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O que acontece depois da morte?

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Eu vou tentar ao máximo resumir aqui mais de 1.200 páginas escritas em meus três livros sobre o tema (sem contar o que já escrevi em artigos, cartas-resposta, debates, etc). Se o leitor quiser uma abordagem mais completa, basta baixar o e-book dos livros ou comprar a versão impressa dos mesmos (clique aqui para mais informações). O material que será aqui exposto é um resumão dos livros "A Lenda da Imortalidade da Alma""A Verdade sobre o Inferno" e "Os Pais da Igreja contra a Imortalidade da Alma". No entanto, para não deixar o artigo demasiadamente longo, preferi deixar de fora a parte que trata sobre a duração do inferno e expor somente o conteúdo relativo ao estado intermediário, e nos próximos dias publico um novo artigo tratando apenas do inferno.


• Possuímos uma alma?

Todo o paganismo (espiritismo, religiões afro, hinduísmo, catolicismo romano, etc) está fundamentado na tese de que o ser humano possui dentro de si um elemento imaterial e imortal chamado de “alma”. Essa tal alma funcionaria como um fantasminha dentro do indivíduo, saindo do corpo na morte, tal como nos filmes de Hollywood e nos livros de Alan Kardec. No entanto, biblicamente a alma não tem nada a ver com isso. No relato da criação da natureza humana, que é o que melhor e mais claramente expressa o sentido primário de cada elemento, vemos que o homem “tornou-se” uma alma, e não que ele “obteve” uma:

“E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou em suas narinas o fôlego da vida; e o homem tornou-se alma vivente” (Gênesis 2:7)

O homem, portanto, não “tem” uma alma dentro de si; ao contrário, ele é uma alma! A “alma” é o que o homem se tornou após Deus ter soprado em nós o fôlego da vida (espírito); logo, ela é o ser humano por completo, ou seja, um corpo animado pelo espírito (fôlego de vida). Um corpo sem espírito está morto (Tg.2:26), porque o espírito é o que anima o corpo, ou seja, o que o mantém vivo. Enquanto o espírito está no corpo, há sangue correndo pelas veias, um coração batendo, um cérebro funcionando... ou seja: você é uma “alma vivente”.

Na morte, este fôlego de vida volta para Deus, que o deu (Ec.12:7), e o corpo sem a animação do espírito torna-se como qualquer objeto inanimado e sem vida. Por isso é dito que o ser humano veio do pó, e ao pó voltará (Gn.3:19). Quando o espírito volta a Deus, o corpo perde seu princípio ativo e nos tornamos almas mortas, em vez de “alma vivente”. É por isso que a Bíblia fala mais de cem vezes explicitamente na morte da alma (veja aqui e aqui). Podemos exemplificar a função do corpo, do espírito e da alma da seguinte maneira:

LÂMPADA + ELETRECIDADE = LUZ
LÂMPADA – ELETRECIDADE = SEM LUZ

OXIGÊNIO + HIDROGÊNIO = ÁGUA
OXIGÊNIO – HIDROGÊNIO = SEM ÁGUA

PÓ DA TERRA + FÔLEGO DA VIDA = ALMA VIVENTE
PÓ DA TERRA – FÔLEGO DA VIDA = ALMA MORTA

A lâmpada é como o corpo e o fôlego de vida é como a eletricidade. Enquanto há eletricidade na lâmpada, há luz. Mas se desligarmos o interruptor e a eletricidade deixar de circular na lâmpada, não há mais luz. Ela não vai para uma outra dimensão, simplesmente cessa de existir, acaba. Da mesma forma, a água é a combinação de oxigênio e hidrogênio. Se você tiver os dois, há água, mas apenas um dos dois (isoladamente) não é água. Também não há alma “vivente” sem a junção do corpo com o fôlego de vida. Quando o fôlego deixa o corpo, a alma vivente passa a ser uma alma morta – o que explica as centenas de passagens bíblicas que falam explicitamente na morte da alma.


• Qual o estado atual dos mortos?

Indiscutivelmente, um estado sem vida, sem existência, sem consciência, sem atividade. É a visão realista bíblica que muitos tentam negar com malabarismos eisegéticos dos mais variados tipos.

Salomão escreveu:

“Porque os vivos sabem que hão de morrer, mas os mortos não sabem coisa nenhuma, para eles não há mais recompensa, mas a sua memória fica entregue ao esquecimento. Também o seu amor, o seu ódio, e a sua inveja já pereceram, e já não têm parte alguma para sempre, em coisa alguma do que se faz debaixo do sol” (Eclesiastes 9:5-6)

Claro, vamos falar que Salomão dizia apenas que os mortos não sabem de nada do que ocorre “debaixo do sol”, mas que o que ele estava querendo dizer na verdade era que os mortos sabiam tudo do que ocorre “no lado de lá”. O problema é que poucos versos adiante ele fala do “além” (no hebraico, “Sheol”), e diz que ali também não há obra, nem projetos, nem conhecimento e nem sabedoria nenhuma!

“Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças, porque no além, para onde vais, não há obra, nem projetos, nem conhecimento, nem sabedoria alguma” (Eclesiastes 9:10)

Então no “além” também não há nada, exceto um estado de completa inconsciência e inatividade. Fica ainda mais duro salvar a consciência pós-morte à luz de um texto em que o autor diz ainda que homens e animais possuem o mesmo espírito (ruach, no hebraico), e que por essa mesma razão o destino de ambos era o mesmo na morte:

“Porque o que sucede aos filhos dos homens, isso mesmo também sucede aos animais, e lhes sucede a mesma coisa; como morre um, assim morre o outro; e todos têm o mesmo espírito, e a vantagem dos homens sobre os animais não é nenhuma, porque todos são vaidade. Todos vão para o mesmo lugar; todos foram feitos do pó, e todos voltarão ao pó” (Eclesiastes 3:19-20)

A diferença é que para os homens ainda há a ressurreição na volta de Jesus, fazendo da morte um fim temporário, enquanto para os animais a morte é um fim permanente. É por isso que a ressurreição é um tema tão recorrente – especialmente no Novo Testamento, quando a realidade da nossa ressurreição passou a estar garantida pela ressurreição de Cristo (1Co.15:20).

Quando o espírito se vai, o que ocorre com os pensamentos, que os imortalistas garantem que é função da alma? Continuam subsistindo em outro mundo? Não para o salmista, pelo menos. Para ele, na morte os pensamentos perecem:

“Quando o espírito deles se vai, eles voltam ao pó, e naquele dia perecem os seus pensamentos” (Salmos 146:4)

E os mortos, louvam a Deus? Isso responde:

“Pois não pode louvar-te o Sheol, nem a morte cantar-te os louvores; os que descem para a cova não podem esperar na tua fidelidade. Os vivos, somente os vivos, esses te louvam como hoje eu o faço; o pai fará notória aos filhos a tua fidelidade” (Isaías 38:18-19)

“Os mortos não louvam o Senhor, nem os que descem à região do silêncio” (Salmos 115:17)

Se os mortos estivessem conscientes, a primeira pessoa que eles se lembrariam seria de Deus. No entanto...

“Na morte não há lembrança de ti. E no Sheol, quem te louvará?” (Salmos 6:5)

E a alma que está próxima do momento da morte? Ela está para partir para um outro mundo no além, ou simplesmente para a cova? Vejamos...

“Sua alma aproxima-se da cova, e sua vida, dos mensageiros da morte” (Jó 33:22)

“Ele resgatou a minha alma, impedindo-a de descer para a cova, e viverei para desfrutar a luz” (Jó 33:28)

“Foi para minha paz que tive eu grande amargura; tu, porém, amaste a minha alma e a livraste da cova da corrupção, porque lançaste para trás de ti todos os meus pecados” (Isaías 38:17)

O que habitaria no “lugar do silêncio” após a morte é o somente o corpo ou também a alma?

“Se o Senhor não fora em meu auxílio, já a minha alma habitaria no lugar do silêncio” (Salmos 94:17)

Por que o salmista não disse que a alma estaria no lugar de altos louvores no Paraíso, ou de sofrimento e gritarias do inferno? Porque é óbvio que para ele o destino da alma na morte era o mesmo do corpo: a sepultura, lugar de silêncio.

E Davi, está no Céu?

“Porque Davi não subiu aos céus, mas ele mesmo declara: Disse o Senhor ao meu Senhor: Assenta-te à minha direita” (Atos 2:34)

Certo. Mas e os heróis da fé?

“Ora, todos estes que obtiveram bom testemunho por sua fé não obtiveram, contudo, a concretização da promessa, por haver Deus provido coisa superior a nosso respeito,para que eles, sem nós, não fossem aperfeiçoados” (Hebreus 11:39-40)

Qual era essa promessa, que os heróis da fé ainda não obtiveram, mas somente a terão em conjunto com os vivos na volta de Jesus?

“Todos estes ainda viveram pela fé, e morreram sem receber o que tinha sido prometido; viram-nas de longe e de longe as saudaram, reconhecendo que eram estrangeiros e peregrinos na terra. Os que assim falam mostram que estão buscando uma pátria. Se estivessem pensando naquela de onde saíram, teriam oportunidade de voltar. Em vez disso, esperavam eles uma pátria melhor, isto é, a pátria celestial. Por essa razão Deus não se envergonha de ser chamado o Deus deles, pois preparou-lhes uma cidade” (Hebreus 11:13-16)

Estão “buscando” a pátria celestial, ou já estão nela?

“...os que assim falam mostram que estão buscando uma pátria” (v. 14)

Afinal, se já estivessem na pátria celestial, o verso 16 não diria que Deus lhes “preparou” uma cidade, mas sim que eles já tomaram posse dela. No entanto, a cidade ainda está “preparada” para o dia em que os que morreram a possuirão. Quando isto se dará? Jesus responde:

Quando o Filho do Homem vier em sua glória, com todos os anjos, assentar-se-á em seu trono na glória celestial. Todas as nações serão reunidas diante dele, e ele separará umas das outras como o pastor separa as ovelhas dos bodes. E colocará as ovelhas à sua direita e os bodes à sua esquerda. Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita: ‘Venham, benditos de meu Pai! Recebam como herança o Reino que lhes foi preparado desde a criação do mundo (Mateus 25:31-34)

E de novo:

“Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fora, eu vo-lo teria dito. Pois vou preparar-vos lugar. E, quando eu for e vos preparar lugar, voltarei e vos receberei para mim mesmo, para que, onde eu estou, estejais vós também” (João 14:2-3)

As moradas estão “preparadas”, mas só serão ocupadas pelos discípulos quando Jesus voltar para nos levar para junto dele. E – veja só que coincidência – este é exatamente o mesmo momento da ressurreição dos mortos:

“Não quero, porém, irmãos, que sejais ignorantes acerca dos que já dormem, para que não vos entristeçais, como os demais, que não têm esperança. Porque, se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também aos que em Jesus dormem, Deus os tornará a trazer com ele. Dizemo-vos, pois, isto, pela palavra do Senhor: que nós, os que ficarmos vivos para a vinda do Senhor, não precederemos os que dormem. Porque o mesmo Senhor descerá do céu com alarido, e com voz de arcanjo, e com a trombeta de Deus; e os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro. Depois nós, os que ficarmos vivos, seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, a encontrar o Senhor nos ares, e assim estaremos sempre com o Senhor. Portanto, consolai-vos uns aos outros com estas palavras” (1ª Tessalonicenses 4:13-18)

Note ainda que o apóstolo não consola os tessalonicenses (que tinham entes falecidos) com a mensagem de que eles “já estão na glória”. Ao contrário, como todo e qualquer bom holista, ele os consola unicamente com a esperança da ressurreição. A própria mensagem sobre nós “não precederemos os que dormem” (v.15) não tem sentido nenhum se eles já estão no Céu. Neste caso, não haveria o temor de que nós (os vivos) entrássemos por primeiro (sem eles), pois todo mundo já saberia que os mortos já estariam lá, há muito mais tempo, nos esperando. Este temor não teria absolutamente nenhum sentido de ser caso os tessalonicenses (e Paulo) cressem na imortalidade da alma. Paulo teria simplesmente respondido que os mortos já estão com Cristo, e assim dissipado qualquer dúvida.


• O que ocorreria com os mortos, se não houvesse ressurreição?

Para os imortalistas, a alma de quem já morreu já se encontra no Céu e ficaria lá para sempre se não existisse ressurreição. Mas como há ressurreição, então na volta de Jesus ela precisa deixar o Céu, se religar novamente ao corpo e então retornar ao Céu, desta vez novamente dentro de um corpo. Nem perderei tempo dizendo que essa fabulosa religação de corpo e alma não aparece em parte nenhuma da Bíblia, e que é totalmente ilógico ressuscitar alguém que já está no Céu. Isso é óbvio. Mas o problema é bem maior que esse, pois para Paulo a ressurreição não era um mero detalhe, mas o centro da coisa. Sem a realidade da ressurreição, não haveria vida póstuma, não haveria eternidade na glória, não haveria literalmente nada!

Se essa ressurreição não existisse, ficaríamos no estado de morte (sem vida) por todo o sempre, e é por isso que Paulo disse:

“Se os mortos não ressuscitam, ‘comamos e bebamos, porque amanhã morreremos’” (1ª Coríntios 15:32)

Por que ele sugere levar uma vida hedonista, “comer, beber e depois morrer”, se não houvesse ressurreição? Porque sem ressurreição não haveria nada após a morte. Não existiria vida póstuma (1Co.15:18-19), e consequentemente qualquer coisa que fizéssemos em vida seria irracional, sem sentido objetivo. Paulo jamais teria dito isso caso ele pensasse que sem a ressurreição nós estaríamos vivos para sempre do mesmo jeito no Céu, só que desencarnados, em forma de alma incorpórea e imortal.

É óbvio que, para Paulo, a esperança de obter uma vida póstuma no futuro se dava na ressurreição. Se ela existe, vale a pena viver intensamente na terra e lutar pela fé. Mas, se ela não existe, então “comamos e bebamos, porque amanhã morreremos”. A esperança quanto à realidade de uma vida póstuma não consiste na suposta possessão de uma alma imortal dentro do corpo, mas em ressuscitar dos mortos no último dia (Rm.8:23-24; At.26:6-8; 24:15; 23:6).

Na concepção de Paulo, o sistema era o seguinte:

Estado Presente
Estado Pós-Morte
Estado Eterno
Vida Terrena
Condição sem vida
Ressurreição (volta à existência)
É por isso que se você tira o terceiro quadro (a ressurreição) o que ocorreria seria a perpetuação do segundo (estado pós-morte). Como Paulo entendia que este estado entre a morte e a ressurreição era um estado sem vida consciente, então a perpetuação deste estado significaria a cessação de existência para sempre, e neste caso “os que dormiram em Cristo já pereceram” (1Co.15:18), e ele teria lutado com “feras” em Éfeso à toa, sem razão (1Co.15:32).

Em meu artigo "Imortalidade da Alma ou Ressurreição dos Mortos?" eu desenvolvo este pensamento em torno da lógica de Paulo em 1ª Coríntios 15, resumida na tabela abaixo:

O QUE ACONTECERIA CASO A RESSURREIÇÃO NÃO EXISTISSE
PARA OS IMORTALISTAS
PARA O APÓSTOLO PAULO
Os mortos ficariam desencarnados para sempre
Os que dormiram em Cristo já pereceram – 1Co.15:18
Existiria uma vida póstuma em forma de “espírito incorpóreo”
A nossa esperança se limitaria apenas a esta presente vida – 1Co.15:19
Deveríamos dar o máximo pela nossa salvação pois as nossas almas ficariam para sempre no Céu do mesmo jeito
O melhor a fazer seria viver a vida hedonisticamente, “comamos e bebamos, para que amanhã morramos” – 1Co.15:32
Valeria a pena ficar em perigo pois as nossas almas ficariam para sempre no Céu do mesmo jeito, embora sem um corpo físico

Estaríamos correndo perigo totalmente à toa – 1Co.15:30
Na ressurreição a alma imortal se religa ao corpo morto
Pessoas são mortas, pessoas são vivificadas na volta de Cristo – 1Co.15:22,23
A morte é vencida quando a alma imortal vence a morte sendo liberta da prisão do corpo
A morte só é vencida por ocasião da ressurreição dos mortos – 1Co.15:55
Nós já detemos a imortalidade na forma de uma alma imortal implantada em nosso ser
A imortalidade é uma possessão futura, a qual só alcançaremos com a ressurreição dos mortos – 1Co.15:51-54


• Quando possuiremos a imortalidade?

Para os imortalistas, nós já somos possuidores da imortalidade no presente momento, na forma de uma alma imortal supostamente implantada dentro do nosso corpo. No entanto, a Bíblia é explícita ao dizer que só Deus possui a imortalidade:

“O único que possui, ele só, a imortalidade; que habita em luz inacessível, a quem homem algum jamais viu, nem é capaz de ver. A ele honra e poder eterno. Amém” (1ª Timóteo 6:16)

A imortalidade só será possuída pelos justos quando ressuscitarmos dentre os mortos, na volta de Jesus:

“Eis que eu lhes digo um mistério: nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados, num momento, num abrir e fechar de olhos, ao som da última trombeta. Pois a trombeta soará, os mortos ressuscitarão incorruptíveis e nós seremos transformados. Pois é necessário que isto que é corruptível se revista de incorruptibilidade, e isto que é mortal, se revista de imortalidade. Quando, porém, o que é corruptível se revestir de incorruptibilidade, e o que é mortal, de imortalidade, então se cumprirá a palavra que está escrita: ‘A morte foi destruída pela vitória’” (1ª Coríntios 15:51-54)

É justamente por não possuirmos a imortalidade no presente momento que nós precisamos buscar a imortalidade, e ninguém “busca” alguma coisa que já se possui:

“Ele dará vida eterna aos que, persistindo em fazer o bem, buscam glória, honra e imortalidade (Romanos 2:7)

A própria presença da “árvore da vida” no Jardim do Éden já é em si mesma uma prova indiscutível contra a imortalidade da alma. Se Deus já tivesse colocado uma alma imortal no homem, por que raios teria posto uma árvore da vida no meio do jardim, que servia justamente para trazer imortalidade (Gn.3:22), ou seja, para fazer a mesma coisa que supostamente a “alma imortal” já fazia? Não está claro como a luz do dia que a imortalidade não era uma possessão natural presente no homem, mas estava condicionada à obediência a Deus, da qual o homem se apartou, atraindo para si o inverso, ou seja, a mortalidade?


• Considerações Finais

Já vimos que, na montagem do homem (criação), Deus sopra o espírito em nosso corpo, tornando-nos almas viventes, e que na desmontagem (morte) este espírito volta a Deus, o corpo retorna ao pó e voltamos a ser almas mortas. Portanto, na remontagem (ressurreição) o que ocorre é que Deus sopra novamente o espírito em nossa carne ressurreta, e, assim, tornamo-nos novamente “almas viventes”. Este é o conceito de ressurreição que aparece ao longo de toda a Bíblia, e que confronta fortemente a ilusão imortalista de que a ressurreição seja a religação entre corpo e alma.

Em síntese:

Na “montagem”
 (Criação)
Na “desmontagem” (Morte)
Na “remontagem” (Ressurreição)
Deus forma um corpo do pó da terra
O corpo volta ao pó da terra
Deus ressuscita o corpo do pó da terra
Deus sopra um fôlego de vida (espírito) sobre o corpo
O fôlego de vida retorna a Deus
Deus sopra novamente o espírito sobre o corpo
Nos tornamos almas viventes
Nos tornamos almas mortas
Voltamos a ser almas viventes
Para ilustrar a relação entre corpo, alma e espírito, pense no notebook. Não o seu notebook do ano, mas este meu notebook velho e com bateria viciada, que não funciona nem meio segundo sem o cabo de energia. Se eu tirar agora o cabo, ou se ele ocasionalmente se desconectar do notebook, o notebook desliga na mesma hora, e ele só volta a ligar quando eu recolocar o cabo. É só com o cabo conectado ao notebook que eu consigo acessar os arquivos que estão nele – inclusive isto que agora escrevo.

Este cabo que tem como função alimentar o notebook e torná-lo ativo é como o espírito, que tem como função tornar o corpo vivo, consciente. Quando eu tiro o cabo da tomada, não há mais nada ligado. O cabo sozinho não tem os programas do computador (se tivesse, o computador não seria nem necessário!). Da mesma forma, quando o espírito se separa do corpo, não há mais vida. O espírito não é o seu verdadeiro “eu”, mas é como o cabo, que ao ser desconectado do notebook não leva informações sozinho. A informação só existe quando há a interação entre o cabo e o notebook, ou entre o espírito e o corpo.

O notebook é como o corpo. Enquanto o notebook está alimentado pelo cabo de energia, ele está ligado. Mas se o cabo for desconectado, o notebook desliga e passa a ser somente um pedaço de metal. Da mesma forma, quando o espírito deixa o corpo na morte, o corpo continua sendo corpo, mas inativo (sem vida). A alma, por sua vez, é como os programas e as informações que estão no notebook. As informações estão ali se você tiver unido o cabo ao notebook. Senão, o computador desliga e as informações só são recuperadas quando alguém voltar a ligar o cabo ao notebook. Da mesma forma, a alma só volta a viver quando Deus soprar novamente o fôlego de vida em nosso corpo, nos ressuscitando.

O meu cabo de energia não é emprestado, mas suponhamos que seja, para o bem da analogia. O espírito que nós temos não é “nosso” propriamente dito, mas vem de Deus – é “o sopro do Todo-poderoso, que me concede vida” (Jó 33:4). Ele está conosco como um “empréstimo”, mas veio de Deus e voltará para Deus (Ec.12:7). A vida consciente só existe quando há a junção de corpo e espírito (que é igual a uma “alma vivente”), assim como meu notebook só liga se houver a conexão entre o cabo e a entrada do computador.

Se eu só tiver o notebook (corpo), não consigo acessar os arquivos (alma). Se eu só tiver o cabo (espírito), também não consigo. Só há alma viva quando há a junção de espírito e corpo. Sem essa junção, há apenas morte – o inverso de vida. Quando o cabo (espírito) volta ao seu dono original (Deus), meu notebook (corpo) desliga (morre), e junto com ele todas as suas informações (alma), até que novamente o cabo seja religado ao computador (ressurreição).

Sendo assim, afirmar que a alma permanece viva depois da morte e que leva consigo consciência e personalidade para a vida no além, é simplesmente tão absurdo e disparate quanto seria se alguém dissesse que um notebook não precisa de bateria para funcionar, ou que o cabo de energia sozinho já seja suficiente para acessar os arquivos sem o computador, ou então que quando o notebook quebra não é preciso consertá-lo para acessar os arquivos que estão nele, porque você não precisa de um computador para acessar aquilo que está dentro do computador!

O que você pensaria de alguém que dissesse que quando um computador quebra não é preciso religá-lo para acessar os arquivos, mas que os arquivos automaticamente deixam o computador e aparecem na sua frente em perfeitas condições, como se você nem precisasse do notebook para acessar os arquivos? É deste jeito que a Bíblia considera absurdo pensar que a alma possa sobreviver conscientemente à parte do corpo, tornando inútil a ressurreição.

É por isso que é tão inconcebível a vida fora do corpo, assim como é inconcebível que se acesse um arquivo do computador enquanto o computador está desligado. É por isso que “ligar o computador” (ressuscitar dos mortos) é tão fundamentalmente importante – porque, sem isso, ele ficaria desligado para sempre. Os arquivos podem ser guardados em um pendrive, mas não podem ser acessados até que alguém coloque o pendrive em um computador. Deus tem um “pendrive” com o “backup” de toda a nossa memória, caráter, personalidade e de tudo aquilo que faz você ser você, e haverá um dia em que Ele colocará esse pendrive em um notebook novo, sem defeito, consertado e reformado, tornando novamente acessíveis os arquivos do computador.

Este é o dia da Sua vinda em glória, em que ele ressuscitará nosso corpo mortal, tornando-o imortal, incorruptível e glorioso, momento no qual voltaremos à vida e à existência que antes tínhamos perdido. Essa é a verdadeira esperança do cristão, o apogeu de todo o Novo Testamento, o firme fundamento que foi tão esquecido com o passar do tempo, quanto mais a imortalidade da alma foi entrando na Igreja. A ressurreição só existe porque a vida fora do corpo é impossível. Se fosse possível, a ressurreição não apenas seria desnecessária, mas também perderia o sentido. É porque a vida precisa de um corpo que vivemos em um corpo e ressuscitaremos em um corpo.


• Refutações

Não vou me alongar aqui refutando a quase uma dúzia de objeções imortalistas extraídas de um punhado de textos pincelados e tirados do contexto. São os mesmos de sempre, e mesmo depois de nós refutarmos devidamente argumento por argumento eles nunca refutam nossa contra-argumentação e depois sempre voltam com as mesmas falácias, pensando que vencem pelo cansaço. Por isso, embora já batidos e refutados, argumentos como os expostos na tabela abaixo frequentemente voltam à tona a cada vez que este tema é colocado em pauta. Mas basta clicar no link correspondente no lado direito da tabela para conferir a refutação:

TEXTO
RESPOSTA
Parábola do rico e Lázaro
O ladrão da cruz e o “hoje”
Partir e estar com Cristo
Moisés vivo no monte da transfiguração
As “almas” debaixo do altar
Não temam aqueles que não podem matar o corpo, mas não a alma
Os “espíritos” em prisão
Significado de Sheol/Hades
Levar cativo o cativeiro
Um espírito não tem carne e osso
No corpo ou fora do corpo
“Samuel” aparecendo a Saul em En-Dor
Deus de vivos, não de mortos
A existência de dois juízos (particular e geral)
O bicho que não morre
O fogo eterno
O “castigo eterno” de Mateus 25:46
Apocalipse e o tormento eterno
O lago de fogo

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,


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Desmascarando o "milagre" de Lanciano

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Recentemente um católico comentou em meu artigo "Podemos chegar à verdade sem um magistério infalível?" que o ponto que mais fortalece a fé católica dele são os “milagres eucarísticos”, e me pediu para escrever um artigo a respeito. Como a Igreja Romana arroga vários destes “milagres”, irei me concentrar aqui no mais famoso deles, o de Lanciano, que é também supostamente o que tem mais base “científica”. Ademais, os outros “milagres eucarísticos” seguem o mesmo padrão de Lanciano, o que significa que a explicação dada ao “milagre” de Lanciano também se aplica por extensão a todos os demais.


Só Deus poderia realizar o milagre?

Eu obviamente não creio na veracidade do “milagre” de Lanciano, pelas razões que irei expor mais adiante. No entanto, começarei este artigo fazendo uma concessão aos católicos, para o bem do argumento. Mesmo se partíssemos do pressuposto de que o milagre ocorreu mesmo, o que é que isso prova? Para a maioria dos católicos, isso prova que Deus é católico, ou que aprova a fé católica em detrimento de todas as outras. Mas para que esta conclusão seja verdadeira, teríamos que partir de outro pressuposto, que é o de que só Deus pode realizar milagres na terra. Isso é falso, como mostrei em meu artigo intitulado: "Os Milagres na Igreja Católica são de Deus?".

Este artigo deixou alguns católicos furiosos, e, no entanto, não vi absolutamente nenhuma refutação aos argumentos. Isso porque não tem mesmo o que refutar: a Bíblia é muitíssimo clara em dizer que o diabo também tem poder suficiente para agir na terra com coisas que podemos chamar de milagres ou intervenções sobrenaturais. Biblicamente falando, Satanás tem poder para se transformar em anjo de luz (2Co.11:14), para fazer cair fogo do Céu (Jó 1:16; Ap.13:13), para intervir na natureza (Jó 1:19), para transformar vara em serpente (Êx.7:10-12), para transformar o rio em sangue (Êx.7:22), para fazer surgir rãs na terra (Êx.8:7), para curar feridas mortais (Ap.13:3-4), para fazer grandes sinais e prodígios (Mt.24:23-24) e para realizar sinais miraculosos (Ap.16:13-14).

Um dos relatos mais interessantes, para mim, está em Apocalipse 13:13-14, no contexto da grande tribulação, em que João diz:

E faz grandes sinais, de maneira que até fogo faz descer do céu à terra, à vista dos homens. E engana os que habitam na terra com sinais que lhe foi permitido que fizesse em presença da besta, dizendo aos que habitam na terra que fizessem uma imagem à besta que recebera a ferida da espada e vivia” (Apocalipse 13:13-14)

Note que o anticristo fazia – pelo poder satânico, obviamente – sinais miraculosos espetaculares, de tal forma que fazia com que fogo caísse do céu à terra, e isso publicamente, para todo mundo ver e testemunhar por si mesmo. Eu (e tenho certeza que você também) considero isso uma “evidência miraculosa” de peso enormemente superior ao “milagre de Lanciano”. Se eu precisasse de um “sinal” extraordinário, com certeza seria esse. A uma primeira vista, isso só pode vir de Deus. Mas a Bíblia diz que veio do diabo. Imagine alguém na grande tribulação, vendo os sinais tão poderosos, inexplicáveis e espetaculares que o anticristo vem fazendo, e então concluísse que a religião do anticristo fosse a verdadeira!

É por isso que é perigoso usar um milagre como argumento para validar alguma fé. É indiscutível: todas as religiões têm seus “milagres”, umas mais, e outras menos. Nas igrejas evangélicas chovem milagres todos os dias, e no entanto nenhum crente está desesperado em provar que sua fé é verdadeira porque tal milagre aconteceu em tal lugar. Eu já vi milagres extraordinários ocorrerem instantaneamente e na minha frente, e no entanto nunca usei esta ou qualquer outra experiência para provar que Deus está do lado da minha igreja e contra a religião de um outro alguém.

Então, como provar que o milagre veio mesmo de Deus? Se a doutrina ali ensinada for verdadeira, então o diabo não pode ter legalidade. É por isso que até mesmo a questão dos milagres me remete à questão da doutrina. Não tem saída. O que prova que uma igreja está na fé é uma doutrina pura em conformidade com a pregação apostólica, e não um sinal miraculoso que até o diabo pode fazer.


O que dizem as evidências científicas?

As análises do Dr. Odoardo Linoli, que examinou aquilo que supostamente é um pedaço de pão transformado em carne e um vinho transformado em sangue, provou que de fato é carne verdadeira e sangue real. Aí está toda a “evidência científica” do católico ingenuamente crédulo, que pensa que basta provar que é carne humana que o “milagre” está provado. Não está. Que existem carne e sangue reais não se discute, o que se discute é se antes havia um pão e um vinho, que foram transformados literalmente na carne e no sangue de Jesus. E simplesmente não há nenhuma evidência séria de que aquele pedaço de carne humana um dia era um pão.

Na verdade, tudo o que temos é isso:

• Um suposto monge de uma igreja italiana do século VIII, que supostamente teria consagrado o pão e o vinho durante o culto.

• Ninguém sabe o nome desse monge.

• Ninguém escreveu nada sobre isso até o século XVII.

• A partir de 1631, temos o primeiro registro escrito do suposto milagre, que teria supostamente ocorrido no século oito. Ou seja: novecentos anos depois do suposto “milagre” é que decidiram escrever sobre o feito. E sem nenhuma evidência.

Então, se o leitor tem o costume de acreditar em Papai Noel, em fada dos dentes, em duendes e em sereias, com certeza estará apto para acreditar no grande milagre de Lanciano também. Tudo o que precisa fazer é acreditar no testemunho oral de alguém que viveu novecentos anos mais tarde, sobre um suposto monge que ninguém sabe quem era, em um ano que ninguém sabe precisar, e para supostas “testemunhas oculares” que ninguém sabe quais foram. É com base nesse tipo de testemunho oral altamente confiável que os católicos creditam fé na tese de que existia mesmo um pão e um vinho antes da “transformação”, em vez de alguém ter colocado carne e sangue para falsificar um “milagre”.

Um católico poderia protestar: “Mas a carne se preservou!”. Sim, e caso ele não saiba, existe algo chamado mumificação natural. O próprio Linoli afirmou que as proteínas que ele encontrou nas amostras são as mesmas que são encontradas em múmias egípcias (preservadas por muito mais tempo que a carne do “milagre” de Lanciano). Há inclusive vários casos de peles de dinossauros com tecidos moles, que os católicos dificilmente admitiriam que se trata de um “milagre”. Para ler mais sobre o fenômeno de preservação natural conhecido como adipocere, leia aqui e aqui.

