
O anacronismo histórico é quando se tenta entender um passado distante através do presente. Giovana Faviano escreve que “o historiador, ao contar, relatar e analisar um determinado evento ou personagem histórico, não pode levar em consideração o que aconteceu depois; afinal, os agentes daquele momento não tinham em mente a sucessão de acontecimentos posteriores”[1]. Ou seja, não adianta tentar julgar o passado pelas lentes do presente. O que determinadas pessoas eram ou fizeram em uma determinada época deve ser analisada de forma totalmente à parte do que seus descendentes ou sucessores fizeram no futuro. Por mais que isso seja algo tão óbvio para qualquer estudante amador em história, infelizmente é onde muita gente, bem ou mal intencionada, incorre em erro.
Apenas para citar alguns exemplos rápidos: (1) A Grécia, outrora a sede intelectual do mundo, é hoje apenas um pequeno país na Europa lutando para sobreviver; (2) A tão famosa e temida Babilônia foi, historicamente, localizada naquilo que hoje é o Iraque (com todo respeito ao Iraque, especialmente se meu amigo Bawar estiver lendo isso); (3) Roma, que já foi por muito tempo a “capital do mundo”, é hoje só um belo destino turístico na Itália. Exemplos inversos também ocorrem: (1) Aquilo que hoje é a Alemanha, um dos países mais desenvolvidos do mundo, há muito tempo atrás era um bando de tribos bárbaras com pouca cultura; (2) Aquela que hoje é a nação mais poderosa do mundo (EUA) um dia foi mera colônia inglesa e escravocrata; (3) Aquilo que hoje é a avançada Austrália era, antigamente, o lugar onde enviavam os piores bandidos da Inglaterra.
Em suma, o anacronismo histórico consiste em olhar o que hoje é bom, belo ou grandioso, e presumir que há muito tempo atrás também era bom, belo ou grandioso – e, da mesma forma, olhar o que hoje é ruim, feio ou pequeno, e presumir que há muito tempo atrás também era ruim, feio ou pequeno. Se passássemos para a linguagem futebolística, seria como se alguém visse o atual tri-rebaixado Vasco da Gama (que, acreditem, já foi grande) e achasse que ele sempre foi pior do que o Atlético/MG, embora pela maior parte da história de ambos os clubes o Vasco sempre foi superior ao Atlético (me desculpem os atleticanos, mas é a verdade).
Após essa introdução básica nos princípios mais elementares da história, passemos ao foco do artigo: os muçulmanos. Não é raro vermos na internet os ataques ferozes de quem nunca estudou história na vida e por isso só julga a partir daquilo que vê hoje. Ele vê que hoje os países católicos são bem civilizados e os muçulmanos estão cheios de atraso ou de grupos terroristas, e então conclui o mesmo que um torcedor que nasceu ontem: que o Atlético sempre foi melhor que o Vasco (i.e, países católicos sempre foram superiores a países muçulmanos).
De forma bisonha e bastante engraçada, muitos defendem as cruzadas católicas dos séculos XI ao XIII porque hoje em dia existem católicos bonzinhos e terroristas do ISIS, e então conclui que sempre os católicos foram bonzinhos e os muçulmanos eram genericamente um ISIS, e portanto os católicos fizeram certo em estuprar as mulheres muçulmanas, assassinar bebês e crianças, saquear as cidades por onde passava (inclusive ortodoxas), queimar judeus na sinagoga por estarem no meio do caminho, incendiar 20 mil pessoas até a morte após ter assinado um tratado com elas para uma rendição sem mortes, trucidar suas próprias crianças e cavalos para praticar canibalismo a fim de matar a fome, trair a tudo e a todos com quem se aliançava, e assim por diante. Afinal, se existe o ISIS no século XXI, então vale tudo para acabar com os muçulmanos no século XI. Claro, faz todo o sentido. Para um troglodita, faz todo o sentido mesmo.
