
Introdução
Qualquer historiador sério, de qualquer religião que seja, reconhece o fato óbvio de que não havia primado do bispo romano (papado) nos primeiros séculos da história da Igreja. Isso é tão universalmente reconhecido que não é nem questão de história, mas de honestidade intelectual. Como os apologistas católicos em geral não sabem ler, ou não tem amor à prática, desconhecem o fato de que nem os historiadores e teólogos católicos reconhecidos dão crédito à lenda papista de que o bispo de Roma já exercesse supremacia universal desde o início. Este artigo aqui é um presente para eles e um incentivo para que eles comecem a ler os seus próprios historiadores para parar de falar asneira na internet a fim de convencer os trouxas das suas sandices.
A ideia do artigo foi do Bruno Lima, que criou recentemente um blog que eu irei divulgar quando o mesmo estiver pronto. Ele é um grande estudioso da história da Igreja e trouxe um caminhão de citações católicas para serem inclusas neste artigo. Em função do grande número de citações, dividirei este artigo em muitas partes, ao final das quais incluirei as minhas também. Apreciem com moderação.
Desenvolvimento
1º Richard McBrien (sacerdote e teólogo católico e professor da Universidade de Notre Dame)
“Fontes primitivas, incluindo Eusébio, reivindicam que Lino ocupou o cargo por cerca de 12 anos, mas elas não são claras sobre as datas exatas ou o seu exato papel pastoral e autoridade. Deve ser lembrado que ao contrário da piedosa crença católica, a estrutura episcopal monárquica de governo da igreja (também conhecida como o episcopado monárquico, em que cada diocese era liderada por um único bispo) ainda não existia em Roma neste tempo” (McBrien, Richard P. Lives of the Popes: The Pontiffs from St. Peter to Benedict XVI. Harper, San Francisco, 2005 updated ed., p. 34)
"Pedro era uma figura de importância central entre os discípulos do Senhor (...) No entanto, os termos primazia e jurisdição é provavelmente melhor evitar ao descrever o papel de Pedro no Novo Testamento. Eles são pós-bíblicos, de fato, canônicos, termos"(McBrien, Richard P. catolicismo. Harper, San Francisco, 1994. P. 753)
2º Eamon Duffy (proeminente historiador católico)
“Para começar, na verdade, não havia 'papa', nem bispo como tal, pois a igreja em Roma foi lenta a desenvolver o cargo de presbítero ou bispo chefe... Clemente não fez nenhuma reivindicação de escrever como bispo... Não há nenhuma maneira de definir uma data em que o cargo de bispo dirigente surgiu em Roma... mas o processo estava certamente completo pelo tempo de Aniceto, em meados dos anos 150” (Duffy, Eamon. Saints & Sinners: A History of the Popes, 2nd ed. Yale University Press, London, 2001, pp. 9, 10,13)
“Estas histórias foram aceitas como história real por algumas das maiores mentes da Igreja primitiva – Orígenes, Ambrósio, Agostinho. Mas elas são o romance piedoso, não história, e o fato é que não temos relatos confiáveis nem do final da vida de Pedro nem a forma ou local de sua morte. Nem Pedro nem Paulo fundaram a Igreja de Roma, pois havia cristãos na cidade antes de qualquer um dos Apóstolos por os pés lá. Também não podemos supor, como Irineu fez, que os Apóstolos estabeleceram uma sucessão de bispos para continuar seu trabalho na cidade, pois todas as indicações são de que não havia um bispo único em Roma por quase um século depois da morte dos Apóstolos. Na verdade, para onde quer que olhemos, os contornos sólidos de uma sucessão de Pedro em Roma parecem obscuros e frágeis" (Eamon Duffy, Santos e Pecadores: A História dos Papas [New Haven e Londres: Yale University Press, 1997]. p 2)
