entre pessoas que têm a mente corrompida e que são privados da verdade, os quais pensam que a piedade é fonte de lucro. De fato, a piedade com contentamento é grande fonte de lucro, pois nada trouxemos para este mundo e dele nada podemos levar; por isso, tendo o que comer e com que vestir-nos, estejamos com isso satisfeitos. Os que querem ficar ricos caem em tentação, em armadilhas e em muitos desejos descontrolados e nocivos, que levam os homens a mergulharem na ruína e na destruição, pois o amor ao dinheiro é raiz de todos os males. Algumas pessoas, por cobiçarem o dinheiro, desviaram-se da fé e se atormentaram a si mesmas com muitos sofrimentos” (1ª Timóteo 6:3-10)

“Conservem-se livres do amor ao dinheiro e contentem-se com o que vocês têm, porque Deus mesmo disse: ‘Nunca o deixarei, nunca o abandonarei’” (Hebreus 13:5)

“E dizia a todos: Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome cada dia a sua cruz, e siga-me” (Lucas 9:23)

“Então Jesus disse aos discípulos: ‘Digo-lhes a verdade: Dificilmente um rico entrará no Reino dos céus’” (Mateus 19:23)

O que os pregadores da prosperidade fazem com estes versos normativos? Nada. Eles simplesmente fingem que não existem, e nunca os usam em suas pregações. Essa é, aliás, uma das principais características de uma heresia: toma como normativo os textos descritivos, e ignora os textos prescritivos. Fazendo isso, eles invertem a exegese de ponta-cabeça e dão base para toda e qualquer falsa doutrina.


Análise de Anacronismo

O anacronismo “consiste em utilizar os conceitos e ideias de uma época para analisar os fatos de outro tempo”[9]. Essa falácia é bastante utilizada por quem tenta provar algo pela Bíblia baseando-se em um termo ou palavra em especial, a qual é entendida não da forma como originalmente era aceita, mas da forma como é aceita hoje, ou da maneira com a qual é entendida pelo argumentador. Católicos e espíritas, em geral, costumam recorrer muito a erros de anacronismo. Particularmente, considero tarefa difícil debater teologia com um espírita, não porque algo na doutrina deles seja minimamente compatível com as Escrituras, mas porque eles lêem a Bíblia com uma lente kardecista, e para refutar qualquer detalhe é necessária sempre uma análise bem mais profunda dos termos originais.

A palavra mais deturpada por eles é, certamente, o “espírito”. Quando a Bíblia fala de “espírito maligno” (At.19:15), sabemos que ela não está se referindo a um fantasminha que saiu do corpo de algum ser humano e que está agora em um “mundo dos espíritos”, mas sim a demônios, que biblicamente são anjos caídos. Mas tente dizer isso a um espírita. Você primeiro precisa explicar toda a teologia sistemática em torno de demonologia, para só depois continuar a argumentação. Chega a ser cansativo.

Os católicos costumam incorrer no mesmo equívoco anacrônico, só que com outras duas palavras: Igreja e tradição. Embora seja bem conhecido que o sentido bíblico primário de “Igreja” (ekklesia) seja da reunião espiritual entre todos os cristãos do mundo, e não uma referência a uma placa de igreja ou instituição religiosa em particular, os católicos lêem a Bíblia com as lentes de Roma, e, consequentemente, subtendem sempre que a palavra “Igreja” no Novo Testamento se refira à “Igreja Católica Apostólica Romana” (que sequer existia na época!).

A outra palavra distorcida pelos apologistas católicos é a “tradição”. Na Bíblia, essa palavra nunca tem o sentido de “doutrina fora da Escritura”, mas se referia aos costumes e práticas que não tinham valor doutrinário normativo[10]. Os Pais da Igreja também falavam muito sobre a “tradição”, mas, novamente, nunca no sentido de “doutrina extraída fora da Bíblia”. Em meu livro “Em Defesa da Sola Scriptura”, eu provo com mais de 400 citações dos Pais da Igreja que a tradição não tinha nada a ver com doutrinas pregadas apenas oralmente e não fundamentadas em lugar nenhum da Bíblia, mas que dizia respeito a doutrinas ensinadas na Escritura, ou a costumes, ou a interpretações bíblicas. Nunca, em parte alguma das milhares de obras patrísticas examinadas, tinha o sentido católico-romano do termo[11].

O interessante é que este mesmo argumento também é usado pelos católicos ortodoxos orientais, separados de Roma desde 1054 d.C. Eles também usam a palavrinha mágica “tradição” como a “prova” de sua doutrina, mas, neste caso, não fazem referência à tradição romana, mas à tradição ortodoxa, é claro. O detalhe é que ambos defendem sua própria tradição usando a mesma fonte como referência, e falhando pelo mesmo erro de anacronismo. Romanos e ortodoxos tem tradições divergentes e distorcem o sentido do mesmo termo em cima de textos isolados dos Pais da Igreja, cada qual para provar seu próprio ponto de vista.

Até mesmo os muçulmanos que tentam interpretar a Bíblia falham pelo anacronismo. Como eles creem que o “consolador” é Maomé, eles trazem este conceito para dentro de sua interpretação da Bíblia, resultando em enormes equívocos. Sabemos que o Consolador, de fato, é o Espírito Santo (Jo.15:26), não homem algum.

Não tenho tempo aqui para analisar e refutar cada erro de anacronismo de cada igreja, religião ou seita, mas essas observações iniciais servem para deixar o leitor em estado de alerta para não incorrer no mesmo equívoco. Ao invés de sair por aí proclamando vitória por causa de uma palavra controvertida, consulte um léxico de grego, faça uma pesquisa sobre o contexto de cada uma das ocorrências do termo na Bíblia, e, se for possível, faça uma pesquisa histórica sobre como essa mesma palavra era entendida historicamente naquela própria época. Isso evitará cometer eisegese baseado em um entendimento moderno e distorcido de um termo original gramaticalmente idêntico, mas de significado oposto ao que se pretende.


Análise de Eisegese

O maior recurso de todos os que “torcem as Escrituras” (2Pe.3:16) é conhecido como eisegese. Enquanto a exegese busca extrair o significado de um texto mediante legítimos métodos de interpretação, a eisegese consiste em injetar em um texto alguma coisa que não está ali, mas que o intérprete quer que esteja. O prof. Antônio Renato Gusso, em sua obra sobre hermenêutica, conta que certa vez um rapaz que ia pregar na igreja dele já tinha todo o esboço do culto preparado, mas só faltava uma coisa: os textos bíblicos! Então, este rapaz foi consultá-lo para que ele lhe dissesse quais textos bíblicos poderiam ser usados para fundamentar sua pregação![12]

Claramente, o pregador estava praticando eisegese, ao invés de exegese. Em vez de ler as Escrituras com a devida atenção e extrair dela o conteúdo da pregação, o autor já tinha uma ideia pronta na cabeça e só queria usar versos isolados da Bíblia para dar base a esta convicção. Alguns ícones da teologia da libertação defendem explicitamente esse método. Para eles, é errado extrair da Bíblia o seu significado. O correto é injetar nela aquilo que ajuda na “luta de classes” em favor dos “oprimidos”. É desta forma que alguns deles consideram Abraão um “opressor”, assim como todos os ricos descritos na Bíblia (ainda que a mesma descreva Abraão de uma forma totalmente oposta).