Afinal: eram os muçulmanos daqueles tempos como os terroristas do ISIS do século presente? Para responder esta pergunta, li (e continuo lendo) dezenas de livros sobre história medieval, que nos falam sobre uma época em que os muçulmanos eram mais desenvolvidos do que os católicos ocidentais, o que reforça o contraste que eu passei neste outro artigo. Não farei uso das minhas palavras daqui em diante, apenas do que dizem historiadores com PhD nos mais variados livros (limitarei o tanto de citações para o artigo não ficar excessivamente longo).
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Historiador: Hilário Franco Jr.
“A hostilidade muçulmana e bizantina era grande, produto do desprezo de civilizações mais refinadas e sofisticadas pelos ocidentais rudes, incultos e violentos, ‘cães cristãos’ para os muçulmanos, ‘bárbaros’ para os bizantinos” (p. 46-47)
“É interessante verificar como o cristão recém-chegado à Síria franca – e portanto ainda carregado de imagens deformadas e preconceituosas sobre os islamitas – indignava-se ao ver as boas relações dos potros (latinos nascidos na Terra Santa, muitas vezes de casamentos mistos) com os muçulmanos” (p. 68-69)
(FRANCO, Hilário. As Cruzadas. 1ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1981)
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Historiador: Ivan Lins.
“Encontravam, por vezes, os cristãos, nos muçulmanos, como o prova o exemplo de Saladino, virtudes morais imensamente superiores às de qualquer dos cavaleiros da cruz, inclusive os mais perfeitos e completos, como Godofredo de Bouillon” (p. 417)
“Muito deve às cruzadas a medicina europeia, porquanto era imensa, a este respeito, a superioridade dos árabes, bastando lembrar que os médicos de Saladino trataram de Ricardo Coração de Leão e outros guerreiros ocidentais, enquanto a recíproca nunca se verificou. Observação idêntica faz Joinville, a propósito da doença de São Luiz e dos cruzados franceses aprisionados em Mansurá” (p. 414)
• Sobre a tolerância dos muçulmanos na época, escreve Lins:
«Interrompidas, em 614, por ter Jerusalém caído em poder dos persas, continuaram, logo depois, as peregrinações, porquanto, retomada em 629, pelo imperador Heráclio, passou a cidade santa, daí a oito anos, isto é, em 637, para o domínio dos árabes. Caracterizando-se pela tolerância, nenhum obstáculo opuseram estes à piedade dos cristãos, tendo eles próprios em particular veneração a capital da Judeia, a que chamavam “a casa santa”[2]. Estando, entre os maometanos, confundidos, num só órgão, os dois poderes – temporal e espiritual – foram sempre muito mais tolerantes do que os cristãos, por se achar, entre eles, o ponto de vista religioso mais ou menos subordinado aos interesses políticos, atenta a necessidade em que se encontraram de governar povos altamente evoluídos e que adotavam crenças irredutíveis às deles próprios.
A tolerância árabe chegou ao ponto de Moviá, o primeiro califa omíada, fazer reparar e reconstruir igrejas cristãs[3]. Nunca a tolerância se associou de um modo tão singular com o entusiasmo religioso – escreve Alexandre Herculano. Esta tolerância, que procedia da índole do islamismo, das suas máximas, digamos assim, canônicas e civis, não se limitou na Espanha à concessão de seguirem em silêncio a própria crença os habitantes avassalados pela espada do islã, nem ainda à de celebrarem publicamente os seus ritos: manifestou-se também no respeito às instituições dos vencidos e à sua propriedade.
A tolerância dos muçulmanos chegara ao último auge. Limitadas no princípio a um certo número, as igrejas e mosteiros multiplicavam-se por toda parte, e as antigas paróquias ornavam-se e acrescentavam-se com os primores da arte oriental. Providos em cargos civis, admitidos ao serviço militar, nas exterioridades os hispanos-godos só se distinguiam pela diferença dos lugares onde adoravam a Deus. A voz do almuaden chamando os moléns à oração misturava-se com a do sino que anunciava aos nazarenos a hora das solenidades do culto. Dirigindo-se à basílica o bispo perpassava pelo imã que se encaminhava para a mesquita: o presbítero cruzava com o moadi; e num dos dois templos, ou contíguos ou próximos, o salmista entoava os hinos do ritual gótico, enquanto no outro o alime ou ulema invocava na chotba as bênçãos do céu sobre o califa[4].