Por fim, vale destacar que não há nenhuma evidência histórica séria de que a carne e o sangue foram expostos ao ar por séculos, como afirma a lenda, além de que não há provas de que a carne é mesmo do século VIII, tendo todas as chances de se tratar de uma falsificação bem mais recente, tornando a preservação natural bem menos notável.


Perguntas que precisam de respostas

Além de tudo o que vimos aqui, há muitas perguntas que precisam de respostas da parte daqueles que ingenuamente creem no tal “milagre” de Lanciano:

1º Por que não fizeram nenhum esforço para datar a idade da carne e do sangue?

2º Considerando o fato de que em muitos destes supostos “milagres eucarísticos” o católico come literalmente a carne e o sangue de Cristo “transformados” fisicamente, como diferenciar isso do canibalismo, que é precisamente o ato de comer carne humana?

3º Se foi um verdadeiro milagre, por que a carne não continua crua e o sangue não continua líquido? O Dr. Linoli disse que a carne estava apodrecida, como a carne de um cadáver. No entanto, a Igreja Romana garante que na hóstia consagrada está o Cristo ressurreto (vivo). Por que, então, o “milagre” de Lanciano mostra um cadáver, que se deteriora com o passar do tempo? Estaria a Igreja Romana querendo provar que Jesus não ressuscitou?

4º Linoli disse que o tecido não está “vivo”, mas seco. Ele descobriu ainda que o tecido que supostamente era parte do corpo de Jesus estava infestado de fungos e microorganismos. Estaria a verdadeira carne do Cristo ressurreto infestada de fungos? Como isso se diferencia de uma blasfêmia imoral contra Cristo?

5º Se realmente ocorreu um milagre extraordinário numa missa de uma igreja do século VIII, por que ninguém escreveu sobre este feito tão surpreendente durante os 900 anos seguintes? Por que não há absolutamente nenhum registro histórico de teólogos, bispos, padres, doutores da Igreja ou até mesmo leigos em todo este tempo? Como poderia um milagre tão notável ter sido totalmente ignorado até de repente surgir com força no século XVII, coincidentemente depois da Reforma, quando os protestantes passaram a questionar a transubstanciação?

6º Se a intenção de Deus em fazer este milagre era provar ao mundo todo que a fé católica romana é a verdadeira, por que ele quis fazer isso com um monge que ninguém sabe o nome, para um público que ninguém sabe qual foi, e em uma época em que não tinha como gravar o feito para provar a todos que de fato havia pão e vinho reais que mais tarde foram “transformados” em outra coisa? Se a intenção era provar que a ICAR é a “única Igreja de Cristo”, então por que nos dias de hoje não vemos mais hóstias sendo transformadas na “carne de Jesus”? Se Deus queria mesmo provar cientificamente a fé católica para o mundo inteiro ver que a ICAR é a “verdadeira igreja”, não seria melhor ter feito isso com testemunhas oculares que garantissem a fidelidade da mensagem, em vez de nos deixar um vácuo histórico para ser preenchido com ingenuidade e fideísmo?

Eu poderia fazer mais considerações que desmantelam a palhaçada do “milagre de Lanciano”, mas as que já foram feitas são o bastante para qualquer pessoa honesta e racional tirar suas próprias conclusões.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,


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Como a mente de um picareta consegue transformar Babilônia em Jerusalém

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Desde que colocaram internet no hospício, os loucos começaram a escrever blogs lunáticos sobre o Apocalipse, onde tudo é fruto de interpretação pessoal – exatamente a mesma coisa que o picareta sem vergonha sempre ataca quando é praticado por evangélicos:

(Clique na imagem para ampliar)

Depois de dizer que era Jerusalém a cidade que reinava sobre os reis da terra na época de João (Ap.17:18), que o “Ave Cesar” era a marca da besta (666), que uma geração dura cem anos e que João escreveu o Apocalipse antes de 70 d.C e depois ficou mais 30 anos preso na ilha, o vagabundo virtual agora soltou a maior pérola de todas: que Pedro escreveu de Roma enviando saudações para Jerusalém!

Sim, para o cretino salvar sua tese lunática de que a Babilônia é Jerusalém, ele afirma:


Além de o retardado não saber que o original foi escrito em grego e não no latim, e de também não saber nada de latim, e de também deturpar as próprias traduções católicas feitas a partir do latim, o asno ainda afirma que Pedro não estava escrevendo da “Babilônia”, mas sim para a Babilônia!

Para saber exatamente o tamanho dessa sandice, veja o que diz o original grego:

ασπαζεται υμας η εν βαβυλωνι συνεκλεκτη και μαρκος ο υιος μου

Agora veja como o verso é traduzido palavra por palavra pelo Novo Testamento Interlinear (de Paulo Sérgio Gomes e Odayr Olivetti):


Ou seja:

ασπαζεται (Saúda-)
υμας (-vos)
η (a)
εν (em)
βαβυλωνι (Babilônia)
συνεκλεκτη (co-eleita)
και (e/também)
μαρκος (Marcos)
ο (o)
υιος (filho)
μου (meu)

Ou seja: a [igreja] que estava em Babilônia mandava saudações, e não que Pedro estava em Roma mandando saudações aos que estavam em Jerusalém! As saudações não estavam sendo enviadas a Jerusalém, mas sim àqueles a quem Pedro escrevia a carta, ou seja, “aos estrangeiros dispersos no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia” (1Pe.1:1). Só um retardado mental e obsceno poderia dizer que Pedro estava escrevendo uma carta aos estrangeiros dispersos no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia, e ao chegar ao final da carta decide saudar OS DE JERUSALÉM(???) em vez de saudar àqueles a quem ele escrevia! Vá ser burro assim na China!

Será que o picareta não leu o “saúdo-vos”, que já mostra que a saudação era para “vós”, ou seja, para quem ele escrevia, e não para os de Jerusalém? Por que esses loucos não terminaram o ensino primário antes de começar a escrever em blogs satânicos?

Além disso, para piorar ainda mais a situação, o texto prossegue dizendo “και μαρκος ουιος μου”, ou seja, “e também Marcos, meu filho”. Isto é, ele estava saudando em Babilônia os seus destinatários do Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia, e além dele Marcos também estava enviando saudações. Mas se o texto deve ser entendido da forma que o vigarista propõe, então ele estaria saudando a Babilônia “e também Marcos”, ou seja, Pedro estaria saudando Jerusalém e Marcos! Como é possível existir um asno desses no mundo?

É nisso que dá uma anta querer desesperadamente pelo seu próprio achismo tornar Jerusalém a Babilônia: ele acaba fazendo isso de qualquer maneira, mesmo que tenha que plantar bananeira, fazer malabarismos de circo de Soleil e distorcer tudo, absolutamente tudo da Bíblia, pensando com isso estar enganando os seus leitores burros, que de tão mentalmente lesados que são acabam realmente acreditando nessa lavagem cerebral feita pelo pilantra.

Dentro de pouco tempo o demente irá criar uma nova tradução católica da Bíblia:

“Saúdo-vos, mas não a vocês a quem eu escrevo, e sim a JERUSALÉM, a Babilônia do Apocalipse, e também a Marcos”

De tanta retardadice antiprotestante já dita por esse jumento, essa merece o Oscar.


Paz a todos vocês que estão em Cristo.


Por Cristo e por Seu Reino,


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As relíquias da Igreja Católica

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AS RELÍQUIAS DA IGREJA CATÓLICA
(Alon Franco)

Os católicos romanos se gabam de possuir relíquias de todo o gênero, e que as têm de todo o gênero é coisa verdadeira que ninguém pode desmentir. Agora mencionaremos algumas destas relíquias fazendo presente os casos em que elas são multiplicadas. Isso é oficial e foi extraído de documentos católicos: Dizionario delle Reliquie e dei Santi della Chiesa di Roma. Dicionário das Relíquias e dos Santos da Igreja de Roma, Firenze 1888, na Biblioteca Valdense de Roma. E também James Bentley, Restless Bone: the Story of Relics, 1985.


As muitas relíquias da Igreja Romana

O corpo do apóstolo André se encontra em diversos lugares, e a sua cabeça também. Tiago, o irmão do Senhor, tem diversos corpos em outros tantos lugares, e diversas cabeças. A cabeça de João Batista também se encontra em diversos lugares. Um missionário católico que peregrinava por terras distantes dizia ao beijar a cabeça de João Batista que encontrara num mosteiro da localidade onde estava: “Santo Deus maravilhoso, esse já é o quinto crânio de João que beijo nas minhas peregrinações”.


Jesus e as relíquias

Há também diversos umbigos de Jesus, e até o prepúcio de Jesus (ou melhor, os prepúcios de Jesus porque também este se multiplicou). Mas de Jesus haveria também um dente de leite, seus cabelos, as unhas, uma lágrima. Além disso, há diversas relíquias que têm qualquer relação com Jesus: um pedaço de pão que sobrou do milagre da multiplicação dos pães às cinco mil pessoas, o berço, as faixas em que foi envolvido quando era menino, um pedacinho de pão que sobrou da ceia do Senhor e a toalha com a qual enxugou os pés dos apóstolos.

As relíquias da cruz sobre a qual foi crucificado Jesus, que a Igreja Romana afirma possuir aqui e ali nos seus templos de ídolos e que são veneradas especialmente na “Sexta-Feira Santa”, são tão numerosas que se unissem todas formariam dezenas de cruzes.


Mais relíquias... de Jesus

A Igreja Católica Romana diz possuir também os degraus do pretório de Pilatos que Jesus teria subido (formam a “escada santa”), a coroa de espinhos que foi posta pelos soldados na cabeça de Jesus (os espinhos da coroa espalhados por todo o mundo são tão numerosos que os juntando todos resultariam centenas de coroas); a cana que puseram na mão de Jesus depois que foi vestido de púrpura; os pregos com que foi crucificado Jesus (pelo menos vinte e nove centros europeus afirmam possuir um prego sagrado); a lança com que o soldado traspassou o lado de Jesus na cruz (diversos lugares a têm); a esponja com que lhe deram de beber os soldados na cruz, e até o sangue e a água que saíram do seu lado traspassado!


A casa de Maria foi até a Itália

Na Itália existe também a casa de Maria em Nazaré (onde lhe foi anunciado o nascimento de Jesus); os anjos a teriam transportado da terra de Israel para Itália e mais precisamente para Loreto (em 1295) depois de tê-la feito estacionar primeiro na Dalmácia e depois em Recanati! Mas de Maria existe também o seu leite, cabelos seus, o seu véu, o anel de noivado, o pente e diversas imagens milagrosas vindas do céu.


Pedro, Paulo, Estevão e José

Do apóstolo Paulo a Igreja Romana possui o corpo, alguns pelos da sua barba, e muitos e muitos ossos; além da coluna sobre a qual lhe foi cortada a cabeça e o sabre que o decapitou!

Do apóstolo Pedro o corpo está em Roma; noutros lugares está o bastão, uma pantufa, a espada com que cortou a orelha ao servo do sumo sacerdote, a cátedra (ou seja, a cadeira da qual ele pregava), a cruz sobre a qual foi crucificado, as cadeias com que foi acorrentado na Palestina e em Roma (destas cadeias se diz que um dia entrando em contato se soltaram milagrosamente formando uma cadeia única); e também uma pedra, conservada no seu lugar de culto dedicado a “S. Francesca Romana al Foro” sobre a qual teriam ficado gravados os joelhos de Pedro enquanto orava a Deus para punir a soberba de Simão Mago que se elevava no ar!

A Igreja Católica Romana tem também as pedras com que foi apedrejado Estevão, as moedas que recebeu Judas do sinédrio em troca de Jesus, o laço com que Judas se enforcou, e o fôlego que José marido de Maria mandou enquanto rachava lenha (um anjo o teria recolhido numa garrafa!).


A mais espantosa e interessante relíquia

Não bastasse todas essas relíquias, ainda temos mais uma, que por ser de caráter extraordinário não poderia ser deixada de fora. O testemunho é de um padre católico numa viagem a Portugal, que encontrou num mosteiro guardado dentro de um vidro um dedo do Espírito Santo!

Que dizer de todas estas relíquias? Imposturas, apenas imposturas que lhes servem para tirar dos bolsos de muitas pessoas muito dinheiro, e para fazer parecer a Igreja Católica Romana como uma espécie de custódia das “provas” da autenticidade do Cristianismo.

Por: Alon Franco (http://agrandecidade.com)


Meus Comentários:

Há algum tempo atrás eu traduzi um artigo do Keith Thompson chamado "A História Negra da 'Santa' Igreja", em que o autor menciona diversos crimes papais – sem incluir a inquisição – e na parte das relíquias menciona o historiador Eleanor Herman, que escreveu:

“As partes do corpo de santos foram chamadas relíquias de primeira classe. Algumas igrejas italianas se vangloriavam de possuir itens de primeira classe como as gotas de leite das mamas da Virgem Maria, o prepúcio do pênis de Jesus e seu cordão umbilical. Outras igrejas ofereciam relíquias de segunda classe, como coisas que tinham sido intimamente relacionadas com um santo durante sua vida. Uma igreja romana expôs o berço de Jesus na manjedoura, e outra o pedestal de mármore em que Pôncio Pilatos o havia açoitado”[1]

Em sua obra “A Teologia de João Calvino”, Charles Partee destaca algumas das lembranças de Calvino destas relíquias absurdas:

“Em uma rara referência à sua infância, Calvino expressa a indignação de um menino observando as mulheres pobres e ignorantes de sua paróquia, incapazes de distinguir entre figuras de santos, assassinos e demônios, adornando todos iguais com guirlandas”

Já adulto, Calvino observava que entre as coisas surpreendentes sobre as relíquias se destacava o fato de que cada apóstolo tinha mais de quatro corpos e cada santo tinha dois ou três. Igualmente surpreendente anatomicamente era a exibição de três prepúcios de Jesus(!), um na igreja de Charrox, outro em Roma, e um terceiro em Hildesheim. Mais uma vez, embora apenas um homem carregasse a cruz, se todas as peças da cruz que eram vendidas fossem colocadas em um mesmo lugar, podia-se construir um navio. Entre os crédulos, excrementos de cabra eram colocados na conta da Virgem Maria. Calvino dizia que se o corpo da Virgem Maria não estava na terra, nenhum osso poderia ser produzido, mas isso era compensado com seu leite materno. Ele disse ironicamente:

“Os seios da Santíssima Virgem rendiam mais leite do que aquilo que é dado por uma vaca. A não ser que ela tenha amamentado durante a vida inteira, dificilmente ela poderia ter fornecido a quantidade que é exibida”[2]

Tudo isso é comprovado pelas fontes católicas e também pelos historiadores eclesiásticos mais renomados do mundo, como Philip Schaff, J. N. D. Kelly, E. R. Chamberlin, Williston Walker, Eleanor Herman e Kenan B. Osborne, dentre muitos outros.

Essa igreja que se diz “de Cristo” conseguia facilmente enganar os incautos sob a alegação de que ela era o Reino de Deus na terra, e, consequentemente, inerrante. O povo pobre e ignorante, lastimavelmente, confiava cegamente nas abominações perpetuadas por essa igreja, pois pensavam que era a “Igreja de Cristo”, e que o papa fosse o representante de Deus na terra. É de se espantar que até hoje haja gente que cultive essa mesma mentalidade infantil, ingênua e ultrapassada, que pense que a instituição católica-romana é infalível, que foi fundada pelo próprio Cristo e que tem seus bispos escolhidos a dedo pelo Espírito Santo – embora muitos deles fossem assassinos, pedófilos, torturadores, facínoras, estupradores, homossexuais, sádicos e pervertidos, como mostrei neste e neste artigo. Da mesma forma que aquele povo achava que a Igreja era boazinha demais para enganá-los com relíquias falsas, o povo católico de hoje acha que a Igreja é boazinha demais para enganá-los com falsas doutrinas.

Se a Igreja fundada por Cristo e guiada por pastores infalíveis e verdadeiros representantes de Deus na terra é essa coisa que assassinou milhões, que vendia indulgências para o perdão dos pecados, que tem um exército de padres pedófilos, que promovia cruzada das crianças para serem vendidas como escravas e que chegava a vender até o leite das mamas da virgem Maria e o "dedo" do Espírito Santo para lucrar em cima dos incautos de sua própria religião, então estamos fritos.

Sim, as portas do inferno não prevaleceram contra a Igreja Romana. Ela é a própria porta do inferno.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,


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Fim da Fraude (Refutando as mentiras dos apologistas católicos)



[1] Eleanor Herman, Mistress of the Vatican, [HarperCollins, 2009], p. 241.
[2] Charles Partee, The Theology of John Calvin, [Westminster John Knox Press, 2008], p. 11.

Os cinco erros mais habituais de um romanista

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Os romanistas em seus debates costumam empregar diversas falácias, erros de lógica, anacronismo, distorções históricas e manipulações de dados, mas aqui me limitarei a comentar brevemente sobre os cinco erros mais comuns.


1º Achar que a atual Igreja Católica Romana é a mesma Igreja Católica antiga

É o erro mais rotineiro. O papista, por ignorância ou desonestidade, tenta usar escritos dos Pais da Igreja onde eles falavam da “Igreja Católica”, e então considera como se estivessem dizendo a mesma coisa que “Igreja Católica Apostólica Romana”. Isso é absurdamente falso. A Igreja, naquela altura, não era “Romana”, mas somente “Católica”, que significa universal. Um Pai da Igreja que falava em “Igreja Católica” nem de longe estava se referindo a uma igreja em particular, como a romana, mas meramente se referindo à Igreja como um todo, isto é, presente em todas as partes do mundo da época.

De fato, falar em Igreja “Católica Romana” é contradição de termos semelhante a falar em “solteiro casado”. Se é católico (universal) não pode ser romano (particular), da mesma forma que se é “solteiro” não pode ser “casado”. Por séculos e séculos ninguém se referiu à Igreja como sendo “Igreja Católica Romana”, até que o cisma de 1054 d.C fez com que os papistas começassem a considerar a Igreja Católica como sendo “Romana” em particular (uma vez que passaram a considerar os ortodoxos como estando fora da comunhão).

Os Pais da Igreja consideravam a sucessão apostólica de todas as demais igrejas, não apenas da de Roma. A lista de sucessão em Antioquia, inclusive, tem Pedro como seu primeiro bispo (veja aqui). Para Inácio, a Igreja não tinha sua fundação em Roma, mas na Síria[1]. Agostinho se referiu às “Sés Apostólicas”[2]no plural, em vez de considerar Roma como sendo a única. Nenhum concílio ecumênico foi convocado por um papa; todos foram convocados por imperadores bizantinos. Provas históricas abundantes e esmagadoras refutam por completo o mito de que já existia um papado romano na época, com jurisdição universal sobre toda a Igreja. Para conferir estas evidências, clique aqui e aqui.


2º Achar que o conceito primordial de “Igreja” é institucional e privado

A Igreja, à luz da Bíblia, tem um conceito básico muito simples: a reunião de todos os verdadeiros cristãos, em todas as partes do mundo. Juntos, eles formam aquilo que é conhecido como “corpo de Cristo”. A Igreja Romana é apenas uma instituição visível que poderia ser uma parte deste corpo, se não fosse pelo fato de ter apostatado há muito tempo e perdido essa posição. A Igreja como o corpo de Cristo invisível é um conceito muito claro biblicamente:

“À irmã Áfia, a Arquipo, nosso companheiro de lutas, e à igreja que se reúne com você em sua casa (Filemom 1:2)

“As igrejas da província da Ásia enviam-lhes saudações. Áquila e Priscila os saúdam afetuosamente no Senhor, e também a igreja que se reúne na casa deles (1ª Coríntios 16:19)

“Saúdem Priscila e Áquila, meus colaboradores em Cristo Jesus. Arriscaram a vida por mim. Sou grato a eles; não apenas eu, mas todas as igrejas dos gentios. Saúdem também a igreja que se reúne na casa deles (Romanos 16:3-5)

Será que Paulo estava dizendo que a Igreja Católica Apostólica Romana estava reunida naquela casa? É óbvio que não. Paulo não diz que aqueles irmãos se reuniam na Igreja, mas sim que a Igreja se reunia naquela casa. Em outras palavras, a Igreja não era uma instituição religiosa que tinha um certo número de membros, mas sim os próprios cristãos que se reuniam naquelas casas. Em um sentido primário, a Igreja é, portanto, os verdadeiros cristãos onde quer que eles estejam. Onde dois ou três estiverem reunidos em nome de Cristo, ali Jesus está (Mt.18:20), ali está a Igreja de Cristo.

Estes cristãos, por sua vez, se reuniam em comunidades, em cada local aonde o evangelho ia alcançando. Essas comunidades, por sua vez, eram também chamadas de “igrejas” (Ap.2:1,8,12,18; 3:1,7,14), e eram obviamente fundadas por homens.

Portanto, a Igreja, em seu sentido primordial, como o Corpo de Cristo invisível e espalhado por toda a terra, é fundada por Cristo, e dela fazem parte todos os que adoram a Deus em espírito e em verdade. E quem faz parte dessa Igreja também se reúne em igrejas visíveis, essas sim fundadas por homens, que são apenas um local onde os crentes (Igreja) se reúnem para adorar a Deus. Nem os católicos podem escapar a essa lógica, pois segundo eles mesmos a Igreja de Roma foi (supostamente) fundada por Pedro – um homem. Assim também as demais comunidades cristãs (hoje parte da Igreja Ortodoxa), que foram fundadas cada qual por um apóstolo humano, ou por cristãos desconhecidos. Cristo não fundou cada uma das igrejas visíveis, nem a de Roma e nem as protestantes, mas sim a Igreja invisível, o conjunto de todos os crentes sinceros.


3º Achar que as doutrinas protestantes foram fundadas a partir do século XVI

Sim, as igrejas protestantes, como comunidades visíveis (leia o tópico acima), foram fundadas a partir do século XVI, mas isso não significa que a doutrina ali pregada tenha sido criada no século XVI. Isso é pura mentira. Todas as doutrinas cridas pelos evangélicos, excetuando certos modernismos e invencionices neopentecostais, possuem ampla e sólida base histórica documental. Por exemplo, muitos (quando não todos) os Pais da Igreja não criam em: (a) transubstanciação; (b) imaculada conceição; (c) livros apócrifos; (d) preterismo; (e) imortalidade da alma; (f) papado; (g) justificação pelas obras; (h) tradição oral como fundamento para doutrinas extrabíblicas; (i) batismo infantil e/ou por aspersão; (j) culto aos mortos; (l) evocação dos mortos; (m) intercessão dos santos; (n) purgatório; (o) títulos marianos; (p) assunção de Maria; (q) tormento eterno; (r) sete sacramentos; (s) infalibilidade papal; (t) uso da força; (u) imagens de escultura nos templos; (v) procissão com imagens; (x) celibato obrigatório; (z) missa de sétimo dia, etc.

Eu tive que parar a lista por aqui, porque já esgotei as letras do alfabeto. Mas você pode ver todas as citações neste neste artigo, e mais ainda em meu livro "Em Defesa da Sola Scriptura", e mais ainda entre os mais de 350 artigos deste blog, e mais ainda em artigos que ainda irei escrever. O fato é que os evangélicos não inventam doutrinas do nada, apenas buscam resgatar as doutrinas que foram abandonadas por séculos pela Igreja Romana, extirpar os acréscimos demoníacos e ilegítimos feitos à sã doutrina, e voltar ao Cristianismo primitivo puro e simples. Este é um longo caminho e um duro processo, que também tem seus próprios erros e acertos, mas é uma proposta infinitamente superior à do “desenvolvimento da doutrina”, sustentando pela Igreja Romana.


4º Achar que o protestantismo vive em um coliseu onde todos os crentes se digladiam entre si até a morte

Sério, parem com isso, católicos. Isso é o ápice do ridículo. Os papistas vivem em um mundo paralelo fantasioso, onde os evangélicos são totalmente divididos e se armam até os dentes para lutar uns com os outros até a morte. É claro que o próprio católico nunca chegou a frequentar uma igreja evangélica para saber como é de verdade: ele simplesmente tenta pintar o protestantismo da pior forma possível, porque bater em um espantalho é sempre muito mais fácil do que bater no que realmente é. Eu tenho vinte artigos sobre a “divisão” protestante, disponíveis nesta tag e também neste diálogo fictício de meu outro site, mas aqui irei apenas explanar o quão profundamente idiota é essa noção de que os evangélicos vivem se matando por causa de doutrina.

Eu já congreguei em igrejas evangélicas de todos os tipos: desde as mais tradicionais até as mais pentecostais. Nunca vi uma atacando a outra, disputando membros com a outra, vociferando com a outra, tratando mal os membros da outra. Todos se consideram irmãos. Os católicos têm a falsa noção de que as igrejas evangélicas disputam entre si porque, como eles não frequentam igrejas evangélicas, o único parâmetro que eles possuem é o da televisão, e na televisão tem pastor neopentecostal brigando com outro pastor neopentecostal por causa de dinheiro.

Então, na cabeça do romanista, todas as igrejas evangélicas são do tipo de Macedo e Valdemiro da vida, quando na verdade essas igrejas não representam nem 5% do total, e são o que há de pior neste meio, e não o que há de melhor. Elas simplesmente não servem de parâmetro para nada no meio evangélico, embora às vezes o católico tenha essa falsa impressão. Prova disso é que quase todas as denominações evangélicas participam juntas da “Marcha pra Jesus”, unidas em torno de um único propósito. Não existe uma “Marcha da Batista”, outra “Marcha da Lagoinha” e outra “Marcha da Bola de Neve”, mas uma única marcha que envolve pessoas das mais diferentes denominações.

Se meu exemplo pessoal também conta, no mestrado que faço, embora seja de uma instituição batista, possui pessoas das mais variadas denominações evangélicas, e acredite católico: não rola cabeças decepadas e nem ringues de UFC. Todos sabem que estão jogando no mesmo time, e ninguém despreza a igreja do outro. Os debates que tem de vez em quando são discussões saudáveis que servem para aprimorar conhecimento e ampliar horizontes, e não porque um considere o outro um “herege satânico” por não ser da mesma igreja. Agora faça o teste e coloque numa mesma sala um católico tradicionalista, um católico da teologia da libertação, um católico da renovação carismática, um católico sedevacantista, um católico episcopal, um católico liberal e um católico tridentino, e veja se o tom da conversa será tão harmonioso. Eu não me responsabilizo!


5º Achar que a Sola Scriptura significa que “tudo” tem que estar na Bíblia

Eu já cansei, mas cansei mesmo, de ver comentariozinho idiota no meu blog de gente que não sabe porcaria nenhuma do que seja Sola Scriptura, que até não sabe nem escrever o termo “Sola Scriptura”, e porque ouve um padre ou um apologista católico fazendo um espantalho todo ridículo do que supostamente é a Sola Scriptura vem com “desafios” infantis que só provam o quão ignorante que é. Não bastou ter escrito 35 artigos sobre o tema neste blog (veja nesta tag), nem outros sete em meu outro site (veja alguns aquiaquiaquiaqui e aqui), nem dois livros inteiros sobre o tema (veja aqui e aqui), eles continuam sem ler nada e distorcendo tudo.

Alguns mais paspalhões chegam a fazer papel de ridículo perguntando “onde está o rock and roll na Bíblia”, “onde está na Bíblia os nomes de quem escreveu esse e aquele evangelho”, “onde está na Bíblia a lista de livros inspirados”, etc. Se eles ao menos se informassem sobre o que diz o princípio reformado da Sola Scriptura, iriam entender duas coisas. Primeiro, que a Sola Scriptura não é, nunca foi e nunca será o princípio de que “tudo” tem que estar na Bíblia, mas no máximo de que todas as doutrinas tem que ser provadas pela Bíblia (ao menos implicitamente). Rock and roll, nome dos evangelistas e cânon bíblico não são doutrinas, e portanto não tem absolutamente nenhuma correlação com a Sola Scritptura.

Segundo, a Sola Scriptura não significa que não existam outras autoridades, mas sim que estas outras autoridades estão sujeitas à autoridade máxima das Escrituras. As igrejas evangélicas reconhecem a existência de autoridades como lideranças eclesiásticas, credos, concílios, confissões de fé, etc. A diferença é que nenhuma delas é infalível, e portanto a autoridade delas está condicionada à autoridade máxima das Escrituras. Isso significa que um pastor pode errar (se contrariar a Bíblia), que um credo pode errar (se contrariar a Bíblia), que um concílio pode errar (se contrariar a Bíblia), e assim por diante. Nenhum evangélico, no entanto, rejeita a priori o que alguma outra autoridade afirma – só não somos ingênuos o suficiente para acreditar que estas outras autoridades não poderão errar nunca. Este é essencialmente o ponto de vista de todos os Pais da Igreja, de todos os reformadores e da própria Escritura em si.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,


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[1] Inácio aos Magnésios, Versão Longa, c. 10.
[2] Carta 232.4.

Moisés no monte da transfiguração: perspectivas e possibilidades

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Em meu artigo "O que acontece depois da morte?", um católico comentou conforme o esperado: sem ler o artigo e sem refutar nada, citou um argumento que já havia sido refutado na tabela do próprio artigo, mais especificamente neste link. Trata-se da aparição de Moisés no monte da transfiguração. Para os imortalistas, isso é uma evidência de que Moisés era um fantasminha no Céu que, de repente, teve que sair de lá para aparecer em forma desencarnada no monte da transfiguração, para uma sessão de comunicação entre mortos e vivos no maior estilo “sessão espírita”.

É óbvio que esta interpretação esdrúxula não apenas é inconsistente com o relato em si, mas também com todo o teor bíblico sobre não termos uma alma, mas sermos uma. Também contraria o sentido unânime das Escrituras, que afirmam categoricamente que a morte é um estado inconsciente comparável ao sono, derrotada apenas pela ressurreição posterior. Já falei muito sobre isso em meu livro "A Lenda da Imortalidade da Alma", razão pela qual não irei voltar a tratar disso neste artigo. O propósito deste estudo é apenas mostrar as perspectivas e possibilidades para o aparecimento de Moisés no monte, uma vez que ele não era um “espírito” incorpóreo.

Diante disso, quatro perspectivas são possíveis, sendo elas:

1º Ressurreição Permanente.
2º Ressurreição Temporária.
3º Visão.
4º Transladação.

Em meu artigo sobre o tema, eu defendo a Linha 2. Continuo a defendê-la. No entanto, à luz de novas evidências, me mantenho aberto para as outras possibilidades, razão pela qual irei explanar cada uma delas, e deixar que o leitor tire suas próprias conclusões.


 Linha 1: Ressurreição Permanente

Essa é a posição defendida pelos adventistas do sétimo dia, baseada especialmente no fato de que Moisés morreu (Dt.34:5), e contudo apareceu fisicamente no monte. Quais as evidências de que Moisés apareceu em forma física, em vez de em forma de “espírito”? Em primeiro lugar, o fato de Pedro ter sugerido construir três tendas, incluindo uma para Moisés:

“Pedro tomou então a palavra e disse-lhe: Senhor, é bom estarmos aqui. Se queres, farei aqui três tendas: uma para ti, uma para Moisés e outra para Elias” (Mateus 17:4)

É evidente que um espírito incorpóreo não precisa de algo físico (uma tenda) para se abrigar. De fato, a própria proposta de construir tendas implica que Pedro pensava que eles fossem passar a noite ali e dormir – outra coisa que é totalmente desnecessária a um espírito sem corpo. Alguns imortalistas tentam rebater isso com o relato paralelo de Marcos (omitido por Mateus), que afirma:

“Ele não sabia o que dizer, pois estavam apavorados” (Marcos 9:6)

No entanto, isso obviamente não significa que Pedro estivesse cego ou caolho para não perceber o fato óbvio de que a pessoa em sua frente estivesse sem corpo em vez de em forma corpórea. “Pedro não sabia o que falava” no sentido de que ele estava assustado, e por isso não sabia o que dizer, ou que palavras usar. Isso acontecia em praticamente todas as aparições sobrenaturais de Deus ou de anjos, e todavia o que a pessoa falava não deixava de ser verdade. Se Pedro se equivocou em algo, foi por ter pensado que eles iriam passar muitos dias ali, quando na verdade foi uma aparição de poucos minutos. Isso não tem nada a ver com Moisés estar em “espírito” ali, e Pedro não ter conseguido enxergar o óbvio! O erro de Pedro não estava em ver Moisés como um ser físico, mas sim em pensar que eles passariam muito tempo ali (tornando as tendas necessárias). Portanto, essa objeção é inútil.