"Por outro lado [a um bispo romano que anteriormente tinha sido martirizado], na próxima perseguição sob Diocleciano em 303, Papa Marcelino (296-304?) teria cedido à pressão. Ele entregou cópias das escrituras e ofereceu sacrifício aos deuses. Ele morreu um ano depois em desgraça, e a igreja romana passou a esquecê-lo” (Eamon Duffy, Santos e Pecadores: A História dos Papas[New Haven e Londres: Yale University Press, 1997]. p 14)
"Por outro lado [a um bispo romano que anteriormente tinha sido martirizado], na próxima perseguição sob Diocleciano em 303, Papa Marcelino (296-304?) teria cedido à pressão. Ele entregou cópias das escrituras e ofereceu sacrifício aos deuses. Ele morreu um ano depois em desgraça, e a igreja romana passou a esquecê-lo” (Eamon Duffy, Santos e Pecadores: A História dos Papas[New Haven e Londres: Yale University Press, 1997]. p 14)
“Sem o apoio do império, o papado se tornou a posse das grandes famílias romanas, uma passagem para o domínio local para o qual os homens estavam dispostos a estupro, assassinato e roubo. Um terço dos papas eleitos entre 872 e 1012 morreu em circunstâncias suspeitas - John VIII (872-82) espancado até a morte por sua própria facção, Estevão VI (896-7) estrangulado, Leão V (903) assassinado por seu sucessor Sérgio III (904-11), João X (914-28) sufocado, Estevão VIII (939-42) horrivelmente mutilado, um destino compartilhado pelo antipapa grego João XVI (997-8) que, infelizmente para ele, não morreu com a remoção de seus olhos, nariz, lábios, língua e mãos. A maioria desses homens foi manobrada ao poder por uma sucessão de famílias poderosas - os Theophylacts, os Crescentii, os Tusculani. João X, um dos poucos papas desse período que tomou posição contra a dominação aristocrática, foi deposto e assassinado no Castelo Santo Ângelo pelos Theophylacts, que o havia nomeado em primeiro lugar (...) Dos vinte e cinco papas entre 955 e 1057, treze foram nomeados pela aristocracia local, enquanto os outros doze foram nomeados (e nada menos do que cinco demitido) pelos imperadores alemães. O antigo axioma de que ninguém pode julgar o papa ainda estava nos livros canônicos, mas na prática há muito tempo foram anulados. Os próprios papas estavam profundamente envolvidos na guerra dinástica da nobreza romana, e eleição à cátedra de Pedro, como já vimos, era frequentemente uma mercadoria para venda ou troca” (Eamon Duffy, Santos e Pecadores: Uma história dos Papas [New Haven e Londres: Yale University Press, 1997] pp 82-83, 87)
“Os Padres Conciliares receberam a leitura do documento de Leão com entusiasmo, declarando que «Pedro tinha falado através de Leão». Isto não era mais do que o que Leão cria acerca de todas as declarações papais (...) Os bispos em Calcedônia, porém, não faziam tal suposição. Eles reconheciam a especial dignidade e a honra da sede apostólica, mas não supunham por isto que qualquer coisa que dissesse o seu bispo devia ser verdade, e parecem ter crido que nesta particular ocasião Pedro tinha falado por meio de Leão. Eles adotaram a solução dele ao problema, portanto, não meramente porque era sua, mas porque a julgaram verdadeira. Para sublinhar isto, no cânon 28 do Concílio reafirmaram o ensino do Concílio de Constantinopla, de que Constantinopla tinha precedência depois de Roma, «porque é a Nova Roma»” (Eamon Duffy, Saints and Sinners: A History of the Popes. New Haven: Yale University Press, 1997, p. 35)
3º Karl Joseph Hefele (a maior autoridade católica em história conciliar)