Em fins do VII século e princípios do IX, a proteção muçulmana aos cristãos foi explicitamente assegurada a Carlos Magno por Harum-Al-Rachid, constituindo o que se convencionou chamar o protetorado franco do Oriente[5]. Foi então que Carlos Magno fez construir, na cidade santa, um hospital para os peregrinos, uma basílica, uma biblioteca e um mercado, fundações que permaneceram em atividade durante todo o século IX. No século seguinte tornaram-se as peregrinações ainda mais frequentes, dirigindo-se à terra santa fieis de toda a Europa e até mesmo da Escandinávia e da longínqua Islândia» (p. 298-301)
(LINS, Ivan. A Idade Média – A Cavalaria e as Cruzadas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Pan-Americana, 1944)
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Historiador: Juan Brom.
“Nos séculos X e XI, os árabes tem a cultura mais alta da época. Além de realizar importantes trabalhos próprios, são os grandes transmissores do pensamento e da técnica. Muitos conhecimentos da antiguidade grega voltaram através deles a Europa. Organizam um bom sistema de escolas. Várias ciências tem sua origem em suas atividades, como a alquimia, que se transforma na química, e outras recebem um grande impulso, como a astronomia e as matemáticas (transmitem a Europa os chamados números arábicos, que provém da Índia, e inventam a álgebra). Os médicos árabes são os melhores de seu tempo e gozam de estima geral. Nas artes destacam sobretudo na arquitetura e na literatura. Na Espanha e em muitas outras partes, os árabes reorganizam os sistemas de irrigação construídos pelos romanos. Ensinam aos europeus a fabricação do vidro, o uso do sabão, a elaboração do papel (proveniente da China). São famosas suas telas, muitas das quais hoje tem os nomes das cidades onde se produziam principalmente (Damasco, Gasa). Também transmitem a Europa a pólvora, cuja fabricação haviam aprendido dos chineses” (p. 97-98)
“Na Itália, centro do desenvolvimento destas novas formas, aparecem os sistemas e instrumentos bancários, entre eles a letra de câmbio. Muitos destes elementos são tomados dos árabes, que tinham uma estrutura econômica sumamente avançada” (p. 108)
(BROM, Juan. Esbozo de historia universal. 21ª ed. México: Grijalbo, 2004)
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Historiador: Plínio Bastos.
“Os árabes possuíam universidade, colégios, bibliotecas. Estudavam geometria, astronomia, geografia, matemática. Entre eles a arte mais importante foi a arquitetura. Esculpiam em madeira, fabricavam tapetes, armas, muitos objetos de cobre. Plantavam arroz, cana de açúcar, café, açafrão. Cultivavam hortas e pomares. Comerciavam com quase todos os povos orientais” (p. 86)
(BASTOS, Plínio. História do Mundo - Da pré-história aos nossos dias. 3ª ed. Rio de Janeiro: Livraria Império, 1983)
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Historiadores: Manuel Ballesteros e Juan Luis Alborg.
«Gozou o mundo islâmico, no começo da sua construção, de uma grande prosperidade econômica. Sua paixão pela química lhes permitiu criar uma importante indústria de perfumaria, sabonetes, tintas e medicamentos. Foram também mestres na arte de tecer, que aprenderam dos persas e elevaram a grande perfeição; Mosul, que se especializou nos tecidos finos, deu seu nome à musselina. Decoravam as telas com preciosos desenhos, que diferem segundo as tradições de cada país, pois os árabes receberam e assimilaram toda classe de influências, ainda que as amoldassem a seus gostos ou costumes. Se distinguiram igualmente como fabricantes de armas, objetos de ourivesaria, joias, bronzes, artesanato, trabalhos em madeira e em marfim, em relevo, esculpidos em pedra. Fabricaram estupendos mosaicos, cerâmicas, porcelanas e vidros, e gozaram de fama universal seus couros.