Ademais, Judas cita um trecho do livro da Assunção de Moisés, que afirma:

“Mas o arcanjo Miguel, quando contendia com o diabo e disputava a respeito do corpo de Moisés, não ousou pronunciar juízo de maldição contra ele; mas disse: O Senhor te repreenda” (Judas 9)

Aqui é relatada a cena em que Miguel briga com Satanás pelo corpo de Moisés. Mas para quê o diabo iria querer um cadáver? O que é que o diabo iria ganhar com um simples corpo morto? Evidentemente, Satanás queria mantê-lo preso à sepultura, porque cada ressurreição que acontece é um desafio ao seu “império de morte” (Hb.2:14). O que corrobora com esta interpretação é precisamente o fato de ela ter sido extraída de uma obra que afirma a assunção de Moisés – o que evidentemente reforça essa tese. E a assunção de Moisés não era um tema periférico na obra, mas o assunto principal, expresso no próprio título do livro.

A teoria de que Satanás desejava o corpo de Moisés para promover a idolatria em Israel é totalmente sem base. Os israelitas não tinham o costume de adorar defuntos, como fica claro para qualquer pessoa que leia o Antigo Testamento ao menos uma vez na vida. A idolatria em Israel era sempre relacionada a estátuas de deuses pagãos, e nunca a cadáveres de profetas. Os israelitas não adoravam o cadáver de Eliseu, nem de Davi, nem de Jeremias, nem de Samuel, nem de Isaías, nem de nenhum outro grande personagem do Antigo Testamento, por que então adorariam o de Moisés? Deus nunca precisou esconder um corpo de um profeta do Antigo Testamento, por que precisaria esconder o de Moisés?

Isso sem falar no óbvio: o povo de Israel não adorava Moisés enquanto vivo, pelo contrário, estava murmurando e discutindo com ele o tempo todo, chegando ao ponto de quase apedrejá-lo em certa ocasião. Por que, então, iriam transformá-lo em um “deus” depois de morto? E por que Deus não “escondeu” também os ídolos das outras nações, esses sim que os israelitas realmente estavam propensos a adorar? A objeção de que Satanás disputava pelo corpo de Moisés para promover a idolatria em Israel é, obviamente, sem fundamento. 

Contra a ressurreição permanente de Moisés, está o fato de a Bíblia dizer que Jesus é a primícia dos que dormem (1Co.15:22) e o primogênito dentre os mortos (Ap.1:5). Os adeptos desta Linha 1 afirmam que estes textos não dizem que ninguém ressuscitou gloriosamente antes de Jesus, mas sim que a ressurreição de Jesus foi a garantia da ressurreição geral, ou no sentido de ser a mais importante.

Em 1ª Coríntios 15:22 este parece ser o significado: a ressurreição de Cristo é o que garante a ressurreição de todos nós, na Sua volta. Porém, em Apocalipse 1:5 me parece que o sentido mais provável é mesmo o de Cristo ser o primeiro, em termos absolutos. Além disso, se Cristo é a garantia da ressurreição gloriosa de todos os santos, por que Moisés não estaria incluso? Essas duas objeções significativas me levam a entender como mais provável a Linha 2, ainda que a Linha 1 não seja de toda improvável. 


 Linha 2: Ressurreição Temporária

A Linha 2, defendida por mim, afirma basicamente o mesmo que a Linha 1, e portanto se apropria dos mesmos argumentos utilizados pela Linha 1 para a ressurreição de Moisés. No entanto, ela se diferencia pelo fato de crer que Moisés não ressuscitou em corpo glorificado para entrar no Céu, mas passou por uma experiência de ressurreição temporária semelhante à de outras várias pessoas que ressuscitaram fisicamente antes de Jesus (1Rs.17:17-24; 2Rs.4:25-37; Lc.7:11-15; 8:41-56; Jo.11:11), sem, contudo, entrar no Céu, porque morreram novamente. Ou seja, essa é uma visão que concilia o fato da ressurreição de Moisés com o fato de Cristo ter sido o primeiro ressuscitado a entrar na glória.

Contra essa perspectiva, há um trecho que parece exigir uma presença de Moisés em corpo glorioso no monte:

“Surgiram dois homens que começaram a conversar com Jesus. Eram Moisés e Elias.Apareceram em glorioso esplendor, e falavam sobre a partida de Jesus, que estava para se cumprir em Jerusalém” (Lucas 9:30-31)

Entretanto, o texto não diz especificamente que eles apareceram em corpo glorioso, mas sim em “glorioso esplendor”. O termo “glória” também é por vezes usado para pessoas físicas e ainda não ressurretas, como quando Paulo diz:

"Mas todos nós, com rosto descoberto, refletindo como um espelho a glória do Senhor,somos transformados de glória em glória na mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor" (2ª Coríntios 3:18)

Se isso é verdade, então o simples termo “glorioso” não implica necessariamente que todos estivessem ali em corpo glorificado. Significa meramente que estavam em estado de glória. Se estavam em corpo glorificado ou não, isso o texto não trata. E no verso seguinte o mesmo termo “glória” aparece também para Jesus, que ainda não havia sido ressuscitado em corpo incorruptível:

“Pedro e os seus companheiros estavam dominados pelo sono; acordando subitamente, viram a glória de Jesus e os dois homens que estavam com ele” (Lucas 9:32)

Portanto, não vejo objeções consistentes à Linha 2, razão pela qual a considero mais provável dentre todas as outras.


 Linha 3: Visão

A Linha 3 afirma que Moisés e Elias não apareceram realmente, mas em uma visão. Essa é a linha defendida pelas testemunhas de Jeová, apesar de que eu conheço muitos que não são TJ e que adotam este ponto de vista também. Ela não exige nem a presença de “espíritos” no monte, e nem a ressurreição de Moisés (na verdade, não exige nem tampouco o arrebatamento de Elias). Em meu livro, eu expus algumas objeções a este ponto de vista, que hoje entendo não serem definitivas para eliminar a possibilidade da visão.

Por exemplo, verbos utilizados no texto, como “apareceram” e “viram”, me parecia eliminar a possibilidade de ser apenas uma visão. No entanto, notei que os mesmos verbos aparecem amplamente no Apocalipse, quando João estava tendo uma visão (veja, por exemplo, Ap.5:1-2 e Ap.12:1). Então percebi que era perfeitamente possível algo “aparecer” em uma visão (e não literalmente). No entanto, continuo discordando do principal argumento dos adeptos da Linha 3, que é o termo “visão”, que aparece em Mateus 17:9:

“A ninguém conteis a visão...” (Mateus 17:9)

Mas este não é um argumento definitivo, porque no paralelo de Lucas é registrado que os discípulos “não contaram a ninguém nada do que tinham visto (Lc.9:36). Ou seja, da mesma forma que pode significar que os discípulos tiveram uma visão e que foi isso que eles “viram”, também pode perfeitamente significar que os discípulos viram algo, e essa foi a “visão”. Tudo vai depender de qual ótica que o texto for analisado, ou, melhor dizendo, se é o texto de Mateus que lança luz ao de Lucas, ou se é o de Lucas que lança luz ao de Mateus.

Adicionalmente, é necessário observar que da mesma forma que os termos “apareceram” e “viram” não provam que necessariamente tenha sido literal, o termo “visão” por si só também não implica que necessariamente não tenha sido literal. É verdade que na grande maioria das vezes implica (da mesma forma que no exemplo oposto), mas em outras vezes (como em Jó 20:8 e em Lc.18:42) não implica.

Outro texto usado por ambas as partes, mas que em minha opinião também não prova nada, é o de 2ª Pedro 1:17-18, que diz:

“Ele [Jesus] recebeu honra e glória da parte de Deus Pai, quando da suprema glória lhe foi dirigida a voz que disse: ‘Este é o meu filho amado, em quem me agrado’. Nós mesmos ouvimos essa voz vinda do céu, quando estávamos com ele no monte santo” (2ª Pedro 1:17-18)

Quem pensa que foi uma visão usa isso como “prova” de que Pedro não viu Moisés e Elias literalmente, já que ele só citou Jesus. Já quem pensa que não foi uma visão usa isso como “prova” de que o acontecimento ocorreu literalmente. No entanto, nenhum dos dois argumentos realmente prova alguma coisa. O fato de Pedro não ter mencionado Moisés e Elias nesta ocasião não significa necessariamente que eles não estivessem lá. Ausência de evidência não é evidência de ausência. Além disso, pode ser que Pedro estivesse querendo apenas ressaltar o mais importante: Jesus.

Por outro lado, também não há nada no texto que diga que tudo foi literal. Se eu estou conseguindo ler direito, tudo o que eu vejo o texto dizer é que a voz do Pai no monte foi literal.

Em suma, eu não vejo nenhuma evidência definitiva de que tenha sido apenas uma visão, como também não vejo nenhuma evidência definitiva de que tenha sido mais do que uma visão. Na ausência de uma prova cabal de um lado e do outro, ainda considero a tese da ressurreição de Moisés mais plausível, sem, contudo, descartar por completo a hipótese da Linha 3, que não deixa de ser uma possibilidade real.


 Linha 4: Transladação

O que Linha 4 afirma é diferente de tudo o que vimos até aqui, uma vez que quase todos pensam que a aparição de Moisés depois da morte exige ou uma ressurreição ou uma visão. Os adeptos desta linha observam que o texto não diz que Moisés apareceu depois de morto. Sim, é verdade que o texto também não diz que Moisés apareceu enquanto ainda estava vivo, e também é verdade que, cronologicamente falando, o acontecimento se deu muito após a morte de Moisés. Entretanto, o que essa corrente afirma é que Deus transladou Moisés no tempo e no espaço em algum ponto em que Moisés ainda estava vivo, levando-o literalmente ao monte da transfiguração, e depois foi deixado de volta onde estava.

Se você achou essa posição um pouco confusa, eu peço encarecidamente para acompanhar a explicação do pastor e ex-satanista Carlo Ribas, no vídeo abaixo, a partir do minuto 53:43 até o minuto 58:15:


Antes, quero adiantar que não concordo com tudo o que ele disse nesta parte do vídeo. Eu não concordo, por exemplo, com a tese de que Deus se arrepende literalmente, como ele afirma no final. Também não acho que se Moisés foi arrebatado isso teria que ter acontecido naquele momento em que ele disse que foi. Pode ter sido em qualquer outro ponto da vida de Moisés. Também não concordo nem de longe com todo o resto do que ele disse no vídeo, embora tenha muita coisa interessante.

A tese fica mais simples se dissermos apenas que Moisés foi arrebatado fisicamente enquanto ainda estava vivo, no passado, e conduzido até o monte da transfiguração. Isso nos força a crer que Deus tem poder suficiente para transportar alguém no tempo e no espaço. Que Deus pode transportar alguém no espaço, isso é muito evidente na Bíblia. Isso aconteceu nitidamente com Filipe, que foi transportado de Gaza até Azoto:

“E, quando saíram da água, o Espírito do Senhor arrebatou a Filipe, e não o viu mais o eunuco; e, jubiloso, continuou o seu caminho. E Filipe se achou em Azoto e, indo passando, anunciava o evangelho em todas as cidades, até que chegou a Cesareia” (Atos 8:39-40)

Se Filipe pôde ser transportado no espaço, então Deus poderia fazer o mesmo com qualquer um, incluindo Moisés. Então o último obstáculo real é se é possível Deus transportar alguém no tempo, uma vez que se esta linha estiver correta é necessário mais do que apenas uma transladação no espaço. Ao chegarmos a este ponto, é preciso reconhecer que não há nenhum exemplo bíblico claro onde um personagem bíblico é transportado desta maneira (o que também não significa que Deus não seja capaz de fazer isso com alguém). Mas temos alguns exemplos onde Deus mexe com a questão do tempo, o que mostra que Ele tem poder suficiente para fazer isso caso ele queira.

Tal é o caso, por exemplo, de quando o sol “parou” para que os israelitas vencessem uma batalha:

“No dia em que o Senhor entregou os amorreus aos israelitas, Josué exclamou ao Senhor, na presença de Israel: ‘Sol, pare sobre Gibeom! E você, ó lua, sobre o vale de Aijalom!’ O sol parou, e a lua se deteve, até a nação vingar-se dos seus inimigos, como está escrito no Livro de Jasar. O sol parou no meio do céu e por quase um dia inteiro não se pôs” (Josué 10:12-13)

E também quando Deus atendeu a oração de Ezequias:

“Ezequias havia perguntado a Isaías: ‘Qual será o sinal de que o Senhor me curará e de que de hoje a três dias subirei ao templo do Senhor?’ Isaías respondeu: ‘O sinal de que o Senhor vai cumprir o que prometeu é este: Você prefere que a sombra avance ou recue dez degraus na escadaria?’ Disse Ezequias: ‘Como é fácil a sombra avançar dez degraus, prefiro que ela recue dez degraus’. Então o profeta Isaías clamou ao Senhor, e este fez a sombra recuar os dez degraus que havia descido na escadaria de Acaz” (2ª Reis 20:8-11)

É claro que nenhum dos dois casos se refere propriamente a um homem transportado no tempo, mas mostram que Deus tem poder, soberania e domínio para intervir na questão do tempo. Portanto, embora eu não veja nenhuma “prova” bíblica de que Deus arrebatou Moisés enquanto vivo e o transportou no tempo e no espaço, esta não deixa de ser uma possibilidade viável, dentre as outras que temos.


 Considerações Finais

A Bíblia não deixa uma única possibilidade em aberto no caso de Moisés no monte da transfiguração, mas, em vez disso, nos deixa várias portas abertas, umas com mais chances, e outras com menos. Ela não diz explicitamente que Moisés ressuscitou, nem diz explicitamente que ele estava no monte em forma de espírito incorpóreo, nem diz explicitamente que o acontecimento não foi literal, nem diz explicitamente que ocorreu enquanto Moisés ainda vivia. O que temos são hipóteses: algumas que podem ser descartadas com mais facilidade, e outras que eu considero bem mais razoáveis. Dentre as possibilidades razoáveis, continuo entendendo que a Linha 2 (ressurreição temporária) é a mais defensável biblicamente.

Em nenhuma das quatro perspectivas somos obrigados a defender a existência de uma “alma imortal” contrária às Escrituras para explicar a aparição de Moisés no monte, como querem os imortalistas. Se colocada lado a lado com as demais possibilidades, a de que Moisés apareceu como um espírito incorpóreo é a menos plausível, menos defensável e menos coerente de todas. Além de distorcer o que a Bíblia como um todo ensina sobre a morte, ela nos obriga a ver um “espírito” no monte em vez de um corpo real, e a chegar à trágica conclusão de que, afinal, conversar com os mortos não é tão surreal assim.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

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Maria de Clopas: A tia de Jesus?

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Este artigo é baseado nos comentários do Alon feitos na caixa de comentários deste artigo, onde ele explora a questão de Maria de Clopas, que o catolicismo romano alega que foi a tia de Jesus (irmã de Maria e mãe dos “irmãos-primos” do Salvador). Ele ainda vai explorar o tema de forma mais aprofundada em um livro que escreveremos sobre os irmãos de Jesus, mas, por enquanto, aqui resumo algumas das razões pelas quais Maria de Clopas não era a tia de Jesus.

Para começar, é necessário observar que o único texto onde aparece claramente a expressão “Maria de Clopas” é em João 19:25, que diz:

“E junto à cruz de Jesus estava sua mãe, e a irmã de sua mãe, Maria mulher de Clopas, e Maria Madalena” (João 19:25)

Virtualmente todos os comentaristas bíblicos entendem que há uma ambiguidade no texto em grego, de modo que ele pode ser compreendido de duas formas possíveis. Pode ser que João estivesse mencionando quatro mulheres ao pé da cruz, sendo elas: (1) sua mãe; (2) a irmã da sua mãe; (3) Maria de Clopas; (4) Maria Madalena. E pode ser que ele estivesse mencionando apenas três mulheres, sendo elas: (1) sua mãe; (2) a irmã da sua mãe, que é Maria de Clopas; (3) Maria Madalena. Ou seja, nesta segunda perspectiva, Maria de Clopas é a própria irmã de Maria (essa é a visão oficial da Igreja Romana, proveniente da tese de Jerônimo, no século V).

Há várias boas razões para entender que a primeira interpretação está correta, desfazendo a ambiguidade do texto. Em primeiro lugar, e o motivo mais óbvio, porque seria impossível que um pai judeu desse a duas filhas o mesmo nome (“Maria”). Se hoje em dia ainda é extremamente incomum um pai dar a dois filhos o mesmo nome, muito mais naquela época, quando não existiam sobrenomes, e cada pessoa era identificada por um nome só. Que pai seria tão insano ao ponto de dar um mesmo nome às suas duas filhas, sem existir sobrenome para diferenciá-las?

E pior: naquela época, quando uma pessoa tinha o mesmo nome que outra, costumavam diferenciar uma da outra pelo nome do pai. Por exemplo, Tiago era chamado de “Tiago de Zebedeu” (ιακωβον τον του ζεβεδαιου), para diferenciar do outro discípulo chamado Tiago, o qual era chamado de “Tiago de Alfeu” (ιακωβον τοντου αλφαιου). Exemplos semelhantes vemos aos montões no Antigo e no Novo Testamento, e isso complica ainda mais a vida daqueles que pensam que Maria mãe de Jesus era irmã de outra mulher chamada Maria. Isso significaria que o pai delas deu o mesmo nome às duas, sem haver sobrenomes na época, e sendo o próprio pai o referencial em casos de nomes iguais (que no caso também era o mesmo)!

Não é à toa que não encontramos nem um único caso em toda a Bíblia onde dois irmãos têm o mesmo nome. Isso simplesmente não existe nem na Bíblia, nem em qualquer tipo de literatura judaica antiga. No Antigo Testamento temos os nomes de milhares de irmãos, mas nunca de irmãos com o mesmo nome. Jacó teve nada a menos que doze filhos homens, e deu nomes distintos a cada um deles. Há inúmeras genealogias na Bíblia, mas nunca uma com dois filhos de mesmo nome. É simplesmente absurdo e ridículo inferir que Maria era irmã de outra Maria. Talvez seja por isso que para nós o texto de João 19:25 pareça ambíguo: porque para eles (os receptores originais) a mera possibilidade de duas irmãs terem o mesmo nome já era descartada, de modo que já estava óbvio que se tratava de pessoas distintas.

O segundo grande problema para os advogados da tese de que Maria de Clopas era a tia de Jesus é a necessidade de conectar este Clopas ao Alfeu, que é considerado na Bíblia o pai de Tiago (Lc.6:15; Mt.10:3; Mc.3:18; At.1:13). A Bíblia dá os nomes dos irmãos de Jesus, sendo eles “Tiago, José, Judas e Simão” (Mc.6:3). Esses irmãos (adelphos) de Jesus a Igreja Romana afirma que eram na verdade seus primos (anepsios), ou seja, filhos de Clopas. Eu já refutei a tese de que os irmãos de Jesus eram primos neste artigo, mas aqui me limitarei a refutar essa tese de forma muito mais simples: provando que Clopas não é Alfeu.

A Igreja Romana alega que esse Clopas, marido da irmã de Jesus com o mesmo nome dela, era o pai de Tiago, um dos discípulos de Jesus, distinguido do outro Tiago, que era o filho de Zebedeu e irmão de João. Mas há um problema crônico: sempre quando a Bíblia fala do pai deste Tiago, ela diz que era Alfeu, e não Clopas! Isso ocorre em quatro textos, e nenhum deles traz “Clopas”:

“Mateus e Tomé; Tiago, filho de Alfeu, e Simão, chamado Zelote” (Lucas 6:15)

“Filipe e Bartolomeu; Tomé e Mateus, o publicano; Tiago, filho de Alfeu, e Lebeu, apelidado Tadeu” (Mateus 10:3)

“E a André, e a Filipe, e a Bartolomeu, e a Mateus, e a Tomé, e a Tiago, filho de Alfeu, e a Tadeu, e a Simão, o Cananita” (Marcos 3:18)

“E, entrando, subiram ao cenáculo, onde habitavam Pedro e Tiago, João e André, Filipe e Tomé, Bartolomeu e Mateus, Tiago, filho de Alfeu, Simão, o Zelote, e Judas, irmào de Tiago” (Atos 1:13)

Note que em nenhuma ocasião este Tiago é chamado de “filho de Clopas”, e por uma razão bastante simples: ele não era! É a nefasta teologia católica-romana que tenta desesperadamente identificar o “Clopas” de João 19:25 com o “Alfeu” destes quatro textos, porque na cabeça deles a esposa de Clopas era a tia de Jesus, e portanto Clopas seria o pai de Tiago. Por isso eles inventaram a risível tese de que Alfeu e Clopas eram a mesma pessoa, ainda que “Clopas” não fosse o equivalente grego para “Alfeu”! Segundo os estudiosos do aramaico, a forma semítica mais próxima do nome grego “Clopas” é “Qalouphai”, que não tem absolutamente nada a ver com “Alfeu”, tornando ainda mais improvável que Clopas fosse um nome grego para Alfeu, para eles serem a mesma pessoa.

E para destruir de uma vez com a sofismável tese romana de que Alfeu e Clopas eram a mesma pessoa, o evangelista Lucas emprega “Alfeu” em Lucas 6:15 (para o pai de Tiago), e “Cleopas” em Lucas 24:18 (para o marido da outra Maria). Por que Lucas distinguiria ambos, empregando nomes distintos para o mesmo indivíduo dentro do mesmo evangelho, se supostamente Alfeu e Clopas eram o mesmo? Diante de tudo isso, a tese de que Alfeu era Clopas não passa de especulação completamente infundada e antibíblica da teologia católica ocidental. Clopas nunca foi chamado de pai de Tiago, não era um equivalente em grego para Alfeu, e era distinguido de Alfeu em um mesmo evangelho.

Muito mais poderia ser dito, mas deixarei para abordar este tema com mais profundidade no livro, futuramente. Do que foi aqui escrito, uma coisa está clara: Maria de Clopas não era a irmã da mãe de Jesus! Ela era a esposa de Clopas, que não tinha qualquer relação com a irmã de Jesus, que era Salomé, e não outra Maria. E isso, por si só, desmantela por completo a lenda papista de que os irmãos de Jesus eram primos, filhos da irmã de Jesus com o mesmo nome da sua mãe. Chore quem quiser.

 Leia também: "Cefas, o apóstolo secreto"

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

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Mais cinco erros habituais de um romanista

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Há poucos dias postei aqui um artigo sobre os cinco erros mais habituais de um romanista. A intenção era fazer somente um artigo do tipo, mas como eles têm muitos erros, me senti na obrigação de escrever outro.


1º Achar que, se não está na Bíblia, então está “na tradição”

Os católicos invocam os poderes mágicos da tradição a todo o momento em que se veem encurralados em um debate bíblico e, sem saída, clamam pelo Chapolin Colorado pela “tradição oral”, que basicamente funciona como um chapéu de um mágico: você tira dali de dentro tudo o que quiser. Ou seja, se você não tem prova nenhuma que Maria foi assunta aos céus, diga que “está na tradição”. Se você não tem argumento nenhum para fundamentar a imaculada conceição, invoque a autoridade da “tradição”. E se os versos isolados e tirados ridiculamente do contexto usados para basear doutrinas como purgatório e intercessão dos santos também não funcionar, grite pela “tradição”, que ela virá em seu socorro e o libertará de todos os seus males, ou seja, dos protestantes malvados. A tradição, basicamente, é qualquer coisa que o católico queira que exista. Mas que não existe.

Em meu livro "Em Defesa da Sola Scriptura", eu jogo este conceito romano de “tradição” na lata do lixo, mostrando que o que os Pais entendiam pelo termo se referia sempre a costumes, ou a interpretações da Bíblia, ou a dados históricos, ou a doutrinas expressamente contidas na Escritura. Nenhum Pai jamais invocou a “tradição” para fundamentar uma doutrina fora da Bíblia em um debate. E se por um lado há textos isolados onde um ou outro Pai da Igreja de data tardia fala de uma ou outra doutrina católica, há caminhões e mais caminhões de Pais dizendo o contrário, e esmagando toda e qualquer pretensão papista de deturpar criminosamente a patrística em seu favor. Para ler mais sobre o assunto, basta baixar meu livro ou clicar aqui, aquie aqui.


2º Achar que sucessão apostólica só existe em Roma

Outro erro clássico. Muitos papistas acreditam piamente que só existe sucessão na Igreja de Roma, desconhecendo completamente a história da Igreja. Alguns chegam ainda a distorcer terrivelmente as palavras de Irineu, que só citou sucessão de bispos romanos em “Contra as Heresias”. No entanto, ele não fez isso porque só Roma tivesse sucessão, mas sim porque, em suas próprias palavras, “seria coisa bastante longa elencar numa obra como esta as sucessões de todas as igrejas[1]. Ou seja, Irineu obviamente reconhecia que existia sucessão nas outras igrejas também, em vez de dizer que só havia na igreja de Roma.

Em sua famosa “História Eclesiástica”, Eusébio de Cesareia não cita a sucessão de Roma apenas, mas de todas as outras comunidades cristãs de destaque, incluindo Antioquia, Alexandria, Jerusalém, etc. Inclusive a lista de sucessão em Antioquia se inicia com ninguém menos que o próprio apóstolo Pedro, tido pelos católicos como o “papa” da Igreja (clique aqui para conferir). A teoria do primado do bispo romano com base unicamente no argumento da sucessão apostólica é tão ridículo que o próprio João Calvino já acabou com isso no século XVI:

“Agora lhes farei outra concessão, a qual jamais obterão dos homens de mente sã – isto é, que a primazia da Igreja foi fixada em Pedro, com vista a permanecer para sempre por sucessão perpétua. Contudo, como convencerão que sua sé foi colocada em Roma, que quem quer que fosse bispo dessa cidade presidiria ao mundo inteiro? Com que direito vinculam a um lugar esta dignidade que foi dada sem menção de lugar? Dizem que Pedro viveu em Roma e aí morreu. Que dizer do próprio Cristo? Porventura não exerceu em Jerusalém o episcopado, enquanto lá viveu, e ao morrer aí não consumou o ofício de seu sacerdócio? O Príncipe dos pastores, o Bispo Supremo, a Cabeça da Igreja não pôde adquirir essa honra para um lugar; Pedro, muito inferior a ele, o adquiriu? Porventura tais sandices não são mais que pueris? Cristo conferiu a Pedro a honra do primado; Pedro sediou-se em Roma; logo, aí estabeleceu a sede do primado. Seguramente, com este arrazoado, os israelitas de outrora devem constituir a sede do primado no deserto, onde Moisés, mestre supremo e príncipe dos profetas, exercera seu ministério e morreu [Dt 34.5]”[2]


3º Achar que os protestantes rejeitam qualquer tipo de tradição

Errado, de novo. Nenhum evangélico discorda de qualquer tipo de tradição, só não aceitamos estória de pescador mascarada sob o nome de “tradição apostólica”. A coisa é simples: prove que algo vem mesmo da tradição, que era aceito universalmente na Igreja dos primeiros séculos, e cremos. É assim, por exemplo, que resta pouca ou nenhuma dúvida quanto à autoria dos quatro evangelhos, visto que a Igreja sempre os teve pelo nome de Mateus, Marcos, Lucas e João. Isso é infinitamente, imensuravelmente e exorbitantemente diferente de uma doutrina como a imaculada conceição de Maria, que virtualmente não era concebida por nenhum Pai da Igreja (veja aqui), e outras tantas que só passaram a ser cridas por Pais de data posterior, mas que eram completamente desconhecidas por aqueles que conviveram com os apóstolos ou com sucessores diretos dos apóstolos.

Até porque, se um protestante estivesse muito empolgado em seguir essa tal “tradição apostólica” nos dias de hoje, ele teria uma baita dor de cabeça para discernir qual tradição é a certa, uma vez que as tradições da igreja oriental (hoje chamada de “Igreja Ortodoxa”) é bastante diferente das tradições da Igreja Romana (veja aqui). No fim das contas, se ele quiser mesmo seguir essa tão estimada “tradição”, ele terá que jogar os dados e contar com a sorte. Fé cega.


4º Achar que os protestantes odeiam Maria, ou querem “rebaixá-la”

Já falei bastante sobre isso neste artigo, mas aqui vou resumir de novo pro católico entender de uma vez: não, nós não odiamos Maria. E, na verdade, o próprio católico sabe que evangélico nenhum despreza Maria, mas ele tenta armar esse espantalho mesmo assim, para conseguir se vitimizar à vontade e ter um passe livre para heresias. A coisa chega a ser tão patética ao ponto de um evangélico escrever algo bíblico refutando a impecabilidade total de Maria, e o católico chegar dizendo que “estão tentando rebaixar a mãe de Deus” (em vez de refutar com argumentos bíblicos e parar de chorar).

Não é de se impressionar, pois é a mesma tática suja usada há décadas pelos comunistas. Se você é contra o casamento gay então “odeia gays”, se é contra o aborto então “odeia mulheres”, se é contra cotas raciais então “odeia negros”, e por aí vai. O apologista católico embusteiro apenas muda o disco para “se é contra a doutrina mariana ‘x’, então você odeia Maria”. Ataque baixo, sujo e porco. Os evangélicos reconhecem que Maria foi absolutamente tudo o que a Bíblia diz que ela foi: agraciada, bendita entre as mulheres, bem-aventurada, etc. E não cremos em absolutamente nada do que a Bíblia não diz que ela foi: imaculada, assunta aos céus, co-redentora, etc. Simples assim.


5º Achar que idolatria consiste apenas em considerar alguém como um deus

Argumento tosco level hard. “Se não é um deus, então pode cultuar, pode se prostrar, pode fazer procissão, pode fazer o que quiser”. Se as coisas fossem tão simples assim, Cornélio, que é descrito na Bíblia como um homem “justo e temente a Deus” (At.10:22), não teria sido repreendido por Pedro quando se prostrou diante dele (At.10:25-26). Cornélio considerava Pedro um deus? É óbvio que não. Ele era um judeu leal, monoteísta, e não era burro para pensar que Pedro fosse um ídolo. No entanto, sua atitude foi alvo de repreensão assim mesmo. Assim também, João se prostra diante de um anjo no Apocalipse, e o anjo o repreende, considerando aquele ato uma adoração que só era devida a Deus:

“Então caí aos seus pés para adorá-lo, mas ele me disse: ‘Não faça isso! Sou servo como você e como os seus irmãos que se mantêm fiéis ao testemunho de Jesus. Adore a Deus! O testemunho de Jesus é o espírito de profecia’”(Apocalipse 19:10)

Estaria João, o homem que conviveu com Jesus e o mesmo que escreveu para nos guardarmos dos ídolos (1Jo.5:21), considerando aquele anjo um “deus”? É óbvio que não. Ele pensava que fosse apenas um gesto de respeito, mas o anjo considerou adoração. Mas os católicos se superam: não apenas se prostram diante das imagens, como também rezam a elas, pedem intercessão, entoam louvores, tocam, beijam, levam em procissão, enchem os templos com elas, fazem promessas a elas, as cultuam, e mais uma série de coisas que nem Cornélio nem João fizeram, e foram repreendidos por muito menos. E depois dizem que só veneram!

Para ler mais sobre isso, veja este artigo.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

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[1]Contra as Heresias, Livro III, c. 3.
[2] Institutas, 4.6.11.