“Não posso entender como é possível, depois de ler as atas precedentes, imaginar-se sequer por um instante que os bispos deste Concílio considerassem os direitos em discussão como de origem divina, e que o ocupante da Sede de Roma fosse, jure divino, supremo sobre todos os pontífices. É bem possível, claro está, afirmar, como alguns fizeram, que as atas tais como as temos foram mutiladas, mas o argumento implica não só muitas dificuldades mas também não poucos absurdos; e não obstante não posso senão pensar que até esta hipótese extrema é preferível a qualquer tentativa de reconciliar as atas como as temos agora com a aceitação por parte dos membros do concílio da doutrina de uma supremacia papal jure divino tal como é agora sustentada pela Igreja Latina” (Hist Conc 3:428, citada em NPNF2, 14:295)
4º Yves Congar (reconhecido cardeal e teólogo católico)
“Às vezes aconteceu que alguns Padres entendiam a passagem de uma maneira que não está de acordo com o ensinamento da Igreja mais tarde. Um exemplo: a interpretação da confissão de Pedro em Mateus 16: 16-19. Exceto em Roma, esta passagem não foi aplicada pelos Padres para o primado papal; eles trabalhavam fora de uma exegese ao nível do seu próprio pensamento eclesiológico, mais antropológica e espiritual do que jurídica” (Yves Congar, Tradição e tradições [New York: Macmillan, 1966], p 398)
5º Klaus Schatz (teólogo e sacerdote católico)
Citações do livro do Klaus Schatz, um teólogo Jesuíta. Seguem algumas citações traduzidas:
"A questão de saber se havia alguma noção de um ofício permanente para além da vida de Pedro, se coloca em termos puramente históricos, provavelmente deve ser respondida negativamente. Isto é, se perguntarmos se o Jesus histórico, ao comissionar Pedro, esperava que ele tivesse sucessores, ou se o autor do Evangelho de Mateus, escrito após a morte de Pedro, estava ciente de que Pedro e sua comissão sobrevivia nos líderes da comunidade Romana que lhe sucedeu, a resposta em ambos os casos é provavelmente 'não'" (Klaus Schatz, Papal Primacy: From Its Origins to the Present. Collegeville, Minnesota: Liturgical Press, 1996, pp.1-2)
"Se perguntássemos se a Igreja primitiva estava ciente, após a morte de Pedro, de que a sua autoridade tinha passado para o próximo bispo de Roma, ou em outras palavras, que o chefe da comunidade em Roma era agora o sucessor de Pedro, a Pedra da Igreja, portanto, o sujeito da promessa em Mateus 16:18-19., a questão, colocada nesses termos, deve certamente ser dada uma resposta negativa" (Klaus Schatz, Papal Primacy: From Its Origins to the Present. Collegeville, Minnesota: Liturgical Press, 1996, p. 2)
"No entanto, as reivindicações concretas de uma primazia sobre toda a Igreja não podem ser inferidas a partir desta convicção. Se alguém tivesse perguntado a um cristão no ano de 100, 200 ou mesmo 300, se o bispo de Roma era a cabeça de todos os cristãos, ou se houve um bispo supremo sobre todos os outros bispos e que teria a última palavra em questões que afetam toda a Igreja, ele ou ela certamente teria dito não"(Klaus Schatz, Papal Primacy: From Its Origins to the Present. Collegeville, Minnesota: Liturgical Press, 1996, p. 3)
"No entanto, ele [Clemente de Roma] não é apontado como o autor da carta; em vez disso, o verdadeiro remetente é a comunidade romana. Nós provavelmente não podemos dizer com certeza que havia um bispo de Roma na época, parece provável que a igreja romana era governada por um grupo de presbíteros, de quem muito rapidamente surgiu um oficiante ou ‘primeiro entre iguais’, cujo nome foi lembrado e que posteriormente foi descrito como ‘bispo’, após meados do século II"(Klaus Schatz, Papal Primacy: From Its Origins to the Present. Collegeville, Minnesota: Liturgical Press, 1996, p. 4)
[Em 1 Clemente]