Se aplicaram intensamente à agricultura, e com hábeis procedimentos de irrigação melhoraram muitíssimo os campos em todas as partes, sendo seu cultivo base importante de sua economia. Certamente tiveram bons mestres na Mesopotâmia e no Egito, mas se esforçaram por fazer da agricultura uma verdadeira ciência. Sua especialidade foi a horticultura e a jardinagem. Desenvolveram também de modo extraordinário o comércio, cuja profissão, que havia sido a do profeta, gozava entre os árabes de grande estima. Donos de toda a costa norte-africana e, ademais, de numerosas ilhas – entre elas Creta, Chipre e parte da Sicília – dominaram com seus navios todo o Mediterrâneo, arrebatando a hegemonia naval de Bizâncio.
Por outra parte, Bagdá centralizava o comércio de caravanas, sendo o verdadeiro nó do intercâmbio terrestre, como ponto de encontro entre as terras africanas e o Oriente Médio com as remotas regiões da Ásia Central e até do remoto Oriente, cujos produtos chegavam por via marítima até as costas do golfo Pérsico. A eles se deve a introdução na Europa, através da Espanha, do papel, invenção chinesa, e da cana de açúcar, e do arroz que importaram da Índia. Trouxeram igualmente a amoreira, o açafrão, o cânhamo, a laranja e outras muitas frutas e hortaliças» (p. 375-376)
«A atividade muçulmana na ordem das ciências foi enorme, sobretudo durante a época abbasí, depois de haver se acalmado a atividade guerreira dos primeiros tempos. Se destacaram rápido em medicina, que conheceram primeiramente através dos textos gregos, e muitos desses se conservaram a nós pelas traduções árabes. Tiveram médicos notáveis, como Avicena e Arrazí, e em suas notáveis escolas de Bagdá, Cairo e Córdoba realizaram grandes trabalhos com um sério espírito científico, muito moderno. Possuíam verdadeiras clínicas, criaram a farmácia e realizaram intervenções cirúrgicas, como a das cataratas.
Elaboraram importantes obras sobre mineralogia, zoologia e botânica. Assim mesmo conseguiram importantes progressos na física, na mecânica e na astronomia, mas suas maiores contribuições foram na matemática. Difundiram as figuras arábicas, e foram os criadores da álgebra e da trigonometria. Montaram importantes observatórios, calcularam a obliquidade da eclíptica e mediram um grau de meridiano. À química chegaram por sua fixação pela alquimia. Criam que poderiam encontrar o elixir que desse a juventude eterna e trabalharam para achar a famosa pedra filosofal, que transmutavam todos os metais em ouro. Mas aqueles esforços lhes permitiram fazer grandes descobertas químicas e aprenderam a obter numerosas substâncias novas» (p. 376-377)
“Foi notável o cultivo da geografia. A obrigação de peregrinar a Meca e a grande atividade comercial que desenvolveram os colocou em contato com numerosos países, dos quais deixaram descrições. Não somente por necessidade, mas por puro desejo de exploração, realizaram também importantes viagens terrestres e marítimas. Para esses últimos lhes serviu muitíssimo o emprego da bússola, que aprenderam provavelmente dos chineses e difundiram pelo Ocidente” (p. 377)
“Igualmente destacaram-se os muçulmanos no cultivo da história. Abundam, sobretudo, as crônicas particulares de sucessos de um personagem ou de uma época, mas existem também ensaios da História Universal” (p. 377)
“Na literatura fantástica são notáveis suas narrações breves, chamadas makamas, compostas para serem lidas de uma só vez, mas que soam, não obstante, se entrelaçar com outras composições para formar uma série. Deste tipo são as célebres Mil e uma noites e as Sessões de Jariri. Nas primeiras, sobretudo, são importantes as reminiscências persas. A esta mesma influência e à dos indianos se deve a paixão dos muçulmanos pelas fábulas. Os comentários de toda espécie sobre o Corão deram origem a uma extensa literatura em prosa, e a necessidade de ensinar o árabe nos países conquistados estimulou os estudos gramaticais” (p. 377)