Não é nada raro encontrarmos exemplos práticos de eisegese. Eles existem por todos os lados, o tempo todo, sendo incansavelmente praticado por aqueles que deixam de crer no que a Bíblia diz, para fazer a Bíblia dizer o que eles creem. Quem costuma praticar eisegese não se preocupa com o significado de um texto para seus receptores originais, mas tenta perverter este significado para torná-lo mais próximo de seus próprios conceitos teológicos. Desde a época de Pedro já é dito que “os ignorantes e instáveis torcem as Escrituras, para a própria destruição deles” (2Pe.3:16).

O maior ícone atual da eisegese no Brasil é, sem dúvida, Paulo Leitão, um comediante papista que tenta dar “fundamento bíblico” às doutrinas romanas, sempre nos presenteando com muitas gargalhadas. Leitão é um profissional nato da eisegese, ao ponto de às vezes parecer quase acreditar naquilo que diz. Ele tem vídeos onde defende o purgatório com dezenas de provas “bíblicas”, e até mesmo a intercessão dos santos desde o livro de Jó(!) até o Apocalipse. É um verdadeiro fenômeno da eisegese. Eu já escrevi algumas refutações ao mesmo[13], mas parei depois de suspeitar que ele seja um evangélico se fingindo de “católico” infiltrado no lado de lá para abaixar o nível da apologética romanista.

Um dos textos citados por Leitão na defesa da intercessão dos “santos” falecidos foi este:

“Nisto ouvi como que um imenso coro, sonoro como o ruído de grandes águas e como o ribombar de possantes trovões, que cantava: Aleluia! Eis que reina o Senhor, nosso Deus, o Dominador! Alegremo-nos, exultemos e demos-lhe glória, porque se aproximam as núpcias do Cordeiro. Sua Esposa está preparada” (Apocalipse 19:6-7)

Não me pergunte onde foi que ele viu intercessão de gente morta aí. Eu também não sei. Mas ele viu[14]. E com um pouco de esforço e bastante imaginação, qualquer um pode ver qualquer coisa na Bíblia. Só precisa de muita criatividade e de desonestidade maior ainda.

Enquanto os católicos mais honestos admitem que não há base bíblica para muitas de suas doutrinas e por isso se apoiam na tradição contra a Sola Scriptura, Leitão e outros fenômenos modernos da eisegese estão lutando uma luta em vão para dar fundamento eisegético a doutrinas que claramente só eles que veem nos textos que citam. Um dos “melhores” argumentos desta apologética papista moderna é o do silêncio: se a Bíblia declara que Jesus disse muitas coisas que não foram escritas (Jo.20:30; 21:25), conclui-se imediatamente que estas coisas eram justamente todas as doutrinas católicas que não constam em parte nenhuma daquilo que foi escrito!

Ao invés de agir com prudência e cautela sobre o que não foi dito, ficando com aquilo que foi dito, eles descem o pé no acelerador e pisam fundo no campo das suposições, hipóteses, devaneios e delírios. Não é à toa que os mórmons, os espíritas, os muçulmanos e praticamente todas as seitas apostam na mesma cartada: entre essas “muitas outras coisas que não foram escritas” os mórmons presumem que está a ida de Jesus à América, os espíritas concluem que está a reencarnação, os muçulmanos acham que estão profecias sobre Maomé, e assim por diante. O eisegeta vai sempre se basear mais naquilo que nunca foi dito, mas que ele quer que tenha sido dito, do que naquilo que realmente foi dito – principalmente se o que foi dito é um golpe de morte em suas próprias invenções eisegéticas.


Análise do Sentido

Outro meio fácil de identificar eisegese é quando a conclusão tirada dos textos não tem lógica alguma. É verdade que parte dos erros de interpretação parecem “lógicos” (do ponto de vista de que, mesmo sendo errados, ainda parecem superficialmente convincentes), mas muitas outras vezes a conclusão “salta” das premissas e deixa as coisas um tanto ilógicas e incoerentes. Aqueles que defendem a tese de que o corpo da ressurreição é meramente um corpo “espiritual” no sentido de “não-físico” não veem qualquer distinção real entre isso e o estado intermediário, que, para eles, é onde os mortos estão agora em forma de “espíritos”. Mas se os mortos já são espíritos, pra que “ressuscitar” em forma “espiritual”? Simplesmente não tem sentido.

Qual é a lógica ou coerência em um espírito (algo imaterial) ser revestido de um “corpo espiritual” (algo imaterial) é um mistério irracional que nunca foi explicado, porque de fato não tem nenhuma explicação racional. Algo que já é imaterial não precisa ser revestido ou transformado em algo também imaterial, e isso sequer é possível. Se existe uma ressurreição, ela precisa ser física, ou o próprio sentido da mesma se perde. Se há realmente uma ressurreição que acontece quando Jesus voltar, é obviamente necessário que ocorra alguma mudança fundamental no panorama, e não que tudo continue o mesmo. Mas se já estamos no Céu como “espíritos” antes da ressurreição, e se continuaremos no Céu como “espíritos” depois da ressurreição, então essa tal “ressurreição” é simplesmente uma redefinição sutil do termo para significar “nada”.

Ou então tente ler o seguinte texto bíblico sob a ótica determinista (doutrina que afirma que tudo o que acontece foi decretado ou determinado por Deus desde a eternidade):

“Jerusalém, Jerusalém, você, que mata os profetas e apedreja os que lhe são enviados! Quantas vezes eu quis reunir os seus filhos, como a galinha reúne os seus pintinhos debaixo das suas asas, mas vocês não quiseram (Mateus 23:37)

O que o texto diz? Que Jesus quis reunir Israel, mas eles não quiserame como consequencia disso eles foram julgados. Se não há livre-arbítrio, então quem na verdade não quis que os israelitas se reunissem com Deus foi o próprio Deus, que já havia determinado isso, sem que o homem pudesse fazer nada a respeito para contrariá-lo. Se foi Deus que determinou infalível e irremediavelmente que os israelitas rejeitariam, então Lemke está certo quando diz que “o lamento de Jesus deveria teria sido sobre a dureza do coração de Deus”[15].

O determinista típico vai responder que Deus quis determinar que os israelitas não quisessem, e que mesmo assim demonstrou bipolaridade ao dizer que na verdade não queria não, e que os culpados eram os israelitas por não terem se oposto a um decreto do qual era totalmente impossível se opor. Por mais ilógico e irracional que isso seja, ainda assim há gente que irá preferir crer que tudo foi determinado por Deus e que este mesmo Deus reclama por alguém ter rejeitado um convite dele, quando foi da determinação do próprio Deus que eles rejeitassem[16].

Quando analisamos o sentido de um argumento, há coisas que se encaixam, e coisas que não se encaixam de jeito nenhum. Geralmente, os que não conseguem encaixar sua teoria tentam encaixá-la de qualquer jeito, mesmo que para isso tenham que fazer aquilo que chamamos de “malabarismo hermenêutico”, que é quando alguém faz de tudo para tentar dar sentido a algo que definitivamente não tem sentido nenhum. Na dúvida, é melhor ficar com aquilo que tem sentido, do que com aquela interpretação que parece completamente forçada e antinatural.