"Mas seria ir longe demais deduzir que a igreja romana tinha autoridade formal ou precedência sobre outras igrejas, como foi feito com muita pressa por católicos romanos no passado. Em primeiro lugar, mesmo se essa admoestação reivindicasse a autoridade de Deus e a assistência do Espírito Santo, permaneceria dentro do contexto da universal e fraterna solidariedade das Igrejas cristãs, embora seja falado a uma igreja irmã que havia se desviado" (Klaus Schatz, Papal Primacy: From Its Origins to the Present. Collegeville, Minnesota: Liturgical Press, 1996, p. 5)
[A "Carta aos Romanos" de Inácio de Antioquia]
"No entanto, este tipo de interpretação jurídico-constitucional dificilmente corresponde às ideias dos contemporâneos de Inácio" (Klaus Schatz, Papal Primacy: From Its Origins to the Present. Collegeville, Minnesota: Liturgical Press, 1996, p. 6)
[A questão da Páscoa e o batismo herético]
"É dentro desse contexto que podemos descobrir, a partir do final do segundo século, as primeiras tentativas por parte da Igreja romana de assumir a responsabilidade por toda a Igreja. Podemos observar, por um lado, que essas primeiras iniciativas encontraram resistência e terminaram em fracasso. Roma não conseguiu manter a sua posição contra a opinião contrária e práxis de uma parcela significativa da Igreja. As duas controvérsias mais importantes desse tipo foram as disputas sobre a festa da Páscoa e o batismo herético. Cada uma marca uma etapa no sentido da autoridade de Roma e ao mesmo tempo revela a resistência inicial de outras Igrejas às reivindicações romanas"(Klaus Schatz, Papal Primacy: From Its Origins to the Present. Collegeville, Minnesota: Liturgical Press, 1996, p. 11)
“No decurso desta controvérsia Estevão deve ter reivindicado ser o sucessor de Pedro no sentido de Mateus 16:18. Este é o primeiro exemplo conhecido em que Mateus 16:18 foi aplicado ao bispo de Roma" (Klaus Schatz, Papal Primacy: From Its Origins to the Present. Collegeville, Minnesota: Liturgical Press, 1996, p. 13)
"A carta de Firmiliano é uma controvérsia sustentada contra Estevão e os seus argumentos a favor da validade do batismo herético. O décimo sétimo capítulo contém as expressões ‘quem alega que tem a sucessão de Pedro, sobre quem foi estabelecido os fundamentos da Igreja’ e ‘quem afirma que por sucessão, tem a Sé de Pedro’, ambos dirigidos contra o bispo de Roma. Essas alegações são rejeitadas, mas não formalmente, porque, em princípio, nenhum bispo individualmente, nem mesmo o bispo de Roma pode fazer tal afirmação. Em vez disso, o recurso para Mateus 16:18 é dito ser injustificado neste caso porque Estevão, reconhecendo o batismo dos hereges, está ‘introduzindo muitas outras rochas’, isto é, ele está traindo a unidade da Igreja e, portanto, agindo contrariamente ao sentido de Mateus 16:18 (e, portanto, da sucessão de Pedro)" (Klaus Schatz, Papal Primacy: From Its Origins to the Present. Collegeville, Minnesota: Liturgical Press, 1996, pp. 13-14)
[Cipriano e Estevão]
"Em vez disso, escreve para Estevão que ele não deseja impor sua própria posição sobre ninguém, porque cada bispo é independente no governo de sua Igreja e é responsável perante Deus" (Klaus Schatz, Papal Primacy: From Its Origins to the Present. Collegeville, Minnesota: Liturgical Press, 1996, p. 14)
[Sobre os elogios de Cipriano a Roma de Cornélio e a controvérsia envolvendo os dois bispos espanhóis]