Como funciona a Sola Scriptura de forma simples e prática

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Os ataques mais comuns e frequentes à Sola Scriptura são, por ironia, os mais bobocas e sem sentido. O que eu mais vejo bombando na apologética católica é justamente o argumento do silêncio. Eu já tinha comentado sobre ele em meu artigo "Princípios básicos para uma boa exegese", onde escrevi:

Um dos “melhores” argumentos desta apologética papista moderna é o do silêncio: se a Bíblia declara que Jesus disse muitas coisas que não foram escritas (Jo.20:30; 21:25), conclui-se imediatamente que estas coisas eram justamente todas as doutrinas católicas que não constam em parte nenhuma daquilo que foi escrito! Ao invés de agir com prudência e cautela sobre o que não foi dito, ficando com aquilo que foi dito, eles descem o pé no acelerador e pisam fundo no campo das suposições, hipóteses, devaneios e delírios. Não é à toa que os mórmons, os espíritas, os muçulmanos e praticamente todas as seitas apostam na mesma cartada: entre essas “muitas outras coisas que não foram escritas” os mórmons presumem que está a ida de Jesus à América, os espíritas concluem que está a reencarnação, os muçulmanos acham que estão profecias sobre Maomé, e assim por diante. O eisegetavai sempre se basear mais naquilo que nunca foi dito, mas que ele quer que tenha sido dito, do que naquilo que realmente foi dito – principalmente se o que foi dito é um golpe de morte em suas próprias invenções eisegéticas.

Que Jesus disse e fez muitas coisas que não foram escritas, isso é a coisa mais óbvia do mundo. Nenhum evangélico discorda disso. O próprio João escreveu que tudo o que Jesus fez não caberia nem em todos os livros do mundo (Jo.21:25). Só a Biblioteca de Alexandria já continha nada a menos que 700 mil rolos de papiro e pergaminhos.Se juntássemos a isso todos os outros livros de todos os outros lugares do mundo, o número chegaria à faixa dos milhões. Nem se juntássemos tudo aquilo que é aceito oficialmente pela Igreja Romana como fazendo parte da “tradição” e colocássemos aquilo tudo em um livro chegaria perto deste volume.

Ou seja: se a Escritura não é suficiente porque nela não há tudo o que Jesus disse, então a tradição católica também não é, porque ela também não tem tudo o que Jesus disse. A grande questão não é se tudo o que Jesus disse está na Bíblia, porque se os discípulos registrassem cada palavra e cada ato de Jesus enquanto esteve na terra teriam que escrever milhões de livros, muito mais do que a Bíblia e a tradição romana sustentam. A grande questão é: de que forma podemos saber hoje o que Jesus disse na terra?

Os evangélicos respondem que é a partir daquilo que foi conservado por escrito, e os católicos respondem que a maior parte está na “tradição oral”. Mas o grande problema é que os papistas não tem nenhum fundamento histórico para aquilo que eles afirmam supostamente ter sido dito por Jesus. A tradição dos ortodoxos é bastante distinta da tradição romana; nenhum Pai da Igreja considerava a tradição oral como um conjunto de doutrinas extrabíblicas; os bispos romanos e os concílios entraram em contradição uma dezena de vezes; entre as práticas consideradas provenientes de tradição estavam coisas como orar virado para o oriente e imergir três vezes durante o batismo (entre outras coisas não praticadas por Roma); e a tradição dos bispos orientais muitas vezes prevaleceu sobre a dos bispos romanos nos primeiros séculos.

Para piorar, os católicos não tem um compêndio de tradições dizendo o que chegou pela Bíblia e o que chegou apenas oralmente. Nenhum Pai da Igreja jamais fez um “cânon da tradição”, isto é, jamais delimitou a extensão daquilo que é “tradição apostólica” e aquilo que não é. Nunca houve qualquer conjunto de doutrinas ou dogmas observados pela Igreja que pudesse se comprovar ter sido oriundo exclusivamente da autoridade da “tradição”, e jamais houve qualquer interesse em listar essas tradições – o que seria imprescindível se ela realmente constituísse uma segunda regra de fé, paralela às Escrituras. Resumidamente: a tradição papista não passa de puro engodo, uma tradição fantasma, sem credibilidade histórica, sem nada que não possa ser comparado a um chapéu de mágico, que pode tirar dali qualquer coisa que ele quiser.

Vamos expor a questão de outra forma. Suponhamos que você deseja seguir à risca toda a doutrina de Sócrates, o famoso filósofo grego. Quais as fontes que você poderia usar? Embora o próprio Sócrates não tenha escrito nada, você poderia usar os escritos de seu discípulo Platão, ou os escritos de Aristóteles, discípulo de Platão. Se você procurasse por aquilo que “disseram [oralmente] sobre ele”, não iria encontrar nada, exceto ditos populares de séculos mais tarde sem nenhuma credibilidade. O testemunho oral só vira história quando é passado à forma escrita.

O mesmo raciocínio se aplica a qualquer outra pessoa ou coisa que remonte a uma época em que não havia outro método de registro histórico senão a escrita. Se Sócrates vivesse hoje, poderíamos usar seus vídeos e áudios gravados, mas como ele viveu na antiguidade, só temos a escrita. Portanto, embora Sócrates certamente tenha dito e feito muito mais coisas do que o que escreveram sobre ele na época, é somente através deste conteúdo conservado por escrito que podemos ter acesso mais seguro às coisas que ele ensinou.

Se isso não ficou claro, mudemos a analogia. Eu estou escrevendo uma tese de dissertação no mestrado chamada “A Bíblia e a Escravidão” (disponível aqui, embora ela ainda esteja em construção e eu ainda tenha que revisar e adicionar muita coisa). O propósito é estudar a temática da escravidão à luz da Bíblia e também à luz da história secular. Quais as fontes que eu poderia usar para o meu trabalho? Obviamente, fontes escritas. Eu posso usar a própria Bíblia, o Códice de Hamurabi e outros registros dos outros povos, assim como eu posso estudar os escritos de pessoas como Abraham Lincoln, John Wesley e William Wilberforce, que foram fundamentais para o fim da escravidão no mundo. Todas fontes escritas, obviamente.

No entanto, imagine qual seria a minha nota na dissertação se eu dissesse alguma informação sem prová-la, e como pretexto alegasse que “isso chegou aos meus ouvidos”. Imagine qual seria a cara do meu orientador se eu escrevesse alguma groselha sem nenhum fundamento histórico e me justificasse sob o argumento de que “nem tudo o que aconteceu na história da escravidão foi escrito”. Imagine a vergonha que eu passaria se deixasse de lado o que foi escrito para ficar com aquilo que supostamente foi dito oralmente, mas que eu não tenho a menor condição de provar que foi mesmo. Sem dúvidas, a minha nota seria zero e eu seria expulso da faculdade, pois meu registro não teria nenhuma credibilidade.

Isso é exatamente o mesmo que os papistas fazem ao tentar impugnar a Sola Scriptura, sem, contudo, provar que aquilo que eles dizem ter vindo de tradição oral realmente veio de tradição oral. Como eu disse em meu artigo mais recente, nenhum evangélico discorda de qualquer tipo de tradição, só não aceitamos estória de pescador mascarada sob o nome de “tradição apostólica”. A coisa é simples: prove que algo vem mesmo da tradição, que era aceito universalmente na Igreja dos primeiros séculos, e cremos. O problema é que até hoje nenhum católico foi capaz de fazer isso, porque esta prova histórica cabal simplesmente não existe. Então o papista é obrigado a atacar a Sola Scriptura sem oferecer nada de sério no lugar dela, tal como eu se deixasse meu trabalho sobre a escravidão repleto de “ouvi falar” e de achismos não-escritos.

O resultado, neste caso, também é óbvio: nota zero para a apologética católica. 

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

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O batismo por imersão na igreja primitiva

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A Igreja Ortodoxa e a grande maioria das igrejas protestantes têm mantido o batismo por imersão como a norma padrão do batismo cristão, sendo o batismo por aspersão ou por infusão admissível apenas em casos extremos onde não há água suficiente para se realizar o batismo bíblico por imersão. A Igreja Romana, é claro, batiza por infusão. Afinal, qual era a principal forma de batismo praticada na igreja primitiva? Desde muito cedo vemos a Didaquê, geralmente datada entre 60 a 90 d.C, dizendo:

“Quanto ao batismo, procedam assim: Depois de ditas todas essas coisas, batizem em água corrente, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Se você não tem água corrente, batize em outra água; se não puder batizar em água fria, faça-o em água quente. Na falta de uma e outra, derrame três vezes água sobre a cabeça, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Antes do batismo, tanto aquele que batiza como aquele que vai ser batizado, e se outros puderem também, observem o jejum. Aquele que vai ser batizado, você deverá ordenar jejum de um ou dois dias”[1]

Como vemos, a forma padrão do batismo era em “águas correntes” (imersão), e era somente na ausência de águas correntes (i.e, quando não havia água suficiente para se realizar a imersão) que o batismo por infusão era admitido.

Na Epístola de Barnabé, às vezes atribuída ao Barnabé da Bíblia e às vezes a um Barnabé de Alexandria (80-150), mas ainda de data bem antiga, há novamente a clara menção sobre “descer para a água” e “subir dela”, o que implica em um lugar em que há água suficiente para realizar o batismo por imersão, onde a pessoa fica imersa na água e depois sobe dela:

“Notai que ele designa ao mesmo tempo a água e a cruz. Com efeito, ele quer dizer: Felizes aqueles que, tendo lançado sua esperança na cruz, desceram para a água. Pois ele diz que o salário vem ‘no tempo certo’. Então, diz ele, eu retribuirei. Mas para hoje, ele diz: ‘Sua folhagem não cairá’. Isso significa que toda palavra de fé e amor que sair da vossa boca será para muitos causa de conversão e de esperança”[2]

“Isso significa que descemos para a água carregados de pecados e poluição, mas subimos dela para dar frutos em nosso coração, tendo no Espírito o temor e a esperança em Jesus. ‘Quem comer deles viverá eternamente’, quer dizer: quem escutar, quando tais palavras são ditas, e crer nelas, viverá eternamente”[3]

Justino Mártir (100-165), apesar de não ser explícito, se refere ao batismo como sendo um “banho”[4]e um “banho completo”[5], em linguagem diametralmente oposta a uma simples infusão de pequenas quantidades de água sobre o batizado.

Tertuliano (160-220), no mesmo livro em que rejeita o batismo infantil, fala também sobre “mergulhar na água”, novamente em oposição a uma simples infusão ou aspersão:

“O ato do batismo em si é carnal, pois estamos mergulhados na água, mas o efeito é espiritual, pois somos libertados do pecado”[6]

“[No batismo] o homem é mergulhado na água, em meio à pronunciação de algumas poucas palavras, e em seguida sobe novamente[7]

O batismo por imersão continuou sendo a prática-padrão na igreja por muito tempo, visto que Cirilo de Jerusalém (313-386) expôs em sua Segunda Catequese Mistagógica:

“Depois disto fostes conduzidos pela mão à santa piscina do divino batismo, como Cristo da cruz ao sepulcro que está à vossa frente. E cada qual foi perguntado se cria no nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. E fizestes a profissão salutar, e fostes imersos três vezes na água e em seguida emergistes, significando também com isto, simbolicamente, o sepultamento de três dias de Cristo. E assim como nosso Salvador passou três dias e três noites no coração da terra , do mesmo modo vós, com a primeira imersão, imitastes o primeiro dia de Cristo na terra, e com a imersão, a noite. Como aquele que está na noite nada enxerga e ao contrário o que está no dia tudo enxerga na luz, assim vós na imersão, como na noite, nada enxergastes; mas na emersão, de novo vos encontrastes no dia”[8]

Note ainda que Cirilo fala sobre a “santa piscina do divino batismo”, que nada mais era senão uma referência aos batistérios da igreja primitiva, que os arqueólogos têm encontrado abundantemente nas antigas igrejas cristãs (veja uma aqui). Por que os cristãos da época teriam “piscinas” em seus templos, se para realizar o batismo era necessário apenas um pouquinho de água jogada na cabeça do batizado?

Em sua Terceira Catequese Mistagógica, Cirilo diz também:

“Ele [Jesus], quando banhado no rio Jordão e comunicando às águas a força da Divindade, delas saiu e se produziu sobre ele a vinda substancial do Espírito Santo, pousando igual sobre igual. Também a vós, ao sairdes das águas sagradas da piscina, se concede a unção, figura daquela com que Cristo foi ungido”[9]

Agostinho (354-430) também vivia na época em que a norma-padrão de batismo era por imersão. Ele afirmou que os batizados recebiam “três imersões na água”[10], e comparou o batismo cristão com as imersões de Naamã, o sírio:

“Quando Naamã, o sírio, caiu doente com lepra, e suplicou pela cura, o levaram ao Jordão, indicando claramente o que estava por vir, tanto pelo uso da água em geral quanto da imersão no rio, em particular[11]

Ou seja, para Agostinho, a imersão de Naamã no Jordão prefigurava o uso da água e a imersão nela que viria no batismo.

João Crisóstomo (347-407), na mesma época de Agostinho, também dizia:

“Ser batizado, pois, mergulhar, em seguida emergiré sinal da descida às regiões inferiores e subida de lá. Por isso Paulo também chama o batismo de sepulcro, nesses termos: Pelo batismo nós fomos sepultados com ele na morte (Rm 6,4)”[12]

Até mesmo Calvino, que batizava por aspersão, admitiu:

“A palavra batizar quer dizer imergir, e é claro que o rito da imersão foi observado nas igrejas primitivas”[13]

Em suma, a forma principal e normativa de batismo na igreja primitiva era, claramente, a imersão em água, sendo o batismo por infusão admitido somente em casos onde não havia água suficiente para se realizar o batismo por imersão, que figura bem mais apropriadamente o fato do batismo representar nosso “sepultamento” para o pecado (imersão) e “ressurreição” para uma vida nova (emersão):

“Isso aconteceu quando vocês foram sepultados com ele no batismo, e com ele foram ressuscitados mediante a fé no poder de Deus que o ressuscitou dentre os mortos” (Colossenses 2:12)

“De sorte que fomos sepultados com ele pelo batismo na morte; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos, pela glória do Pai, assim andemos nós também em novidade de vida” (Romanos 6:4)

A Igreja Romana, é claro, altera a ordem praticada por séculos na igreja primitiva e impõe o batismo por infusão como a norma-padrão do batismo, seja ele infantil ou adulto, e a imersão apenas secundariamente. Nada novo debaixo do sol para uma igreja bastante conhecida por inovações doutrinárias travestidas de “desenvolvimento da doutrina”.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

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[1]Didaquê, 7:1-4.
[2]Epístola de Barnabé, 11:8.
[3]Epístola de Barnabé, 11:11.
[4] 1ª Apologia, 61:3; 61:10.
[5] 1ª Apologia, 62:1.
[6] Do Batismo, c. 7.
[7] Do Batismo, c. 2.
[8]Segunda Catequese Mistagógica, c. 4.
[9] Terceira Catequese Mistagógica, c. 1.
[10]Agostinho, O Batismo de Cristo.
[11]ibid.
[12] Comentário às Cartas de São Paulo – Quadragésima Homília.
[13] Institutas, p. 1320 (IV.xv.19).

"Se não fosse pelas cruzadas..."

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Um pensamento popular muito comum no parecer dos católicos e de muitos evangélicos é que as cruzadas foram algo positivo, que foi de alguma forma providencial para impedir que os muçulmanos dominassem o mundo. É comum ouvirmos de católicos e protestantes a alegação de que devemos agradecer aos cruzados o fato de não nos chamarmos “Muhammad”, porque, de outra forma, estaríamos falando árabe hoje. Essa visão obscurantista, no entanto, não retrata em nada a realidade. Não apenas as cruzadas não “salvaram o mundo” dos muçulmanos, como também nos deixou um enorme legado negativo, que mostrarei resumidamente neste artigo.


• Jerusalém: Terra Santa?

As cruzadas tiveram um objetivo primordial: reconquistar a “terra santa” (Jerusalém) das mãos dos muçulmanos, que a haviam tomado em 637 d.C. No entanto, Jerusalém também é considerada “terra santa” por judeus e muçulmanos, e se alguém tinha um “direito legal” pela terra não eram os cristãos, mas os judeus, que eram donos da terra por um milênio, muito mais do que o tempo em que a terra passou nas mãos dos cristãos ou dos muçulmanos. E se a terra tivesse que ser considerada “cristã” pelo fato dos muçulmanos a terem ganhado à força no século VII, então pelo mesmo motivo teriam que considerá-la território judaico, uma vez que os judeus também perderam Jerusalém na base da espada.

Ou seja: juridicamente falando, não havia nenhuma razão para considerar Jerusalém território “cristão”. O único argumento cabível era o religioso, mas por este mesmo argumento judeus e muçulmanos também desejavam a terra. Além disso, o próprio Senhor Jesus revogou completamente a tese de que existe um lugar mais santo do que outro, pelo qual os cristãos tivessem que lutar para conquistar o território custe o que custar. Isso fica claro na discussão com a samaritana, registrada em João 4:

“’Nossos antepassados adoraram neste monte, mas vocês, judeus, dizem que Jerusalém é o lugar onde se deve adorar’. Jesus declarou: ‘Creia em mim, mulher: está próxima a hora em que vocês não adorarão o Pai nem neste monte, nem em Jerusalém’” (João 4:20-21)

A mulher samaritana achava que Samaria era a “cidade santa”, o local mais apropriado para a adoração a Deus, em contraste com os judeus, que identificavam Jerusalém como sendo este lugar santo. Mas Jesus, representando aquilo que deveria ser o posicionamento dos cristãos, afirma que não é nem Samaria e nem Jerusalém. Em vez de um território geográfico mais “santo” do que outro, o foco passaria a ser o coração do próprio adorador sincero:

“No entanto, está chegando a hora, e de fato já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade. São estes os adoradores que o Pai procura (João 4:23)

Em vez de decidir por Jerusalém ou por Samaria, Jesus aponta para aquilo que é realmente importante: os próprios adoradores. A realidade não era mais de uma “terra” santa, mas de um “coração” santo. E onde quer que dois ou três estivessem reunidos em Seu nome, ali estaria aquele que é “santo, santo e santo” (Is.6:3), o próprio Senhor Jesus (Mt.18:20). Portanto, juridicamente falando, não havia base legal para considerar Jerusalém território cristão, e muito menos religiosamente. Não é de se espantar que algo que tenha começado mal terminasse mal.


• Assassinato de judeus

Como ficou claro através do tempo, o objetivo dos cruzados não era restabelecer Jerusalém aos judeus, nem tampouco aos cristãos que detinham na época em que era território cristão (i.e, aos ortodoxos), mas era para ficar com ela mesma, a Igreja Romana. Se algum judeu pensou em algum momento que a Igreja Romana estava do seu lado para ajudá-lo, se deu muito mal. Na primeira cruzada, convocada pelo papa Urbano II (em 1095), os cruzados aproveitaram a ocasião para queimar sinagogas judaicas por onde passavam, violentando as mulheres e assassinando as crianças. Ninguém era poupado. Os cruzados mal distinguiam judeus e árabes, optando por matar todos, de qualquer idade ou gênero, por onde quer que passassem.


• O saque de Constantinopla

Como o tempo mostrou, o propósito de salvar Constantinopla para os ortodoxos não era porque a Igreja Romana era boazinha e queria fazer o bem socorrendo amigavelmente os seus “irmãos” orientais, mas sim porque queria tomá-la para si, alargando ainda mais o seu poder e esmagando ainda mais o pouco que havia sobrado do catolicismo oriental após tantos abusos que já havia sofrido. Durante a quarta cruzada, o exército do papa decidiu mudar o rumo da viagem e dar uma passadinha por Constantinopla, a principal cidade dos ortodoxos, apenas para arruiná-la completamente. Um site ortodoxo comenta:

“Esta separação oficial, decidida pela Igreja Romana, teria sua confirmação em 1204, quando os cruzados, que se intitulavam cristãos, assaltaram Constantinopla, saquearam e pilharam, fizeram entrar as prostitutas que traziam consigo para dentro do santuário de Santa, sentaram uma delas no trono do Patriarca, destruíram a iconostase e o altar, que eram de prata. E o mesmo aconteceu em todas as igrejas de Constantinopla”[1]

Depois de saquear a principal cidade dos ortodoxos e arruinar por completo a relação já tensa entre as duas facções, os cruzados fundaram o “Império Latino de Constantinopla”, em 1204, e só em 1261 é que os gregos a reconquistaram. A Igreja Romana nunca pagou um único centavo à Igreja Ortodoxa daquilo que roubou.


• Assassinato de crianças e estupros de mulheres muçulmanas

Os cruzados também demonstraram uma desumanidade sem precedentes nas conquistas que tiveram durante a primeira cruzada. Por onde passavam e conquistavam, assassinavam todos: homens, mulheres, velhos, adultos, crianças, bebês, sem mencionar o estupro das moças. A brutalidade e selvageria com a qual os cruzados católicos agiam eram tamanha que impressionou os próprios muçulmanos, que também não eram boa gente. Prova disso é que quando Saladino reconquistou Jerusalém e teve a oportunidade em suas mãos de dar o troco e matar todo mundo, preferiu poupar os cristãos e a igreja do Santo Sepulcro, sem devolver as atrocidades. Ou seja: a ICAR conseguia ser pior do que os fanáticos jihadistas da época.


• Morte e escravidão de crianças

Um fato desconcertante ocorrido em 1212 foi a famosa “Cruzada das Crianças”, onde os católicos prometeram a salvação às crianças que fossem lutar contra os jihadistas árabes. Milhares de crianças deixaram suas casas e abandonaram as suas famílias para servir a este propósito. Resultado: centenas morreram durante o percurso, e as outras milhares que sobraram foram vendidas como escravas no norte da África. Se os católicos romanos não poupavam nem suas próprias crianças, não impressiona que tenham assassinado as judias e muçulmanas.


• O massacre dos pobres

Na primeira cruzada, cerca de 40 mil pessoas dentre as mais pobres da época se juntaram a Pedro, o Eremita. Elas foram atacar os muçulmanos sem armamento, sem escudo, sem flechas, sem lança, sem nada. Foram iludidas com a promessa do papa de que quem lutasse nas cruzadas estaria garantido no Céu, e sem precisar passar pelo purgatório. Quando os muçulmanos viram o exército de mendigos, atiraram flechas e mataram geral. Não teve nem guerra. Foi um massacre. Nem o papa e nem os nobres impediram essa cruzada fadada ao fracasso, visto que estes camponeses pobres eram um peso ao Estado católico, e morrerem em guerra não era nada mal.


• Fracasso atrás de fracasso

Em termos políticos, as cruzadas foram um fracasso total. Resumidamente, os cruzados católicos venceram a primeira, e perderam todas as outras sete. Estima-se que morreram em média 3 milhões de pessoas, boa parte deste contingente dos próprios católicos que levavam uma paulada atrás da outra dos muçulmanos, e dos peregrinos e imigrantes católicos que eram mortos quando os muçulmanos reconquistavam uma cidade que havia sido tomada pelos cruzados. Todas as cidades que foram temporariamente tomadas pelos cruzados foram posteriormente retomadas pelos muçulmanos, ou seja, os ataques não adiantaram nada. E mesmo tendo sido massacrado na guerra, torrado os recursos econômicos europeus, assassinado crianças e mulheres, perdido milhões de soldados e manchado a história do Cristianismo por séculos, ainda há idiotas úteis que glorificam essa insanidade.


• Se não fosse pelas cruzadas...

Diferente do que pensam os ingênuos, se não fosse pelas cruzadas...

• Você continuaria falando português (não se preocupe).

• Jerusalém continuaria no poder dos muçulmanos (e continuou mesmo depois das cruzadas, então não adiantou nada).

• A relação entre cristãos e muçulmanos seria menos tensa, pois estaria sem a mancha histórica de milhares de assassinatos de crianças e mulheres de forma covarde e completamente desnecessária, praticados pelos cruzados.

• A relação entre cristãos e judeus seria mais amena, pois os judeus não se lembrariam que queimaram suas sinagogas, estupraram suas mulheres e assassinaram seus filhos sem qualquer razão, e quando o alvo sequer eram eles.

• A relação entre católicos romanos e ortodoxos seria bem mais amena, pois todos os historiadores concordam que o saque de Constantinopla foi a gota d’água para a definitiva separação dos dois em termos políticos, consumando irreversivelmente a separação religiosa que já havia ocorrido dois séculos antes.

• Os ateus teriam muito menos argumentos para jogar na cara dos cristãos, e nós evangélicos não teríamos que justificar atrocidades cometidas por uma igreja apóstata que nem é a nossa e que não mantinha nem uma única gota de Cristianismo genuíno, mas poças inteiras de sangue nas mãos.

Adendo:Este artigo não é uma defesa do islamismo e muito menos de que os muçulmanos eram bonzinhos e estavam cobertos de razão em tudo o que faziam. Isso não é uma história em quadrinhos infantil que sempre tem um “lado do bem” lutando contra um “lado do mal”. Qualquer pessoa crescida que estude a história sabe perfeitamente bem que essa dicotomia existia em uma minoria de casos. Na maioria das vezes, como também aqui, os dois lados eram maus, estavam lutando por seu próprio poder, e para isso faziam o que fosse necessário. Não existeum “mocinho” nesta história. A única coisa que difere a máquina de terror católica da máquina de terror muçulmana é que a primeira foi domesticada com o tempo, e a segunda continua selvagem.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,


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Cruzadas: Guerra defensiva ou ofensiva?

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A principal justificativa dos católicos para as cruzadas é que elas foram uma “guerra defensiva”, ou seja, que os cruzados apenas se defenderam dos ataques dos muçulmanos e “salvaram o ocidente”. Eu já escrevi resumidamente sobre os horrores das cruzadas em meu artigo anterior, e estou desenvolvendo um TCC em história e um livro sobre o assunto, que deverão ficar prontos em breve. Neste artigo, tratarei apenas do argumento católico da “guerra defensiva”, porque o papista que solta a pérola de que as cruzadas foram uma guerra defensiva mostra que não sabe nem o que significa “guerra defensiva” nem o que foram as cruzadas.

Os apologistas católicos afirmam que os muçulmanos já haviam tomado vários territórios cristãos desde séculos antes, a partir de Maomé. Essa é a parte verdadeira da argumentação deles. A parte que o católico não irá contar é que:

Os territórios conquistados eram todos da Igreja Ortodoxa, e não da Igreja Romana.

Em nenhum momento enquanto estes territórios iam sendo tomados a Igreja Romana moveu um dedo para ajudar os ortodoxos que estavam perdendo suas terras.

Quando a Igreja Romana finalmente decidiu “ajudar”, não foi para ajudar o patriarca bizantino (que havia pedido ajuda) a não perder mais terras, mas sim porque o papa megalomaníaco queria tomar Jerusalém, a “terra santa”, que já era dos muçulmanos há quatro séculos.

Para fazer isso, os cruzados assassinaram os próprios ortodoxos junto com os muçulmanos e os judeus, e tomaram para si territórios que antes pertenciam aos bizantinos, sem mencionar o saque de Constantinopla. Ou seja: ao invés deles ajudarem os ortodoxos, fizeram o mesmo que os muçulmanos haviam feito contra eles, só que pior, porque matavam mais.

Ao invés do papa ajudar o patriarca ortodoxo enviando alguns soldados para defesa (o que seria uma guerra defensiva), o que ele fez foi tomar as terras dos próprios ortodoxos e caminhar até Jerusalém, para atacar os muçulmanos que já eram donos daquela terra (o que constitui uma guerra ofensiva).

Deixe-me explicar rapidamente o que é uma guerra defensiva e o que é uma guerra ofensiva, embora este conceito pareça autoevidente. Uma guerra defensiva é se, por exemplo, a Argentina quisesse conquistar o território brasileiro do Rio Grande do Sul, e a dona Dilma enviasse tropas para aquele lugar, a fim de defender o nosso território da invasão estrangeira. Isso é guerra defensiva, e é totalmente legítima. Se os cruzados tivessem feito isso, eu daria total apoio a eles. Mas eles não fizeram.

Uma guerra ofensiva, em contraste, seria como se a Dilma quisesse tomar Buenos Aires e para isso enviasse o exército brasileiro para tomar o território deles. Neste caso, seria o exército argentino que estaria fazendo a “guerra defensiva”, e o brasileiro que estaria jogando ofensivamente, para o ataque. Se os cruzados apenas ajudassem o patriarca ortodoxo a defender suas terras da invasão muçulmana, isso seria uma guerra defensiva. No entanto, Roma ignorou o oriente por séculos, e quando finalmente decidiu batalhar não foi para defender um território ortodoxo para o bem dos ortodoxos, mas sim para tomar para si um território que nunca foi deles.

O patriarca bizantino Aleixo estava prevendo um ataque dos muçulmanos a Constantinopla, e por isso pediu ao papa Urbano II um exército de trezentos cavaleiros para ajudar na defesa dos muros da cidade. Um ano depois, ele viu 60 mil soldados, ou seja, um exército duzentas vezes maior do que aquele que ele havia pedido. Ao ver tanta gente, o patriarca ficou apavorado, pois sabia que o exército do papa Urbano não estava ali para ajudá-lo, mas para um propósito maior. Temendo ser atacado, ele fechou as portas da cidade, e só as abriu após ter a certeza das intenções dos cruzados, que prometeram retomar ao patriarca as terras que haviam sido tomadas dele. Então ele aceitou e os deixou passar.

No entanto, os cruzados traíram o patriarca bizantino. Por onde passavam e conquistavam, em vez de cumprir a promessa de devolver os territórios aos ortodoxos, eles tomavam para si, elegendo príncipes católicos romanos no lugar. E o pior é que eles tomavam cidades que já eram governadas pelos ortodoxos, como foi o caso de Edessa, cujo rei ortodoxo foi assassinado e no lugar colocaram o príncipe católico Balduíno, que era um dos líderes da primeira cruzada, transformando a cidade ortodoxa em uma cidade católica-romana. Ou seja: além de não devolverem terra nenhuma aos ortodoxos, eles ainda roubavam as poucas que tinham sobrado, fazendo igual o que os muçulmanos tinham feito antes deles.

Como se isso não bastasse, os cruzados ainda assassinavam ortodoxos sem piedade quando conquistavam uma cidade com povo misto. Havia muitas cidades com governo muçulmano onde ortodoxos e muçulmanos conviviam juntos e em paz, como era o caso de Antioquia, de Ma'arrat e da própria Jerusalém. Em Jerusalém conviviam muçulmanos, ortodoxos e judeus, e os cruzados mataram todos, indistintamente. O mesmo se deu em quase todas as outras cidades, as quais eram tomadas à força, sem se importar se os habitantes dela eram ortodoxos, muçulmanos, judeus ou tudo misturado. O que importava para os cruzados era a conquista, e para isso matavam a sangue frio, sem escrúpulos.

A pior chacina foi a de Ma'arrat, onde os cruzados católicos fizeram um acordo no qual os habitantes da cidade se entregariam pacificamente e teriam suas vidas poupadas. Os cidadãos de Ma'arrat aceitaram a proposta, e então os cruzados entraram, colocaram eles em uma torre e atearam fogo. Os historiadores divergem sobre o número de assassinados naquela ocasião, que varia entre 20 mil e 100 mil pessoas, mas concordam que todas morreram. A maioria morreu incendiada, e outras foram decapitadas. A barbárie de terror ficou conhecida como o Cerco de Ma'arrat al-Numan. Para piorar, os cruzados ainda praticaram canibalismo com os corpos dos mortos, para matar a fome. Poucas vezes se viu um exército tão covarde, sanguinário e desumano na história, que pudesse se igualar aos cruzados católicos.

A crueldade dos cruzados era tanta que superava até a dos jihadistas muçulmanos, visto que, em geral, os muçulmanos ao tomarem as terras dos ortodoxos os mantinham em vida e conviviam pacificamente um com o outro, sob um governo muçulmano. Os ortodoxos ainda tinham direito de culto e liberdade de ir e vir. Mas quando os cruzados tomavam as terras, não queriam nem saber: rolavam a cabeça de jovens, mulheres, crianças, bebês, idosos ou quem fosse. Jerusalém, enquanto sob domínio muçulmano, abrigava muçulmanos, judeus e ortodoxos. Quando os cruzados entraram, assassinaram os três e tomaram a terra santa para si. E quando os muçulmanos a retomaram sob a liderança de Saladino, não revidaram a chacina, poupando a vida dos católicos. Isso tudo mostra que os cruzados conseguiam ser pior do que os jihadistas da época, que já eram monstros.