Análise do Fundo Cultural

Há textos cuja interpretação depende do fundo histórico onde ele se situa. Isso não significa, no entanto, que devamos relativizar todo o evangelho para se adaptar à cultura mundana ou secular de cada povo. Ao contrário, o Cristianismo é muito melhor descrito como uma “contracultura”, que está a todo tempo em uma guerra espiritual contra as forças do mundo. É por isso que João disse que “o mundo jaz no maligno” (1Jo.5:19), e que Tiago declarou que “quem quer ser amigo do mundo se torna inimigo de Deus” (Tg.4:4). Não se trata especificamente de adaptar o evangelho à cultura secular, mas sim de identificar onde está a essência do problema, e a sua respectiva aplicação.

Em outras palavras, em toda proibição bíblica há um princípio eterno que vale para todas as eras, mas a aplicação deste princípio varia em relação à época e cultura. Recentemente uma “igreja” decidiu fazer “cultos” onde todo mundo pode ficar pelado, desde o padre até os irmãos da igreja[17]. Eles queriam viver como Adão e Eva antes da Queda. O padre prega completamente nu no púlpito. Logicamente, qualquer pessoa minimamente sensata sabe que isso é abominável, e de fato chega a ser uma ofensa ou blasfêmia contra Deus.

Mas pense agora se esta mesma igreja estivesse em uma zona indígena, e que todos os membros dali fossem índios, que sempre viveram com pouca ou nenhuma roupa sem qualquer conotação sexual ou malícia. Você consideraria isso uma ofensa ou blasfêmia contra Deus? Você iria vestir os índios, que sempre viveram daquele jeito sem nunca terem entendido isso de forma maldosa ou erótica? Eu não. E todos os missionários que já tentaram vestir os índios falharam miseravelmente, tanto na tentativa de vesti-los quanto na tentativa de evangelizá-los. Naquela cultura, a nudez pública não é um mal.

Note que o princípio de santidade e pureza é eterno, mas a aplicação deste princípio é variável. Em nossa cultura, ficar pelado ou seminu em público é algo extremamente vulgar e imoral. Na cultura deles, isso é algo natural sem nenhuma malícia ou maldade, que não afeta a santidade e pureza. Não é o princípio que muda, e sim a aplicação deste princípio. Como este é um assunto longo e polêmico, deixarei para comentar mais sobre isso no capítulo 9 deste livro, que abordará temas como o uso de tatuagens, de véu, de jóias e de cabelo comprido.


Análise do original grego ou hebraico

Alguns textos polêmicos não são polêmicos apenas pela interpretação que se dá a eles, mas também pela própria tradução. Embora problemas com traduções conflitantes seja algo que ocorra em uma minoria de vezes, não é nem um pouco incomum. E quando isso sucede, é necessário que você saiba hebraico e grego, ou que, pelo menos, tenha em mãos um bom léxico de hebraico e grego (ou, melhor ainda, vários bons léxicos!). Na verdade, mesmo para quem sabe tudo de grego, ainda assim a sua própria sapiência não é o suficiente em um trabalho acadêmico ou em um debate formal. Não basta ele dizer o que uma palavra significa, ele tem que provar que ela significa isso mesmo. No fim das contas, tanto aquele que sabe quanto aquele que não sabe os idiomas originais terão que recorrer aos dicionários de grego e hebraico.

Com o avanço da internet, ter acesso a este conhecimento ficou bem mais simples. A Concordância de Strong é livremente acessível para todos (disponível na nota de rodapé deste livro)[18], e há sites que disponibilizam diversas ferramentas que ajudam muito neste sentido. O site “Bible Hub”[19] é uma pérola riquíssima para quem quiser ter acesso online a diversos materiais extremamente relevantes na parte de tradução e de comentários bíblicos diversos. Ainda assim, o mais recomendável é que o estudioso pelo menos tente fazer um curso de introdução ao grego bíblico. Hoje em dia, nem dinheiro é desculpa: há vários cursos online e gratuitos de grego, inclusive em vídeos no YouTube.

Há alguns casos que são mais complicados, onde o problema não reside tanto na tradução em si, mas na divergência de manuscritos. Trata-se de problemas abordados pela Crítica Textual, que é uma área complexa que foi melhor abordada no capítulo 7 do meu livro “As Provas da Existência de Deus”[20], e que não vem ao caso discutir novamente. O fato é que certos textos aparecem em uns manuscritos antigos e não aparecem em outros, ou então aparecem em alguns de uma forma, e em outros de uma forma bastante diferente. Embora seja muito difícil para qualquer pessoa ter acesso a todos os mais de cinco mil manuscritos gregos antigos, todos os três códices mais importantes (Vaticano[21], Sinaítico[22] e Alexandrino[23]) estão disponíveis online, o que facilita bastante a tarefa do exegeta.


Análise da História

Por fim, uma análise histórica é sempre imprescindível para quem almeja chegar mais perto do significado pretendido pelo autor. Embora somente a Bíblia seja normativa, inspirada e inerrante, ler a literatura judaica (no caso de textos do Antigo Testamento) e a patrística (no caso de textos do Novo Testamento) é sempre importante, porque ajuda a nos levar mais próximo daquilo que os receptores da mensagem originalmente entenderam. É óbvio que, em casos onde a Bíblia é clara sobre uma questão, nada que algum rabino ou Pai da Igreja afirmar irá mudar isso. Mas há textos dúbios e ambíguos, que permitem razoavelmente mais de uma única interpretação, e nestes casos o que a história afirma a respeito é ainda mais valioso.

A literatura útil do Antigo Testamento é mais escassa do que a do Novo, mas podemos destacar o livro de Enoque, o livro da Assunção de Moisés, os Odes de Salomão, o Salmo 151, 1º e 2º Esdras, 3º e 4º Macabeus, a Oração de Manassés, o Livro dos Jubileus, 4º Baruque, o Apocalipse de Elias, o Livro de Jasar, além dos sete apócrifos acrescentados pelos católicos em suas Bíblias (1º e 2º Macabeus, Sabedoria, Eclesiástico, Tobias, Judite e Baruque, além das adições aos livros de Daniel e de Ester). Todos estes livros judaicos não são canônicos e contém certos erros teológicos, mas ainda assim tem sua relevância histórica e devocional, foram estimados até certo ponto pelos judeus e em alguns casos podem nos ajudar a desvendar a interpretação de alguns textos que são para nós ambíguos ou críticos.

No caso do Novo Testamento, o conteúdo relevante que temos vem da patrística, que são os escritos dos Pais da Igreja, os cristãos que sucederam os apóstolos depois da morte deles. Neste quesito, deve se dar credibilidade maior para aqueles que conviveram mais de perto com os apóstolos e que escreveram em data mais antiga, como Clemente de Roma (35-97), Inácio de Antioquia (35-107), Policarpo (69-155), Papias (70-155), Hermas (70-155) e a Didaquê (60-90). No segundo século aparecem escritores como Aristides (75-134), Barnabé (80-150), Justino (100-165), Teófilo (120-186), Taciano (120-180), Melito (120-180), Irineu (130-202) Orígenes (185-253), Clemente Alexandrino (150-257) e Atenágoras (133-190).