“A poesia, grande paixão do povo árabe e único gênero cultivado antes de Maomé, seguiu seu formidável desenvolvimento. A propensão dos árabes à metáfora recarregada conduziu a um virtuosíssimo refinado e sutil excessivo quase sempre, mas sempre belíssimo e enormemente poético. Todos os príncipes e senhores principais gostaram de rodear-se de poetas que se agruparam em verdadeiras cortes; ali se compunham toda classe de poemas líricos” (p. 377)
“Foi também a filosofia outra das grandes preocupações dos árabes, antes que os cristãos ocidentais conhecessem e difundissem as obras de Aristóteles e dos neoplatônicos alexandrinos, que em Bizâncio haviam sido descartadas por serem consideradas perigosas. Seus primeiros grandes representantes foram Alquindí (século IX), homem de enciclopédicos conhecimentos, e Alfarabí, de origem turca, que trabalhou intensamente sobre os grandes filósofos gregos, tratando de conciliá-los com as ideias muçulmanas. Floresceu depois Avicena, e já dentro do século XII, os famosos filósofos espanhois Abentofail, Avempace e Averroes. Avempace escreveu o Guia de solitários, que defendia a filosofia como meio de chegar à divindade, em lugar da mística, e Averroes foi chamado ‘O Comentarista’ pelos enormes comentários que realizou sobre Aristóteles” (p. 378)
“Na arte tomaram também os árabes elementos de todos os povos que dominaram, e mesmo assim conseguiram um estilo tão pessoal que nenhum outro estilo artístico é tão popular nem tão facilmente reconhecível. Como o Corão proibia a representação de imagens, não tiveram apenas pintura nem escultura e sua grande produção era arquitetônica. Característica desta é o emprego do arco de ferradura, que não inventaram, mas que difundiram e aperfeiçoaram maravilhosamente, e o predomínio da decoração sobre o fundamental. Com os arcos fizeram combinações geométricas e entrecruzamentos belíssimos, e na ornamentação, quase sempre de gesso, empregaram complicadas figuras geométricas, muito típicas” (p. 378)
“Desde o século VIII até o XII o mundo antigo não conheceu mais do que duas civilizações: a dos bizantinos e a dos árabes” (p. 376)
(BALLESTEROS, Manuel; ALBORG, Juan Luis. Historia Universal Hasta el Siglo XIII. 4ª ed. Madrid: Editorial Gredos, S. A., 1967)
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Historiador: Joseph Michaud.
“Enquanto o Império do Oriente tocava assim o seu declínio, e parecia minado pelo tempo e pela corrupção, o Ocidente estava na infância das sociedades; nada mais restava do Império e das leis de Carlos Magno. Os povos já quase não tinham relações entre si e só se aproximavam com o ferro e a espada na mão; a Igreja, a realeza, as nações, os reinos, tudo estava misturado e confundido; nenhum poder era bastante forte para deter o progresso da anarquia e os abusos do feudalismo. Embora a Europa estivesse cheia de soldados e coberta de castelos fortes, as nações ficavam o mais das vezes sem apoio contra os inimigos e não tinham exércitos para sua própria defesa. No meio da confusão geral, não havia segurança a não ser nos campos e nas fortalezas, alternativamente, a salvaguarda e o terror das aldeias e do campos. As maiores cidades não ofereciam asilo algum para a liberdade; a vida dos homens era tida em tão pouco que se podia com algumas moedas comprar a impunidade do assassino. Era de espada na mão que se invocava a justiça, era pela espada que se fazia a reparação dos erros e das injúrias. A língua dos barões e dos senhores não tinha palavras para exprimir o direito das gentes; a guerra era toda sua ciência, era toda a política dos príncipes e dos Estados” (p. 70-71)
(MICHAUD, Joseph François. História das Cruzadas – Volume Primeiro. 1ª ed. São Paulo: Editora das Américas, 1956)
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Historiador: Jean Duché.