E isso foi apenas a primeira cruzada. As demais ainda seriam marcadas por escravidão de crianças, saque de Constantinopla, estupro de judeus e total fracasso militar, sem falar no enorme dinheiro gasto para financiar essa insanidade megalomaníaca do papa. Em síntese, os cruzados não estavam fazendo uma guerra defensiva. Se quisessem fazer uma guerra defensiva, teriam feito como o patriarca Aleixo havia solicitado, enviando 300 cavaleiros para proteger Constantinopla, e pronto.

Em vez disso, o papa se meteu em uma guerra ofensiva que só um louco poderia impregnar, banhando o sangue de mulheres e crianças inocentes, assassinando judeus e ortodoxos em todo o percurso, destituindo governos ortodoxos para capturar cidades para si, e dando todas as evidências incontestáveis necessárias para identificar um movimento não como uma cruzada de defesa dos ortodoxos oprimidos, mas sim como uma cruzada ofensiva, insana, aberrante e absolutamente inútil, que só poderia culminar em fracasso em todos os sentidos da palavra.

Os cruzados não eram os “heróis” da Idade Média, mas os precursores dos nazistas, fascistas, comunistas e de todo regime genocida moderno. Só quem jamais estudou as cruzadas pode ser suficientemente imbecil ao ponto de creditar a ela o sucesso da civilização ocidental – aí incluídos os revisionistas católicos sempre dispostos a borrar a história e reescrevê-la de uma forma bela, linda e maravilhosa.


Paz a todos vocês que estão em Cristo.

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O milenarismo dos primeiros Pais da Igreja

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O milenarismo (também conhecido pelo nome de “pré-milenismo”) é a crença de que haverá uma grande tribulação futura, seguida de uma vinda literal de Cristo nas nuvens e de um reinado igualmente literal do Senhor Jesus aqui na terra, por mil anos. Este será um período de paz, onde o diabo estará preso para não enganar as nações.

Contra a posição pré-milenista estão o amilenismo e o pós-milenismo. O primeiro assegura que o milênio já está acontecendo neste momento, no Céu, significando que Cristo está reinando com os santos no Paraíso. O segundo afirma que o milênio está acontecendo neste momento, mas na terra, significando que cada vez mais pessoas vão se converter até que toda a terra seja cristã e Jesus volte. Nenhuma das duas visões contempla um milênio literal para um momento futuro – é o milenarismo que faz isso. A ideia de que os justos habitarão a terra após a ressurreição é desprezada tanto por amilenistas quanto por pós-milenistas.

O pré-milenismo é defendido pela maioria absoluta de cristãos evangélicos, o amilenismo pela Igreja Católica (e pela minoria de protestantes) e o pós-milenismo por meia dúzia de gatos pingados. Mas para este artigo nos interessa descobrir qual era a crença dos primeiros Pais da Igreja, aqueles que conviveram pessoalmente com os apóstolos ou com os primeiros discípulos dos apóstolos. E qualquer um que estude com atenção os escritos destes primeiros Pais nota o consenso unânime pelo pré-milenismo.

Clemente de Roma (35-97), ainda no primeiro século, deixou claro onde é que os bons habitarão no futuro:

“Sejamos bons uns para com os outros, conforme a compaixão e a doçura daquele que nos fez. Está escrito: ‘Os bons habitarão a terra e os inocentes serão deixados sobre ela, mas os pecadores serão exterminados dela’”[1]

A Didaquê (60-90), também no primeiro século, semelhantemente assinalava onde será a morada dos justos:

“Seja manso, porque os mansos receberão a terra como herança”[2]

Policarpo (69-155), no começo do segundo século, já dizia que na volta de Jesus apenas os justos ressuscitarão (porque a ressurreição dos ímpios é só depois do milênio), em direta oposição à crença dos amilenistas e pós-milenistas, de que justos e ímpios ressuscitarão no mesmo momento:

“Por isso, cingi vossos rins e servi a Deus no temor e na verdade, abandonando as palavras vãs e o erro de muitos, crendo naquele que ressuscitou nosso Senhor Jesus Cristo dos mortos e lhe deu a glória e o trono à sua direita. Tudo o que existe no céu ou na terra lhe está submisso; tudo o que respira o celebra, a ele que vem como juiz dos vivos e dos mortos, e de cujo sangue Deus pedirá contas àqueles que não confiam nele. Aquele que o ressuscitou dos mortos também nos ressuscitará,se fizermos a sua vontade, se caminharmos em seus mandamentos, e se amarmos o que ele amou, abstendo-nos de toda injustiça, ambição, amor ao dinheiro, maledicência, falso testemunho, não retribuindo o mal com o mal, injúria com injúria, golpe com golpe, maldição com maldição”[3]

A mesma coisa diz a Didaquê:

“Então aparecerão os sinais da verdade: primeiro, o sinal da abertura no céu; depois, o sinal do toque da trombeta; e, em terceiro, a ressurreição dos mortos. Sim, a ressurreição, mas não de todos, conforme foi dito: ‘O Senhor virá e todos os santos estarão com ele’. Então o mundo assistirá o Senhor chegando sobre as nuvens do céu”[4]

Irineu (130-202) também defendeu explicitamente o milênio literal e o estado eterno na terra em diversas ocasiões:

“Convém aos justos primeiro receber a promessa da herança que Deus fez aos pais, e depois reinar nela, quando ressuscitarem para ver Deus novamente nessa criação que foi renovada; e o juízo terá lugar em seguida (…) Portanto, é apropriado que a própria criação, estando restaurada à sua primeira condição, deva, sem qualquer limitação, permanecer sob o domínio dos justos. Assim, então, a promessa que Deus fez a Abraão permanecerá firme (…) Deus prometeu a terra a Abraão e à sua semente. No entanto, nem Abraão nem a sua semente, isto é, aqueles que são justificados pela fé, recebem qualquer herança neste momento; mas a receberão na ressurreição dos justos. Pois Deus é verdadeiro e fiel; e a promessa que Ele fez é: ‘Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra’[5]

“[Jesus disse:] ‘Digo-vos que, desde agora, não beberei deste fruto da vide até àquele Dia em que o beba de novo convosco no Reino de meu Pai’. Assim, portanto, Ele mesmo irá renovar a herança da terra e reorganizar o mistério da glória dos [Seus] filhos; como disse Davi: Ele ‘renova a face da terra’. Ele prometeu beber do fruto da vide com os Seus discípulos, indicando, assim, os seguintes pontos: a herança da terra da qual se bebe o fruto da vide e a ressurreição dos Seus discípulos em carne e osso. Pois a nova carne que ressuscita é a mesma que também recebeu o novo cálice”[6]

Ele inclusive refuta aqueles que pensavam que viveríamos em um “palácio celestial”, e reitera: os justos reinarão na terra!

“E de maneira nenhuma podemos entender que Ele estará bebendo o fruto da vide quando se colocar com os Seus [discípulos] em um palácio celestial, nem aqueles que bebem estarão sem a carne, pois beber daquilo que flui da vide pertence à carne, e não ao espírito. Portanto, a bênção prevista pertence inquestionavelmente aos tempos do reino, quando os justos irão reinar sobre aqueles que ressuscitam dos mortos, quando também a criação, tendo sido renovada e libertada, irá frutificar com abundância e com todos os tipos de alimento a partir do orvalho do céu e da fertilidade da terra. E, como todos os animais estarão se alimentando [apenas] da produção da terra, eles [nesses dias] se tornarão pacíficos e harmoniosos uns com os outros e perfeitamente sujeitos ao homem”[7]

Justino (100-165) não apenas mostra sua opinião pessoal do assunto, como também afirma que todos os cristãos de bem estavam convictos de que haveria um milênio literal na terra:

"Além disso, eu indiquei-lhe que há alguns que se consideram cristãos, mas são ímpios, hereges, ateus, e ensinam doutrinas que são em todos os sentidos blasfemas, ateístas e tolas. Mas, para que saiba que eu não estou sozinho em dizer isso a você, eu elaborarei uma declaração, na medida em que puder, de todos os argumentos que se passaram entre nós, em que eu devo registrá-las, e admitindo as mesmas coisas que eu admito a você. Pois eu opto por não seguir a homens ou a doutrinas humanas, mas a Deus e as doutrinas entregues por Ele. Se vós vos deparais com supostos cristãos que não façam esta confissão, mas ousem também vituperar o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó, e neguem a ressurreição dos mortos, sustentando antes, que no ato de morrer, as suas almas são elevadas ao céu, não os considereis cristãos. Mas eu e os outros, que somos cristãos de bem em todos os pontos, estamos convictos de que haverá uma ressurreição dos mortos,e mil anos em Jerusalém, que será construída, adornada e alargada, como os profetas Ezequiel e Isaías e outros declaram"[8]

Jerônimo ainda testemunha que a crença de Papias, Irineu, Apolinário, Tertuliano, Vitorino e Lactâncio era no milenarismo:

“Ele [Papias] divulgou uma segunda vinda de Nosso Senhor ou Milênio. Irineu, Apolinário e outros dizem que após a ressurreição do Senhor, ele irá reinar em carne com os santos. Também Tertuliano, em sua obra ‘Sobre a Esperança dos Fieis’, Vitorino de Petau e Lactâncio seguem este ponto de vista”[9]

O testemunho mais interessante é o de Papias (70-155), que é nos dado por Eusébio (265-339), que vivia em uma época em que a Igreja já começava a desacreditar no milênio. Notem como Eusébio faz de tudo para tentar desdenhar e desmerecer o testemunho de Papias, inclusive chamando-o de “burro” (de uma forma mais formal, é claro):

“Ele [Papias] diz que, depois da ressurreição dentre os mortos, haverá um milênio, e que o reino de Cristo se estabelecerá fisicamente sobre esta terra. Eu creio que Papias supõe tudo isto por haver derivado das explicações dos apóstolos, não percebendo que estes haviam-no dito figuradamente e de modo simbólico. A verdade é que, pelo que se pode deduzir de seus próprios discursos, Papias parece ser homem de inteligência curta. Mesmo assim, ele foi o culpado de que tantos escritores eclesiásticos depois dele tenham abraçado a mesma opinião que ele, apoiando-se na antiguidade de tal varão, como realmente faz Irineu e qualquer outro que manifeste professar idéias parecidas”[10]

Eusébio tenta de todas as formas descredibilizar o testemunho histórico de Papias, como se Papias fosse tão burro ao ponto de não ter conseguido entender que os apóstolos falavam “figurativamente”. Mais absurdo ainda é pensar que os apóstolos não ensinaram para Papias o significado real, mas apenas o “metafórico”! Pior ainda do que pensar que eles ensinaram apenas a figura e não o significado da figura, é pensar que eles ensinaram a figura de uma forma tão natural que acabou causando confusão em todo mundo! E pior ainda é a jogada final, onde Eusébio descaradamente diz que Papias é o culpado pelo fato de todos os outros Pais terem pregado o Reino físico na terra(!), como se alguém como Policarpo ou Clemente (que conviveram pessoalmente com os apóstolos) dependesse da opinião de Papias!

Após estudar todos os escritos dos primeiros Pais, não tive acesso a absolutamente nenhum que cresse em outra coisa que não o milenarismo, o que torna enormemente improvável que essa doutrina não tenha vindo dos apóstolos, a não ser que todos os primeiros Pais tivessem sido facilmente enganados por Papias (conforme a teoria fracassada de Eusébio), ou se entraram em conluio para corromper a doutrina apostólica (teoria igualmente fracassada). De todos os Pais do século I e II que escreveram alguma coisa sobre o assunto, o resultado é esse:

Pré-Milenismo
Amilenismo
Pós-Milenismo
Policarpo (69-155)
Ninguém
Ninguém
Clemente de Roma (70-155)
Ninguém
Ninguém
Tertuliano (160-220)
Ninguém
Ninguém
Papias (70-155)
Ninguém
Ninguém
Justino (100-165)
Ninguém
Ninguém
Irineu (130-202)
Ninguém
Ninguém
Didaquê (60-90)
Ninguém
Ninguém
Se alguém tiver um testemunho contrário que remeta a algum Pai da Igreja do século I ou II, por favor, me informe, para que eu possa incluir alguma coisa nos outros quadros. O resultado, até agora, é esmagador em favor do pré-milenismo.

O mais irônico de tudo é que a Igreja Romana, aquela mesma que diz guardar infalivelmente todas as “tradições apostólicas” transmitidas de boca em boca incorruptivelmente até chegar aos ouvidos do papa, combate com ferocidade a crença pré-milenista. O saudoso professor Orlando Fedeli, fundador do tridentismo apologético católico no Brasil, escreveu o seguinte em uma de suas cartas-resposta que pode ser lida clicando aqui:

“A igreja censurou o milenarismo que espera um reino de Deus na terra, dizendo que essa opinião não pode ser ensinada por um católico (Cfr Denzinger, 2296), e sempre condenou as seitas milenaristas que são muitíssimas na história. Faz décadas que li o Adversus haereses de Santo Irineu, e não me lembro da posição dele face ao milenarismo. Mas, como naquele tempo essa opinião não fora nem censurada e nem condenada ainda, ele não poderia ser tido como herege, se defendeu isso”

Trocando em miúdos, o que Fedeli disse aí é que se Irineu vivesse hoje ele seria um herege (a não ser que mudasse de opinião por coação). É irônico notar que a mesma Igreja que diz guardar todas as tradições apostólicas incorruptivelmente e que essas tradições estão conservadas nos escritos dos Pais da Igreja ignore completamente todos os primeiros Pais para seguir a uma doutrina diametralmente oposta. Ou seja: a Igreja Romana guarda todas as tradições orais provenientes dos apóstolos sem erro, mas nem a Didaquê, nem Irineu, nem Tertuliano, nem Papias, nem Clemente, nem Policarpo, nem Justino e nem ninguém da época sabia disso. #Mistério.

Se todos os primeiros Pais estavam errados, quem foi então que passou essa suposta “tradição oral” adiante? Como essa pessoa que transmitiu essa fantasmagórica tradição oral conseguiu ser tão incompetente ao ponto de omiti-la completamente dos principais líderes cristãos da época, que criam em coisa totalmente contrária? Como ter certeza que o amilenismo foi ensinado pelos apóstolos, se todos os seus primeiros seguidores criam diferente? Como confiar em uma tradição oral supostamente “apostólica”, se ela foi corrompida em tão pouco tempo? Como provar que os primeiros Pais da Igreja seguiam a “tradição errada”, mas que os Pais do século IV e V (que nunca viram um apóstolo ou discípulo de apóstolo na vida) tinham a “tradição certa”? A quem os papistas pensam que enganam?

À luz da história, o que deveria ser discutido não é “por que os primeiros Pais estavam errados”, porque eles não estavam errados. O que deve ser discutido seriamente é o que fez com que os Pais posteriores mudassem a doutrina, que é o que eu tentei responder no capítulo 22 de meu livro "Os Pais da Igreja contra a Imortalidade da Alma". Mas como “tradição apostólica” pro católico é literalmente qualquer coisa que o católico queira que seja considerado “tradição apostólica”, não me surpreende em nada que muitos insistam que os Pais do século IV guardavam a tradição verdadeira que os Pais do século I e II não faziam ideia de qual fosse.


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[1] Clemente aos Coríntios, 14:3-4.
[2] Didaquê 1:7.
[3] Policarpo aos Filipenses, 2:1-3.
[4] Didaquê 16:6-8.
[5] Contra as Heresias, Livro V, c. 32.
[6] Contra as Heresias, Livro V, c. 33.
[7] Contra as Heresias, Livro V, c. 33.
[8] Diálogo com Trifão, c. 80.
[9] De Viris Illustribus, 18.
[10] História Eclesiástica, Livro III, 39:12-13.

A profunda e chocante depravação moral da Igreja Romana medieval

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Um dos livros da bibliografia que eu estou lendo (clique na imagem acima para ampliar) para o meu livro sobre as Cruzadas é um de Ivan Monteiro de Barros Lins, um dos maiores filósofos e historiadores do século passado, que foi também ministro de Getúlio Vargas e membro da Academia Brasileira de Letras. Sua obra, “A Idade Média”, foi publicada originalmente em 1938, mas a versão que eu estou lendo é a “nova”, de 1944. Ele era um católico ferrenho, daquele tipo que vê os cruzados como heróis da pátria e o catolicismo como o “construtor da civilização”, uma espécie de Thomas Woods do início do século XX. Entretanto, o que me chama a atenção neste livro é a honestidade intelectual do autor, que já não se encontra mais em apologistas católicos contemporâneos.

Lins é um historiador católico que não tinha medo de expor a verdade, quando esta verdade ia contra as suas próprias crenças pessoais. Em vez de colocar toda a sujeira para debaixo do tapete e depois esconder este tapete no sótão para depois queimá-lo, ele não se importava em admitir os erros mais crassos na história da Igreja de Roma. Diferentemente do moderno revisionismo histórico praticado pelos desonestos apologistas católicos atuais, ele expôs em seu livro a profunda imoralidade e depravação moral dos papas e dos demais clérigos da Idade Média, algo que você nunca vai ler em um site apologético moderno. Eu transcrevi este trecho abaixo, e depois voltarei com meus comentários finais.


***

É seguindo as máximas de São Gregório, São Bernardo e Leão XIII, que passo a expor os costumes do clero na Idade Média. Cito, ao acaso, alguns exemplos, os quais poderiam ser indefinidamente multiplicados, tirando-os, mui de intento, da mais autorizada das “Histórias Eclesiásticas” – a do abade Claude Fleury – a mais imparcial, honesta e bem documentada de quantas se publicaram até hoje. O abade Fleury – convém esclarecer – de tal modo merecia a confiança de Bossuet que foi, por este, escolhido para coadjuvá-lo na instrução do Delfim, filho de Luiz XIV, tornando-se, mais tarde, confessor de Luiz XV.

Referindo-se ao papa Sérgio III, que governou a Igreja em princípios do 10º século, escreve:

“Teodora, mulher hábil, mas impudica, governava, então, de modo absoluto, a cidade de Roma. Tinha duas filhas: Marózia e Teodora, ainda mais desregradas do que ela. Marózia teve, do papa Sérgio, um filho, que, mais tarde, também foi papa”[1]

E, mais adiante, conta que um dos sucessores de Sérgio III – João X – só foi eleito papa visto ser amante de Teodora, irmã de Marózia[2]. O filho desta última e do papa Sérgio III subiu ao sólio pontifício quando ainda não contava nem com 25 anos, tomando o nome de João XI[3]. Um dos seus sucessores, João XII, neto de Marózia e de Sérgio III – o primeiro papa a mudar de nome ao ser consagrado – foi eleito antes dos 18 anos, distinguindo-se por sua devassidão: “tudo lhe serve – diziam os contemporâneos – mulheres belas ou feias, ricas ou pobres[4].

Tais os seus escândalos e infâmias que deram origem à lenda da papisa Joana, definitivamente desmascarada no século XVII, por Blondel e Leibnitz. As mesmas desordens lavraram por todo o alto clero europeu. Assim, Hébert, conde de Vermandois, fez, em 926, eleger Arcebispo de Reims seu filho Hugues, que contava, então, com menos de cinco anos[5]!Registra ainda o Abade Fleury o caso de um menino de dez anos ordenado pelo papa João XII, Bispo de Todi[6]. No Concílio de Reims, realizado em 991, com a presença de Gerberto, mais tarde papa com o nome de Silvestre II, sustentou Arnoul, Bispo de Orléans, “ser tudo em Roma, venal [vendível], obtendo-se as decisões a peso de ouro”[7].

Não era diversa a situação no século XI, porquanto, em 1033, o conde de Túsculum fez eleger papa a um de seus sobrinhos, menino de 12 anos apenas, o qual tomou o nome de Bento IX[8]. Em 1130, em pleno século de São Bernardo, conseguiu Pier de Leon, filho de um judeu, eleger-se papa mediante dinheiro, dando origem a um cisma que dividiu a Igreja durante oito anos[9]. Tal o quatro que, da venalidade do Sacro-Colégio, faz São Bernardo que um de seus mais recentes biógrafos, o abade Vacandard, ao transcrever-lhe trechos, comenta:

“Transforma-se aqui o pincel em azorrague e São Bernardo quereria que o papa, novo Jesus, se armasse do látego para expulsar todos os vendilhões do templo”[10]

Compara o santo a corte papal a uma caverna de Caco[11]!Tão acerba é a sua crítica que alguns historiadores, como Morison, chegam a sustentar haver sido o fundador de Claraval, o Lutero do século XII[12]. E, de fato, a darmos crédito a São Bernardo, não teria havido, em toda a história, época mais detestável do que aquela em que viveu – observa o honesto abade Vandard[13].

“Falando das horríveis desordens que produziam as apelações ao papa, e aludindo a dois bispos alemães carregados de crimes, que, tendo apelado para Roma e levando consigo bastante dinheiro, haviam sido repelidos nas suas pretensões e ofertas, São Bernardo exclama: ‘Grande novidade! Quando, até o dia de hoje, rejeitou Roma dinheiro?”[14]

Note-se que o santo vivia no século imediato ao governo de Hildebrando e que São Bernardo dirigia discurso ao papa Eugênio III, que frequentemente louva, e a quem, por certo, não pretendia afrontar. Que significa, pois, a palavra Roma na boca do grande abade de Claraval? A cúria romana; essa cúria, onde segundo a opinião do severo cluniacense, “era mais fácil entrar honesto, do que tornar-se lá homem de bem”[15].

Essa cúria – o comentário é de Alexandre Herculano – que me obrigaria a encher páginas e páginas de citações se quisesse coligir as passagens relativas ao seu desprezo por todas as leis divinas e humanas quando se tratava de receber ouro, passagens que se encontram às dezenas nos escritores mais respeitáveis, e onde se memoram, até, versos das cantigas populares contra a cobiça da cúria, o que prova ter-se tornado proverbial a corrupção de Roma. Um grande número dessas passagens e cantigas, relativas aos séculos XI, XII e XIII, acham-se coligidas na História dos Hohenstaufen: Vol. 6, pgs. 178 e seguintes.

“La Bible Guiot”, poema do século XII, depois de dizer que o papa devia ser “a estrela, guia dos nautas”,assim prossegue:

“Tal devia ser nosso pai que se acha em Roma. Mas um pai que mata seus filhos, comete grande crime. Ah! Roma, tu nos matas todos os dias. Os cardeais vão por toda a cristandade, abrasados de cobiça, manchados pela simonia, metidos na má vida, sem fé e sem religião. Por onde passam, vendem a Deus e sua Mãe, traem seu Senhor, tudo devoram”[16]

Em 1128, o cardeal de Crema, legado pontífico, depois de reunir, em Londres, um concílio, onde declarou ser crime imperdoável ousar um padre tocar e consagrar o corpo de Cristo, após deixar o leito de uma mulher perdida (designando assim as mulheres dos clérigos), foi, na noite seguinte, encontrado no leito de uma cortesã ao inspecionarem os oficiais da polícia londrina um bordel. Os monges e padres, que narram o fato (Hovenden, Mateus Páris, Hunting e outros), excusam-se de registrá-lo, declarando que só o faziam por ser o caso de tal modo notório que lhes não era possível omiti-lo[17].

O Padre Fleury, no “Discurso sobre a História Eclesiástica do Século XI ao Século XIII”, descreve, horrorizado, a corrupção e a venalidade dos cardeais, dizendo que as legações eram, para eles, verdadeiras minas de ouro[18]. Se tal era, na Idade Média, a degradação dos papas e dos mais altos dignitários da Igreja, qual não seria a dos simples padres? Descreve-a São Pedro Damião, bispo de Óstia, num opúsculo onde sustenta “haver a tal ponto chegado a corrupção, no século XI, que os padres pecavam com os seus filhos espirituais, confessando-se, destarte, os culpados aos seus próprios cúmplices”[19].

Quanto ao concubinato eclesiástico, de tal modo se achava enraizado, que o concílio, presidido em Roma pelo papa Leão IX, no ano 1049, decretou que fossem adjudicadas ao Palácio de Latrão, como escravas, todas as mulheres que, no recinto da cidade, se entregassem aos clérigos[20].

(...)

A Henrique, bispo de Liège, eleito por imposição do papa Inocêncio IV, escreveu a Gregório X, em fins do século XIII, increpando-lhe não só manter, como concubinas, uma abadessa, uma freira e várias mulheres, mas ainda haver-se gabado, publicamente, num festim, perante todos os assistentes, terem-lhe nascido, em menos de dois anos, quatorze filhos, entre os quais repartia os bens do bispado[21]. Quanto ao Prior D. Fr. Álvaro Gonçalves Pereira, filho do arcebispo de Braga, D. Gonçalo Pereira, houve 32 filhos, entre “machos e fêmeas”, diz, na linguagem do tempo, a “Crônica do Condestabre”[22].

Nada menos estranhável, pois, que, no século XV, como em sua Cosmographia, conta o papa Pio II, se recusassem as cidades holandesas a receber párocos que não trouxessem consigo uma concubina, “pelo receio– explica o Sumo Pontífice – de corromperem a mulher do próximo”[23]. Segundo o abade Vély a mesma exigência faziam os habitantes da Biscaia[24]. O bispo de Mende, numa carta de que o abade Fleury dá o transsunto, lamentava, em 1311, dirigindo-se ao papa Clemente V, de se acharem, em Roma, os lupanares pegados ao palácio papal, cobrando os oficiais da Santa Sé um tributo às cortesãs (amantes)[25], o que não pode espantar quando se sabe sustentarem certos canonistas deverem eles a dízima dos proventos de sua infâmia[26].

São Bernardo, cujo autorizadíssimo testemunho é sempre oportuno, assim qualificava a corrupção do sacerdócio de seu tempo:

“Manou a iniquidade dos anciãos, dos juízes, dos teus vigários, oh Deus; daqueles que parecem governar o teu povo! Já não é lícito dizer – tal o povo, tal o sacerdócio; porque este é pior. Oh meu Deus, meu Deus! Os teus maiores perseguidores são os que mais ambicionavam a primazia, e exercem na Igreja o mando supremo”[27]

E, como se estas expressões não bastassem, o terrível beneditino desfecha, numa carta dirigida, não a algum prelado metropolitano, mas ao próprio Inocêncio II, na seguinte diatribe:

“A insolência do clero, a qual nasce da indulgência dos bispos, turba o mundo e aflige a Igreja. Entregam os bispos as coisas santas a cães, e as pedras preciosas a porcos, e eles em paga metem-nas debaixo dos pés. Assim o quiseram, assim o tenham”[28]

Étienne de Fougères, capelão de Henrique II, da Inglaterra, assim se refere aos sacerdotes do século XII, em seu famoso “Livre de Maniéres”:

“Ai de nós! De que lhes serve saberem a Escritura e a ciência do bem e do mal? Beber e comer em excesso, cometer adultérios, não é o que pregam, mas é o que fazem. Nutrem suas concubinas e amantes com o patrimônio do Crucificado, e seus filhos com o preço de trinta missas, que fazem pagar e não celebram”[29]

Finalmente, para terminar apoiado na autoridade de dois concílios, lembro que o de Montpelier, reunido em 1214, declarou, no primeiro de seus cânones, que os eclesiásticos só se distinguiam, então, dos leigos, por serem mais corrompidos, proibindo-lhes o de Viena serem açougueiros e explorarem “cabarets”[30]. Não é de estranhar, pois, hajam sido assassinados vários papas e bispos desses ominosos tempos, chegando os diocesanos de Dornoc, na Escócia, à barbaria de assarem, em 1222, o seu bispo, na própria cozinha do Palácio Episcopal, depois de o haverem lapidado[31].

Mostrou-se, destarte, perfeito conhecedor dos costumes do clero de seu tempo Ricardo Coração de Leão ao responder a Foulques de Neuilly, pregador da terceira cruzada, o qual o incentivava a deixar seus três vícios notórios – o orgulho, a avareza e a concupiscência:

“O conselho é bom – retrucou o rei da Inglaterra – e, por isso, dou o meu orgulho aos templários; minha avareza, aos beneditinos, e minha concupiscência aos bispos”[32]

Ainda no século XVI exclamaria, como se sabe, em pleno Concílio de Trento, o santo arcebispo de Braga, frei dom Bartolomeu dos Mártires:

“Os ilustríssimos e reverendíssimos cardeais precisam de uma ilustríssima e reverendíssima reformação”[33]

Conta o venerável arcebispo Guilherme de Tiro, no livro XII de sua “Guerra Santa”, que, alguns anos após a tomada de Jerusalém, foi, em 1120, pelo patriarca desta cidade, reunido o Concílio de Naplusa, destinado a examinar as causas dos crueis padecimentos, que incessantemente atormentavam a Cidade Santa: derrotas, terremotos, pestes, fomes, etc. A conclusão a que chegou o concílio[34]foi a de serem tais flagelos enviados pelo Altíssimo para punir os cruzados de suas infâmias, entre as quais figurava a de que o chefe do nazismo acusava, há poucos anos, perante o mundo escandalizado, os seus correligionários políticos executados em Munique.

Um século mais tarde, na primeira Cruzada de São Luiz, não eram mais edificantes os costumes dos cavaleiros, que haviam tomado a cruz. Eis como, apoiando-se em Joinville, os descreve Michand:

“Apoderara-se dos chefes e dos soldados a paixão do jogo; depois de haverem perdido a fortuna, jogavam até os cavalos e as armas. Entregavam-se a todos os excessos da orgia sob a própria sombra dos estandartes de Jesus Cristo; o contágio dos vícios mais torpes estendia-se por toda parte, encontrando-se lupanares até nas vizinhanças do pavilhão habitado pelo piedoso monarca dos franceses”[35]

“Jamais se viram costumes tão corrompidos quanto no tempo dos cavaleiros; jamais a orgia foi mais universal”– escreve Sainte-Palaye em suas célebres e autorizadíssimas “Memórias sobre a Antiga Cavalaria”. Não pode, pois, causar surpresa a corrupção reinante na Universidade de Paris em princípios do século XIII, segundo o depoimento fidedigno de um autor contemporâneo, o cardeal Jacques de Vitry, bispo de Tusculum:

“Os estudantes, clérigos em sua maior parte, não consideravam pecado a simples fornicação. As cortesãs detinham, nas ruas, os clérigos que passavam, afim de levá-los para suas casas, como se o fizessem à força. Se eles se recusavam, eram acusados de desordens ainda mais criminosas, sendo honroso ter várias concubinas. Numa mesma casa ficavam, em cima, escolas, e, embaixo, bordeis. Os clérigos, que mais gastavam, eram os mais estimados, sendo tidos como avaros, hipócritas ou supersticiosos os que viviam sobriamente, praticando a piedade”[36]

Note-se que a Universidade de Paris era a mais conceituada de toda a Europa pelo ensino de teologia nela ministrado, sendo os clérigos, que aí estudavam, destinados a servir ou a governar as igrejas, como pondera, compungido, o abade Fleury no Discurso consagrado aos estudos escolásticos[37]. Um sermão de Gautier de Château Thierry lança a mais radiante luz sobre a vida à Villon que era, então, a de grande número de clérigos estudantes da Universidade de Paris:

“Existem alguns que recebem suas bolsas de mulheres, a que se entregam, ajustando, com rigor, o dinheiro noturno, isto é, o dinheiro torpemente adquirido através da luxúria”[38]

Como se vê, segundo os depoimentos mais insuspeitos, o gigolô, longe de ser uma instituição dos nossos corruptos tempos, é, ao contrário, negregada reminiscência dos edificantes costumes da clerezia da Idade Média...