Os escritores a partir do terceiro século têm menos ligação com os apóstolos, mas ainda assim não devem ser de todo ignorados. Em todo caso, o mesmo critério que vale com os livros judaicos também se aplica aos patrísticos: tais obras foram escritas por homens falíveis que poderiam errar e até mesmo ter algum escrito seu posteriormente adulterado por copista, mas isso não tira a importância histórica que eles desfrutam, quanto maior for a sua proximidade com os apóstolos. Como já foi mencionado, uma doutrina crida unanimemente pelos judeus do Antigo Testamento ou pelos primeiros Pais da Igreja é quase impossível de ser falsa, pois exigiria que a mensagem original tivesse sido corrompida em um espaço de tempo muitíssimo curto.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (www.lucasbanzoli.com)


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[1] Tome isso apenas como uma concessão para o bem do argumento (obviamente eu não creio que nós literalmente voaremos na eternidade!).
[3] Sabe-se que o tamanho das estrelas é maior do que o do nosso planeta e se caíssem estrelas sobre a terra esta acabaria no mesmo instante e o Apocalipse teria fim.
[4] Mais informações sobre como diferenciar o literal e o alegórico na Bíblia você encontra em: http://ocristianismoemfoco.blogspot.com.br/2015/07/como-diferenciar-o-literal-do-alegorico.html
[8] Só os fortes entenderão.
[10] Alon Franco fez um ótimo artigo a este respeito, disponível em: http://agrandecidade.com/2015/08/14/paulo-e-as-tradicoes-do-catolicismo/
[12] Antônio Renato Gusso. Como entender a Bíblia. Curitiba: A. D. Santos, 1998, p. 81.
[14] Ele disse isso no minuto 24:07 deste vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=f1YRu4daESo
[15] Lemke, "A Biblical and Theological Critique of Irresistible Grace”, in Whosoever Will: A Biblical-Theological Critique of Five-Point Calvinism, ed. David L. Allen and Steve W. Lemke (Nashville, TN: Broadman & Holman, 2010), p. 120.
[16] Leia mais sobre o determinismo em: http://apologiacrista.com/determinismo-calvinista
[17] Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=SlgylxDGB24. Qualquer ânsia de vômito ao assistir ao vídeo não é culpa minha.

O protestantismo é do diabo porque é "dividido"? Então vá estudar história da Igreja!

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O principal – e talvez único – ataque dos papistas raivosos contra os evangélicos é o “argumento da divisão”. Enquanto o militante tridentino espuma pelos dentes, ele diz algo mais ou menos assim:

– O protestantismo é dividido! Vocês têm um monte de doutrinas diferentes, seus hereges satânicos, filhos da serpente! A Igreja Católica é una, então ela é verdadeira!

Em meus vários artigos já escritos sobre o tema, mostrei inúmeras falhas neste argumento do desespero, entre eles: (a) o fato de que o tamanho dessa “divisão” é sempre enormemente aumentado pelo debatedor católico desonesto, que sempre inclui igrejas como mórmons e testemunhas de Jeová no mesmo grupo de “protestantes”, para tentar aumentar as “divergências” (leia aquisobre este truque); (b) o fato de que há religiões mais unidas do que a católica; (c) o fato de que pluralidade não implica necessariamente em apostasia, desde que não conflite com uma doutrina fundamental; (d) o fato de que os próprios católicos são divididos.

Só este último ponto já seria o suficiente para esmagar as pretensões de um apologista católico desonesto que queira usar o argumento da divisão contra os evangélicos. Se tem uma igreja que foi desde sempre cismática, arrogante, orgulhosa e litigiosa, esta foi a igreja de Roma, cuja prepotência se tornou tão insuportável que causou o grande cisma de 1054 d.C com a igreja ortodoxa, anos antes dos cruzados romanos saquearem Constantinopla, assassinando cristãos ortodoxos e colocando prostitutas no trono do patriarca oriental.

Ainda hoje esta igreja afundada na mais profunda depravação moral é completamente fragmentada entre a renovação carismática católica, os teólogos da libertação, os sedevacantistas, os tradicionalistas, os modernistas, os liberais, os ecumênicos, os tridentinos, os olavetes, os episcopais, os veterocatólicos e os padres "comunistas" da CNBB. Todos brigando entre si dia e noite nas redes sociais, se excomungando mutuamente o tempo inteiro, pregando ensinos diferentes e se dizendo os verdadeiros e únicos porta-vozes da “santa” e “una” Igreja de Cristo. Depois de ler este artigosobre o “UFC Católico”, só um verdadeiro lesado poderia ter a cara de pau de usar o argumento sem vergonha da “divisão” contra os protestantes. Primeiro retirem a trave do seu olho.

Mas mesmo que a Igreja Romana fosse o mar de flores e o conto de fadas que os embusteiros papistas tentam passar, será que a pluralidade de doutrinas protestantes seja por si só o bastante para impugnar a fé evangélica? Se alguém pensa assim, só mostra uma coisa: que não entende porcaria nenhuma de história da Igreja. Diferente deste mundo de fantasia em que os zumbis tridentinosse encontram, a Igreja primitiva tinha muitíssimas divergências – doutrinárias, inclusive, e algumas delas muito sérias. Ainda na época de Paulo, a igreja da Galácia estava mergulhada em heresias judaizantes, ao ponto do apóstolo ter dito:

“Será que vocês são tão insensatos que, tendo começado pelo Espírito, querem agora se aperfeiçoar pelo esforço próprio? Será que foi inútil sofrerem tantas coisas? Se é que foi inútil!” (Gálatas 3:3-4)

A igreja de Corinto, por outro lado, estava cheia de gente que não cria na ressurreição (1Co.15:12), o que levou Paulo a escrever o maior capítulo das epístolas para corrigir este erro. Ela ainda tinha fortes influências liberais, pois os irmãos dali estavam orgulhosos de uma prática imoral e incestuosa praticada por um homem dali (1Co.5:1-2), o qual mantinha relações com a mulher de seu pai. Ela também tinha alguns “excessos pentecostais”, por assim dizer, supervalorizando e usando errado o dom de línguas, o que levou o apóstolo a escrever todo o capítulo 14 de sua primeira carta para corrigir isso também.

A igreja de Colossos estava, aparentemente, sendo alvo de um início de heresia gnóstica (Cl.2:8). Quando João escreveu sua terceira epístola, ele faz menção a um líder eclesiástico de alguma igreja desconhecida, o qual agia como ditador, excomungando a seu bel-prazer qualquer um que ele não fosse com a cara:

“Escrevi à igreja, mas Diótrefes, que gosta muito de ser o mais importante entre eles, não nos recebe. Portanto, se eu for, chamarei a atenção dele para o que está fazendo com suas palavras maldosas contra nós. Não satisfeito com isso, ele se recusa a receber os irmãos, impede os que desejam recebê-los e os expulsa da igreja” (3ª João 1:9-10)

A igreja de Tessalônica, por sua vez, sofria de graves erros escatológicos, ao ponto de pensarem que Jesus voltaria imediatamente (2Ts.2:2). Novamente, Paulo precisou dedicar um capítulo inteiro para corrigir este equívoco teológico e reafirmar os eventos que precederiam a volta de Jesus. Paulo ainda fez menção a crentes desonestos, que pregavam a Cristo por “inveja e rivalidade” (Fp.1:15), e a outros que tentavam lucrar com o evangelho (1Tm.6:5). Aos romanos, Paulo fez menção ao fato de que alguns guardavam dias e outros não (Rm.14:5), que alguns comiam carne e outros não (Rm.14:2), e que era para cada um tolerar o outro e tentar viver em harmonia assim mesmo (Rm.14:3).