“Os muçulmanos fundavam grandiosas mesquitas, hospitais, escolas públicas – as madrassas – e respeitavam os cristãos, fazendo o mesmo desde quatro séculos: os tolerando” (p. 344)
“Desde quatro séculos antes, imperadores e califas lutavam com constância, mas sempre se saudando com o título de ‘irmão’ do que só eles, em meio a um mundo bárbaro, se achavam dignos. A guerra, sim, mas dentro de uns limites civilizados. O furor franco deixava entrever enormes complicações diplomáticas. Em relação à Terra Santa, os bizantinos estavam acostumados desde muito tempo a vê-la em mãos do Islã, posto que para eles a Terra Santa era Bizâncio” (p. 380)
(DUCHÉ, Jean. Historia de la HumanidadII – El Fuego de Dios. 1ª ed. Madrid: Ediciones Guadarrama, 1964)
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Considerações Finais
Está claro que nem os muçulmanos da época eram os terroristas de hoje, e muito menos os católicos da época eram os democratas ocidentais de hoje. Na “era de ouro” do Islã, eram os árabes que possuíam o maior desenvolvimento científico da época e eram os bizantinos (ortodoxos) que possuíam a maior cultura e riqueza. A Europa ocidental era a periferia do mundo, os verdadeiros “bárbaros” da história. Tal quadro só veio a se reverter depois do saque de Constantinopla (1204), quando os católicos roubaram toda a riqueza dos bizantinos e destruíram grande parte das artes e dos livros da cidade, e quando o Islã entrou em declínio cultural e moral, restando aos europeus a predominância, que só veio a se fortalecer em definitivo após a Reforma Protestante do século XVI.
Se alguém estava mais próximo dos terroristas do ISIS de hoje não eram os muçulmanos do exército de Saladino, mas precisamente os templários, dos quais Lins afirma:
“Alimentando monstruosa e insaciável ambição, passaram os templários a constituir verdadeiros ‘bandidos ungidos’, porquanto, se ostentavam bravura, acobertavam, com o hábito monástico, os mais detestáveis vícios e as mais veementes paixões do guerreiro medieval. ‘Celerados, ímpios, raptores, sacrílegos’, tais, em sua maioria, os templários no dizer insuspeito do autor de sua regra, São Bernardo, que se congratula com isso no ‘De Laude Novae Militiae’”[6]
O próprio São Bernardo (santo católico da época), criador da regra da ordem dos templários e que portanto os conhecia melhor do que ninguém, assim celebrava a saída dessa peste da Europa para os países muçulmanos:
“Há, nisso, dupla vantagem; a partida dessa escória é uma libertação para a Europa e o Oriente se regozijará com sua chegada por causa dos serviços que poderá prestar-lhe. Que prazer, para nós, perder crueis devastadores, e que alegria, para Jerusalém, ganhar fieis defensores! É assim que se vinga Cristo de seus inimigos; é assim que triunfa deles e por eles. Transforma adversários em parceiros; de um inimigo faz um cavaleiro, como, outrora, de um Saulo perseguidor, fez um Paulo apóstolo”[7]
Mesmo assim, é evidente que monstros deformados que tem horror aos livros de história irão preferir continuar apelando ao anacronismo histórico do que refutar qualquer coisa com base em historiadores conceituados. Afinal, que tipo de conhecimento histórico devemos esperar de quem diz que Jerusalém era a cidade que reinava sobre os reis da terra no século I (Ap.17:18)? Nada, exceto boas gargalhadas.
Paz a todos vocês que estão em Cristo.
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[2] Abade FLEURY, "Histoire Ecclésiastique", vol. I, pg. 725 da edição de 1844.
[3] ibid, vol. III, pg. 1.
[4] VideAlexandre Herculano: “História de Portugal”, t. VI, pgs. 26 e seguintes da 7ª ed, 1916.
[5]Vide: LOUIS BRÉHIER: “L’Église et L’Orient cru Moyen Age: Les Croisades”, pg. 6 da 5ª ed.
[6] LINS, Ivan. A Idade Média – A Cavalaria e as Cruzadas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Pan-Americana, 1944, p. 348-349.
[7]Apud Abade VACANDARD, “Vie de Saint Bernard”, t. I, pg. 254.