"A questão aqui era o reconhecimento de uma autoridade superior pertencente aos sucessores de Pedro, que não podiam ser adequadamente descritas em termos jurídicos. Em princípio, o bispo romano não tinha mais autoridade do que qualquer outro bispo, mas na hierarquia de autoridades, sua decisão tomou o lugar mais importante. Por outro lado, Cipriano considerava cada bispo como sucessor de Pedro, titular das chaves do reino dos céus e possuidor do poder de ligar e desligar. Para ele, Pedro encarna a unidade original da Igreja e do escritório episcopal, mas, em princípio, esses também estavam presentes em cada bispo. Para Cipriano, a responsabilidade por toda a Igreja e a solidariedade de todos os bispos também poderia, se necessário, voltar-se contra Roma. Há um exemplo marcante desta relação no mesmo período envolvendo dois bispos espanhóis, Basilides e Marcial. Durante a perseguição não tinham sacrificado aos ídolos, mas como muitos outros cristãos, haviam subornado funcionários para obter ‘certificados de sacrifício’ (libelli). Como resultado, eles haviam perdido credibilidade em suas congregações e tinham sido expulsos. No entanto (na opinião de Cipriano por deturpar os fatos), eles conseguiram obter o reconhecimento de Estevão de Roma. Cipriano reagiu imediatamente chamando um Sínodo Africano para avisar as duas comunidades que rejeitassem a decisão de Estevão e se recusassem a readmitir os dois bispos. Infelizmente, não sabemos como o assunto foi resolvido" (Klaus Schatz, Papal Primacy: From Its Origins to the Present. Collegeville, Minnesota: Liturgical Press, 1996, pp. 20-21)
[Sobre o Sínodo de Sardica que o Papa Júlio II pediu e os imperadores convocaram]
"O concílio entrou em colapso no início. Primeiro os orientais, bispos anti-atanasianos não deveriam ser autorizados a participar, mas sua demanda foi rejeitada. Eles insistiram particularmente na autonomia do Oriente e do Ocidente, afirmando que o Ocidente não deve interferir em disputas orientais e vice-versa" (Klaus Schatz, Papal Primacy: From Its Origins to the Present. Collegeville, Minnesota: Liturgical Press, 1996, p. 24)
"Os resultados históricos imediatos de Sardica devem ser distinguidos dos efeitos a longo prazo. As suas decisões não foram imediatamente realizadas, mesmo no Ocidente e muito menos no Oriente. Os Cânones de Sardica, falsamente chamados de ‘Nicéia’ em Roma a partir do início do século V em diante, foram as células iniciais que iriam lentamente germinam totalmente durante quase mil anos para florescer por volta de 1200 sob Inocêncio III: eram os germes da exclusiva competência jurídica de Roma em causas maiores, ou seja, em tudo que tem a ver com os bispados ou bispos (remoção, transferência para outra diocese, renúncia, e assim por diante). É verdade que mais tarde, quando o desenvolvimento do primado tinha ido muito além Sardica e os ‘decretos de Pseudo- Isidoro’ no século IX havia introduzido um grande número de direitos de interferência pela Sé Apostólica. Alegou-se que Sardica estabeleceu um conceito de primazia que se inclinou mais para suplementar e foi mais estruturado dentro do sistema sinodal. Após o século XI, foi praticamente esquecido. Seu raciocínio distorcido em comparação com as teorias posteriores de primazia, a sua afirmação de que estava criando um novo direito (ao invés de reconhecer um direito existente fundamentado na ordem de Cristo), e, finalmente, o fato de que nunca ouvimos falar de um único recurso com base em seus princípios - todos esses fatores fizeram Sardica parece uma testemunha inadequada à tradição" (Klaus Schatz, Papal Primacy: From Its Origins to the Present. Collegeville, Minnesota: Liturgical Press, 1996, pp. 25-26)
[Apelos a Roma pela deposição de Bispos]
"Estritamente falando, Roma ainda não está estabelecida como um verdadeiro tribunal de recurso, porque não é o bispo romano que faz uma nova decisão sobre o caso. Roma apenas tem a autoridade de revisão para fazer com que o recurso (a um sínodo diferente) seja realizado" (Klaus Schatz, Papal Primacy: From Its Origins to the Present. Collegeville, Minnesota: Liturgical Press, 1996, p. 25)