Quando chegamos às cartas às sete igrejas, o cenário fica ainda mais crítico. A igreja de Éfeso havia perdido seu primeiro amor (Ap.2:4-5); a igreja de Pérgamo se apegava aos ensinos dos nicolaítas (que incluía a poligamia), seguia a Balaão, praticava imoralidade e sacrificava aos ídolos (Ap.2:14-16); a igreja de Tiatira tolerava Jezabel, também praticava imoralidade, sacrificava aos ídolos e não se arrependia dos pecados (Ap.2:20-23); a igreja de Sardes estava a ponto de morrer e tinha apenas uns poucos que não haviam apostatado (Ap.3:1-4); e a igreja de Laodiceia ensinava teologia da prosperidade e seria vomitada da boca de Cristo (Ap.3:14-19).

Não estamos falando aqui de igrejas “sectárias”, mas das igrejas consideradas cristãs no primeiro século – aquelas mesmas a quem Paulo escrevia chamando de “igreja de Deus” (1Co.1:2). Numerosas heresias diferentes e doutrinas divergentes em cada canto, e mesmo assim... eram igrejas de Deus!

O conto de fadas do zumbi tridentino, que tem em mente aquela imagem bonitinha da igreja perfeita, fica ainda pior quando lemos os escritos dos Pais da Igreja e temos contato com as enormes divergências doutrinárias e discussões teológicas da época. Agostinho discutia com Jerônimo sobre se os judeus tinham ainda que guardar a lei ou não (Jerônimo cria que não, e Agostinho dizia que sim)[1]. Os primeiros cristãos (como Papias, Clemente, Irineu e a Didaquê) criam em um milênio terreno e eternidade na nova terra, enquanto os Pais de data posterior (como Eusébio e Agostinho) adotavam o amilenismo e espiritualizavam o milênio. 

Enquanto Jerônimo, Epifânio e Agostinho defendiam a virgindade perpétua de Maria, cristãos como Eusébio[2], Vitorino e Tertuliano[3]discordavam. Clemente de Alexandria escreveu que em sua época a maioria dos crentes não cria que Maria permaneceu virgem depois do nascimento de Jesus, embora ele próprio cresse no contrário[4]. A questão da pecabilidade de Maria também foi alvo de muita divergência. Tertuliano, Irineu, Basílio, Crisóstomo e Cirilo de Alexandria afirmavam explicitamente que Maria pecou. Cirilo de Jerusalém e Gregório Nazianzeno ensinavam que Maria foi santificada algum tempo antes do nascimento de Jesus, mas não desde a concepção. Agostinho e Ambrósio defendiam a impecabilidade de Maria, mas não a imaculada conceição, que foi defendida por Teodoreto[5].

Em meu livro mais recente, mostrei centenas de citações onde os primeiros cristãos (entre eles Inácio, Clemente, Policarpo, Hermas, Barnabé, Polícrates, Justino, Aristides, Taciano, Teófilo e a Didaquê) rejeitavam a tese da imortalidade incondicional da alma[6]. Por outro lado, a partir do final do século II essa doutrina passou a ser ensinada por Atenágoras, e depois por Tertuliano, Clemente de Alexandria e Orígenes. Os últimos dois, por sinal, eram explicitamente universalistas (i.e, criam na salvação e vida eterna do diabo e dos ímpios no final), assim como Gregório de Nissa[7]. Eles também tinham divergências sobre a origem da alma: desde a alma como o corpo visível (Taciano), passando pelo traducianismo materialista (Tertuliano) e chegando ao traducianismo espiritualista (Agostinho).

Embora os Pais da Igreja em geral tenham defendido o livre-arbítrio, o mais importante deles, Agostinho, cria numa eleição incondicional[8]. Embora o Concílio de Niceia tenha prescrito o celibato dos sacerdotes, Clemente de Alexandria e Eusébio disseram que os apóstolos eram casados, e foram contra o celibato obrigatório[9]. Embora Agostinho fosse contra juramentos[10], João Crisóstomo defendia isso abertamente[11]. Embora Lactâncio tenha pregado vigorosamente contra o uso da força[12], Agostinho foi enfaticamente em favor da coerção[13].

A questão do divórcio também era outro ponto de bastante polêmica e divergência. Tertuliano, Lactâncio e Cirilo de Alexandria defendiam que o divórcio era permitido em casos de adultério, ao passo em que Jerônimo, Clemente de Alexandria, Orígenes e Agostinho eram contra até neste caso[14]. Tertuliano e Atenágoras eram tão mais rigorosos que diziam que até os viúvos que se casassem de novo estariam cometendo adultério![15]

Como era de se esperar, os primeiros cristãos também divergiram sobre a questão do batismo. Tertuliano se posicionou explicitamente contra o batismo infantil[16], e a Didaquê torna extremamente improvável que bebês fossem batizados[17]. A partir do terceiro século, Orígenes começa a pregar o batismo infantil e a influenciar os Pais da Igreja da mesma época. Mesmo assim, muitos deles, que nasceram cristãos, não foram batizados senão apenas na idade adulta, o que mostra que esta ainda não era uma prática universalizada na Igreja[18]. Vale ressaltar ainda que tanto a Didaquê quanto Cirilo de Jerusalém ensinaram expressamente o batismo por imersão[19], e também lembrar a famosa briga entre Cipriano, a favor do rebatismo, e Estêvão, que era contra[20].

Até a data da Páscoa foi alvo de enorme polêmica no segundo século. Na época, Policarpo entrou em conflito com Aniceto por causa do dia da celebração[21], o que se repetiria mais tarde entre Polícrates e Vitor, precisando da intervenção de Irineu para apaziguar os ânimos, já que se falava até de excomunhão por conta desta divergência[22]. Faltaria-me tempo para mencionar aqui divisões sobre a cláusula filioque, sobre culto às imagens, sobre eucaristia, sobre liturgia, sobre livros canônicos e apócrifos, sobre o limite da jurisdição e autoridade do bispo romano, sobre a quantidade de juízos futuros, sobre escatologia, bem como de tantas outras divergências entre as igrejas cristãs e bispos cristãos dos primeiros séculos, daquela mesma Igreja conhecida como “universal” ou “católica”, da qual os romanistas dizem que faziam parte.

Basta ler um livro decente sobre história da Igreja para perceber que a Igreja pintada pelos apologistas católicos é uma fantasia criada pela mente fértil do leigo alienado. Enquanto o papista burro pensa que “unidade” significa uma Igreja totalmente harmoniosa que não possui divergência teológica nenhuma uns com os outros, uma análise básica da história da Igreja nos mostra precisamente o contrário. Mas se o conflito e as divergências sobre doutrina impugnam necessariamente uma igreja, tornando-a “satânica”, então nem as igrejas cristãs da época de Paulo (que estavam cheias de erros), muito menos as igrejas primitivas da era patrística (que também tinham inúmeras divergências teológicas entre si) deveriam ser consideradas “cristãs” mesmo.