(LINS, Ivan. A Idade Média – A Cavalaria e as Cruzadas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Pan-Americana, 1944, pp. 186-199)


Meus Comentários:

É interessante ver até onde vai a desonestidade da apologética católica. Para esconder a monstruosidade da inquisição, eles inventaram uma lendária e fantasmagórica "inquisição protestante". Para esconder a profunda e absoluta depravação moral dos próprios papas, bispos e padres católicos no período que antecedeu a Reforma de Lutero, eles caluniam Lutero de todas as formas, com textos forjados, adulterados ou pifiamente interpretados. Não vai demorar mais uns vinte anos para eles começarem a dizer que a “verdadeira Cruzada” na verdade foi empreendida por Lutero contra os muçulmanos, para tomar a Terra Santa para os protestantes, ou que foi quando o presidente protestante americano George W. Bush invadiu o Iraque. Eu não duvido de mais nada. Como o Elisson Freire destacou, é um “revisionismo hipócrita e virulento”.

Ao mesmo tempo, me surpreende constatar que muitos católicos ainda creem que os seus papas são verdadeiros vigários de Cristo, representantes de Deus na terra, infalíveis, eleitos a dedo pelo Espírito Santo e por outros clérigos cheios da presença de Deus, embora muitos destes mesmos papas tenham sido os mais monstruosos, imorais, depravados, assassinos, avarentos, pederastas, sodomitas, sádicos e abomináveis que este mundo já viu – e que também já expus nestes outro três artigos:


Eu só posso concluir: ou o Espírito Santo não sabe escolher direito, ou ele gosta de pregar uma peça, escolhendo os mais sujos e canalhas para governar a infalível Igreja Romana de Cristo, para guiar a Igreja no “caminho certo”. E o que mais espanta, acima de tudo, é pensar que há católicos que acham que a Igreja não precisava de uma Reforma no século XVI, porque ela já era linda, perfeita e maravilhosa – um autorretrato de sua própria ignorância e cegueira espiritual.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,


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[1]Abade CLAUDE FLEURY: “Histoire Ecclésiastique”, 1. 54, c. 42, pg. 574, do 3º vol. da ed. de Paris, 1844.
[2]ibid, p. 580-581.
[3]ibid, p. 593.
[4]ibid, p. 622.
[5]ibid, p. 590.
[6]ibid, p. 663.
[7]ibid, p. 17 do vol. 4.
[8]ibid, p. 99 do vol. 4.
[9]Inspirava-se, portanto, Leão X, nas tradições da alta Idade Média, quando, em 1514, convidou o Patriarca de Veneza a reservar um comunicado para uma criança, provendo-a efetivamente nele quando atingisse os oito anos. Por um Breve de 1515 declarou ainda Leão X o Infante Afonso de Portugal susceptível de receber, aos quinze anos, um Bispado ou um Arcebispado! (Vide PASTOR: “História dos Papas”, vol. VIII, pg. 259 da trad. francesa de A. Poizat. Plon, 1925).
[10] VACANDARD, VACANDARD: “Vie de Saint Bernard”, t. II, p. 461.
[11]ibid, p. 468.
[12]MORISON: “The Life And Times of Saint Bernard”, pg. 427 da ed. de Londres, 1884, e VACANDARD, op. cit., t. II, pg. 490.
[13] VACANDARD: “Vie de Saint Bernard”, t. I, pg. III da ed. de 1927.
[14]De Considerat., L. 3, c. 3.
[15]De Considerat., L. 4.
[16]Apud Ch. V. LANGLOIS: “La Vie en France au Moyen Age, d’apres les moralistes du tempos”, t. II, pg. 68, HACHETTE, 1926.
[17]HUME: “História de Inglaterra”, vol. I, pg. 288 da trad. franc. de CAMPENON, Paris, 1839.
[18]FLEURY, op. cit., vol. V, pg. X.
[19]ibid, vol. IV, pg. 127.
[20]Vide: VILLEMAIN: “Histoire de Grégoire VII”, pg. 303 do t. I da 2ª edição.
[21] Vide: Abade FLEURY, op. cit., vol. V, pg. 514.
[22]Apud OLIVEIRA MARTINS: “A Vida de Nun’Álvares”, pgs. 2, 4 e 5 da ed. de 1902.
[23]Em 746, escrevendo ao papa Zacarias, queixava-se São Bonifácio dos bispos e padres que, vivendo em adultério e libidinagem, como se concluía dos filhos que tinham depois de ordenados, sustentavam, entretanto, ter-lhes sido permitido, pelo próprio papa, continuarem no exercício de suas funções (Vide ABADE FLEURY: “Histoire Ecclésiastique”, livro XLII, c. XXXIII, pg. 94 do vol. III da ed. de 1844).
[24] Apud LEGRAND D’AUSSY: “Fabliaux ou Contes du XIIe et du XIIIe siecle”, t. I, pg. 249 da ed. de Paris, 1781.
[25] Vide: Abade FLEURY, op. cit., vol. V, pg. 728.
[26] Vide: HUME: “History of England”, pg. 18 do t. I da Imperial History of England, Londres, 1891.
[27]Sermo de Conserv. S. Paul.
[28]Epistolar. Epíst. 152. Vide: ALEXANDRE HERCULANO: “Considerações Pacíficas”, pags. 40 e 41 do t. 3º dos Opúsculos, 1ª ed. brasileira.
[29]Vide: LANGLOIS: “La Vie em France cru Moyen Age d’apres des moralistes du temps”, pg. 9 do t. II, HACHETTE, 1926.
[30] Vide: FLEURY, op. cit., t. V, pgs. 117 e 656.
[31]ibid, p. 173.
[32]HUME, op. cit., pg. 117.
[33]Vide: Frei LUIZ DE SOUZA: “Vida de D.F. Bartolomeu dos Mártires”, t. I, pg. 247da ed. de Braga, 1890.
[34]Vide MICHAUD: “Histoire Des Croisades”, t. II, “Peças Justificativas”, pgs. 505 e 506 da 2ª ed.
[35]ibid, vol. IV, pg. 185.
[36]Apud FLEURY: “Histoire Ecclésiastique”, vol. V, pg. 91 da ed. cit.
[37] FLEURY, op. cit., vol. V, pg. 226.
[38]B. HARÉAU: “Notices et extraits de quelques manuscrits latins”, VI, pg. 210 da 1ª ed. 

A Igreja Católica criou as universidades!!!!

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O principal argumento dos papistas que seguem a linha de Thomas Woods na visão bitolada, falsa e descarada de que “a Igreja Católica construiu a civilização ocidental” é o das universidades. “A Igreja Católica criou as universidades!!!”, grita o romanista exaltado, tentando provar que se não fosse pela Igreja Católica estaríamos até hoje sem universidades...

Em primeiro lugar, a própria afirmação de que “A Igreja Católica criou as universidades” já é falsa em si mesma. A primeira universidade do mundo foi a Universidade al Quaraouiyine, do Marrocos, criada em 859, reconhecida inclusive pelo famoso Guinness Book como sendo a primeira. Depois veio a Universidade de al-Azhar, do Cairo, criada também pelos muçulmanos, em 988. Só mais de duzentos anos depois da primeira, e de cem em relação à segunda, é que surge a primeira universidade católica, a de Bolonha, em 1088. E escolas já existiam desde a Grécia antiga, passando pela Roma antiga, Índia antiga, China antiga e pelo Império Bizantino – desde muito antes dos católicos romanos pensarem em criar alguma coisa.

Se por um lado a Igreja Católica tem seu mérito em ser uma das primeiras a criar universidades, por outro lado é preciso considerar a qualidade do ensino nelas difundido. Usarei neste estudo como fonte o que escreve um historiador católico do século passado, Ivan Lins, autor do livro “A Idade Média – A Cavalaria e as Cruzadas” (já falei dele em meu artigo anterior), que por sua vez também cita como referência vários autores católicos também reconhecidos, em especial o abade francês Claude Fleury, um padre e historiador católico do século XVII. Não citarei nenhum historiador protestante para não me acusarem de ser tendencioso.

É desta forma que Lins descreve a qualidade do ensino presente nestas universidades católicas que são hoje usadas pelos apologistas católicos para a ridícula alegação de que “a Igreja Católica construiu a civilização”:


***

Representava o trivium o ensino primário e secundário da Idade Média, contentando-se com ele os que dispunham de aptidões mais literárias do que científicas. Compreendia a gramática, a retórica e a lógica ou dialética. Esta última, na apreciação de Latino Coelho, “ensinava a disputar sobre a verdade, sem patentear os caminhos de a saber – ginástica intelectual, que adestrava a inteligência, sem poder servir à higiene do pensamento – esgrima pueril, que podia conceder triunfos à vaidade, mas não podia aparelhar vitórias à ciência”.

Quanto à retórica, antes conduzia a estragar do que a ornar o estilo. Consistia, como salienta o padre Fleury, “em só falar por metáforas ou outras figuras estudadas, evitando, com cuidado, explicar simples e naturalmente o pensamento, o que torna os escritos dos escolásticos de mui difícil inteligência”[1]. O que de mais gostavam era empregar frases das Escrituras, não para autorizarem seus pensamentos, servindo-lhes de provas (que é o uso legítimo das citações), mas para exprimir coisas mais banais. Assim, numa história, em vez de dizerem simplesmente “fulano morreu”, diziam: “fulano juntou-se a seus pais”; ou: “entrou no caminho de toda carne”.

No que concerne à gramática, ainda hoje pululam os indivíduos que pretendem ensinar-nos, dogmaticamente, “uma arte resultante de um surto universal, enquanto a própria barbárie e impropriedade da maior parte dos termos de que se servem bastam para caracterizar a inanidade de suas pretensões sobre a palavra”[2]. Se isto é o que acontece com certos gramáticos de nossos dias, que se daria com os da Idade Média? A este respeito assim discorre o padre Fleury:

            “Só se estudava a gramática por causa do latim, ou, antes, aprendiam-se ambos concomitantemente. Mas, em vez de ser, como nos tempos modernos, o latim mais puro possível, contentavam-se todos, então, com esse latim grosseiro, cujos restos ainda se encontravam, no século XVII, nas escolas de filosofia e teologia. A linguagem do século XIII e dos dois seguintes era cheia de palavras desviadas de seu verdadeiro sentido, ou formadas com termos das línguas vulgares, tirados dos idiomas germânicos, como guerra e trégua, de sorte que os que só conhecem o bom latim, não compreendem o latim medieval, a não ser fazendo dele um estudo especial, porquanto ninguém pode esperar encontrar a palavra miles para designar um cavaleiro e bellum uma batalha.
            Pelo motivo contrário, não compreendiam os sábios desses tempos, senão pela metade, os autores da boa latinidade, e não só os profanos, dos quais talvez pudessem privar-se, mas os próprios Padres da Igreja, São Cipriano, Santo Hilário, São Jerônimo e Santo Agostinho, e é por isso que, ao lê-los, não lhes apreendiam o pensamento”[3]

(LINS, Ivan. A Idade Média – A Cavalaria e as Cruzadas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Pan-Americana, 1944, pp. 209-211)


***

Ainda sobre o ensino da lógica nas universidades católicas medievais, diz o padre Fleury:

“Deixara a lógica de ser a arte de raciocinar com justeza e buscar a verdade pelas vias mais seguras: era, ao contrário, um exercício de disputar e sutilizar ao infinito. O objetivo dos que a ensinavam era menos instruir seus alunos do que fazerem-se admirar por eles, embaraçando os adversários com questões capciosas, tal qual os antigos sofistas”[4]

No artigo anterior, já havia exposto de que forma que os estudantes da Universidade de Paris (padres, em sua maioria) eram depravados. Jacques de Vitry, bispo de Tusculum e contemporâneo da época, escreveu sobre isso:

“Os estudantes, clérigos em sua maior parte, não consideravam pecado a simples fornicação. As cortesãs detinham, nas ruas, os clérigos que passavam, afim de levá-los para suas casas, como se o fizessem à força. Se eles se recusavam, eram acusados de desordens ainda mais criminosas, sendo honroso ter várias concubinas. Numa mesma casa ficavam, em cima, escolas, e, embaixo, bordeis. Os clérigos, que mais gastavam, eram os mais estimados, sendo tidos como avaros, hipócritas ou supersticiosos os que viviam sobriamente, praticando a piedade”[5]

Lins destaca que, na opinião de Fleury, foi justamente o ensino tosco e nada espiritual aprendido nessa universidade que fez com que os padres se tornassem mais imorais:

“Consagra o padre Fleury à escolástica um de seus admiráveis Discursos Sobre a História Eclesiástica, e, depois de analisá-la a fundo, chega a atribuir a corrupção de costumes dos estudantes da Universidade de Paris, a que já me referi, às vãs sutilezas e às questões frívolas e inúteis, que constituíam o campo predileto a que se consagrava a grande massa dos escolásticos, os quais chegavam a sustentar que os adultérios, incestos, etc, quando cometidos por caridade, não constituem pecados”[6]

Sobre o ensino de geografia dessas universidades, Lins escreve:

“Entre as inúmeras lendas geográficas, piamente aceitas, figurava a de ferver o Oceano ao sul da África, e de haver um povo, perto do Ganges, que se alimentava do perfume de certas flores”[7]

Sobre o ensino de história, ele diz:

“Quanto à história, era também cheia de ficções e fábulas, pois os historiadores medievais se impressionavam mais com o maravilhoso do que com o verdadeiro. Aceitavam tudo quanto achavam escrito – ensina o padre Fleury. Sem crítica, sem discernimento, sem examinar a época e a autoridade dos escritores, tudo lhes parecia igualmente bom. Assim, a fábula de Francus, filho de Heitor, e dos francos vindos de Troia, foi adotada, até fins do século XVI, por todos os historiadores franceses, que faziam também a história da Espanha remontar até Jafé e a da Grã-Bretanha até Bruto. Cada historiador empreendia uma história geral, desde a criação do mundo até a sua época, e aí amontoava, sem critério, tudo quanto encontrava nos livros que lhe caíam nas mãos”[8]

E também:

“A ignorância quase total da história antiga fazia com que os primeiros restaurados do direito romano incidissem em graves erros ao comentar as Pandectas. Muitos dentre eles derivavam de Tibério o nome do rio Tigre, supunham que Ulpiano e Justiniano tinham vivivo antes da era vulgar e aceitavam que houvesse Papiniano sido condenado à morte por Marco Antônio. A erros tão grosseiros não escapavam nem mesmo os maiores glosadores como Irnério, Placentino, Azo e Acurso”[9]

E sobre a medicina:

“Entre os remédios reputados estava a triaga, formada de inúmeras substâncias heterogêneas, inclusive o veneno de víbora, e que curava mordeduras de cobras e uma infinidade de mazelas. Para dar uma ideia do que fosse a triaga, costumava Laet compará-la com as Academias: ‘entram nelas ingredientes formidáveis, mas, finalmente, o resultado é benéfico...’[10]. Eis como, segundo Sidrac ou O Tesouro das Ciências, um dos livros de maior voga na Idade Média, havendo chegado até a Renascença, se devem tratar as hemorragias nasais: com dejetos de suínos ainda quente e esterco de camelo batido. Sustenta o mesmo livro ser bom ter vermes intestinais, porquanto se nutrem dos venenos que se encontram no organismo, eliminando-os e favorecendo, assim, a saúde”[11]

Foi todo este conjunto de ensino pueril e pitoresco que fez com que o cético David Hume dissesse que “esses milhares de jovens só aprendiam, nas universidades, péssimo latim e uma lógica ainda mais detestável”[12].

E isso era o conhecimento ensinado nas universidades, para os da mais alta elite. Se os “intelectuais” eram de um nível tão rude e grosseiro, imagine como era o povo comum da época. Lins discorreu sobre esses também:

            “Esses os conhecimentos dos letrados medievais, isto é, da generalidade dos clérigos que frequentavam as Universidades. Quanto aos homens do povo e aos próprios barões, eram, muitas vezes, analfabetos, não sabendo nem ao menos traçar o próprio nome, que substituíam por uma cruz, dando, assim, origem à palavra assinar, a qual primitivamente significava traçar uma cruz em lugar do nome. Entre o próprio clero, nos primeiros séculos da Idade Média, muitos eram os bispos que deixavam de apor o seu nome aos cânones dos concílios, em que tomavam parte, visto não saberem escrever[13].
            Ainda no século XIV, era comum encontrarem-se grandes senhores que não sabiam ler, entre os quais Duguesclin, que chegou a condestável da França[14]. É que, na Idade Média, se fazia perfeitamente a diferença entre a instrução e os dotes intrínsecos de retidão, sagacidade e mesmo coerência, qualidades independentes de qualquer instrução, resultando o seu cultivo muito mais da vida prática do que de qualquer aprendizado teórico. Deu, contudo, o analfabetismo medieval lugar a muitos abusos, inevitáveis onde quer que campeie o analfabetismo, como, infelizmente, o verificamos, todos os dias, entre nós”[15]

Em resumo, o ensino católico nas universidades medievais:

• Ensinava lógica deturpando a lógica.

• Ensinava história deturpando a história.

• Ensinava geografia deturpando a geografia.

• Ensinava ciências deturpando a ciência.

• Ensinava o latim deturpando o latim.

• Em vez de conduzir à santificação, conduzia ao máximo da imoralidade.

• Era elitizado, deixando a grande maioria do povo no analfabetismo.

Podemos resumir todo o ensino das universidades católicas com uma só palavra: lixo.

Mas se o ensino católico nas universidades era tão desprezível, como ele evoluiu até chegar aos dias de hoje? O principal fenômeno que deu origem a essa revolução chama-se: Reforma Protestante. No vídeo abaixo, o cientista político Alberto Carlos Almeida explica rapidamente como este processo se deu:


Foi a Reforma Protestante que colocou a Bíblia nas mãos do povo, enquanto nas terras católicas a Igreja proibia a leitura da Bíblia em língua vulgar (veja mais sobre isso aquie aqui). Com o povão tendo acesso à Bíblia, o índice de analfabetismo rapidamente foi abaixando, e, junto com ele, o desenvolvimento da nação que era guiada pela tradição protestante. É essa a razão pela qual todos os sete países com maior IDH do mundo atual são países de tradição protestante (escrevi sobre isso neste artigo). Em contrapartida, os países católicos em geral sofreram com um desenvolvimento bem mais lento, que ainda se reflete hoje em dia na maioria das nações.

Lorraine Boettner ainda destacou neste artigo que os países protestantes se demonstraram através dos séculos muito mais fortes contra a ameaça comunista e fascista do que os países católicos, que foram engolidos por ambos. Mas para mostrar este contraste nem é preciso desenvolver um texto gigante: basta comparar o desenvolvimento dos Estados Unidos (fundado por protestantes da Inglaterra) com o restante da América (fundado por católicos da Espanha e de Portugal). Enquanto os EUA são hoje a nação mais poderosa do mundo, os países católicos sofrem na miséria ou no sub-desenvolvimento do terceiro mundo. Coincidência? Sim, pro católico, é tudo coincidência!

O contraste é tão gritante entre uma realidade e outra, que mesmo com a Espanha e com Portugal extraindo até o talo os recursos naturais da América, com exploração de indígenas e até extermínio dos mesmos, ainda assim ficam muito atrás dos países europeus desenvolvidos (=protestantes). Ou seja: séculos de riqueza fácil mediante exploração da terra alheia não foram o suficiente para compensar o progresso trazido pelo protestantismo mediante uma cultura mais elevada.

A Reforma também foi fundamental na área da ciência, pois, como é bastante notório, a ciência floresceu muito mais nos países protestantes do que nos católicos. De acordo com Augustus Nicodemus, 51 dos 53 cientistas que nos deram a ciência moderna eram protestantes[16]. Sem o braço forte e a supervisão de um ditador autoritarista megalomaníaco, os cientistas se sentiam muito mais à vontade realizando e divulgando seus trabalhos nos países protestantes. Enquanto um Roger Bacon surgindo das universidades católicas era a exceção,um Isaac Newton surgindo de uma universidade protestante era a regra.

Podemos comparar aos dias de hoje: nos vestibulares mais concorridos, em geral 90% dos que passam vieram de colégios mais respeitáveis, especialmente do ensino privado, enquanto em média 10% dos que passam vieram de escolas públicas em situações precárias e com péssima educação. Ou seja: a qualidade do ensino não é tudo o que conta, porque depende muito do aluno também. Um gênio consegue passar em ambas. Da mesma forma, embora surgissem cientistas católicos de grande renome, eram das universidades protestantes que saía a grande maioria deles, consequencia natural de um ensino com mais qualidade.

Em suma, foi o protestantismo que nos deu ensino de qualidade, que deu luz aos melhores cientistas, que derrotou as grandes superstições, que levou o aluno a exaltar a Deus por meio do estudo, que abriu as portas das universidades para as pessoas mais simples, que colocou a Bíblia nas mãos do povo, que superou o analfabetismo, que gerou prosperidade e desenvolvimento, que valorizou o ser humano. Sim, a Igreja Católica tem seus méritos; afinal, ensino ruim ainda é melhor do que nada. No entanto, os protestantes fizeram exatamente aquilo que se propõem: Reforma. O que está ruim é reparado, o que está bom melhorado, o que está inacabado é aperfeiçoado. Nada diferente do que Jesus disse:

“Pelos seus frutos os conhecereis” (Mateus 7:20)

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

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[1]Abade CLAUDE FLEURY: “Histoire Ecclésiastique”, pg. 222.
[2]AUGUSTO COMTE: “Politique Positive”, t. II, pg. 255 da 1ª ed.
[3]Abade CLAUDE FLEURY: “Histoire Ecclésiastique”, t. V, pgs. 221 e 222.
[4] Abade CLAUDE FLEURY: “Histoire Ecclésiastique”, 1. 54, c. 42, pg. 574 do 3º vol. da ed. de Paris, 1844.
[5] Apud FLEURY: “Histoire Ecclésiastique”, vol. V, pg. 91 da ed. cit.
[6] LINS, Ivan. A Idade Média – A Cavalaria e as Cruzadas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Pan-Americana, 1944, p. 207.
[7]ibid, p. 222.
[8]ibid, p. 222-223.
[9]ibid, p. 223.
[10]“Discursos Acadêmicos”, t. III, pg. 225.
[11] LINS, Ivan. A Idade Média – A Cavalaria e as Cruzadas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Pan-Americana, 1944, p. 269-270.
[12]ibid, p. 217.
[13]Vide: ROBERTSON: “História de Carlos V”, pg. 89 do t. I das “Oeuvres Completes”, ed. Panthéon Littéraire.
[14]SAINTE PALAYE: “Mémoires Sur L’Ancienne Chevalerie”, t. I, pgs. 408 e 427 da ed. de 1826. Ver também a propósito do analfabetismo de JEAN DE NANTEUIL, camareiro de São Luiz, “La Chevalerie” de GAUTIER, pg. 144.
[15]ibid, p. 224.

Como a Igreja de Roma rachou a Igreja de Cristo

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Em 1054 d.C, a Igreja sofre o seu primeiro grande cisma, que é mais conhecido como o “Cisma do Oriente”, quando teoricamente a Igreja do Oriente se revolta contra a Igreja do Ocidente e se separa. Mas historiadores das mais diversas vertentes religiosas têm observado que esta é uma perspectiva distorcida dos acontecimentos, uma vez que reflete apenas a visão do próprio ocidente, isto é, dos católicos romanos. Na perspectiva dos ortodoxos, o cisma é na verdade “do Ocidente”, e não “do Oriente”, uma vez que quem rompeu a comunhão não foi o Oriente, mas o Ocidente. Se isso é verdade, é uma bomba atômica nas costas daqueles que acusam Lutero de “causar cisma”, já que eles mesmos causaram um cisma séculos antes.

Um famoso site ortodoxo afirma:

“Ao contrário do que alguns historiadores afirmam, o cisma é realmente ‘do Ocidente’, visto que foi a Igreja Romana quem se separou da comunhão de Fé das Igrejas Irmãs (...) De fato, a Igreja de Roma, graças a fatores essencialmente políticos, de ambição do poder temporal, desenvolveu a partir da Idade Média, a doutrina da primazia do Papa (título, aliás, dado aos Patriarcas de Roma e de Alexandria) como último e, depois, como único recurso em matéria de Fé. Ora, isto era, é e será, completamente estranho à Tradição da Igreja dos Apóstolos, dos Mártires, dos Santos e dos Sete Concílios Ecumênicos”[1]

De fato, a evidência histórica unânime e esmagadora é que não existia um papado nos primeiros séculos. Com isso, obviamente não estou querendo dizer que nenhum bispo de Roma era chamado de “papa”, porque papa era um apelido carinhoso que significa “papai”, concedido a todos os bispos importantes das mais diversas comunidades cristãs de prestígio, e não apenas ao bispo romano. O que não existia na Igreja da época é aquilo que hoje é considerado “papado” pela Igreja Romana, ou seja, o bispo de Roma governando toda a Igreja com “poder pleno, supremo e universal”[2], como afirma explicitamente o catecismo católico.

Provas históricas abundantes contra o papado têm sido encontradas amplamente em toda a patrística e em toda a história eclesiástica. Há tempos atrás publiquei sobre isso no artigo intitulado "Provas históricas incontestáveis contra o papado", e o Elisson Freire traduziu um excelente artigo ortodoxo que derruba por completo o primado jurisdicional do bispo romano, disponível aqui. Resumidamente, a “primazia” da Igreja de Roma na época não era no sentido de governar sobre as demais igrejas, mas meramente no sentido de ser a mais importante por estar na capital do império.

Fazendo analogia, seria como o governador de São Paulo, que é sem sombra de dúvidas mais importante do que o governador do Acre, isto é, que exerce mais influência sobre o Brasil, e no entanto não tem qualquer autoridade para governar o estado do Acre. Por mais importante e influente que o governador de São Paulo seja, ele não tem nenhuma autoridade para governar os outros estados. Cada estado tem seu próprio governador, e este governador é responsável por seu próprio estado, sem se intrometer no governo dos outros estados.

Assim era a igreja em seus primórdios. Existiam bispos com influência e importância maior do que outros (principalmente os de Roma, Alexandria, Antioquia, Jerusalém e Constantinopla), mas mesmo estes bispos de maior importância tinham uma jurisdição limitada, que se restringia à sua própria diocese, e, quando muito, a uma diocese próxima, sujeita ao bispo metropolitano. É assim que o próprio Concílio de Niceia (325) deixa claro:

“O bispo de Alexandria terá jurisdição sobre o Egito, Líbia e Pentápolis; assim como o bispo romano sobre o que está sujeito a Roma. Assim, também, o bispo de Antioquia e os outros, sobre o que está sob sua jurisdição. Se alguém foi feito bispo contrariamente ao juízo do Metropolita, não se torne bispo. No caso de ser de acordo com os cânones e com o sufrágio da maioria, se três são contra, a objeção deles não terá força”[3]

Está óbvio que a jurisdição do bispo romano se limitava à própria Roma, e não universalmente. A jurisdição do bispo romano era tão local quanto a dos bispos de Alexandria e de Antioquia, citados no mesmo cânone. Roma era certamente a mais importante, mas nunca, em momento algum, exerceu qualquer tipo do governo sobre as demais igrejas, nem tampouco uma jurisdição universal, e muito menos tinha um “poder pleno, supremo e universal”, como alega o catecismo católico. Das muitas causas que levaram ao cisma, a principal foi justamente a insistência dos arrogantes bispos romanos em alargar seu poder ainda mais, para governar sobre todas as outras igrejas, o que jamais havia sido admitido pelas igrejas orientais.

Este orgulho e esta sede cada vez maior pelo poder, mesmo quando já possuía uma autoridade muito grande, foi justamente o que levou à queda de “Lúcifer”[4], aquele que já era um dos principais anjos de Deus, mas, não satisfeito com isso, cobiçava o lugar do próprio Deus, para governar sobre todo mundo. A Igreja de Roma caiu pela mesma razão daquele que disse:

“Subirei aos céus; erguerei o meu trono acima das estrelas de Deus; eu me assentarei no monte da assembleia, no ponto mais elevado do monte santo. Subirei mais alto que as mais altas nuvens; serei como o Altíssimo"(Isaías 14:13-14)

Nada mais próprio para tratar do papado ao longo dos séculos do que aquilo que Salomão já havia escrito há milênios: “o orgulho precede a queda”(Pv.16:18).

Isso aconteceu em 1054 d.C, quando o legado papal viajou a Constantinopla para obrigar o patriarca bizantino a reconhecer Roma como a “mãe de todas as igrejas”. O patriarca ortodoxo, é claro, rejeitou. Como consequencia foi excomungado pelo papa, e de retaliação excomungou o papa também. Ou seja: quem começou o cisma e rompeu a comunhão não foi o patriarca ortodoxo, mas o papa romano. A excomunhão por parte dos ortodoxos só veio depois que o papa o tinha desligado da comunhão. Foi o papa que rompeu a unidade, e não o contrário. Foi a cobiça por cada vez mais poder, domínio e autoridade que o fez passar por cima de qualquer um que não se dobrasse diante dele.

O que consolidou politicamente este rompimento foi o saque de Constantinopla, ocorrido em 1204, durante a quarta cruzada. O exército do papa decidiu mudar o rumo da viagem e dar uma passadinha por Constantinopla, a principal cidade dos ortodoxos, apenas para arruiná-la completamente. O site ortodoxo comenta:

“Esta separação oficial, decidida pela Igreja Romana, teria sua confirmação em 1204, quando os cruzados, que se intitulavam cristãos, assaltaram Constantinopla, saquearam e pilharam, fizeram entrar as prostitutas que traziam consigo para dentro do santuário de Santa, sentaram uma delas no trono do Patriarca, destruíram a iconostase e o altar, que eram de prata. E o mesmo aconteceu em todas as igrejas de Constantinopla”[5]

Depois de saquear a principal cidade dos ortodoxos e arruinar por completo a relação já tensa entre as duas facções, os cruzados fundaram o “Império Latino de Constantinopla”, em 1204, e só em 1261 é que os gregos a reconquistaram.

Portanto, historicamente falando, a causa principal do cisma foi a ambição de poder cada vez maior por parte de Roma; quem começou excomungando o outro e rompendo os laços de comunhão também foi Roma, e quem consolidou este rompimento politicamente foi Roma também. O cisma, de fato, é “do Ocidente” – causado pelo papa e por seus correligionários. É por isso que um papista, ao atacar um protestante em um debate sob a alegação de que Lutero “rachou” a Igreja, está dando um tiro no próprio pé, e um atestado de ignorância histórica. Foram eles que começaram a rachar a Igreja cinco séculos antes, e depois ainda querem condenar os protestantes por terem causado um novo cisma.

A sede megalomaníaca dos papas pelo poder era tão insuperavelmente dantesca que, depois de romper com os ortodoxos ao forçar-lhes a submissão a Roma, procurando mais alguém com quem pudesse agora brigar, decidiu forçar a submissão do próprio imperador(!), para que se dobrasse diante do papa e a ele se submetesse. Isso começou pouco depois do Cisma, com Gregório VII (1073-1085), o qual, em 1075, ditou um memorando em que definia os princípios da teocracia pontífica, entre eles[6]:

IX.“O papa é o único homem ao qual todos os príncipes beijam os pés”.

XII.“Está-lhe permitido depor aos imperadores”.

Ou seja: depois de querer que os ortodoxos se dobrassem diante dele, agora estava cobiçando algo maior: o próprio poder temporal do imperador!

É claro que o imperador (Henrique IV) se indignou com tamanha afronta, reunindo 24 bispos alemães e dois italianos em Worms, onde depôs o papa. Gregório VII respondeu então excomungando o imperador e o proibindo de governar! Nessa queda de braço entre o papa e o imperador, o papa prevaleceu, e Henrique IV foi deposto do trono.

Na luta papal pela supremacia sobre o imperador, o papa Inocêncio III convocou o IV Concílio de Latrão (1215), onde proclamou:

“Assim como a lua deriva a sua luz da do sol e na verdade é inferior ao sol tanto em quantidade como em qualidade, em posição como em efeito, da mesma maneira o poder real deriva o esplendor da sua dignidade da autoridade pontífica”[7]

A coisa foi piorando cada vez mais até que Bonifácio VIII tentou submeter à sua autoridade ao rei da França, até que o rei se cansasse de ser afrontado e finalmente decidisse prender o papa, o que ocorreu em 1302. Sem ter mais com quem brigar, o papa começa então a brigar com outro papa, em 1378. Nessa época havia um papa em Avinhão e outro papa em Roma, cada qual excomungando todos os seguidores do papa oposto. Para solucionar este tremendo dilema, os bispos tiveram uma ideia genial: criar um terceiro papa.