"O curso posterior da controvérsia ariana parece apresentar o quadro de um conflito em que Roma não prevaleceu; na verdade, parece que Roma nem sequer fez uma tentativa enérgica e deliberada para contrariar o crescente desvio de Nicéia" (Klaus Schatz, Papal Primacy: From Its Origins to the Present. Collegeville, Minnesota: Liturgical Press, 1996, p. 26)
[A opinião de Basílio sobre Dâmaso]
"Roma frequentemente não dispunha de competência e informação adequada sobre os difíceis problemas do Oriente, nem tinha qualquer capacidade real de levar a cabo as suas decisões. O pai da Igreja Basílio tinha algo a dizer sobre isso: ele descobriu que Roma também prontamente deu cartas de comunhão com os bispos, mesmo que estivessem separados uns dos outros. Ele queixou-se especialmente sobre bispo Dâmaso, chamando-o de orgulhoso e arrogante, emitindo juízos do alto de seu cavalo sem realmente compreender as complicadas relações no Oriente: ‘que ajuda está lá para nós a partir de arrogância ocidental?’"(Klaus Schatz, Papal Primacy: From Its Origins to the Present. Collegeville, Minnesota: Liturgical Press, 1996, pp. 26-27)
"Permaneceu verdadeiro, no entanto, que a igreja romana não exerceu nenhuma liderança no Leste em tempos normais, e também que sérias divisões eclesiásticas e conflitos não poderiam de modo algum ser rapidamente resolvido por recurso a Roma"(Klaus Schatz, Papal Primacy: From Its Origins to the Present. Collegeville, Minnesota: Liturgical Press, 1996, p. 27)
[O recurso de Crisóstomo a Roma]
"Não era realmente esperado que o bispo romano aplicasse medidas autoritárias já que ele não estava em posição de tomar tais ações no Oriente, especialmente contra o poder imperial; em vez disso, a esperança era de que ele desse auxílio sob a forma de expressões morais de solidariedade e mediante a emissão de avisos, escrevendo para outros bispos e solicitando novos concílios. Aconteceu também que as cartas foram enviadas a todas as importantes Sés no Ocidente, ao mesmo tempo; por isso, quando o patriarca João Crisóstomo foi banido de Constantinopla em 404, ele escreveu aos bispos de Roma, Milão e Aquileia"(Klaus Schatz, Papal Primacy: From Its Origins to the Present. Collegeville, Minnesota: Liturgical Press, 1996, p. 28)
"É verdade que Roma foi mais modesta nas suas relações com o Oriente. Aqui mesmo Leão Magno não fez nenhuma reivindicação de ser capaz de fazer leis; no Oriente, o papa era apenas o custos canonum - o guardião dos cânones conciliares" (Klaus Schatz, Papal Primacy: From Its Origins to the Present. Collegeville, Minnesota: Liturgical Press, 1996, p. 30)
"No caso do Norte de África, é interessante notar a atitude de uma Igreja autoconfiante e organizacionalmente intacta para com Roma. O dito do bispo Agostinho de Hipona (396-430), Roma locuta, Causa finita (‘Roma falou, o assunto está encerrado’) tem sido citado repetidamente. No entanto, a citação é na verdade uma reformulação ousada das palavras desse Padre da Igreja tomadas completamente fora do contexto (...) Tanto o contexto desta declaração como a sua continuidade com o resto do pensamento de Agostinho não permitem outra interpretação senão de que o veredicto de Roma apenas não é decisivo; pelo contrário, ele acaba com todas as dúvidas depois de tudo o que o precedeu. Isto acontece porque não resta nenhuma outra autoridade eclesiástica de alguma consequência para a qual os pelagianos possam recorrer e, em particular, a própria autoridade da qual eles podiam mais facilmente esperar uma decisão favorável, ou seja, Roma, pronunciou-se claramente contra eles" (Klaus Schatz, Papal Primacy: From Its Origins to the Present. Collegeville, Minnesota: Liturgical Press, 1996, p. 34)