Pela lógica do papista, teriam que ser consideradas “satânicas”, e a Igreja mesmo só teria surgido séculos mais tarde, quando o bispo romano, de forma unilateral e ditatorial, proclamou sua própria “jurisdição universal”, mandando e desmandando em Roma da forma que bem entendesse. De fato, é só assim que se consegue a tão sonhada “unidade” da utopia do papista burro: com um ditador que dita todas as regras do jogo, em seus mínimos detalhes, decidindo tudo o que alguém deve crer, e no que não deve. Mas nem essa igreja romana medieval existe mais: atualmente, o papa é mais fantoche que ditador. Ele permite e até incentiva movimentos internos conflitantes na ICAR, como todos os outros que já mencionei.

Os católicos da renovação carismática praticam o falar em línguas pentecostal igual os “protestantes satânicos” fazem, tem retiros de cura interior e libertação igual os “protestantes satânicos” têm, praticam o “cair no Espírito” igual os “protestantes satânicos” praticam, quebram maldições hereditárias igual outros “protestantes satânicos” quebram, tem liturgia moderna igual os “protestantes satânicos” tem, e na raiz de seu movimento tem a pesada influência de livros escritos por “protestantes satânicos”, como o pastor David Wilkerson.

No vídeo abaixo, o padre Jonas, da RCC, ensina o catoleigo a falar em línguas:


Aqui tem legendado, para ficar mais fácil de aprender e praticar:


Neste outro vídeo, o padre derruba as freiras no chão pelo “cair no Espírito”:


Neste outro vídeo, um padre muito famoso diz que o demônio não existe, e desafia Lúcifer e Belzubi contra ele:


Neste outro vídeo, o padre Pinto faz missa junto com os macumbeiros:


Neste outro vídeo, os católicos franceses fazem missa junto com os adeptos do candomblé, com todos os "pais de santos" dentro da igreja, e logo depois vão dançar axé com a Margareth Menezes:


Em meio a tudo isso, o que o papa Francisco faz? Excomunga todos do movimento carismático? Não. Na verdade, ele disse isso:

“Eu vou dizer uma coisa: nos anos 1970, início dos 1980, eu não podia nem vê-los. Uma vez, falando sobre eles, disse a seguinte frase: eles confundem uma celebração musical com uma escola de samba. Eu me arrependi. Vi que os movimentos bem assessorados trilharam um bom caminho. Agora, vejo que esse movimento faz muito bem à igreja em geral. Em Buenos Aires, eu fazia uma missa com eles uma vez por ano, na catedral. Vi o bem que eles faziam. Neste momento da igreja, creio que os movimentos são necessários. Esses movimentos são uma graça para a igreja. A Renovação Carismática não serve apenas para evitar que alguns sigam os pentecostais. Eles são importantes para a própria igreja, a igreja que se renova[23]

E, mesmo assim, ainda tem um bando de tridentino fanático dizendo que “a Igreja Católica é una” e que não tem absolutamente nenhuma divergência doutrinária interna. Alguns mais fanáticos ainda dizem que “a RCC não é catolicismo” (nem o papa deve ser “catolicismo” então!).

Em suma, da próxima vez que um tridentino doente vier usar o argumento da divisão contra você, faça ele tirar a trave que cega o olho dele, e mande-o estudar a história da Igreja, para ver se ela era essa unidade doutrinária total que só existe no mundo de faz-de-conta dos zumbis tridentinos, os quais vivem encerrados numa torre de marfim, totalmente desconectados do mundo real, ainda esperando o dia em que o papa finalmente colocará para debaixo dos seus pés todos os “inimigos da Igreja”.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (www.lucasbanzoli.com)


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[1]Agostinho, em Carta a Jerônimo.
[2] História Eclesiástica, Livro II, 1:2.
[3] Contra Marcião IV, 19.
[4] Stromata, 7, 16.
[7]Gregório de Nissa, Da Alma e da Ressurreição.
[8]Agostinho, A Vocação dos Eleitos.
[9] História Eclesiástica, Livro III, 30:1-2.
[10] Do Sermão do Monte, 17.
[11] Comentário ao Evangelho de Mateus, Discurso XVII, 6.
[12] Epitome divinarum institutionum, Livro V, 20.
[13] Carta a Vicente.
[14] Bernardo Bartmann, Teologia Dogmatica, vol. III, pag. 391.
[15]Atenágoras, Petição em Favor dos Cristãos, 33.
[16]Tertuliano, Do Batismo.
[17]Didaquê, c. 7.
[19]Cirilo de Jerusalém, Segunda Catequese Mistagógica, c. 4.
[20] Opere di San Cipriano, Lettera 73, pag. 697.
[21] História Eclesiástica, Livro V, 24:16.
[22] História Eclesiástica, Livro V, cap. XXIV.

Pedro disse que a Escritura não pode ser interpretada individualmente?

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Um texto bastante utilizado de forma isolada e deturpada por católicos romanos na tentativa de impugnar o livre exame da Bíblia é o que diz:

“Antes de tudo, sabei que nenhuma profecia da Escritura é de interpretação pessoal”(2ª Pedro 1:20 – Versão Ave-Maria)

Os papistas pegam a parte que diz que “nenhuma... Escritura é de interpretação pessoal”, e imediatamente concluem que o que Pedro estava querendo dizer com isso é que existe um magistério infalível em Roma que interpreta a Bíblia infalivelmente, sendo ele próprio o papa responsável por essa interpretação.

Linha 1
Linha 2
Nenhuma parte da Escritura pode ser interpretada individualmente
Nenhuma profecia da Escritura provém de interpretação particular

Este é mais um caso crônico, onde pessoas desesperadas em buscar fundamentação teórica para um engano teológico encontram na distorção de versos isolados a solução para suas doutrinas heréticas. O que Pedro realmente estava dizendo, em seu contexto, era isso:

“Assim, temos ainda mais firme a palavra dos profetas, e vocês farão bem se a ela prestarem atenção, como a uma candeia que brilha em lugar escuro, até que o dia clareie e a estrela da alva nasça em seus corações. Antes de mais nada, saibam que nenhuma profecia da Escritura provém de interpretação pessoal, pois jamais a profecia teve origem na vontade humana, mas homens falaram da parte de Deus, impelidos pelo Espírito Santo” (2ª Pedro 1:19-21 – NVI)

Diante do contexto, o sentido obviamente não é de que ninguém pode interpretar a Bíblia por si mesmo, e sim que os profetas do Antigo Testamento não profetizaram por si próprios, mas sim pela vontade de Deus. É este o assunto abordado no verso 19, sempre omitido pelos apologistas católicos. Pedro não estava falando nada sobre quem pode e quem não pode interpretar a Bíblia, mas sim sobre a palavra dos profetas, que falaram nos tempos do Antigo Testamento. O verso 20 não muda o foco para se centrar no intérprete, mas continua dizendo que as profeciasda Escritura não provêm de interpretação pessoal do profeta.