Assim, em 1409, o concílio universal de Pisa elege o terceiro papa, Alexandre V, o qual excomunga os outros dois, é claro. Mas a alegria durou pouco, porque cinco anos mais tarde o Concílio de Constança, em 1414, excomunga dois dos três papas (incluindo o de Pisa), e recebe a abdicação do terceiro, ficando assim sem papa nenhum, até que, em 1417, Matinho V é eleito como papa único.

A história do papado pode ser resumida em uma palavra: ganância. Com uma sede insuperável pelo poder, a fim de alargá-lo cada vez mais, começa brigando com os bispos do oriente, depois com o imperador, depois com os reis, e, por fim, entre eles mesmos. Certamente, se existisse vida em outros planetas, o papa iria brigar com os aliens até que eles reconhecessem sua “supremacia” e se submetessem a ele também – e se os aliens discordassem, seriam os aliens os “cismáticos”, e nunca o papa megalomaníaco, é lógico.

O mais importante é que, muito antes de Lutero sequer existir, a Igreja Romana já estava rachando a Igreja e causando cismas. Lutero apenas pegou uma igreja quebrada, corrupta e corrompida por papas gananciosos, e tentou restaurá-la. O novo cisma só foi necessário porque o papa bateu o pé e se recusou terminantemente fazer as devidas concessões morais e doutrinárias necessárias. Como eu mostrei neste artigo, um cisma nem sempre é errado, dependendo dos motivos que se teve para causá-lo. A diferença é que os católicos romanos se acham certos em causar um cisma em função de ganância e sede de poder papal, enquanto rejeitam o cisma causado por alguém que era contra a corrupção da Igreja, contra a venda da salvação por dinheiro, contra as milhares de falsas relíquias e contra a matança indiscriminada de não-católicos.


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[3] Concílio de Nicéia, Cânon VI.
[4]Coloco entre aspas porque, a bem da verdade, “Lúcifer” não deveria ser considerado um nome próprio, contrariando a crendice popular. Quanto a isso, eu escrevi neste artigo: http://ocristianismoemfoco.blogspot.com.br/2015/09/o-nome-do-diabo-e-lucifer.html
[6]Apud FLUCK, Marlon Ronald. História do Cristianismo: modelos, panoramas e teologia. 1ª ed. Curitiba: Cia. de Escritores, 2009, p. 32.
[7]INOCÊNCIO III, apud Fernanda ESPINOSA, Antologia de textos históricos medievais, 3ª ed. Lisboa: Sá da Costa, 1981, pp. 300s.

Jerônimo e Agostinho debatendo sobre doutrina e interpretação bíblica

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Muitos católicos apontam as discussões teológicas entre evangélicos como uma “prova” de que somos divididos, porque, se fôssemos unidos, não discutiríamos coisa alguma relacionada à doutrina. Se este critério for levado a sério, então a própria igreja primitiva era “dividida”, visto que claramente os primeiros cristãos e os Pais da Igreja criam em muitas doutrinas diferentes um do outro e inclusive incorriam em erros doutrinários graves, como eu mostrei neste artigo. Aqui pretendo apenas exemplificar este ponto através da troca de cartas entre Jerônimo e Agostinho, mais especificamente na Carta 112 de Jerônimo, sem entrar no âmbito da discussão sobre quem na minha opinião estava certo e quem estava errado.

Os dois exerceram cargos importantes na igreja, foram os maiores de sua época, são considerados santos pela Igreja Católica Romana e Ortodoxa, e são muito respeitados nas igrejas evangélicas também. Ou seja: não estamos falando aqui de um herege discutindo com outro herege, mas com um cristão de alto nível discutindo com outro cristão de alto nível. E eles discutiram sobre mais de um assunto, mas aqui irei abordar apenas a discussão dos dois sobre o episódio de Gálatas 2:11, onde Paulo discute com Pedro em Antioquia. Basicamente, Jerônimo dava razão a Pedro, e Agostinho a Paulo.

Jerônimo pensava que Paulo estava sendo falso ao repreender Pedro, pois ele havia feito o mesmo em outra ocasião, quando Tiago o instigou a mostrar diante de todos que ele ainda seguia a lei (veja em Atos 21:18-24). Ou seja: na opinião de Jerônimo, Paulo estava sendo cínico ao repreender Pedro por ter seguido a lei, quando o próprio Paulo havia usado a mesma dissimulação em outra ocasião. Mas Agostinho defendeu Paulo, mostrando que se tratava de circunstâncias diferentes, e que Paulo estava certo em repreender Pedro. Para sustentar essa oposição, Agostinho disse que Paulo, como judeu, ainda guardava a lei, o que explica Atos 21:18-24. Apenas os cristãos não-judeus é que estavam livres da lei, segundo Agostinho.

Isso então levantou um debate maior, que era sobre a vigência ou fim da lei para os judeus convertidos. O debate foi longo e teve resposta de Agostinho, mas para não alongar demasiadamente este artigo passarei aqui apenas a parte dos ataques de Jerônimo. Antes de tudo, é importante mostrar que os dois se baseavam em sua opinião pessoal, ou seja, naquilo que os dois inferiam a partir dos textos bíblicos. Em outras palavras, os dois praticavam livre exame, e em nenhum momento algum deles coagiu o outro a interpretar de acordo com algum magistério infalível fantasioso, ou deu a entender que o outro não podia interpretar a Bíblia livremente, de acordo com seu próprio óculos.

Isso fica claro no seguinte texto:

“Eles, em resposta, deram a melhor interpretação da passagem que poderia encontrar, e qual é a interpretação que você tem a propor? Certamente você deve ter a intenção de dizer algo melhor do que eles disseram, uma vez que você rejeita a opinião dos comentaristas antigos”[1]

Note que Jerônimo não impõe um magistério romano infalível como a norma da qual Agostinho deveria se alinhar, mas tenta convencê-lo pela “opinião dos comentaristas antigos”, ou seja, tenta mostrar que os Pais da Igreja de data anterior estavam ao seu lado. E mesmo assim, Agostinho ainda estava livre para se opor a esta opinião dos comentaristas antigos, desde que levantasse uma interpretação melhor. Nada disso se parece com um debatedor papista, que tenta calar o oponente tirando a liberdade que o adversário tem de interpretar as Escrituras.

Pouco adiante, Jerônimo afirma:

“A matéria em debate, ou melhor, a sua opinião sobre ela, se resume nisto: que, desde a pregação do evangelho de Cristo, os judeus crentes fazem bem em observar os preceitos da lei, ou seja, na oferta de sacrifícios como Paulo fez, em circuncidar seus filhos, como Paulo fez no caso de Timóteo, e mantendo o sábado judaico, como todos os judeus foram ensinados a fazer. Se isso for verdade, vamos cair na heresia de Cerinto e Ebion, que, apesar de crerem em Cristo, foram anatematizados pelos pais por esse erro, uma vez que eles misturaram as cerimônias da lei com o evangelho de Cristo, professando sua fé no que era novo, sem deixar o que era velho”[2]

Após dar a entender que a opinião de Agostinho levava à heresia de Cerinto e Ebion, Jerônimo passa a elevar o tom:

Pode um cristão submeter-se a ouvir o que é dito em sua carta?‘Paulo era verdadeiramente um judeu, e quando ele havia se tornado um cristão, ele não tinha abandonado as cerimônias judaicas, que as pessoas tinham recebido no caminho certo, e por um certo tempo determinado. Portanto, mesmo quando ele era um apóstolo de Cristo, ele participou e observou [os ritos judaicos] com essa mesma visão, para que pudesse mostrar que eles não eram de nenhum modo prejudiciais para aqueles que, mesmo depois de terem crido em Cristo, desejavam manter as cerimônias que pela lei eles tinham aprendido de seus pais’. Agora eu te imploro para ouvir pacientemente a minha queixa. Paulo, mesmo quando ele era um apóstolo de Cristo, observava cerimônias judaicas, e você afirma que elas não são de nenhum modo prejudiciais para aqueles que desejam mantê-las como eles tinham recebido de seus pais pela lei. Eu, pelo contrário, devo contestar, e, se o mundo fosse protestar contra a minha opinião, eu poderia ousadamente declarar que a cerimônias judaicas são para os cristãos um tanto dolorosas e fatais, e que quem os observa, seja ele judeu ou gentio originalmente, é lançado no abismo da perdição[3]

Mais ainda, Jerônimo reage à posição de Agostinho a chamando de “doutrina perigosa”, nas seguintes palavras:

“Eu não compreendo perfeitamente o que você quer dizer com as palavras: ‘sem acreditar que elas sejam de todo necessárias para a salvação’. Porque, se eles [os rituais cerimoniais judaicos] não contribuem para a salvação, por que eles são observados? (...) A observância de cerimônias legais não é uma coisa indiferente, é boa ou ruim. Você diz que é bom. Eu afirmo que ela seja ruim, e ruim não apenas quando feito por gentios convertidos, mas também quando feito por judeus que creram. Nesta passagem você cai, se não me engano, em um erro, evitando outro. Pois enquanto você protege-se contra as blasfêmias de Porfírio, você se enrosca nas armadilhas de Ebion; pronunciando que a lei é obrigatória para aqueles que dentre os judeus creram. Percebe, novamente, que o que você disse é uma doutrina perigosa, tentando classificá-la por palavras que são apenas supérfluas?[4]

O mais importante é que nenhum deles tentava convencer o outro com base em um suposto magistério romano infalível, e muito menos condicionava a interpretação à opinião do bispo romano sobre o tema. Essa ideia de que a interpretação correta (ou mesmo a liberdade de interpretar) está condicionada a Roma é uma ridícula caricatura papista de algo que nunca existiu na Igreja primitiva, a qual desconhecia inteiramente que “só o papa pode interpretar a Bíblia”...

Há muito mais sobre a treta entre Jerônimo e Agostinho, mas só dos textos que vimos, podemos constatar que:

Jerônimo e Agostinho tinham divergências doutrinárias.

Nenhum dos dois tentava convencer o outro de que estava com a razão porque um suposto magistério infalível estava do lado dele e contra o outro.

Para Jerônimo, a posição de Agostinho levava à heresia de Cerinto e Ebion.

Para Jerônimo, um cristão não podia se submeter ao que era ensinado por Agostinho no que tange à questão.

Para Jerônimo, a doutrina pregada por Agostinho era perigosa, e podia lançar o fiel no “abismo da perdição”.

E, mesmo assim, os dois eram legitimamente cristãos, os dois são reconhecidos por todas as igrejas cristãs atuais, e os dois foram pilares fundamentais do Cristianismo no século IV e V. Isso mostra que divergências doutrinárias não são sinais de “divisão” necessariamente, a não ser que a Igreja de Agostinho e Jerônimo (que os papistas afirmam que era a deles) já fosse dividida.


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[1]Letter 112, 3:11.
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O protestantismo é o pai do comunismo e do ateísmo?

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A palhaçada de circo mais conhecida como “apologética católica” no Brasil não se cansa de cair cada vez mais no ridículo: quando pensamos que não tem como afundar mais, tem sim. Se já não bastasse a jogada de marketing travestida de “história” para dizer que “a Igreja Católica construiu a civilização”, os catoleigos conseguiram superar o próprio Thomas Woods, e agora dizem aquilo que nem mesmo ele chegou a afirmar: que o protestantismo gera o ateísmo. Sério, essa gente já perdeu o senso do ridículo.

Essa alegação foi feita na caixa de comentários do meu artigo "A Igreja Católica criou as universidades!!!!!", por um católico anônimo, mas provavelmente seguidor de velhos astrólogos ou de jumentos com cara de bolacha trakinas que passam o dia todo fazendo vídeo no YouTube por não terem mais o que fazer, que alegou que o protestantismo é o pai do ateísmo, do socialismo, do comunismo e do capitalismo[1]. Sim, na cabeça do papista fanático e descerebrado, o protestantismo é o “pai” de tudo o que ele acha ruim no planeta. Assim, qualquer desgraça na história da humanidade é automaticamente atribuída ao protestantismo por aqueles que jamais abriram um livro de história na vida.

Vamos logo aos fatos: se alguém está mais perto de ser o pai de todos estes males, este alguém é a Igreja Católica Romana, e não o protestantismo. O historiador católico Ivan Lins, em sua obra “A Idade Média – A Cavalaria e as Cruzadas”, atribui às cruzadas a divulgação do ateísmo. Ele escreve:

“Só começa a divulgar-se o ateísmo, na Europa medieval, no século XII, em consequencia das cruzadas”[2]

Lins está certo, e isso é fácil de explicar. Pela época da primeira cruzada, o povo católico era mais fanático do que nunca, estando convicto de que Deus era católico e estaria entregando Jerusalém nas mãos dos cristãos, tirando desses “infieis”, que eram chamados de “cães”. Este fanatismo aumentou após a vitória na primeira cruzada, quando os muçulmanos estavam desunidos internamente para vencer o inimigo em comum. Contudo, não demorou muito para que os árabes se unissem e tirassem Jerusalém das mãos dos cristãos, sem muita dificuldade. Assim, a segunda e a terceira cruzada foram um fracasso total.

A Igreja tentou se recuperar deste abalo com outras várias cruzadas: cruzada que atacava a Constantinopla cristã em vez de Jerusalém, cruzada que massacrava os “hereges” albigenses em vez de Jerusalém, cruzada que atacava o Egito em vez de Jerusalém, até cruzada de crianças teve, para serem vendidas como escravas (em vez de Jerusalém). Quanto mais cruzadas eram feitas, maior era o fracasso obtido, e mais a instituição do papado ia sendo colocada em descrédito na opinião popular. Durante as cruzadas, são muitos os relatos históricos de cristãos renunciando para o lado dos muçulmanos por pensarem que Deus estava do lado dos seguidores de Maomé, já que os cristãos perdiam as batalhas.

Em vez do mar se abrir e do maná cair do céu, eles sofriam com a fome, praticando canibalismo e matando uns aos outros. Não demorou muito para que aquele êxtase inicial se transformasse em frustração completa, de tal modo que depois da oitava cruzada eles não mais se reanimaram para uma outra cruzada, deixando Jerusalém definitivamente nas mãos dos “infieis”. Ao mesmo tempo, a palavra do papa foi colocada em dúvida, bem como sua posição de representante de Deus na terra. Afinal, o papa os tinha metido em um empreendimento fracassado, que resultou não apenas em fracasso militar, mas também econômico e moral.

Para piorar ainda mais a situação, havia a venda de indulgências para o perdão dos pecados, mediante vendedores profissionais. Na prática, estavam vendendo a salvação a dinheiro, como nos conta o renomado historiador Geoffrey Blainey, em seu best-seller “Uma Breve História do Mundo”:

“A Igreja reuniu cobradores de impostos profissionais e, assim como as pessoas que hoje ajudam a angariar fundos nas instituições de caridade, eles se encarregaram de vender indulgências. Como a Igreja medieval acreditasse em castigo eterno, bem mais que a maioria dos grupos cristãos de hoje, a venda de isenções e suspensões de penas estava se contrapondo a um dos principais dogmas de sua teologia; praticamente, estava vendendo a Igreja por algumas moedas de ouro”[3]

Havia ainda, na época, a famosa e inescrupulosa venda de supostas relíquias sagradas, das quais Ivan Lins nos conta um pouco mais:

“Orgulhavam-se várias localidades de possuir sapatos, camisas e, o que mais é, o próprio leite da Virgem Maria[4]! Adorava-se, em Vendôme, uma lágrima de Cristo, e, em Corbie, nada menos do que a barba de Noé[5]! Guibert, abade de Nogent, que era discípulo do grande santo Anselmo, um dos fundadores da escolástica, escreveu em meados do século XII, a propósito de um dente de leite de Nosso Senhor Jesus Cristo, um tratado que impressiona pela solidez da argumentação. Insurge-se, de fato, nesse tratado, contra o dente e o umbigo do menino Jesus, por achar – dizia com alto bom senso – que a Virgem não havia de guardar tais coisas, e nem ainda o seu próprio leite, adorado em Laon[6]. Não era, porém, só o povo, ou a parte mais atrasada do clero, que aceitava a autenticidade das mais inverossímeis relíquias. O mais alto clero não nutria, também, a menor sombra de dúvida sobre a procedência delas, como o prova o papa Alexandre II ao remeter, de presente, a Guilherme, o Conquistador, pouco antes de subjugar a Grã-Bretanha, um estandarte, ornado com um agnus Dei de ouro, contendo um fio de cabelo de São Pedro[7]!”[8]

É claro que todas essas sandices e aberrações morais da Igreja Romana medieval foram tirando cada vez mais a fé das pessoas menos ingênuas. É óbvio que ninguém seria tão burro ao ponto de se auto-proclamar “ateu” em uma época em que a Igreja matava qualquer não-católico que fosse. Isso seria suicídio, e nenhum ateu teria razões para querer ser um mártir – bastava manter as aparências, para que ninguém ficasse sabendo disso.

Foi a Reforma Protestante que deu um novo ânimo espiritual no coração daqueles que já tinham desacreditado na instituição papal. É o descrédito que a Igreja já tinha na época (antes de Lutero surgir) que explica o quão rapidamente as ideias da Reforma foram prontamente aceitas em muitos países. Ora, o descrédito que a Igreja tinha na época em que Lutero ainda era católico obviamente não era culpa de Lutero: era dela mesma. Foram os próprios erros da Igreja que a fizeram cair no ridículo aos olhos da elite intelectual da época, a qual estava apenas esperando a primeira oportunidade de se livrar desta peste. Lutero, portanto, não “criou” o ateísmo cada vez mais crescente antes dele: ele apenas deu um novo ânimo espiritual para aqueles que já haviam perdido as esperanças na Igreja Romana, e por boas razões.

Mas para “provar” que o protestantismo gera o ateísmo, os fanáticos católicos usam geralmente dados adulterados, vindos de organizações ateístas sem nenhuma credibilidade, para tentar mascarar e falsear a realidade. Dentre os países protestantes citados como exemplos de “predominância do ateísmo” pelo site de mentirosos e picaretas do "catequista", constam Noruega, Suécia, Alemanha, dentre outros. O bando de malandros consegue ser tão descarado e sem escrúpulos que não citam nem um único dado em todo o artigo, ou seja, não mostram de onde vieram essas estatísticas – talvez porque tenham vindo do focinho deles. O blog “Neo-Ateísmo Delirante” já rebateu essa baboseira neste artigo, onde refuta completamente as falsas fontes utilizadas pelos neo-ateus (e também pelos fanáticos católicos do artigo).

Ele prova que, em realidade, as fontes oficiais da Suécia atestam que 94% são luteranos, o que torna a Suécia um dos países mais crentes em Deus, em vez de um dos mais descrentes. A Noruega, por sua vez, tem 77% de luteranos, enquanto a Alemanha tem 75% de cristãos (de várias denominações), a Dinamarca tem 79% de luteranos, a República Tcheca tem 63% de cristãos, a Finlândia tem 76% de luteranos, a Islândia tem 76% de luteranos e a Inglaterra tem 59% de anglicanos. Ou seja: em vez destes serem os países mais ateus, estão entre os mais religiosos!

O maior número de ateísmo nos países citados por eles é da República Tcheca, que tem 5%, mas em compensação Portugal (historicamente católico) tem 6,5% de ateus. Isto é: um único país católico já tem mais ateus do que qualquer país historicamente protestante. Ainda podem-se mencionar outros dois países historicamente católicos que hoje tem mais ateus do que Portugal e do que qualquer país protestante, sendo eles: Uruguai (6,3% de ateus) e Cuba (7,2% de ateus). Deve ser por isso que o site de picaretas não citou nenhuma referência: porque eles sabem que as “fontes” que eles têm são de organizações seculares ateístas, e nenhuma de fontes oficiais do próprio país, ou qualquer uma que seja confiável.

Para confirmar estes dados oficiais, fiz questão de perguntar a um amigo que vive na Noruega há mais de vinte anos, que confirmou as minhas suspeitas de que os neo-ateus/católicos estavam usando dados adulterados. A resposta dele foi:


O pior de tudo é que o site mentiroso ainda joga toda a culpa do cientificismo em Kant (um luterano), quando muito antes de Kant já havia o católico René Descartes, o pai do relativismo, sem o qual não existiria Immanuel Kant e nem teologia liberal. Mas é claro que a plateia de palhaços do site de picaretas, sem saber de nada disso, aplaude este monte de desinformação, mentira, desonestidade e canalhice típica da apologética católica inescrupulosa.

Na medida em que avançamos na história e vemos os frutos da Reforma Protestante, vai ficando cada vez mais claro como que o protestantismo não tem nada a ver com ateísmo, mas com progresso e resistência ao mal. Os países reformados não apenas foram os que mais se desenvolveram e os que mais venceram o analfabetismo predominante na época, mas foram ainda os que mais conseguiram oferecer resistência às ameaças comunista e fascista predominantes no século XX. Os países católicos, em contrapartida, mergulharam nestes sistemas ditatoriais e infames até o pescoço.

Basta um olhar simples na História para constatar que:

A França católica foi o primeiro país a passar por uma “revolução” (1789).

A Itália católica foi a primeira a afundar no fascismo (1922).

A Espanha católica foi outra a mergulhar no fascismo (1936).

Portugal, outro país católico, também foi dominado pelo fascismo (1932).

A Argentina católica também se atolou no fascismo (1946).

A Cuba católica se tornou comunista (1959).

A Polônia católica se tornou comunista (1944).

A Angola católica se tornou comunista (1975).

Argentina, Brasil, Colômbia, Venezuela, Peru, Cuba, Chile e Nicarágua (todos com esmagadora maioria católica) passaram por ditaduras recentes (ou ainda estão).

Países católicos latinos (como Bolívia, Colômbia, Equador, Panamá, Peru e Venezuela) adotam ainda hoje o bolivarianismo, um irmão gêmeo do socialismo.

A Argentina precisou de mais de cem anos para finalmente eleger um presidente conservador de direita (nas eleições atuais), depois de atravessar os séculos com ditaduras, fascismo e socialismo que afundaram o país que antes era um dos maiores do mundo.

O exemplo do Brasil é um dos mais interessantes, pois é de conhecimento público. Além de atravessar por uma ditadura militar (1964), depois disso foi tomado pelo marxismo cultural, com um governo socialista reinando soberanamente por 13 anos (completará 16 nas próximas eleições, e não se sabe quando vai acabar). O que a Igreja Católica fez para combater este governo? Vejamos: tem os teólogos da libertação (petistas), tem os bispos da CNBB (petistas), tem o Leonardo Boff (petista), e sim, também tem meia dúzia de padres contrários, que não seriam nada se não tivessem o apoio maciço da comunidade evangélica, de pastores conservadores no congresso e na televisão, que são praticamente a única força de resistência real à ameaça comunista, como os próprios petistas admitem (veja aqui).

É justamente porque o número de evangélicos cresceu na década de 90 para cá, que nosso governo não está tão afundado no socialismo quanto o da Venezuela e da maioria dos outros países sul-americanos, cujo número de evangélicos é irrelevante, ou seja, onde os comunistas não encontram nenhuma resistência que deva ser levada a sério. A esmagadora maioria dos votos que Dilma recebeu foi, é claro, de católicos. O fato de estes católicos serem em sua maioria de não-praticantes não suaviza essa realidade, apenas mostra que o catolicismo romano sequer tem potencial para manter seus próprios fieis na igreja, provavelmente em função de missas monótonas, frias e sem Deus, que não atraem ninguém que queira a presença dEle.

Seja lá por que razão que o catolicismo é tão desagradável aos próprios católicos, o fato é que ele tem potencial para formar legiões de não-praticantes, os quais constituem a base de todos os regimes mais lastimáveis que existem. É necessário substituir este modelo arcaico e ultrapassado de religião por uma que funcione – que pelo menos sirva para manter seus próprios fieis na igreja e serem ali educados. No Nordeste, onde o número proporcional de evangélicos e a influência do protestantismo ali é insignificante, o PT está sentado em um trono de ouro, junto com toda a esquerda. Nas regiões onde o número de evangélicos é mais significativo, curiosamente, os votos em Dilma despencam.

A razão pela qual os países católicos quase sempre formam algum tipo de governo totalitarista é porque a própria Igreja Romana é em si mesma uma forma de totalitarismo, onde um único homem (o papa) governa como um ditador, que possui poder pleno, total, supremo e absoluto sobre a Igreja, dotado até de “infalibilidade”. Em outras palavras, o próprio catolicismo romano já é uma forma de totalitarismo, absolutismo e ditadura, o que por sua vez explica o porquê que um sistema tirânico como esse forme outros tipos de autoritarismos por onde se instala.

Compare tudo isso com os países protestantes, como os Estados Unidos. Todos os imigrantes são obrigados a jurarem não ser comunistas para poderem entrar nos Estados Unidos, e um candidato se expor abertamente como “socialista” é um verdadeiro tiro no pé, um suicídio eleitoral. Recentemente, o socialista Bernie Sanders ingressou nas primárias do Partido Democrata, causando o maior escândalo nacional e sendo notícia no mundo todo por ser o primeiro candidato à presidente abertamente socialista na história dos Estados Unidos. Ou seja: enquanto lá o escândalo é ser socialista, aqui o escândalo é nãoser socialista. A diferença entre os países majoritariamente protestantes para os países católicos não é apenas visível: é assustadora, é gritante, é de saltar aos olhos.

Os países protestantes – Estados Unidos, Inglaterra, Grã-Bretanha, Canadá, Holanda, Noruega, Suécia e Dinamarca – são os que mais bravamente resistiram às ditaduras, ao fascismo, ao comunismo, ao bolivarianismo, ao ateísmo. São os que mais e melhor representam a democracia no mundo, os que têm a economia mais estável, os que apresentam os maiores índices de desenvolvimento, os que encabeçam a lista de países do 1º mundo. Graças a eles não vivemos hoje em um mundo dominado pelo mal – o mesmo em que os países católicos sempre se meteram. Isso é fato. Isso é história. O resto é chororô de fanáticos que simplesmente não suportam a realidade e por isso criam um mundo paralelo de fantasia para enganar a si mesmos, onde vivem encerrados numa torre de marfim, totalmente desconectados do mundo real em que vivemos.

O catolicismo, por seus próprios defeitos internos, não tem força nenhuma para combater o marxismo, e insistir nele para derrotar a doutrinação esquerdista é como querer usar o cadáver de um monstro morto para ajudá-lo a vencer um monstro vivo.

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[1]Outros católicos afirmam ainda que o protestantismo é o pai do nazismo, o que já foi refutado pelo Elisson Freire neste artigo onde ele explode o Fakenando Nascimento em pedacinhos: <http://www.resistenciaapologetica.com/2015/08/demolindo-as-mentiras-do-fernando-nasicmento-sobre-lutero-e-o-protestantismo.html>.  Ou seja, para os católicos, o protestantismo é o pai do: (1) capitalismo; (2) comunismo; (3) socialismo; (4) ateísmo; (5) nazismo. E a Igreja Católica, em contrapartida, é a maravilhosa força do bem, que luta incansavelmente contra todos estes filhos malvados do protestantismo... (e depois não querem ser alvos de chacota!).
[2] LINS, Ivan. A Idade Média – A Cavalaria e as Cruzadas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Pan-Americana, 1944, p. 149.
[3] BLAINEY, Geoffrey. Uma breve história do mundo. 1ª ed. São Paulo: Fundamento Educacional, 2010, p. 180.
[4]Vide: LEGRAND D’AUSSY: “Fabliaux Ou Contes Du XIIe Et Du XIIIe Siécle”, t. V, pg. 38 da ed. de Paris, 1781.
[5]Vide: SEIGNOBOS: “Histoire de la Civilisation Au Moyen Age”, pg. 65 da 7ª ed..
[6]Apud Abade FLEURY: “Histoire Ecclesiástique”, 1. 67, c. 36, pg.480 do 5º vol. da ed. de 1844.
[7]Vide: MICHELET: “Histoire de France”, t. II, pg. 196 da 1ª ed. e VILLE-MAIN: “Histoire de Grégoire VII”, t. I, pgs. 366 e 367 da 2ª ed.
[8] LINS, Ivan. A Idade Média – A Cavalaria e as Cruzadas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Pan-Americana, 1944, p. 233-234.

A diferença entre os jihadistas islâmicos e os cruzados católicos

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Os apologistas católicos vivem defendendo as cruzadas sob o argumento de que havia um povo bruto, selvagem, bárbaro, tirânico e desumano, e por isso precisava ser combatido por um povo mais civilizado e decente. Pela primeira vez na história deste blog, eu tenho que admitir: os católicos têm razão. De fato, no contexto das cruzadas, havia um povo bruto, selvagem, bárbaro, tirânico e desumano, o qual precisava ser mesmo combatido. Eles estão certos. Uma das coisas que provam isso é o contraste entre a conquista de Jerusalém pelos cruzados em 1099, comparado com a reconquista da mesma cidade pelos muçulmanos, em 1187. Quem nos conta como foi é o historiador católico Ivan Lins.


JERUSALÉM CONQUISTADA PELOS CRUZADOS

Indescritíveis as crueldades, que praticaram, levados já pelo fanatismo, já pelo muito que haviam padecido nos três intérminos anos da expedição. Enorme multidão de velhos, mulheres e crianças, que se abrigara no Templo de Salomão, foi chacinada com os mais hediondos requintes, sendo flechados os que se haviam refugiado no teto, enquanto outros eram atirados ao chão, de cabeça para baixo, partindo-se contra as pedras. Quanto aos judeus, foram, sem piedade, reunidos e queimados vivos na sinagoga, da qual se fez imensa fogueira. Espalhando-se a notícia de haverem os sarracenos engolido os seus besantes de ouro, pôs-se a arraia miuda dos cruzados a abrir-lhes o ventre, revistando-lhes as entranhas muitas vezes ainda palpitantes. Sendo morosa a operação, sobretudo à vista do elevado número de mortos, resolveram queimar os cadáveres e procurar, nas cinzas, o ouro.

Tão geral foi o furor religioso, a que se entregaram os cruzados, que a ele não escaparam as almas de escol. Godofredo de Buillon, por exemplo, deixou-se arrastar pela crueldade a ponto de fazer furar os olhos de vinte prisioneiros, e Raimundo de Saint-Gilles, conde de Tolosa, antes de matar os seus, fez arrancar-lhes os olhos e cortar-lhes os pés, as mãos e os narizes. Levou muitos dias a chacina dos vencidos, porquanto, alegando alguns chefes a necessidade de inspirar terror aos muçulmanos, não foram poupados os que haviam sido a princípio escravizados, salvo, por um requinte de perversidade, um pequeno número para enterrar seus irmãos e amigos.

Todos os inimigos que haviam sido, a princípio, poupados pela humanidade ou pela fadiga da carnificina, todos os que haviam sido salvos pela esperança de rico resgate, foram indistintamente sacrificados. Eram forçados a precipitar-se do alto das torres e das casas; eram atirados às chamas; eram arrancados do fundo dos subterrâneos, em que se haviam abrigado, e arrastados pelas praças públicas, onde eram imolados sobre montões de cadáveres. Nem as lágrimas das mulheres, nem os gritos das criancinhas, nem o aspecto dos lugares em que Jesus perdoou a seus algozes, nada podia abrandar um vencedor irritado.

Tão grande foi a matança que, segundo o depoimento de Albert d’Aix, se encontravam cadáveres empilhados não só nos palácios, nos templos, nas ruas, mas ainda nos lugares mais escondidos e solitários. Tal o delírio da vingança e do fanatismo, que estas cenas não revoltaram os olhares, descrevendo-as os historiadores contemporâneos, sem se preocuparem em desculpá-las, e, em suas narrativas, cheias de minúcias revoltantes, não deixam escapar o menor indício de horror e de piedade[1]. Raimundo d’Agiles, capelão do conde de Tolosa, chega a exclamar:

“Coisa engraçada era ver os turcos, perseguidos pelos nossos, tropeçarem uns nos outros, ao fugir, empurrando-se mutuamente nos precipícios; era um espetáculo divertido e deleitável”[2]

Os historiadores orientais, de acordo, neste ponto, com os latinos, avaliam em mais de setenta mil o número dos muçulmanos mortos em Jerusalém, sem contar judeus, queimados em sua sinagoga. Alguns poucos prisioneiros muçulmanos, que haviam escapado da morte para cair em horrível servidão, foram incubidos de enterrar os corpos mutilados e desfigurados de seus amigos e irmãos. “Eles choravam– diz o monge Roberto – e lugubremente transportavam os cadáveres para fora de Jerusalém”[3].