"A Igreja Africana estava ainda mais determinada a defender a sua autonomia jurisdicional. Os Concílios de Cartago em 419 e 424 proibiram quaisquer apelos a Roma... Os norte-africanos reagiram, proporcionando um tribunal de apelo, mesmo para presbíteros ordinários do veredicto do seu próprio bispo ao concílio Norte Africano de Cartago. Isso parecia satisfazer as exigências de justiça. Por sua vez eles tomaram uma posição firme contra a intervenção romana..."(Klaus Schatz, Papal Primacy: From Its Origins to the Present. Collegeville, Minnesota: Liturgical Press, 1996, p. 35)
"Portanto, os bispos Norte Africanos proibiram quaisquer apelos 'ultramarinos'. Em contraste com Sardica, aplicaram esta proibição até mesmo aos bispos. Esta decisão particular foi precedida por um caso semelhante envolvendo um bispo que havia rompido com a sua congregação, mas foi protegido por Roma; em que até Agostinho de Hipona ameaçou demitir-se. A partir de agora, o único tribunal de recurso devia ser o concílio Norte Africano de Cartago. Este caso será levantado várias vezes, no futuro, como um exemplo de resistência por parte do episcopado de uma Igreja nacional contra o centralismo romano" (Klaus Schatz, Papal Primacy: From Its Origins to the Present. Collegeville, Minnesota: Liturgical Press, 1996, p. 36)
[A influência de Leão em Calcedônia]
"A questão de saber se ‘Pedro falou por meio de Leão’ significava para a maioria dos padres conciliares que a carta de Leão tinha autoridade formal ou meramente material é, nessa ou de outra forma, um modo simplista de colocar. Certamente não se pode ler uma autoridade formal incondicional, e definitivamente não é uma ‘infalibilidade’ de documentos papais de ensino. A carta de Leão não era de nenhuma forma aceita sem discussão de seu conteúdo e criou sérias dificuldades para alguns padres individuais. Isso, na verdade, não era contrário às instruções de Leão, que apelou ao acordo com base na discussão e compromisso entre os padres. É verdade que ele não considerava a rejeição de sua carta uma possível solução, mas isso foi porque estava convencido de que estava claramente ensinando a fé tradicional" (Klaus Schatz, Papal Primacy: From Its Origins to the Present. Collegeville, Minnesota: Liturgical Press, 1996, p. 44)
[O cânon 28 de Calcedônia]
"A oposição de Roma para o cânone foi um completo fracasso, como foi a sua objeção três séculos mais tarde pela separação da Grécia e da Ilíria. Aqui ficou surpreendentemente claro que Roma não poderia impor sua maneira em questões de organização da Igreja no Oriente, pelo menos não quando os interesses comuns da Igreja bizantina eram contra ela. Apesar da resistência romana, Constantinopla tornou-se a segunda Sé somente porque os patriarcas de Antioquia e especialmente Alexandria foram enfraquecidas pela dominância do monofisismo em suas regiões. É verdade que, em tempos de tensão, Roma repetia continuamente seu protesto contra o posto eclesial de Constantinopla (pela última vez no século XI sob Leão IX), e recordava a ordem imutável e eterna de Roma, Alexandria e Antioquia. Mas isso não mudou a realidade, e quando as boas relações com Constantinopla estavam no lugar ou tinha sido restauradas, Roma abandonou seus protestos e pelo menos manteve silêncio sobre Constantinopla e sua posição no ranking" (Klaus Schatz, Papal Primacy: From Its Origins to the Present. Collegeville, Minnesota: Liturgical Press, 1996, p. 48)
[O papa Vigílio]