O verso 21 confirma este sentido, afirmando que a profecia não teve origem na “vontade humana”, mas que veio de Deus, isto é, que os profetas falaram “impelidos pelo Espírito Santo”. Em outras palavras, tudo o que o texto está dizendo é somente aquilo que os evangélicos já sabem desde sempre: que nenhum profeta disse nada por conta própria, mas impelido pelo Espírito Santo, sob a inspiração divina. Desde o verso 16 o foco era a origem da mensagem, e não no intérprete moderno. Pedro diz:

“De fato, não seguimos fábulas engenhosamente inventadas, quando lhes falamos a respeito do poder e da vinda de nosso Senhor Jesus Cristo; pelo contrário, nós fomos testemunhas oculares da sua majestade” (2ª Pedro 1:16)

Ou seja, Pedro ressaltava que os cristãos não seguiam fábulas inventadas pela mente fértil do homem; ao contrário, eles seguiam aquilo que os profetas falaram, não por si mesmos, mas por inspiração do Espírito Santo. O foco sempre esteve centrado no fato de que a Escritura não é uma invenção humana, mas é de origem divina. Chega a ser criminoso tirar do texto o verso 20 para fazer supor que Pedro estava dizendo que evangélicos não podem interpretar a Bíblia, e que o sentido do texto é que a interpretação da Bíblia está a encargo do papa romano!

Se Pedro tivesse falado o que os apologistas católicos querem que ele tenha dito, em primeiro lugar, ele não teria se referido aos profetas, mas à Escritura como um todo, porque para os católicos nenhumaEscritura é de interpretação pessoal. Ele se referiu somente à profecia, porque o foco não estava naquilo que o intérprete do século I ou do século XXI poderia ou não interpretar, mas sim no fato de que o profeta do Antigo Testamento não interpretava algo de si mesmo, mas recebia a palavra de Deus, direto da fonte.

Em segundo lugar, se Pedro quisesse dizer aquilo que os papistas inferem que ele disse, seria absolutamente imprescindível que a continuação do verso dissesse que a tarefa de interpretação recaía apenas sobre ele ou sobre os bispos romanos. Mas ele não disse nada disso. Ao contrário, a continuação do verso reforça a interpretação protestante, uma vez que foca na origem da profecia, ressaltando que “jamais a profecia teve origem na vontade humana, mas homens falaram da parte de Deus, impelidos pelo Espírito Santo” (v.21). O que Pedro estava querendo dizer não é que “ninguém pode interpretar a Bíblia, exceto eu”, mas sim que os profetas não inventaram uma mensagem da cabeça deles, mas falaram por inspiração do Espírito Santo.

Se o contexto imediato dá suporte total à interpretação protestante, o contexto geral lança ainda mais luz, pois por toda a Escritura o conceito de livre exame é bastante claro. Quando Jesus se referiu a uma profecia de Daniel, ele diz “quem lê, entenda”, ao invés de dizer que a interpretação daquela profecia recaía apenas sobre os ombros de bispos romanos investidos de um poderoso magistério infalível:

“Assim, quando vocês virem ‘o sacrilégio terrível’, do qual falou o profeta Daniel, no lugar santo – quem lê, entenda (Mateus 24:15)

O apóstolo João é ainda mais claro, quando disse que os que estão em Cristo tem a unção dEle, e por isso não tem a necessidade de que alguém os ensine:

"E quanto a vós, a unção que dele recebestes fica em vós, e não tendes necessidade de que alguém vos ensine; mas, como a sua unção vos ensina a respeito de todas as coisas, e é verdadeira, e não é mentira, como vos ensinou ela, assim nele permanecei”(1ª João 2:27)

Aos efésios, o apóstolo Paulo afirmou:

"Pelo que, quando ledes, podeis entender a minha compreensão do mistério de Cristo" (Efésios 3:4)

O apóstolo não disse que eles quando lessem não poderiam entender, exceto se buscassem a interpretação excelsa e sublime do magistério da igreja de Roma, mas sim que ao ler já podia entender.

A muito conhecida passagem de Atos 17:11 deixa nítido o conceito positivo sobre o livre exame, quando Lucas elogia os bereanos por não aceitarem tudo sem questionar, mas examinarem tudo na Escritura a fim de confirmar a mensagem:

"Ora, os de Bereia eram mais nobres do que os de tessalônica, porque examinavam diariamente nas Escrituras para ver se o que Paulo dizia era mesmo assim" (Atos 17:11)

Esse exame diário nas Escrituras certamente era desprovido de um magistério romano infalível, o qual sequer existia em Bereia. Mesmo se a autoridade do magistério romano estivesse ali na pessoa de Paulo, o texto é bastante claro em dizer que os bereanos não aceitavam o que Paulo dizia sem antes analisarem por si mesmos a Bíblia. E este livre exame praticado pessoalmente pelos bereanos não foi repudiado pelo escritor bíblico, mas elogiado, inclusive chamando-lhes de mais nobres do que os de tessalônica. Portanto, sem dúvida o livre exame é prescrito e apoiado pela própria Escritura.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (www.lucasbanzoli.com)


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Vinte sinais de que você está em decadência

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Em poucas linhas, decadência é “o estado do que está começando a se degradar e se encaminha rapidamente para o fim, para a ruína”. Geralmente, embora não sempre, essa decadência vem depois de muitos anos em que alguém constrói alguma coisa útil, e na velhice decide destruir tudo o que construiu com atitudes infantis e imbecis. Aqui irei citar alguns sinais de decadência, que podem ser observados na vida de um senhor (senhor não, Mestre) que de tanto andar com o Pe. Paulo Ricardo contraiu também o vírus do fanatismo antiprotestante e do ódio aos evangélicos.

Bloqueie sem volta quem lhe pede coerência ou educação.


Ridicularize o tempo todo quem não escreve tudo certinho, e logo depois escreva “Martha” Suplicy.




Solte a pérola de que a “Alemanha protestante era atrasada”, enquanto a maioria dos países majoritariamente católicos é pobre ou miserável.


Como um típico picareta, contradiga absolutamente tudo o que você afirmava até poucos anos atrás.

-Olavo hoje:


-Olavo em 2003:


Vomite em um poço de ignorância histórica afirmações do tipo: “a venda de indulgências nunca existiu”.


Surte e diga que os fundadores protestantes da América estavam fugindo dos protestantes e por causa dessa perseguição que protestantes sofriam de protestantes decidiram fundar um país protestante.


Invente uma citação apócrifa de Jesus que nunca existiu, e depois bloqueie aquele que denunciar o fato.





Depois disso, seja humilhado em um debate pela mesma pessoa que denunciou sua fraude, e depois de ser refutado saia de fininho, fingindo que nada aconteceu:


 

Depois de ser surrado, diga que vai provar suas afirmações antiprotestantes com filmes de Hollywood(?), que provam de forma cabal e totalmente irrefutável que existe um plano mundial secreto conspiracionista armado contra a #ICAR por esses protestantes do mal. E entre essas provas cabais, cite filmes como “O Código da Vinci” e “O Poderoso Chefão”.


 

 

Diga que todos aqueles que não concordam com suas sandices e demências é porque ainda não estão “qualificados” o suficiente.


10º Faça afirmações de cunho extraordinário, das quais você não terá a mínima condição de provar, e jogue o ônus da prova para o oponente caso ele conteste a afirmação fantasiosa.


11º Depois de muitos protestantes o ajudarem a chegar ao local em que chegou, mande todos eles à merda.