(...)

Se é permitido interpretar, pelos acontecimentos, os desígnios da Providência – discorre Hallam – poucas empresas teriam sido reprovadas de modo tão retumbante quanto as cruzadas. Raramente, num espaço de tempo tão curto quanto os três anos da primeira cruzada, se viram tantos crimes e calamidades.

(LINS, Ivan. A Idade Média – A Cavalaria e as Cruzadas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Pan-Americana, 1944, pp. 323-329)

***

Conta o clérigo Raymond de Agiles, que estava ali, que se viram “coisas maravilhosas”. Foram decapitados grande número de sarracenos... outros atravessados com flechas ou obrigados a saltar das muralhas; alguns foram torturados durante vários dias e por último queimados vivos. Nas ruas, se viam montões de cabeças, de braços, de pés. Dois meses mais tarde, o legado Daimbert, Raymound de Saint-Gilles e Godofredo de Boullon enviaram sua relação ao papa nas seguintes palavras:

“Se Vossa Majestade deseja saber o que se fez aos inimigos encontrados em Jerusalém, saiba que nos pórticos e nos templos, os nossos cavalgaram entre o sangue imundo dos sarracenos, e que caminhávamos entre o sangue até os tornozelos”

(DUCHÉ, Jean. Historia de la HumanidadII – El Fuego de Dios. 1ª ed. Madrid: Ediciones Guadarrama, 1964, pp. 385-386)


JERUSALÉM RECONQUISTADA PELOS MUÇULMANOS

Foi só então que, a 17 de setembro de 1187, começou o cerco de Jerusalém. Perdera esta, na batalha de Tiberíada, todos os seus soldados, não tendo, para defendê-la, senão pequeno número de guerreiros válidos, ao lado de mulheres, padres, velhos e crianças. Foi, por conseguinte, com verdadeiro pasmo para os cristãos que lhes concedeu Saladino generosa capitulação, permitindo à rainha, mulher de Lusignan, retirar-se para onde lhe aprouvesse, conservando escrupulosamente a vida dos cristãos e dando-lhes a liberdade mediante módico resgate.

Sua generosidade, no depoimento unânime dos historiadores, contrastava, de modo impressionante, com a dureza dos cristãos da Ásia para com os seus próprios irmãos. Enquanto os de Trípoli fechavam as portas aos fugitivos de Jerusalém, empregava Saladino o dinheiro, que sobrara das despesas do cerco, para libertar os pobres e órfãos, que se haviam tornado escravos de seus soldados. Só Malek-el-Adil, seu irmão, libertou nada menos de dois mil[4].
           
A generosidade de Saladino, ao tomar Jerusalém, é tanto mais notável quanto, apenas noventa anos antes, haviam os cristãos cometido, aí, os mais incríveis desatinos da perversidade, chacinando, entre requintes de barbárie, cerca de setenta mil muçulmanos. “Quis Saladino abrandar as dores de tantas famílias infelizes” – escreve Michaud. Fez, pois, restituir às mães seus filhos e às esposas seus maridos, que se encontravam entre os cativos. Tendo vários cristãos abandonado seus móveis e demais bens para carregarem, uns, seus parentes enfraquecidos pela idade, outros, seus amigos doentes, condoeu-se Saladino com este espetáculo, recompensando, através de esmolas, as virtudes de seus implacáveis inimigos. E, apiedando-se de todos os infortúnios, permitiu aos hospitalários ficassem na cidade a fim de cuidarem dos peregrinos e daqueles cujas graves doenças impediam que saíssem de Jerusalém.

(...)

Arrebatando o patriarca Heráclio todos os ornamentos de sua igreja, a prataria do santo sepulcro, as lâminas de ouro e de prata que o cobriam, e mais de duzentos mil escudos de ouro, a isso se opuseram os oficiais do sultão, alegando que a capitulação só permitia carregar os bens dos particulares. Sabendo-o, disse-lhes Saladino:

“É verdade que poderíamos discutir a esse respeito, mas, havendo permitido aos cristãos levarem os seus bens, sem expressamente excetuar os das igrejas, não devemos dar-lhes motivo de se queixarem, difamando nossa religião”[5]

No dia em que os cristãos deixaram a cidade, longe de regozijar-se, não conseguiu o sultão conter as lágrimas ao despedir-se da rainha Sibila, que tratou com a máxima bondade e cavalheirismo, ordenando pudessem terminar a vida em Jerusalém, mantidos à sua custa, Robert de Corbie, centenário, que, oitenta e oito anos antes, figurava entre os guerreiros que tomaram a cidade santa, e Foucher Fiole, que nascera em Jerusalém em 1099, isto é, no próprio ano em que a capital da Judeia caíra em poder dos cristãos[6].

Tão longe levou o sultão a magnanimidade que, ao transformar as igrejas de Jerusalém em mesquitas, conservou a do Santo Sepulcro para os cristãos, resistindo, nisto, aos teólogos muçulmanos, os quais lhe aconselhavam destruir inteiramente os lugares santos, tirando, destarte, aos cristãos, o pretexto de suas expedições. Não só conservou o templo do Santo Sepulcro, confiando-lhe a guarda a sacerdotes do rito grego, mas permitiu aos cristãos visitá-lo, desde que viessem desarmados a Jerusalém, pagando certos tributos.

(LINS, Ivan. A Idade Média – A Cavalaria e as Cruzadas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Pan-Americana, 1944, pp. 359-363)

***

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em 637, Jerusalém é conquistada pelos muçulmanos, que agem da seguinte maneira:

“Omar, filho de Jatab, concede segurança ao povo da cidade de Jerusalém, tanto às suas pessoas, como filhos, mulheres, bens e igrejas, as quais nem se derrubarão, nem se fecharão”[7]

Em 1099, os “cristãos” a reconquistam, causando a maior chacina já vista em uma guerra. E em 1187, os muçulmanos a reconquistam, novamente sem derramar uma única gota de sangue.

Portanto, sim, é verdade: haviaum povo bruto, selvagem, bárbaro, tirânico e desumano, lutando contra um povo mais civilizado. Dessa vez eles acertaram.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

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[1]MICHAUD: “Histoire Des Croisades”,t. I, pg. 345.
[2]Apud MICHELET: “Histoire de France”, t. II, pg. 257 da 1ª ed. Paris, 1833.
[3] MICHAUD: “Histoire Des Croisades”, t. I, pg. 347.
[4] MICHELET, “Histoire de France”, t. II, pg. 433.
[5] Abade FLEURY, “Histoire Ecclésiastique”, vol. IV, pg. 778.
[6] GIBBON: “The History of the Decline and Fall of the Roman Empire”, c. 58, pg. 1100 da edição de Londres, 1836.
[7]Frei João de Jesus Cristo. Viagem de um peregrino a Jerusalém e visita que fez aos lugares santos em 1817. 2ª ed. Lisboa: Academia das Ciências, 1822, p. 263.

O cão de guarda da Inquisição

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Suponhamos que eu queira matar o Fulano, mas não queria me manchar de sangue com essa morte. Então eu peço que Beltrano faça o trabalho sujo em meu lugar, matando aquele indivíduo que eu não quero mais ver vivo. Se Beltrano começar a relutar ou a pensar muito, eu começo a fazer uso da minha autoridade para ameaçá-lo. Eu digo que se ele não me obedecer e não matar o Fulano, ele vai sofrer sérias consequencias, como ser deposto de algum cargo que ocupe em sua empresa. Após insistir e ameaçar Beltrano, ele aceita a proposta e mata o Fulano.

A imprensa fica revoltada, porque Fulano morreu por minha culpa. Ela sabe que eu pedi que Beltrano o matasse, mas eu me defendo, dizendo:

– Eu não matei ninguém! Quem matou foi o Beltrano, aquele malvado e perverso! Eu sou do bem, veja como as minhas mãos não estão sujas de sangue!

Embora a opinião popular da cidade seja massivamente em favor da minha punição (e não apenas da punição de Beltrano), uma meia dúzia de retardados mentais, que sofreram forte carga de lavagem cerebral por toda a vida ao ponto de se tornarem zumbis, começam a fazer campanha em meu favor, dizendo:

– Apenas o Beltrano é culpado, parem de falar mal do Lucas! O Lucas matou pouca gente, mas esse Beltrano aí é um bandido sem escrúpulos da pior espécie, é ele o culpado por todos os males! Só o Beltrano é responsável pela morte do Fulano; se só dependesse da vontade do Lucas nada disso teria acontecido!

***

Sim, esta é uma estória fictícia. Graças a Deus eu não matei ninguém; afinal, não sou a Igreja Católica. Mas ela serve como analogia para mostrar a safadeza de certos apologistas católicos pilantras que tentam defender a inquisição jogando toda a culpa no poder civil. Sempre quando um protestante cita algum episódio de chacina, tortura, massacre, execução ou horrores de qualquer espécie, o papista se defende jogando toda a culpa dessas milhões de mortes nas costas do poder civil, ficando apenas com uma pequena quantidade de execuções atribuídas à Igreja propriamente dita.

Muitos católicos aceitam apenas 6 mil mortes na conta da inquisição, enquanto outros ainda mais lunáticos dizem que foi apenas 30, e outros, bisonhamente, dizem que a inquisição nunca existiu, da mesma forma que alguns neo-nazistas negam o holocausto. E se algum protestante cita os vários casos onde pessoas não-católicas foram ameaçadas, perseguidas, torturadas, queimadas ou executadas de alguma maneira, imediatamente o papista tira a carta na manga que todo embusteiro tem: a culpa é do poder civil, e a Igreja não tem nada a ver com isso!

O que o apologista católico definitivamente não vai contar a você é que, assim como no exemplo ilustrativo do início do artigo, o poder civil matava porque era a própria Igreja que mandava que ele matasse. Ou seja, a Igreja matava alguns (uma minoria) de forma direta, através de suas próprias instituições internas, e outros (a maioria) ela matava de forma indireta, compelindo o poder secular a matar, sob ameaças de excomunhão e até de deposição do cargo.

Eu poderia citar aqui centenas de historiadores que confirmam isso, mas aí os revisionistas iriam rebater com a meia dúzia de “historiadores” revisionistas que eles usam e ficaríamos eternamente em um fogo cruzado de citações de historiador x e y. Por isso, eu preferi acabar logo com a palhaçada revisionista e pesquisar nas fontes primárias, ou seja, nos próprios concílios ecumênicos da Igreja Romana daquela época. Ao pesquisar sobre a relação entre a Igreja e o poder secular, ficou claro que o poder secular não matava contra a vontade da Igreja (como os papistas embusteiros afirmam), mas sim por causa da vontade da Igreja.

O Quarto Concílio de Latrão (1123), por exemplo, determina que os hereges sejam entregues às autoridades seculares, para a “devida punição”:

“Nós excomungamos e anatematizamos toda heresia erguida contra a fé santa, católica e ortodoxa que temos exposto acima. Condenamos todos os hereges, quaisquer que sejam os nomes que podem ir abaixo. Eles têm rostos diferentes, mas na verdade suas caudas são amarradas juntas, na medida em que são similares em seu orgulho. Que aqueles condenados sejam entregues às autoridades seculares presentes, ou aos seus oficiais de justiça, para a devida punição[1]

Portanto, embora seja verdade que geralmente era o poder secular que matava os “hereges”, era a Igreja que entregava essas pessoas ao poder secular, em vez dela ser essa coisa boazinha que se opunha às autoridades civis malvadas, como os apologistas católicos costumam pintar. A Igreja Romana pregava abertamente a “censura eclesiástica”, na qual as autoridades seculares eram compelidas a exterminar os “hereges” da terra deles:

“Que as autoridades seculares tenham isso em conta e, se for necessário, que sejam obrigados pela censura eclesiástica, se desejam ser reputados por fieis, que façam um juramento público pela defesa da fé no sentido de que vão buscar, na medida do possível, exterminar (exterminare) das terras sujeitas a sua jurisdição a todos os hereges designados pela Igreja. Portanto, cada vez que alguém é promovido a autoridade espiritual ou temporal, está obrigado a confirmar este artigo com um juramento”[2]

Embora nas traduções que consultei do referido concílio (para o português e para o espanhol) conste a palavra “expulsar”, eu conferi que o original em latim traz o termo exterminare, que eu acho que ninguém precisa ser expert em latim para saber o que significa. Os tradutores católicos, tentando suavizar a monstruosidade do concílio, mudam as palavras para se ajustar à versão mais “tolerante” da Igreja moderna. Note ainda que o mesmo cânone diz que quando alguém é promovido a autoridade espiritual ou temporalela se torna OBRIGADA a confirmar este artigo (que manda exterminar os hereges) sob juramento. Nada que se pareça com o poder civil matando contra a vontade da Igreja!

O mesmo concílio insano ainda ameaça severamente as autoridades civis que rejeitarem seguir essas ordens para matar os hereges:

“Se, contudo, um senhor temporal, que recebeu as instruções exigidas pela igreja, se esquecer de limpar o seu território desta porcaria herética, ele deve ser vinculado com o vínculo de excomunhão dos bispos metropolitanose outros da província. Se ele se recusa a dar satisfação dentro de um ano, a mesma será comunicada ao Sumo Pontífice para que ele possa, em seguida, declarar seus vassalos absolvidos de sua fidelidade para com ele e tornar a terra disponível para ocupação dos católicos para que estes possam, depois de ter expulsado os hereges, não fazer oposição e preservar a pureza da fé[3]

O cânone acima é autoexplicativo. A autoridade civil que se recusasse a “limpar seu território” dos hereges (=exterminar todos eles) seria primeiro excomungada, e se mesmo assim ela continuasse se recusando a seguir a ordem da Igreja este senhor feudal perderia a sua propriedade(!), todos os seus vassalos estariam livres de obedecê-lo e ocupariam as terras deste senhor a la MST, para então fazer o que este senhor não fez: acabar com os hereges. Os católicos que assim agissem, exterminando os hereges, ganhariam a mesma indulgência prometida para aqueles que lutassem nas Cruzadas, ou seja, a Igreja bancaria o assassinato do cidadão, concedendo-lhe indulgência:

“Católicos que tomam a cruz e avançam para cima a fim de exterminar os hereges gozarão da mesma indulgência, e reforçadas pelo mesmo privilégio santo, como é concedido para aqueles que vão para o auxílio da Terra Santa. Além disso, determinamos excomunhão aos crentes que recebem, defendem ou apoiam os hereges”[4]

Além disso, no Terceiro Concílio de Latrão (1179) a Igreja incentivava a escravidão dos “hereges”, mandava confiscar os seus bens e ordenava que os católicos os atacassem com armas:

“Os seus bens estão a ser confiscados e os príncipes estão livres para submetê-los à escravidão (...). Na autoridade dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, concedemos aos fiéis cristãos que peguem em armas contra eles”[5]

O poder secular estava tão intimamente relacionado ao poder eclesiástico que a ele era atribuída rotineiramente a linguagem de “braço”, ou seja, como uma mera extensão do corpo (Igreja), em vez de um entidade totalmente à parte, como os fanáticos papistas querem nos convencer. Vale lembrar que naquela época inexistia o conceito moderno de “Estado Laico”, ou seja, não havia separação entre Igreja e Estado, e o Estado também era católico, governado por reis católicos e submetidos à obediência da Igreja, que em alguns casos chegou até mesmo a depor os reis(!), como quando o papa Gregório VII depôs o imperador Enrique IV, dizendo:

“Proíboao rei Enrique, o qual, por insensato orgulho, se lançou contra a Igreja, governar o reino da Alemanha e da Itália. E desligo a todos os cristãos do juramento que os unia a ele, e proíbo a todo o mundo que o reconheça como rei’”[6]

E, de fato, Enrique foi deposto do cargo!

É interessante notar que os papas naquela época tinham um poder temporal tão grande quanto o dos reis e do imperador (e às vezes até maior!), chegando muitas vezes a depor ou a excomungar reis, e, mesmo assim, nunca chegou a excomungar nenhum rei por matar ou torturar “hereges”. Este fato, por si só, já deveria ser o bastante para calar a boca daqueles que dizem que o poder secular malvadão matava todo mundo contra a vontade da Igreja, que, coitadinha, nada podia fazer para impedir toda essa carnificina.

A Igreja tinha poder para impedir, mas nunca impediu, porque considerava o poder secular o seu braço para o qual ela entregava à morte quem ela considerava “herege”, tal como diz o Quarto Concílio de Latrão:

“Se qualquer pessoa age de outra forma, deixe-a saber que ela foi atingida pela espada da excomunhão e se ela não retornar a seus sentidos será deposta no ministério da igreja, com o braço secular a ser chamado em caso necessário, para abafar tamanha audácia”[7]

O cânon 71, falando sobre a “trégua de Deus”, diz que “o poder secular será invocado pela autoridade eclesiástica contra eles”[8]. Como vemos, o poder secular não era outra coisa senão uma ferramenta usada pela Igreja para punir quem ela achava que devia ser punido. O poder secular não estava em conflito com a Igreja, mas a serviço dela! Desde pelo menos o Segundo Concílio de Latrão (1139) a Igreja se utilizava do poder secular para exigir a punição dos hereges:

“Aqueles que, simulando um tipo de religiosidade, condenam os sacramentos, nós expulsamos da igreja de Deus e condenamos como hereges, e exigimos que eles sejam constrangidos pelo poder secular[9]

O Concílio de Florença (1431), longe de coibir a carnificina e de separar Estado e Igreja, só piora o preconceito, intolerância, tirania e monstruosidade praticados pela Igreja mediante o seu “braço secular”. Podemos começar mostrando a discriminação covarde imposta contra os judeus convertidos, os quais eram proibidos de prosseguir com seus costumes judaicos sob a ameaça dos inquisidores e do “auxílio do braço secular”:

“Os convertidos devem ser proibidos, sob pena de severas sanções, de enterrar seus mortos de acordo com o costume judaico ou de observar de alguma forma o sábado e outras solenidades e rituais de sua seita. Em vez disso, eles devem frequentar nossas igrejas e sermões, tal como os outros católicos, e conformar-se em tudo aos costumes cristãos. Aqueles que mostrarem desprezo a isso devem ser delatados aos bispos diocesanos ou aos inquisidores de heresia por seus párocos, ou por outros que lhe são confiadas por lei ou costume antigo sobre tais assuntos. Deixem-nos serem punidos, com o auxílio do braço secular se necessário, para dar exemplo aos demais[10]

Se essa era a situação do judeu convertido, imagine como era a situação do judeu não-convertido! Felizmente, você não precisa imaginar nada. O próprio concílio responde isso por nós:

“Além disso, renovamos os cânones sagrados, que ordenam os bispos diocesanos e os poderes seculares a proibir em todos os sentidos judeus e outros infieis de ter cristãos, homens ou mulheres, em suas famílias prestando serviços, ou como enfermeiros de seus filhos, e os cristãos de entrar com eles em festas, casamentos, banquetes ou banhos, ou em muita conversa, ou em tomá-los como médicos ou agentes de casamentos ou mediadores nomeados oficialmente de outros contratos. A eles não devem ser dadas outras repartições públicas, ou admitidos a quaisquer graus acadêmicos. Eles estão proibidos de comprar livros eclesiásticos, cálices, cruzes e outros ornamentos de igrejas, sob pena da perda do objeto, ou a aceitá-los em penhor, sob pena de perda do dinheiro que emprestou. Eles estão obrigados, sob severas penas, de usar algum vestuário em que possam ser claramente distinguidos dos cristãos. A fim de evitar relações sexuais mútuas, eles devem habitar em áreas distantes, nas cidades e vilas que estão para além das residências dos cristãos e o mais distante possível de igrejas. Nos domingos e outras festas solenes que não se atrevam a abrir suas lojas ou trabalhar em público”[11]

Este preconceito covarde e desumano contra o povo judeu torna-se ainda mais deplorável quando constatamos que esses mesmos judeus eram em geral mais bem tratados pelos sarracenos (muçulmanos) do que pelos próprios católicos. Os judeus conviviam pacificamente com os muçulmanos em Jerusalém, quando o exército de bárbaros e selvagens conhecidos como “cruzados” entrou na cidade, matando ao fio da espada homens, mulheres, crianças e bebês, e reuniu os judeus na sinagoga, onde foram, sem piedade, queimados vivos[12]. Depois que os cristãos tomaram posse da cidade, os judeus fugiram para as cidades muçulmanas e bizantinas, onde havia mais tolerância.

Geoffrey Blainey afirma que na nova Roma católica as sinagogas, que por vezes tinham estado a favor dos governadores romanos, eram agora desprezadas. Em menos de um século, os judeus perderam seu direito de casar-se com cristãos, a não ser que mudassem de religião, e perderam seu direito de servir o exército. Não podiam tentar converter outras pessoas à sua religião; em vários lugares, as multidões destruíam sinagogas”[13]. Não há nada que Hitler tenha sentido contra os judeus que já não tivesse sido instigado, há muito antes, pelos católicos romanos – e apoiados nos próprios concílios oficiais da Igreja, dito “infalíveis” (leia-se: preconceituosamente infalíveis).

O mesmo concílio ainda mostra o juramento que o novo integrante do clero tinha que prestar, e que, entre outras coisas, prescrevia a entrega ao “braço secular” para lidar com os hereges:

“Esta é a fé, santo pai, que eu juro e prometo manter e observar e ver que ela é mantida e observada em todos os detalhes. Eu me engajarei e solenemente prometo privar de todos os seus bens e benefícios, de excomungar e denunciar como herético e condenado, quem rejeitar isso e levantar-se contra isso, e, se ele for obstinado, para degradá-lo e entregá-lo ao braço secular[14]

Essa realidade se fez bastante presente na condenação do grande John Huss, um dos pré-reformadores mais importantes, o qual foi queimado vivo na fogueira enquanto cantava um hino de louvor a Deus. No caso dele, bem como no de muitos outros, a Igreja o entregou às autoridades seculares, sabendo que a decisão já estava tomada – a morte na fogueira:

“Este santo sínodo de Constança abandona John Huss ao juízo da autoridade secular e decreta que ele será abandonado ao tribunal secular”[15]

Um dos artigos condenados de John Huss, mencionados no mesmo Concílio de Constança (1414), é um em que Huss diz:

“Os doutores que afirmam que toda pessoa submetida a censura eclesiástica, se se recusa a ser corrigido, deve ser entregue ao juízo da autoridade secular, estão, sem dúvida, seguindo os sacerdotes, os escribas e os fariseus que entregaram à autoridade secular o próprio Cristo, pois eles não estava dispostos a cumprir todas as coisas, dizendo: ‘Não é lícito para nós colocar qualquer homem à morte’, e estes deram-lhe ao juiz civil, de modo que estes homens são assassinos ainda maiores do que Pilatos”[16]

Huss comparava o que o catolicismo romano fazia em sua época com aquilo que os fariseus e mestres da lei fizeram com Cristo. Os fariseus não mataram Jesus com suas próprias mãos, mas queriam vê-lo morto e para isso o entregaram à autoridade civil. No entanto, em vez de Jesus dizer que a culpa recaía apenas sobre Pilatos (autoridade civil), ele disse que aqueles que o tinham entregado a ele (autoridades religiosas) tinham culpa maior ainda do que Pilatos (Jo.19:11). O catolicismo romano fazia exatamente a mesma coisa em pleno século XV. O apelo de Huss não adiantou, e ele acabou sendo queimado vivo do mesmo jeito.

Não satisfeito com isso, o papa Martinho V (1417-1471) ainda enviou uma carta ao rei da Polônia ordenando o extermínio dos hussitas (seguidores de John Huss):

"Saiba que os interesses do Santo Governo, e daqueles de sua coroa, consideram o seu dever exterminar os hussitas. Lembre-se de que essas pessoas ímpias se atrevem a proclamar princípios de igualdade; eles afirmam que todos os cristãos são irmãos... que Cristo veio a terra para abolir a escravidão; eles chamam as pessoas à liberdade, isto é à aniquilação de reis e bispos. Enquanto ainda há tempo, pois, levante suas forças contra a Boêmia; queime, massacre, faça desertos por toda parte, porque nada poderia ser mais agradável a Deus, ou mais útil para a causa dos reis, do que o extermínio dos hussitas"[17]

Era essa a verdadeira relação entre a Igreja e o Estado. O Estado não era um vilão malvado que matava pessoas pelas costas da Igreja santa e inocente, mas era um comparsa por ela compelido a continuar matando em nome da fé católica. Antes de surgir o nefasto e abominável revisionismo católico moderno, com a sua meia dúzia de “historiadores” selecionados a dedo e ainda deturpados, virtualmente todos os historiadores do planeta reconheciam este fato óbvio, inclusive Ignaz von Döllinger, que foi o maior historiador eclesiástico do século XIX, o qual afirmou:

"Através da atividade incansável dos papas e seus legados... a posição da Igreja era [que] todo desvio do ensinamento da Igreja, e toda oposição importante a qualquer ordenança eclesiástica, de­viam ser punidos com morte, e a mais cruel das mortes, pelo fogo... Eram os papas que incentivavam bispos e padres a condenar os heterodoxos à tortura, confisco de seus bens, aprisionamento, e morte, e impor a execução dessa sentença às autoridades civis, sob pena de excomunhão... Todo papa confirmava ou acrescentava aos artifícios de seu antecessor... [envolvendo] a Inquisição, que contradizia os princípios mais simples da justiça cristã e o amor ao próximo, e teria sido rejeitada com horror universal na igreja primitiva"[18]

Portanto, da próxima vez que um papista mentiroso e covarde tentar salvar a inquisição católica ou as milhões de mortes da Igreja jogando toda a culpa nas costas do poder civil, jogue os concílios infalíveis da Igreja dele na cara dele mesmo, lhe fazendo correr de vergonha por ter um dia sugerido tamanha sandice de que o Estado matava hereges contra a vontade da Igreja. Isso sem falar que, em alguns casos (e não poucos), eram as próprias instituições da Igreja que se dedicavam a torturar e matar pessoas, sem terceirizar para o Estado, o que posteriormente passou a ser o modelo mais comum. Assim, o Concílio de Tolosa (1229) prescreve:

“Proibimos os leigos de possuírem o Velho e o Novo Testamento... Proibimos ainda mais severamente que estes livros sejam possuídos no vernáculo popular. As casas, os mais humildes lugares de esconderijo, e mesmo os retiros subterrâneos de homens condenados por possuírem as Escrituras devem ser inteiramente destruídos. Tais homens devem ser perseguidos e caçados nas florestas e cavernas, e qualquer que os abrigar será severamente punido”[19]

E o papa Inocêncio IV, em sua Bula Ad Extirpanda (1252), já ordenava torturar o “herege” até o limite da diminuição de membro e perigo de morte:

“Além disto, que a Autoridade ou Dirigente seja obrigado a forçar todos os hereges, os que tiver capturado, a confessar seus erros expressamente, como verdadeiramente ladrões e homicidas de almas, e surrupiadores dos sacramentos de Deus e da fé cristã, e a acusar outros hereges, os que conhecem, e os crentes e os receptadores, e os defensores deles, assim como são forçados os surrupiadores e os ladrões das coisas temporais, a acusar seus cúmplices e a confessar os malefícios que fizeram, até o limite da diminuição de membro e perigo de morte[20]

Essas coisas que vimos neste artigo não foram ditas por um Paulo Leitão ou padre Paulo Ricardo, que são absolutamente insignificantes em termos de representação da Igreja. Ao contrário, foram ditas por papas infalíveis, em concílios infalíveis, ou em bulas infalíveis. A partir do momento em que uma religião proclama como infalível um concílio ou um papa totalmente preconceituoso contra os judeus e que manda matar os hereges em qualquer lugar ou torturá-los até o limite da diminuição do membro e do risco de morte, é que podemos ter alguma noção do fundo do poço em que esta instituição já chegou.

O historiador Jean Duché resume toda essa monstruosidade sem fim presente nos própriosinterrogatórios da Igreja quando diz:

“Torturar um suspeito para obter sua confissão era lhe fazer um favor. Inocêncio IV autorizou a tortura nos casos extremos, e uma só vez; os inquisidores concluíram disso que uma só vez por cada interrogatório. Com o chicote, o fogo, a permanência prolongada no fundo de uma masmorra, assando os pés do acusado com carvões ardendo, amarrando-o sobre um aparato de tortura e separando-o docilmente os membros do corpo com a ajuda de uma tesoura..., tinha que ser o diabo para não obter uma confissão. Certo que o tribunal, em sua sabedoria, sabia que as confissões assim tiradas não tinham valor; e esta dificuldade se remediava fazendo com que o acusado as confirmasse três horas depois, bem entendido que, se se retratasse, poderia voltar a recomeçar a coisa. Esses entravam em um ciclo perpétuo, e aos que se obstinavam em negar e estavam convencidos, e aos que haviam confessado seu erro mas haviam recaído nele, os relapsos, o tribunal os entregava ao braço secular para sua execução, recordando que a Igreja tinha horror a todo derramamento de sangue. Por isso os queimavam: assim o sangue não corria; na Espanha esta cerimônia se chamava um ato de fé, auto da fe[21]

Em todos estes anos de apologética, a única coisa que ainda me inquieta é entender como que certos apologistas católicos, sabendo ser ele um mentiroso, desleal, charlatão, revisionista e desonesto, consegue colocar a cabeça no travesseiro para dormir à noite, consciente de que no dia seguinte irá acordar para enganar mais católicos ingênuos com desculpas que ele sabe que são mentirosas, mas que servem para ludibriar os incautos na defesa de uma Igreja encharcada de sangue.

Sim, na grande maioria das vezes, era mesmo o Estado que matava. Mas o Estado era apenas o cão de guarda da inquisição, cumprindo rigorosamente as ordens de um tirano maior, o qual é ainda mais responsável pelos crimes cometidos. Diante dos fatos históricos incontestáveis, dizer que era o Estado e não a Igreja que matava é, como bem observa Elisson Freire, como dizer que não foi seu cachorro que mordeu, mas sim os dentes do cachorro.


Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,


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[1] Decretos do Quarto Concílio de Latrão, 1215.
[2] Decretos do Quarto Concílio de Latrão, 1215, Cânon 3.
[3] ibid.
[4]ibid.
[5] Decretos do Terceiro Concílio de Latrão, 1179.
[6] Apud DUCHÉ, Jean. Historia de la Humanidad II – El Fuego de Dios. 1ª ed. Madrid: Ediciones Guadarrama, 1964, p. 365.
[7] Decretos do Quarto Concílio de Latrão, 1215, Cânon 9.
[8] Decretos do Quarto Concílio de Latrão, 1215, Cânon 71.
[9] Segundo Concílio de Latrão, Cânon 23.
[10] Concílio de Florença, 1431-1445.
[11]ibid.
[12]Sobre isso especificamente, eu já escrevi em meu último artigo: http://heresiascatolicas.blogspot.com.br/2015/12/a-diferenca-entre-os-jihadistas.html
[13] BLAINEY, Geoffrey. Uma breve história do mundo. 1ª ed. São Paulo: Fundamento Educacional, 2010.
[14] Concílio de Florença, 1431-1445.
[15] Concílio de Constança, Sessão 15.
[16]ibid.
[17]R. W. Thompson, The Papacy and the Civil Power (New York, 1876), p. 553.
[18] Ignaz von Döllinger, The Pope and the Council (O Papa e o Concílio). Londres, 1869, pp. 190-93.
[19] Concil. Tolosanum, Papa Gregório IX, Anno Chr. 1229, Canons 14:2.
[20] Papa Inocêncio IV na Bula Ad Extirpanda, Cânon 26.
[21] DUCHÉ, Jean. Historia de la Humanidad II – El Fuego de Dios. 1ª ed. Madrid: Ediciones Guadarrama, 1964, p. 527.
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