"O resultado foi um cisma no Ocidente, onde o papa foi acusado de ter renunciado Calcedônia. Um sínodo de bispos norte-Africano excomungou o papa, e as províncias eclesiásticas de Milão e Aquileia quebraram comunhão com Roma. Milão voltou à comunhão só depois de cinqüenta anos; para Aquileia a separação durou cento e cinquenta anos, até 700. Os bispos da Gália também levantaram objeções. A Igreja espanhola não se separou de Roma, mas em todo início da Idade Média recusou-se a reconhecer esse concílio. A autoridade do papado no Ocidente havia sofrido um duro golpe com relação ao dogma também"(Klaus Schatz, Papal Primacy: From Its Origins to the Present. Collegeville, Minnesota: Liturgical Press, 1996, p. 53)
[O papa Honório]
"... Pois é um fato indiscutível que deve ser mantido contra todas as tentativas de diluí-lo que o concílio e os papas subsequentes condenaram claramente Honório como um herege. Em outras palavras, eles estavam absolutamente convencidos de que um papa poderia cair em heresia"(Klaus Schatz, Papal Primacy: From Its Origins to the Present. Collegeville, Minnesota: Liturgical Press, 1996, p. 55)
[Sobre a jurisdição do Papa]
"Em vez disso, em 733 ele removeu Ilíria e Grécia, bem como a Itália menor e Sicília, que ainda estavam sob jurisdição Bizantina, do Patriarcado romano e os colocou sob o patriarcado de Constantinopla. Essa ação não pode ser revertida, apesar de todos os esforços papais desde esse momento até o IV Concílio de Constantinopla (869-870), nem mesmo quando a paz foi restaurada de outra forma à Igreja. Mesmo os líderes orientais da Igreja que eram partidários de Roma não pensaram em aderir às reivindicações romanas nesta matéria" (Klaus Schatz, Papal Primacy: From Its Origins to the Present. Collegeville, Minnesota: Liturgical Press, 1996, p. 56)
[Sobre o incidente de Photius]
"No entanto, os eventos notáveis que se seguiram mostraram quão pouca aceitação interna essas declarações encontraram dentro da Igreja bizantina. Bispos reclamaram ao imperador que ele [Photius] estava permitindo que a Igreja de Constantinopla fosse submetida à Igreja romana como uma serva da sua senhora" (Klaus Schatz, Papal Primacy: From Its Origins to the Present. Collegeville, Minnesota: Liturgical Press, 1996, p. 58)
[No Concílio de Constança]
"Isso é facilmente entendido também do fato de que João XXIII devia a sua autoridade ao próprio princípio que os padres do Concílio de Constança apelaram, ou seja, a emergência do poder concílio sobre o papa" (Klaus Schatz, Papal Primacy: From Its Origins to the Present. Collegeville, Minnesota: Liturgical Press, 1996, p. 107)
Considerações Preliminares
Ainda falta muito para concluirmos este estudo, e dezenas de outros historiadores católicos romanos ainda serão mencionados, mas do que já vimos até aqui, fica a pergunta: os apologistas católicos que defendem o primado do bispo romano desde o início da Igreja são desonestos ou apenas ignorantes? Em outras palavras, eles conhecem o que os próprios historiadores católicos afirmam, mas mesmo assim preferem enganar seus leitores burros com mentiras, ou simplesmente desconhecem e mantém suas besteiras por ignorância?
Embora a desonestidade dos apologistas católicos seja notória e indiscutível, neste caso específico eu estou inclinado à segunda opção. Eles são tão bárbaros, rudes, ignorantes e mal instruídos que não leem nem seus próprios teólogos de renome, se contentando com um “professor” Felipe Aquino, um padreco Gargamel ou um Paulo Porcão da vida, que os enganam na maior caradura. Não leem literatura séria, não possuem senso crítico e se acomodam com a superficialidade para manter de pé uma doutrina falsa e falida. Isso ficará cada vez mais evidente na medida em que avançarmos para os outros historiadores católicos citados na série.
Paz a todos vocês que estão em Cristo.
Textos por: Bruno Lima.
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