12º Chame Lutero e Calvino de “filhos da p***”, e aproveite e xingue também os de sua própria religião. E se alguém mais tarde o inquirir a respeito, se esconda sob o manto da “máquina bilionária de difamação anticatólica hollywoodiana”.


13º Diga que a ascensão do PT é culpa das igrejas evangélicas, mesmo que a esmagadora maioria dos eleitores de Lula/Dilma tenha sido católica, mesmo que a bancada conservadora no congresso esteja repleta de pastores e não de padres, mesmo que sejam os pastores que mais preguem contra o PT enquanto a maioria dos padres se omite, mesmo que a CNBB seja um quartel vermelho, mesmo que os próprios petistas estejam cagando e andando para a #ICAR e se coloquem explicitamente em guerra contra os evangélicos (veja aqui), mesmo que nos EUA a queda do conservadorismo tenha sido proporcionalmente equivalente à queda do protestantismo, e mesmo que em outros lugares (como a Venezuela) partidos muito mais esquerdistas do que o PT (como o de Hugo Chávez) tenham conseguido o poder em nações cuja quantidade de evangélicos é completamente insignificante em comparado com a quantidade de católicos.


14º Use o fantástico e extraordinário “argumento do sangue” contra os protestantes, demonstrando o mesmo nível profundo de conhecimento teológico que os pirralhos catoleigos debatedores de fundo de quintal demonstram por aí todos os dias.


 

15º Pregue a idolatria a Maria sem absolutamente nenhum fundamento teológico, mas pelo puro achismo proveniente da cabeça de eisegetas que querem fundamentar doutrinas com base no eu quero, porque quero, porque quero!


16º Depois de dar o apito à Maria, observe em sua própria página os abestados fanatizados sendo atraídos explicitamente para a divinização de Maria, com os demais zumbis o apoiando.


17º Continue demonstrando habilidades teológicas profundas afirmando que a predestinação que a Bíblia fala é uma “figura de linguagem”.


18º Compre o diploma de retardado tentando relacionar o nazismo a Lutero (pelo mesmo assim ele teria algum), e ignore sumariamente todo o caminhão gigantesco de antissemitismo presente massivamente nos documentos católicos por séculos e mais séculos.


Sínodo
Catolicismo
Nazismo
Sínodo de Elvira, em 306
Proibição de casamentos e relações sexuais entre cristãos e judeus e proibição aos judeus de comerem junto com cristãos.
Em 15 de setembro de 1935:

O nazismo fez o mesmo, criando a lei de proteção ao sangue e honra dos alemães.
Sínodo de Clermont, em 535
Exclusão dos judeus de todas as funções públicas
7 de abril de 1933:

O Nazismo fez o mesmo, criando a Lei para a restauração do serviço público profissional.
Sínodo de Orleans, em 538
Proibição aos judeus de terem empregados cristãos.
15 de setembro de 1935:

O Nazismo fez o mesmo, com sua Lei para a Proteção do Sangue Alemão e Honra Alemã.
Sínodo de Orleans, em 538
Proibição aos judeus de aparecerem nas ruas durante a Semana Santa.
03 de dezembro de 1938:

O Nazismo fez o mesmo, com um decreto que autorizava as autoridades locais proibirem os judeus de aparecem nas ruas durante certos feriados.
XII Concilio de Toledo, 681
Destruição do Talmud e outros livros judaicos.
Os nacionais-socialistas fizeram o mesmo em toda a Alemanha.
Sínodo de Trulanic 692
Proibição aos cristãos de se tratarem com médicos judeus.
25 de julho de 1938:

Cria-se um decreto nazista estabelecendo o mesmo.
Sínodo de Narbonne 1050
Proibição a cristãos de conviverem com famílias judias.
28 de dezembro de 1938:

O nazismo faz o mesmo, criando a Diretiva de Goering, proibindo a concentração de judeus em casas residências arianas.
Sínodo de Szabolcs,  1092
Proibição de trabalhar aos domingos
Idem.
Terceiro Concilio de Latrão, em 1179
O Canon 26, proíbe judeus deporem contra cristãos em tribunais.
9 de setembro de 1942:

O nazismo faz o mesmo, com a Proposta de Chancelaria do Reich, impedindo os judeus de executarem ações civis na Justiça.
Terceiro Concílio de Latrão, em 1179
Judeus são proibidos de receber herança de cristãos.
31 de Julho de 1938:

Novamente, o nazismo toda a mesma medida, criando um decreto que permite ao Ministério da Justiça substituir as vontades que ofendem o "bom senso das pessoas".
Quarto Concílio de Latrão, em 1215
Estabelece o uso obrigatório de um símbolo a ser usado pelos judeus em sua vestimenta como marca de identificação.
01 de setembro de 1941:

O nazismo faz o mesmo.
Concilio de Oxford, em 1222
Proibição de construir novas sinagogas.
Idem.
Sínodo de Viena, em 1267
Proibição a cristãos de assistirem as cerimônias judias.

Proibição aos judeus de discutir doutrinas da religião cristã com cristãos do povo.
24 de outubro de 1941:

O nazismo faz o mesmo, proibindo aos arianos de manterem quaisquer relações amistosas com os judeus.
Sínodo de Breslau, em 1267
Se estabelece o confinamento de judeus em Guetos obrigatórios.
21 de setembro de 1939:

Inicia-se a Ordem de Heydrich, definindo o aprisionamento de judeus em guetos.
Sínodo do Ofen, em 1279
Proibição aos cristãos de venderem ou alugarem bens imobiliários a judeus.
Idem.
Sínodo de Lavour, em 1368
Proibição de vender ou transferir aos judeus objetos pertencentes à Igreja.
Proibição de vender ou transferir aos judeus objetos pertencentes ao estado nazista.
Concílio de Basiléia, em 1434
Proibição a judeus de agirem como intermediários em transações comerciais, imobiliárias ou contratos de casamentos.
Idem.
Concílio de Basileia, em 1434
Proibição de dar títulos acadêmicos a judeus.
25 de Abril de 1933:

O mesmo faz o nazismo, retirando os judeus de todas as escolas e universidades.

Para ler mais sobre, confira:


Mas é claro que o velho decadente prefere omitir tudo isso (e muito mais) da parte da Igreja Romana, a fim de atacar apenas Lutero (que surpresa).

19º Se você quiser ser bem hardcore no quesito de argumentos imbecis, cite este argumento bombástico contra a Sola Scriptura, que esmiúça por completo qualquer Norman Geisler ou John Piper:


20º Finalmente, forme para si uma seita constituída por uma legião de zumbis fanatizados, cegos bitolados, adoradores incondicionais, vaquinhas de presépio e catoleigos idiotizados. Dê até nome a esta seita, e de preferência um bem descolado, do tipo “olavettes”. Faça com que essa legião de zumbis fanatizados com carência de um Mestre o siga de forma tão acrítica e incondicional que agrida qualquer um que o critique mesmo quando você está errado. Em suma, condicione-os de tal forma com que eles se tornem impossibilitados de pensar por si próprios, e precisem do Mestre para tudo.


 

Se você conseguiu reunir todas essas características em si mesmo, parabéns: você está em decadência. E para saber disso não será preciso nem consultar os astros.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (www.lucasbanzoli.com)


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